4º./5º. ano Volume único Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria. Doutora em Educação pela Universidade de Mississípi (EUA). Ex-professora do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Professora dos cursos de graduação e pós-graduação da UFMS. Luiza Mello Vasconcelos Mestre em Linguística pela PUC-PR. Ex-professora do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Professora dos cursos de graduação e pós-graduação da UEMS e da UFMS. Zelia Peres de Souza Kruger Licenciada em História pela UFMS. Mestre em Desenvolvimento Sustentável pelo CDS/UnB. Consultora para assuntos ambientais da UNESCO (2003). História do mato grosso DO S L Nova edição 1ª. edição – São Paulo – 2011 MANUAL DO PROFESSOR HISTÓRIA Lori Alice Gressler Caixa Postal 65149 – CEP da Caixa Postal 01318-970 Internet: http://www.ftd.com.br E-mail: [email protected] História do Mato Grosso do Sul Copyright © Lori Alice Gressler, Luiza Mello Vasconcelos, Zelia Peres de Souza Kruger, 2011. Todos os direitos reservados à EDITORA FTD S.A. Matriz: Rua Rui Barbosa, 156 – Bela Vista – São Paulo – SP CEP 01326-010 Tel. (0-XX-11) 3598-6000 Caixa Postal 65149 – CEP da Caixa Postal 01390-970 Internet: <www.ftd.com.br> E-mail: [email protected] Diretora editorial Silmara Sapiense Vespasiano Editor Débora Lima Editor assistente Wellington W. Santos Assistentes de produção Ana Paula Iazzetto e Lilia Pires Assistente Editorial Cláudia Casseb Sandoval Preparadores Geuid Dib Jardim José Alessandre S. Neto Lucila Vrublevicius Segóvia Edição de texto do Manual do Professor José Alessandre S. Neto Revisora Vivian K. Ehara Coordenador de produção editorial Caio Leandro Rios Editor de arte e projeto gráfico Roque Michel Jr. Ilustrações Ivan Coutinho Cartografia Sonia Vaz Capa Cláudio Cuellar Foto de capa Mauricio Simonetti/Pulsar Iconografia Pesquisa Daniel Cymbalista Assistência Cristina Mota Editoração eletrônica Diagramação Wilde Velasques Kern Tratamento de imagens Alceu Medeiros Ana Isabela Pithan Maraschin Gerente de produção gráfica Reginaldo Soares Damasceno Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Gressler, Lori Alice História do Mato Grosso do Sul, 4º/5º ano : volume único / Lori Alice Gressler, Luiza Mello Vasconcelos, Zelia Peres de Souza Kruger. -1. ed. -- São Paulo : FTD, 2011. Nova edição. ISBN 978-85-322-7708-4 (aluno) ISBN 978-85-322-7709-1 (professor) 1. Mato Grosso do Sul - História (Ensino fundamental) I. Vasconcelos, Luiza Mello. II. Kruger, Zelia Peres de Souza. III. Título. 11-02917 CDD-372.898171 Índices para catálogo sistemático: 1. Mato Grosso do Sul : História : Ensino fundamental 372.898171 Apresentação Ivan Coutinho Este livro foi preparado para você. Para que você conheça mais sobre a história do nosso estado e continue a construí-la. A história de um povo é uma obra coletiva, da qual todos nós tomamos parte, ainda que, na maioria das vezes, de maneira anônima. O que os historiadores estudam são as permanências e as transformações que ocorrem no tempo. Você sabe que o atual estado de Mato Grosso do Sul faz parte do país em que vivemos, o Brasil. Sabe também que o Brasil faz parte de um espaço muito maior, formado por continentes e oceanos, conhecido pelo nome de planeta Terra. O estado de Mato Grosso foi dividido em 1977, criando-se então um novo estado, Mato Grosso do Sul. Neste livro, trataremos apenas da história de Mato Grosso do Sul, o nosso estado. Porém, como os dois estados estão unidos pela mesma história, muitas vezes faremos referência a fatos que ocorreram na região do antigo Mato Grosso mas que, de alguma forma, relacionam-se ao passado do atual Mato Grosso do Sul. Você verá que é fascinante viajar pelo tempo através dos livros e compreender melhor o mundo que nos rodeia. Nosso propósito é compartilhar com você esta viagem fantástica no tempo. Com este objetivo, reunimos informações que estão distribuídas nos textos que compõem este livro. Bom trabalho! As Autoras 3 Sumário Capítulo 4 – A colonização da América ...........31 Os espanhóis na América .............................32 Os portugueses no Brasil .............................35 As primeiras expedições .........................35 Capítulo 1 – O estudo da História ......................7 As capitanias hereditárias .......................37 Por que estudar o passado? ...........................8 Os governos-gerais .................................38 A história é dinâmica .....................................8 A economia colonial .....................................39 Fontes de pesquisa em História ...................10 O pau-brasil ............................................39 Atividades ....................................................11 A cana-de-açúcar ...................................40 Atividades ....................................................42 Capítulo 2 – Os primeiros ocupantes Capítulo 5 – A ocupação de Mato Grosso da terra ............................................................12 do Sul: o domínio espanhol ..............................44 O povoamento da América ...........................13 Os primeiros ocupantes de Mato Grosso Uma breve história da evolução do Sul ..........................................................14 administrativa de nosso estado ....................45 Os indígenas do território sul-mato- O início do povoamento................................46 -grossense ..................................................15 A penetração dos bandeirantes ....................47 Situação no passado ...............................15 As bandeiras para captura de Situação no presente ..............................17 indígenas ................................................47 As expedições de busca de Atividades ....................................................22 metais preciosos.....................................49 As monções em busca do ouro ...............50 Capítulo 3 – O sonho das descobertas ............23 As Grandes Navegações ..............................24 Primeiros núcleos de O caminho para as Índias.............................26 povoamento ............................................52 A divisão das novas terras ...........................28 Atividades ....................................................53 Atividades ....................................................29 Capítulo 6 – A ocupação de Mato Grosso Ivan Coutinho do Sul: o domínio português .............................55 O Tratado de Madri ......................................56 A criação da Capitania de Mato Grosso ................................................56 4 A formação de núcleos de povoamento A ocupação paraguaia de de Mato Grosso do Sul .................................57 Mato Grosso ................................................79 Coimbra ..................................................58 A Retirada da Laguna...................................79 Miranda ..................................................58 Consequências da guerra.............................84 Corumbá .................................................59 Atividades ....................................................85 Atividades ....................................................61 Capítulo 9 – Os movimentos pela Capítulo 7 – Origem e evolução dos municípios emancipação do sul do estado de de Mato Grosso do Sul: séculos XIX e XX ..........62 Mato Grosso ....................................................87 A independência do Brasil ............................63 A luta pela autonomia ..................................88 A expansão do povoamento na Província de A República Velha (1889-1930) ....................88 Mato Grosso ................................................64 Nioaque – O berço da divisão.......................90 A criação de colônias militares e o O governo Vargas (1930-1945) ....................93 surgimento de cidades ............................64 A formação do estado de A pecuária e o aparecimento de Maracaju (1932) ..........................................94 cidades ...................................................65 O território federal de Ponta Porã Atividades ....................................................69 (1943-1946) ................................................96 A criação do estado de Mato Grosso Capítulo 8 – A região do atual estado do Sul ..........................................................97 do Mato Grosso do Sul e a Guerra do Atividades ....................................................98 Paraguai............................................................73 O Brasil daquela época ................................74 Capítulo 10 – A história do cultivo da A Guerra do Paraguai ...................................74 erva-mate em Mato Grosso do Sul ...................99 O desenvolvimento do Paraguai ..............75 O início da exploração ................................100 O início do conflito ..................................76 O preparo da erva-mate.............................102 Os principais acontecimentos da A Companhia Mate Laranjeira ....................103 Guerra do Paraguai .................................77 Ivan Coutinho O crescimento econômico da Mate Laranjeira.....................................103 Acusações e denúncias contra a Mate Laranjeira.....................................105 Atividades ..................................................106 5 Capítulo 11 – O desenvolvimento da pecuária Capítulo 14 – Nossa gente, nossa em Mato Grosso do Sul ..................................108 cultura ...........................................................132 A terra como fator de produção O que é cultura ..........................................133 de riqueza..................................................109 Influências culturais – Usos e costumes.....134 A expansão da criação de gado..................109 O índio ..................................................134 O transporte do gado .................................111 O branco ...............................................135 A organização da comitiva ....................112 O negro.................................................136 Atividades ..................................................114 A contribuição dos migrantes e dos imigrantes .................................................137 Capítulo 12 – A agricultura e a indústria Os migrantes ........................................137 em Mato Grosso do Sul ..................................115 Os imigrantes .......................................138 A agricultura de subsistência e a criação Algumas manifestações artísticas de das colônias agrícolas................................116 Mato Grosso do Sul ....................................142 As colônias agrícolas públicas...............117 A artista plástica Lydia Baís...................142 As colônias agrícolas privadas ..............120 O poeta Manoel de Barros .....................143 O crescimento da agroindústria e da O compositor Zacarias Mourão .............146 indústria ....................................................121 Atividades ..................................................147 A abertura para o turismo ecológico ...................................................124 Capítulo 15 – Memórias da educação em Atividades ..................................................125 Mato Grosso do Sul ........................................148 Os primeiros professores ...........................149 Capítulo 13 – Transportes e comunicações Surgem as primeiras escolas .....................149 em Mato Grosso do Sul ..................................126 As escolas públicas ...................................152 As condições de trabalho dos A evolução dos transportes ........................127 A Estrada de Ferro Noroeste professores ................................................153 do Brasil ...............................................127 Atividades ..................................................155 Outros meios de transporte ...................129 Sugestões de atividades para O desenvolvimento das encerrar o ano letivo ...................................156 comunicações ...........................................129 Sugestões de leitura ....................................157 O telégrafo ............................................129 Referências bibliográficas ..........................158 Atividades ..................................................131 Bibliografia ..................................................159 6 Capítulo 1 Ivan Coutinho O estudo da História 7 Por que estudar o passado? Mauricio Simonetti/Pulsar Todas as pessoas têm um passado. Você, mesmo criança, já tem sua história. Nossos pais, nossos avós, nossa rua, nossas árvores, nossa casa, nossa escola, tudo tem uma história. A história de uma cidade, por exemplo, inicia-se com seus primeiros ocupantes e depois vai sendo, no cotidiano, construída coletivamente pelos que nela moram. Rua com casas antigas em Corumbá. Esta foto, apesar de recente (2008), retrata construções da época em que Corumbá era o centro comercial mais importante do estado. O estudo do passado possibilita a compreensão da realidade de hoje. Isto é a história. A história é como nossa memória. Sem memória, não temos identidade. Não sabemos quem somos, quem são nossos pais, onde moramos. Um povo que não preserva a sua história é como uma árvore sem raízes: qualquer vento a tomba. É através das raízes que a árvore obtém seu alimento. Assim, também, a compreensão dos fatos e acontecimentos atuais depende do conhecimento do passado. A história é dinâmica A história preocupa-se com o estudo das transformações vivenciadas por um grupo social. Ela é, portanto, dinâmica. Ao longo do tempo, o ser humano foi mudando sua forma de pensar e agir. Até o significado das palavras está sujeito a 8 modificações. Milhares de pessoas viveram antes de nós, de maneiras diferentes e em épocas diferentes. Compare fotos antigas e recentes de seus avós, de sua cidade, de sua escola. Você vai perceber nelas as transformações que sofreram, mas também observará a permanência de determinados elementos. Com isso, podemos dizer que o ritmo das mudanças varia, sendo que, enquanto algumas ocorrem de maneira mais lenta, outras acontecem mais rapidamente. Não podemos modificar o passado. É o conhecimento deste passado que muda. Mudam, portanto, as interpretações e a compreensão dos fatos. Por exemplo, nas primeiras décadas do século XX, alguns municípios do estado se desenvolveram mais que os outros. Por que hoje esses municípios não são os mais desenvolvidos? Isso pode ser respondido pela história. Estudamos a história para compreender o presente. O que esses acontecimentos têm a ver com a realidade do estado hoje? Como eles ajudam a explicar o que está acontecendo agora? Para estudar as transformações, precisamos nos orientar no tempo, isto é, conhecer o que existiu antes e o que existiu depois. É na linha do tempo que situamos os acontecimentos em seu tempo histórico. Assim como você, a sua cidade, o nosso estado e o Brasil, país em que vivemos, também tem uma história. Ao longo deste livro, por várias vezes, faremos referência aos períodos em que essa história está dividida. Conheça abaixo a linha de tempo do Brasil. Linha de tempo do Brasil Logo após o 7 de setembro, foi composto o Hino da Independência, com letra de Evaristo da Veiga e música de D. Pedro I, como retrata o quadro de Augusto Bracet (1881-1960). Desembarque de Pedro Álvares Cabral onde hoje é Porto Seguro, na Bahia. Quadro de Oscar Pereira da Silva (1867-1939). 9 Ivan Coutinho Oscar Pereira da Silva. 1922. MP/USP, SP Augusto Bracet – Primeiros Sons do Hino da Independência. 1922. MHN, RJ 4O mil anos Como você vê, a história desta terra que foi chamada de Brasil começa por volta de 40 mil anos atrás, quando, provavelmente, chegaram por aqui os primeiros grupos humanos. Em 1500, inicia-se o período do Brasil Colônia, com a descoberta e a posse das terras brasileiras pela Coroa portuguesa. No ano de 1822, quando o Brasil torna-se independente de Portugal, abre-se o período do Brasil Império. Finalmente, de 1889 até hoje, tem lugar o período do Brasil República. Fontes de pesquisa em História 1500. Arquivo Naciona oa l da Torre do Tombo, Lisb Para encontrar respostas no passado, utilizamos todos os tipos de documentos que possam revelar e esclarecer os fatos. Esses documentos são chamados de fontes históricas e podem ser: livros, jornais, fotografias, pinturas, entrevistas, músicas, roupas, restos de construções antigas etc. Os documentos escritos têm si do, tradicionalmente, os mais uti lizados na pesquisa histórica. Nem tudo, porém, que está escrito é verdadeiro. Por exemplo, como saber sobre a vida dos escravos, se não temos a opinião deles em jornais ou livros? Por isso temos de comparar e confrontar documentos e questionar suas afirmações. A carta de Caminha é um importantíssimo documento da História do Brasil. Nela Pero Vaz de Caminha conta ao rei de Portugal suas impressões sobre a terra a que os portugueses chegaram em abril de 1500. Hoje em dia, no entanto, os historiadores vêm ampliando muito o uso de suas fontes de pesquisa. A observação atenta de pinturas e fotografias, por exemplo, pode nos revelar muitos aspectos sobre o passado, como o tipo de roupas que as pessoas usavam, suas formas de moradia e mesmo as diferenças sociais existentes. Também a história oral tem sido bastante valorizada como forma de se obterem informações sobre o passado. Assim, por meio dos depoimentos das pessoas que vivenciaram os acontecimentos, busca-se reconstituí-los. 10 Debret – Uma senhora brasileira em seu lar. Séc. XIX. Biblioteca Municipal Mário de Andrade, SP. Foto: Nelson Toledo Esta gravura foi feita pelo pintor francês Debret por volta de 1830, quando ele vivia no Brasil. Por ela podemos ter uma ideia do modo de vida naquela época. Observe o que estão fazendo e como estão vestidas as personagens: a dona de casa, a menina branca, as escravas e o escravo, as crianças. Veja os móveis e objetos. Por exemplo: é possível conhecer a história de sua escola fazendo-se a coleta de informações contidas em documentos escritos, em fotos, vídeos e também com base em registros obtidos por meio da história oral. ATIVIDADES 1. Por que é importante estudarmos o nosso passado? 2. “Um povo que não preserva a sua história é como uma árvore sem raízes: qualquer vento a tomba.” Como você explica essa comparação? 3. O que significa dizermos que a história é dinâmica? Dê um exemplo com base na sua experiência de vida. 4. Procure em casa uma foto de seu pai ou de sua mãe quando eram crianças. Compare-a com o aspecto físico atual deles, observando o que mudou e o que permaneceu igual ou parecido. 5. A linha do tempo é uma representação ou desenho que nos ajuda a visualizar a passagem do tempo, localizando fatos e períodos históricos. Faça uma linha do tempo da história de sua escola. 6. O que são fontes históricas? Por que elas são importantes? Se você fosse estudar a história da sua família, cidade, escola, por onde começaria? Que fontes você utilizaria? 7. A maioria das pessoas não costuma escrever suas experiências, mas elas podem ter muito que contar sobre os acontecimentos que viveram. Faça uma entrevista com uma pessoa idosa. Peça a ela que conte como era, no passado, a cidade onde você mora hoje. Pergunte sobre os meios de transporte, o comércio, as festas e o que mais você quiser saber. 8. Compare a resposta acima com a de seus colegas e anote em seu caderno as diferenças e as semelhanças que vocês encontraram nas entrevistas realizadas. 11 Capítulo 2 Os primeiros ocupantes da terra Ivan Coutinho 12 Ivan Coutinho O povoamento da América Você sabia que a América já era habitada muito antes da chegada dos europeus, no final do século XV? Como esses primeiros habitantes chegaram aqui? A explicação mais aceita é a de que os primeiros povoadores vieram da Ásia e atravessaram andando o estreito de Bering, que estava congelado. É possível que, algum tempo depois, outros grupos humanos tenham vindo para a América por mar, provenientes da Ásia e da Oceania. Círculo Polar Ártico 60ºN Equador ic nw ren G e o d ian rid 30ºS h Trópico de Capricórnio M e 0º Sonia Vaz 30ºN Trópico de Câncer 60ºS Círculo Polar Antártico 30ºO 0º 30ºL 60ºL 90ºL 120ºL 150ºL 180º 150ºO 120ºO 90ºO 60ºO 30ºO Fonte: Atlas da história do mundo. 1995. Os seres humanos chegaram à América em várias correntes. A mais importante, mas não a única, é a que foi da Ásia para a América do Norte através do estreito de Bering. Não se sabe exatamente a data do início do povoamento da América. Acredita-se que isso teria ocorrido entre 70 mil e 20 mil anos atrás, mas novas pesquisas estão sendo feitas e podem nos trazer dados mais precisos no futuro. 13 70°O 60°O 50°O Sonia Vaz Em diferentes regiões do Brasil, existem sinais de grupos humanos datados de aproximadamente 10 mil a 40 mil anos. Portanto, em 1500, os portugueses apenas tomaram conhecimento da existência do Brasil, que já era habitado havia muito e muito tempo, sendo que, à época da chegada de Cabral, havia aqui cerca de 5 milhões de indígenas. 40°O 0° 10°S 20°S 30°O 30°S Os primeiros ocupantes de Mato Grosso do Sul Os primeiros seres humanos a percorrerem o atual território sul-mato-grossense devem ter chegado aqui há cerca de 15 mil anos. Vinham de outras regiões, seguindo o curso dos rios. Existem vestígios dessa presença em vários municípios de nosso estado, que conta com cerca de 120 sítios arqueológicos. Os mais antigos datam de 11 mil anos, na região do rio Sucuriú, no município de Paranaíba. Sítio arqueológico: Local onde se encontram vestígios muito antigos de ocupação humana. 14 Haroldo Palo Jr./Kino Como os povos pré-históricos não tinham escrita, um dos meios de conhecermos seu modo de vida são os desenhos e pinturas que deixaram nas paredes das cavernas. Em nosso estado, foram encontrados desenhos feitos na rocha há mais de 2 000 anos em sítios arqueológicos localizados nos municípios de Antônio João e Corumbá, entre outros. Outra maneira de sabermos algo sobre esses povos são as fontes materiais, como, por exemplo, ossadas de seres humanos ou de animais e restos de utensílios domésticos. No município Inscrições encontradas na Lagoa Gaiva, na Serra do Amolar (2008). de Ladário foi encontrado um esqueleto humano muito antigo, datando de cerca de 8 400 anos. Sabe-se que esses grupos humanos sobreviviam da caça, da pesca e da coleta do que poderia lhes servir como alimento. Lascavam e poliam a pedra para produzir utensílios e instrumentos de trabalho, como armas, facas, machados, moedores, pontas de flecha e lanças. Coleta: Atividade característica dos povos que não conhecem a agricultura e vivem de colher frutos e raízes oferecidos pela natureza. Os indígenas do território sul-mato-grossense Situação no passado Há pelo menos 5 mil anos que a aprendizagem do cultivo de plantas, a domesticação de animais e as condições de solo e clima favoreceram o desenvolvimento de diversos grupos étnicos que ocuparam o território do atual estado de Mato Grosso do Sul. Grupo étnico: Grupo de pessoas que compartilha a mesma cultura, especialmente a língua, os comportamentos sociais e as crenças. 15 Juca Varella/ Folha Imagem Entre os nativos do território sul-mato-grossense, os mais numerosos, no século XVI, eram os Guarani. Excelentes agricultores, plantavam principalmente o milho e a mandioca, base de sua alimentação. Eles conheciam também o cultivo e a tecelagem do algodão, para a confecção de redes e vestimentas. Produziam potes de cerâmica para o armazenamento de alimentos e os utilizavam, inclusive, para o sepultamento de seus mortos. Atualmente, os Guarani são representados pelos Kaiowá e pelos Ñandeva. A partir do século XVII, os colonizadores portugueses e espanhóis intensificaram seus ataques às aldeias dos Guarani. Eles exploraram a mão de obra indígena, tanto no trabalho agrícola como na mineração. Indígenas do povo Kaiowá participam de uma refeição comunitária na aldeia Bororó, em Dourados (2003). Com o enfraquecimento dos Guarani, outros povos, como os Aruak e os Guaicuru, penetraram na região sul do Pantanal. Os Aruak são hoje representados pelos Terena, enquanto a nação Guaicuru está reduzida atualmente a menos de mil índios Guaná ou Kadiwéu. Também estão presentes em Mato Grosso do Sul os Ofayé-Xavante e os Guató, entre outros (consulte neste capítulo, às páginas 19 e 20, o quadro “Localização das terras indígenas”). 16 Francis Castelnau – Indien Guaycuru. Séc. XIX. IEB/USP, SP. Foto: Nelson Toledo Caçadores e coletores extremamente guerreiros, os Guaicuru dominavam as demais tribos, favorecidos pela domesticação do cavalo, introduzido na região pelos colonos espanhóis. Excelentes montadores, até hoje são conhecidos como “índios cavaleiros”. Possuem também uma arte refinada, que se revela nos belos motivos coloridos usados na decoração de seus objetos de cerâmica e nas tatuagens realizadas em seus corpos. Debret – Carga de cavalaria Guaicuru. Séc. XIX. Biblioteca Municipal Mário de Andrade, SP. Foto: Nelson Toledo Mulher Guaicuru com pintura facial e corporal. O retrato foi feito por volta de 1845 por Francis Castelnau, que dirigiu uma expedição francesa que percorreu a América do Sul. Esta gravura de Debret mostra indígenas do povo Guaicuru. Os Guaicuru são conhecidos como “índios cavaleiros”. Situação no presente Os indígenas resistiram como puderam à ocupação europeia, mas o resultado foi o quase extermínio da população nativa. A miscigenação, de certa forma, também contribuiu para isso. Muitos brasileiros são descendentes dos indígenas que se uniram a pessoas de outras etnias através do casamento e não se consideram índios. Quando os portugueses aqui chegaram, existiam cerca de 1 300 línguas indígenas. Desse total, restam hoje em dia apenas cerca de 170 línguas. Isso dá ideia da grande redução que a população indígena sofreu no Brasil. 17 Hoje, a maior concentração de população indígena do Brasil encontra-se na região amazônica, onde vivem cerca de 250 mil indivíduos (segundo dados da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA, 2010). No Mato Grosso do Sul, ainda segundo a FUNASA, vivem cerca de 60 mil indígenas, em aldeias ou fora delas. A maioria deles vive em reservas. Alguns se misturam aos marginalizados das grandes cidades, na condição de índios desaldeados. Outros indígenas estudam nas universidades, ocupam cargos públicos e trabalham na cidade ou em propriedades rurais. Os únicos indígenas que têm título de posse de suas terras são os Kadiwéu, da Reserva da Bodoquena, área de 373 024 hectares localizada no antigo município de Corumbá. Essa área foi doada pelo imperador Dom Pedro II como recompensa pela participação do grupo na Guerra do Paraguai. Atualmente, segundo o Relatório do Senado Federal sobre Demarcação de Terras Indígenas (2004), essa área foi ampliada para 538 535 hectares, sendo habitada também por outras etnias, localizando-se nos atuais municípios de Porto Murtinho e Corumbá. Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem Desaldeados: Indígenas que vivem fora de aldeias. Memorial da Cultura Indígena, em Campo Grande (2000). O Memorial é formado pela oca central, feita de bambu, e pelo Conjunto Habitacional Marçal de Souza – a primeira aldeia urbana brasileira. A aldeia é habitada por famílias que deixaram a mata, pertencentes a diversos povos – Kadiwéu, Kaiowá, Terena, Ofayé-Xavante. 18 O Brasil [...] ainda desconhece a imensa sociodiversidade indígena que existe em seu território. [...] A imagem do índio conhecida pela população é a do índio romântico, a do índio selvagem [...]. E existem várias razões para isto. A primeira é que existem poucos espaços para a expressão dos índios no cenário cultural e político do país. Vivendo a maioria deles em locais de difícil acesso, com condições quase que exclusivamente orais de comunicação e falando geralmente apenas sua língua, com domínio relativo do português, as diferentes etnias encontram dificuldades para se expressar no mundo dos não índios. Sua cultura e pontos de vista são tomados geralmente fora dos contextos onde vivem [...]. Basta mencionar, por exemplo, que das 206 etnias conhecidas [...], no máximo a metade, talvez, foi objeto de pesquisa [...] e a maior parte dos resultados [...] não está publicada nem é acessível ou o é apenas em línguas estrangeiras. Rita Amaral. Caçando e pescando, guerreando feliz: representações sobre índios feitas por crianças de uma escola pública de primeiro grau, na cidade de São Paulo (SP). Os Urbanitas, Revista Digital de Antropologia Urbana. Ano 1, v. 1. n. 2, out. 2003./ Extraído do site: <www.aguaforte.com/antropologia/osurbanitas/revista/povosindigenas.html>. Acesso em: 10 jan. 2011. O estado de Mato Grosso do Sul conta com uma área total de 35 054 800 hectares, enquanto a área de reservas efetivamente ocupada soma 50 506 hectares, o que corresponde a cerca de 0,2% das terras do estado. Existem outras áreas indígenas além das reservas. A demarcação das terras indígenas é uma constante fonte de conflitos entre os índios e os fazendeiros. Veja, no quadro a seguir, a localização atual das terras indígenas de nosso estado. Localização das terras indígenas Município Nome da terra Grupo indígena Amambaí Aldeia Limão Verde Amambaí Guarani-Kaiowá Guarani-Kaiowá, Guarani-Ñandeva Guarani-Kaiowá, Guarani-Ñandeva Terena Guarani-Kaiowá Guarani-Kaiowá Terena Terena Guarani-Kaiowá Guarani-Kaiowá Ofayé-Xavante Guarani-Kaiowá, Guarani-Ñandeva Guarani-Kaiowá Jaguari Anastácio Antônio João Aquidauana Aral Moreira Bela Vista Brasilândia Caarapó Aldeinha Aldeia Campestre Cerro Marangatu Limão Verde Taunay/Ipegue Guasuti Pirakua Ofayé-Xavante Caarapó Guiraroka 19 Município Nome da terra Grupo indígena Coronel Sapucaia Sete Cerros Guarani-Kaiowá, Guarani-Ñandeva Guarani-Kaiowá Guató Kamba Terena Corumbá Dois Irmãos do Buriti e Sidrolândia Douradina Dourados Taquaperi Guató Camba Buriti Panambi Dourados Eldorado Panambizinho Cerrito Juti Jarara Laguna Carapã Maracaju Miranda Mundo Novo Nioaque Paranhos Ponta Porã Porto Murtinho Rochedo Sete Quedas Sidrolândia Tacuru Taquara km 20/Barrero Guasu Urucuty Sucuriy Cachoeirinha Lalima Nossa Senhora de Fátima Pilade Rebuá Porto Lindo Nioaque Arroio Corá Potrero Guaçu Takuaraty/Yvykuarusu Guaimbé Gua-y-viri Kokue-í Lima Campo Rancho Jacaré Kadiwéu Água Limpa Pirajuí Sombrerito Buritizinho Jaguapiré Sassoró Guarani-Kaiowá Terena, Guarani-Kaiowá, Guarani-Ñandeva Guarani-Kaiowá Guarani-Ñandeva, Guarani-Kaiowá Guarani-Kaiowá, Guarani-Ñandeva Guarani-Kaiowá Guarani-Kaiowá Guarani-Kaiowá Guarani-Kaiowá Terena Terena e Kinikinau Terena Terena Guarani-Ñandeva Terena Guarani-Kaiowá Guarani-Ñandeva Guarani-Kaiowá Guarani-Kaiowá Guarani-Kaiowá Guarani-Kaiowá Guarani-Kaiowá Guarani-Kaiowá Kadiwéu, Kinikinau, Terena Terena Guarani-Ñandeva Guarani-Ñandeva Guarani-Kaiowá Guarani-Kaiowá Guarani-Kaiowá Fonte: Instituto Socioambiental, 2011. 20 FIQUE SABENDO Por meio de seus mitos, os indígenas procuram explicar a criação do mundo e de tudo que nele existe. A mandioca é um alimento fundamental na dieta alimentar indígena. Leia, a seguir, um mito tupi da origem da mandioca. Mito: A palavra mandioca significa “casa de Mani”. Segundo uma lenda tupi, a filha de um chefe indígena engravidou. Nasceu uma menina chamada Mani, que morreu com 1 ano de idade. De seu túmulo, brotou um arbusto desconhecido. A terra então se abriu, deixando à mostra as raízes da planta, que passou a ser conhecida como “mandioca”, que significa “a casa de Mani”. A mandioca é uma planta típica de regiões quentes, e sua raiz é muito nutritiva. Existem diversas variedades de mandioca, entre elas a mandioca-brava, que é venenosa. A farinha seca é um dos principais produtos provenientes da mandioca e é obtida ralando-se a mandioca descascada. Depois de ralada, a mandioca é espremida para que seja retirada a água. Até hoje os indígenas usam grandes vasilhas rasas e redondas para assar a massa seca. A tapioca e o polvilho são outros produtos obtidos a partir da mandioca. 21 Ivan Coutinho A mandioca Relato da tradição oral que busca explicar um fenômeno natural ou narrar um acontecimento histórico. ATIVIDADES 1. Observe o mapa da página 13 que mostra a entrada dos primeiros grupos humanos na América. Segundo a teoria mais aceita, como isso aconteceu? 2. O Brasil foi descoberto pelos portugueses em 1500, porém ele já era habitado muito antes disso. Procure no texto elementos que comprovem essa afirmativa. 3. Onde foram encontrados os sinais mais antigos da presença humana em território sul-mato-grossense? Quanto tempo eles têm? 4. Veja a foto que mostra incrições pré-históricas feitas na rocha na Serra do Amolar (página 15). Por que é importante o estudo desses registros? 5. Faça uma história em quadrinhos mostrando algum aspecto do modo de vida dos primeiros habitantes de Mato Grosso do Sul. 6. Com base nas informações do texto, faça um desenho de um índio Guaicuru, ressaltando nele suas maiores habilidades. 7. Abaixo você encontrará um importante tema para discussão em grupo. Cada grupo deve anotar suas conclusões para depois apresentá-las para a classe. Tema: Como explicar que havia 5 milhões de indígenas no Brasil quando os portugueses aqui chegaram e hoje restam apenas cerca de 700 mil? 8. Observe o quadro “Localização das terras indígenas” e responda às perguntas a seguir: • Existem aldeias e grupos indígenas situados em seu município ou em municípios vizinhos ao seu? Quais são eles? Como vivem? 9. Em diferentes épocas, as tatuagens têm significados diversos, podendo até despertar preconceitos e discriminação. Relacione os desenhos corporais dos indígenas com as tatuagens modernas. 10. Observando a foto da página 16, identifique as mudanças ocorridas no modo de viver dos indígenas. Você sabe dizer quais são elas? Anote-as e compare com as respostas dos seus colegas. 11. Lendo o texto complementar de Rita Amaral, você pode conhecer a imagem que o Brasil faz do índio, segundo a autora. Qual a imagem que você tem do índio de Mato Grosso do Sul? 12. Você encontrará neste livro algumas palavras de origem indígena. Faça uma pesquisa em dupla sobre outras palavras da mesma origem. Anote-as em seu caderno e coloque ao lado o significado de cada uma delas. Veja alguns exemplos: Catapora – fogo que salta. Itaporã – pedra bonita. Jacá – cesto feito de taquara ou de cipó. 22 Mandioca – casa de Mani. Tereré – mate preparado com água fria. Capítulo 3 Ivan Coutinho O sonho das descobertas 23 As Grandes Navegações Pierre Desceliers. 1550. Museu Britânico, Londres Você já teve o sonho de conhecer outros lugares? Pois nunca houve sonho que tanto seduzisse os homens como o de superar os limites do mundo conhecido e fazer novas descobertas. Neste mapa da América do Sul, desenhado em 1550, o artista representou, com imaginação e fantasia, a chegada dos europeus e a resistência dos indígenas. Navegar, no século XV, significava lançar-se à aventura e correr todos os riscos. Nessa época, os dois países com maiores conhecimentos de navegação e com mais condições econômicas para financiar expedições marítimas eram Espanha e Portugal. O objetivo principal dos espanhóis e portugueses era chegar até as Índias, lugar de onde provinham mercadorias muito consumidas pelos europeus, como tecidos, joias e perfumes. Sobretudo, era das Índias que vinham as especiarias. Por não haver geladeiras, como existem hoje, naquela época usavam-se especiarias para temperar e conservar alimentos, principalmente carnes. As mais cobiçadas eram a pimenta-do-reino, a canela, o cravo-da-índia, o gengibre, o anis e a noz-moscada. Cobiçada: Desejada. 24 Sérgio Dotta Jr/The Next Seu comércio era tão lucrativo que motivou as chamadas Grandes Navegações dos séculos XV e XVI. Assim ficou conhecido esse período histórico, marcado por muitas descobertas e con- Especiarias: noz-moscada, sementes de mostarda, cravo, canela e pimenta-do-reino. quistas de novas terras. Os portugueses reuniram em Sagres, no sul do país, estudiosos dedicados ao desenvolvimento da navegação, inclusive pesquisadores vindos das cidades italianas de Veneza e Gênova. Lá eles conseguiram aperfeiçoar uma embarcação apropriada para as viagens em alto-mar: a caravela. Os homens que viajavam em uma caravela precisavam de coragem para atravessar o Atlântico, como hoje os astronautas precisam dessa coragem para lançar-se ao espaço. As viagens eram longas e perigosas, sendo que mais da metade dos que embarcavam não retornava. Havia muitos naufrágios, e era comum a morte por doenças, como o escorbuto e a cólera. Hans Dürer (atribuído). Séc. XVI Escorbuto: Doença causada pela carência de vitamina C, que provoca hemorragias. Cólera: Doença infecciosa aguda, contagiosa, caracterizada por diarreia abundante, grande fraqueza e cãibras. Em navios a vela parecidos com este os navegadores portugueses atravessaram o Atlântico e o Índico, alcançando terras da América, da África e da Ásia nos séculos XV e XVI. Como a água do mar não serve para beber por ser muito salgada, o navio transportava grande quantidade de barris e pipas com água doce. A distribuição da água e da comida para os marinheiros e oficiais tinha de ser racionada, pois os mantimentos precisavam durar até o final da viagem. Água doce: Água que não contém grandes quantidades de cloreto de sódio e outros sais; água das chuvas, das nascentes e dos rios. Racionada: Distribuída com critério, de acordo com regras. 25 O caminho para as Índias 120ºO 90ºO 60ºO 30ºO 0º 30ºL 60ºL 30ºN 0º 30ºS Meridiano Sonia Vaz Para chegar às Índias, os portugueses e os espanhóis fizeram caminhos diferentes. Os espanhóis optaram por seguir na direção Oeste. Os soberanos espanhóis Fernando e Isabel financiaram a viagem de Colombo, um hábil navegador genovês. Ele assegurava que a melhor maneira para se chegar às Índias era navegar para o Ocidente, e não para o Oriente, como pensavam os portugueses. A expedição de Colombo era pequena e contava com três caravelas. No dia 12 de outubro de 1492, ele chegou a um lugar que imaginou ser as Índias e, por isso, chamou os habitantes que lá encontrou de índios. Na verdade, Colombo havia chegado à América. Já os navegadores portugueses esperavam atingir as Índias indo na direção Leste e viajando pelo oceano Atlântico e pelo Índico. E assim fizeram. Em 1488, conseguiram contornar o extremo sul do continente africano e, finalmente, em 1498, o navegador português Vasco da Gama conseguiu chegar à cidade de Calicute, nas Índias. Essa descoberta do caminho marítimo para as Índias entusiasmou os comerciantes e o rei de Portugal, pois abriu-lhes a possibilidade de conseguir grandes lucros com o comércio das especiarias e demais mercadorias orientais. Assim, em 8 de março de 1 500, partia do Tejo, em Portugal, Pedro Álvares Cabral com treze naus e 1 500 homens. Essa era a maior esquadra até então enviada pelos portugueses ao Oriente. Entretanto, embora a frota devesse navegar para o Leste, ela rumou para o Oeste e, em 22 de abril do mesmo ano, os marinheiros avistaram as costas das terras que mais tarde seriam chamadas de Brasil. Ao desembarcar em Porto Seguro, no litoral do atual estado da Bahia, Cabral tomou posse daquele território em nome de Portugal. 26 90ºL 120ºL 150ºL FIQUE SABENDO Na esquadra comandada por Cabral estava também o escrivão Pero Vaz de Caminha, que relatou tudo o que viu durante a viagem e depois enviou a carta ao rei de Portugal. Veja sua impressão sobre os indígenas brasileiros quando os viu pela primeira vez: Dali avistamos uns homens que andavam pela praia. Eram uns sete ou oito [...]. A pele deles é parda, meio avermelhada. Eles têm bons rostos e narizes; e são benfeitos. Andam nus, sem nada que cubra seus corpos [...]; e são tão inocentes nisso como ao mostrar o rosto. Ambos tinham os lábios de baixo furados e metido neles um osso branco verdadeiro [...]. Eles os colocam pela parte de dentro do lábio, e a parte que fica entre o lábio e os dentes é feita como uma torre do jogo de xadrez e é encaixada de maneira que não os machuque nem os atrapalhe ao falar, comer ou beber. Os cabelos deles são lisos e raspados até para cima das orelhas [...]. Osmar Alve s do s Santos Marc Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles Poliana Asturiano e Rodval Matias. A carta de Pero Vaz de Caminha: versão ilustrada em linguagem atual. São Paulo: FTD, 1999. p. 25-29. O menino indígena, fotografado por volta de 1880, e o adulto Guarani-Kaiowá (Paulito Aquino, da aldeia Panambizinho), fotografado em 2000, usam no lábio o tembetá, peça semelhante à que foi descrita na carta de Caminha. 27 A divisão das novas terras Você já deve ter acompanhado, pela TV ou pelos jornais, conflitos entre países sobre a posse de territórios e tentativas fracassadas de acordos. No século XV, Portugal e Espanha disputavam os novos territórios. Os portugueses, que já vinham realizando expedições marítimas pelo oceano Atlântico desde o começo do século XV, acreditavam ter direito sobre as novas terras encontradas por Colombo e apossadas pela Espanha. Para evitar conflitos, Portugal e Espanha fizeram um acordo, dividindo entre si as terras descobertas ou por descobrir. Em 1494, foi assinado um tratado, na cidade espanhola de Tordesilhas, que estabelecia uma linha imaginária, o meridiano de Tordesilhas, situada a 370 léguas (aproximadamente 2 mil quilômetros) das ilhas de Cabo Verde. Ficaram então demarcados os territórios de Portugal e da Espanha: as terras a Leste do meridiano pertenceriam a Portugal, e as terras a Oeste seriam Imaginária: da Espanha. Criada pela imaginação. 180º 150ºO 120ºO 90ºO 60ºO 0º 30ºO 60ºN 30ºN 0º 30ºS 60ºS 28 30ºL 60ºL 90ºL 120ºL 150ºL 180º Sonia Vaz De acordo com o Tratado de Tordesilhas, firmado, como vimos, seis anos antes de Cabral chegar ao Brasil, parte do atual território brasileiro já pertencia aos portugueses, e o restante aos espanhóis. Como você poderá observar no mapa a seguir, o atual território sul-mato-grossense situava-se em domínio pertencente à Espanha, visto que a linha imaginária ia da atual cidade de Belém do Pará a Laguna, em Santa Catarina. ATIVIDADES 1. Por que Portugal e Espanha foram os dois países que iniciaram as Grandes Navegações? 2. Que importância tinham as especiarias na Europa do século XV e de onde elas eram trazidas? 3. Pergunte em sua casa como as especiarias (cravo, canela, gengibre, pimenta-do-reino, anis, noz-moscada) são utilizadas para temperar alguns dos alimentos que você come. Anote tudo e conte para sua classe. 4. Para encontrar um caminho marítimo para as Índias, os navegadores portugueses e os navegadores espanhóis fizeram opções diferentes. Explique cada uma delas. 5. Construa uma linha do tempo onde constem as seguintes datas: 1492, 1494, 1498 e 1500. Em seguida, localize nela os fatos que correspondem a cada data. 6. Para que foi firmado o Tratado de Tordesilhas (1494) entre Portugal e Espanha? 7. Se o Tratado de Tordesilhas tivesse sido respeitado pelos portugueses, que língua estaríamos falando hoje em Mato Grosso do Sul? Por quê? 9. O que a viagem de Cabral mudou na vida das pessoas que viviam no Brasil (os indígenas) e em Portugal (os europeus)? 10. Os navegadores do século XV sonhavam com o desconhecido. Imaginavam o que existiria do outro lado do oceano Atlântico. Tiveram de enfrentá-lo para descobrir que lá havia novas terras e seres humanos como eles. Escreva em seu caderno sobre algumas grandes aventuras que você gostaria de realizar e explique por que você as considera interessantes. Em seguida, apresente-as a seus colegas para conversarem sobre elas. 29 Ivan Coutinho 8. Sob o ponto de vista dos europeus, a América foi descoberta por eles. Em sua opinião, qual seria o ponto de vista dos indígenas? 11. Observe o mapa e responda: Sonia Vaz • Qual a cor da região fornecedora de especiarias? • Qual a cor do caminho percorrido por Vasco da Gama para chegar às Índias? • Em que cor está assinalada a viagem de Colombo? • Em que cor está assinalada a viagem de Cabral? • Qual a cor da África, continente que os portugueses tiveram de contornar para chegar às Índias? • Qual a cor do continente americano, descoberto por Cristóvão Colombo? • Em que cor está assinalada a linha do Tratado de Tordesilhas? 60ºN 30ºN 0º 30ºS 60ºS 180º 150ºO 120ºO 90ºO 60ºO 30ºO 0º 30 30ºL 60ºL 90ºL 120ºL 150ºL 180º Capítulo 4 A colonização da América Ivan Coutinho 31 Os espanhóis na América Ainda hoje, as riquezas de um país despertam a cobiça de outros, que procuram controlá-las às vezes pela força, outras pela influência política. Isso se aplica ao petróleo, às minas de diamantes, às reservas de minerais, como ferro e manganês, e até a Amazônia. Entre os séculos XVI e XVIII, acreditava-se que a riqueza de um país era medida pela quantidade de ouro e prata que ele possuísse. Por isso, explica-se a enorme avidez dos conquistadores europeus pela busca de metais preciosos nas Avidez: novas terras descobertas. Ambição, ansiedade. Os povos que habitavam as regiões da cordilheira dos Andes (oeste da América do Sul) na época da chegada dos espanhóis tinham uma agricultura muito desenvolvida. Eles cultivavam muitas variedades de batata e também milho, feijão, amendoim, mandioca, pimentão, algodão e várias espécies de frutas, verduras e cereais.O desenho, feito por um escritor da época, mostra o imperador acompanhando o início do plantio. Os agricultores usam um pau de plantar com apoio para o pé. 32 Guaman Poma de Ayala. Em El Primeir Nueva Corónica y Buen Governo. 1615/1616 Os espanhóis encontraram metais preciosos em abundância nas suas colônias americanas, logo que nelas chegaram em 1492. Por essa razão, a mineração foi a atividade econômica mais importante da economia colonial espanhola até o século XVIII. Nas Antilhas, por meio do trabalho escravo indígena, foi extraída uma grande quantidade de ouro, prontamente enviada à Espanha na forma de impostos para enriquecer os cofres do rei. Porém, o grande impulso à mineração na América espanhola ocorreu quando os conquistadores espanhóis dominaram os impérios Inca e Asteca na primeira metade do século XVI. Aí foram descobertas as riquíssimas minas de prata nas regiões de Potosi (Bolívia) e de Zacatecas (México). A exploração das minas era autorizada pelo rei aos colonos espanhóis na América em troca do pagamento de taxas. Essas taxas cobradas sobre a mineração foram a principal forma de arrecadação de riquezas da Coroa espanhola até o século XVIII. Séc. XVII. Em Historia novi orbis Em torno das zonas mineradoras, desenvolveram-se também a agricultura e a criação de animais para abastecê-las. Além desse comércio interno, os colonos tinham interesse na venda de produtos agrícolas para o mercado europeu. Cultivavam-se as plantas nativas da América, como batata, milho, tabaco e cacau, por exemplo, e aquelas introduzidas pelos europeus, como a cana-de-açúcar. Os colonos exploraram o trabalho dos indígenas americanos tanto nas atividades agrícolas como nas de mineração. Uma das formas de exploração foi a “encomienda”, principalmente na agricultura. O rei espanhol permitia ao colono a utilização do trabalho de indígenas em suas terras. Em contrapartida, os trabalhadores deveriam receber instrução religiosa e comida, o que, no entanto, nem sempre era cumprido. Nas minas, os indígenas eram obrigados ao trabalho por meio da “mita”. As autoridades espanholas enviavam às minas de prata trabalhadores (os mitayos) que deveriam, temporariamente, servir aos colonos em troca de um pagamento de valor muito baixo ou mesmo como escravos. Esta ilustração mostra a batalha entre espanhóis e incas, nos arredores de Cuzco, no Peru. Cuzco foi o centro político e religioso do império Inca, até sofrer o domínio espanhol, em 1533. 33 Essa violenta exploração dos indígenas pelos espanhóis na América foi denunciada pelo padre dominicano Bartolomeu de las Casas (1484-1566), logo no começo da colonização. Veja o que ele diz sobre o modo desumano como os conquistadores espanhóis trataram os indígenas americanos: Ivan Coutinho FIQUE SABENDO [...] os espanhóis, esquecendo que eles eram homens, trataram essas inocentes criaturas com crueldade digna de lobos, de tigres e de leões famintos. Há quarenta e dois anos não deixaram de os perseguir, de os oprimir, de os destruir com todos os meios criados pela cobiça humana e por outros que estes tiranos chegaram a imaginar; hoje não se conta senão duzentos indígenas na ilha Espanhola (São Domingos) que outrora abrigava três milhões [...]. Bartolomeu de Las Casas. História das Índias. Citado por AQUINO, Rubim S. L. e outros. História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico. [s.d.] p. 63. Tirano: Pessoa que abusa de sua autoridade. As terras e as populações americanas dominadas pelos espanhóis foram consideradas como pertencentes à Coroa. Assim, a administração de todo o território colonial e a organização da exploração econômica ficaram sob sua responsabilidade. Para ocupar a América, o rei da Espanha, no início da colonização, passou a conceder determinada quantidade de terras a particulares, conferindo-lhes o título de adelantados. Eles dispunham de amplos poderes para administrá-las. Os adelantados deveriam ter condições financeiras para implantar a extração de metais preciosos, uma vez que os custos para isso eram muito altos. Porém, a partir de 1540, aproximadamente, a Coroa espanhola, na tentativa de diminuir o poder desses particulares, decidiu restringir as concessões de terras e centralizar a administração em suas mãos. Sua intenção era controlar de uma forma mais eficiente a arrecadação dos impostos. 34 Sonia Vaz O imenso território colonial americano foi então dividido em quatro vice-reinos e quatro capitanias, cada qual governado por um nobre diretamente ligado ao rei. Observe no mapa ao lado essa divisão política da América colonial espanhola. América colonial espanhola – 1540 120 O 30 N Trópico VICE-REINADO DA NOVA ESPANHA CAPITANIA GERAL DE CUBA de Cân cer Vera Cruz CAPITANIA GERAL DA GUATEMALA Cartagena Portobelo Os portugueses no Brasil 0 Photodisc/ Getty Images/ CAPITANIA GERAL DA VICE- VENEZUELA -REINADO DA NOVA GRANADA Equador As primeiras expedições As novas terras apropriadas pelos países europeus eram denominadas colônias, e os países conquistadores eram considerados suas metrópoles. As metrópoles tinham controle político e econômico total sobre suas colônias. O comércio colonial só podia ser feito com as suas respectivas metrópoles, ainda que outros países oferecessem melhores preços. VICE-REINADO DO PERU OCEANO PAC CO icórnio de Capr Trópico 30 S CAPITANIA GERAL DO CHILE N L O 0 30 O OCEANO ATL NT CO S 1110 VICE-REINADO DO RIO DA PRATA 2220 quilômetros 120 O 90 O 60 O Fonte: Atla hi tórico do undo Editora Konemann, 1999. Dessa forma, o Brasil era colônia de Portugal, que, por sua vez, era metrópole do Brasil. Na época em que as terras da América foram apropriadas, Portugal mantinha um comércio muito intenso com as Índias e obtinha grandes lucros com a venda das especiarias e outros produtos orientais para o resto da Europa. Por isso, de início, não mostrou muito interesse por sua nova colônia. Monumento aos Descobrimentos, em Lisboa, Portugal (2005). Construída em 1960, a obra comemora as grandes viagens que os navegadores portugueses realizaram nos séculos XV e XVI, chegando a terras longínquas que os europeus nunca tinham alcançado. 35 30ºO Benedito Calixto - Martim Afonso de Sousa no Porto de Piaçaguera. Palácio de São Joaquim, RJ. Foto: Gilson Ribeiro As duas expedições de reconhecimento, enviadas pelo rei português em 1501 e 1503 para percorrer as costas brasileiras, voltaram sem novidades sobre a existência de metais preciosos, o que desapontou bastante os conquistadores portugueses. Entretanto, as expedições comprovaram que havia por aqui uma valiosa madeira chamada pau-brasil, de onde se extraía uma tintura vermelha muito útil para o tingimento de tecidos. Como os portugueses tinham grande dificuldade para fiscalizar o imenso litoral brasileiro, os franceses, aproveitando-se disso, passaram a invadi-lo com frequência. Seu objetivo era o contrabando do pau-brasil para revendê-lo na Europa a um alto preço. Os portugueses começaram então a preocupar-se com a ocupação e a colonização do Brasil. Mas isso não era nada fácil. Foi enviada uma expedição, chefiada por Martim Afonso de Sousa, que percorreu a costa brasileira de norte a sul. Aportando no litoral do atual estado de São Paulo, em 1532, Martim Afonso fundou a primeira vila do Brasil, São Vicente. No entanto, não era suficiente uma única vila para defender um território tão vasto: era preciso, de fato, povoá-lo. Este quadro de Benedito Calixto mostra Martim Afonso no porto de Piaçaguera, no litoral paulista, em 1532. 36 As capitanias hereditárias 70°O 50°O 60°O 40°O 30°O 0° 1534-1759 10°S 20°S Fonte: Atla hi tórico e colar. FAE, 19 . 37 Sonia Vaz A solução encontrada pelo rei de Portugal foi dividir o Brasil em quinze faixas horizontais de terras denominadas capitanias e entregá-las aos chamados donatários, que deveriam, com seus próprios recursos, povoar, administrar, defender e explorar suas terras. Essas capitanias doadas pelo rei eram hereditárias, isto é, passariam de pai para filho. Para diminuir suas despesas e conseguir mais lucros, Portugal decidiu investir no cultivo da cana-de-açúcar em sua nova colônia. Esse produto era bastante raro na Europa e, por isso, alcançava preços altíssimos. A expedição colonizadora de Martim Afonso de Sousa trouxe para o Brasil as primeiras mudas de cana-de-açúcar no início da década de 1530. Os donos das capitanias hereditárias deveriam, então, introduzir o plantio da cana em seus domínios. O sistema de capitanias representou a primeira forma de divisão administrativa do Brasil colonial, implantada em 1534. Mas o legítimo dono era o governo português, a quem os donatários prestavam contas e pagavam impostos. Como você já viu antes, de acordo com a divisão estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas, a região abrangida hoje por nosso estado não pertencia a Portugal, pois era de domínio espanhol. Portanto, observando o mapa a seguir, você vai verificar que, nessa época, Mato Grosso do Sul não fazia parte das capitanias hereditárias. Entretanto, com o passar do tempo, embora servisse para dar início à ocupação efetiva do imenso território brasileiro por meio do plantio da cana-de-açúcar, o sistema de divisão em capitanias não foi bem-sucedido. A comunicação, tanto entre as capitanias como com Portugal, era muito difícil. Apenas duas das quinze prosperaram: a de São Vicente e a de Pernambuco. Para melhorar a administração da colônia brasileira, o governo português, sem excluir as capitanias hereditárias, tentou outras soluções. Inicialmente, o poder foi centralizado nas mãos de um único governador-geral, que deveria organizar a defesa e também contribuir para o desenvolvimento econômico das capitanias. Entre 1549 e 1572, o Brasil teve três governadoresChegada de Tomé de Sousa à Bahia, -gerais: Tomé de Sousa, Duarte da Costa em 1549. e Mem de Sá. A capitania da Bahia foi escolhida para sede do governo-central por causa de sua privilegiada situação geográfica, pois, além de não estar tão distante de Portugal, ficava aproximadamente na metade do caminho entre as demais capitanias do norte e do sul. O primeiro governador-geral, Tomé de Sousa, desembarcou na Bahia em 1549 e lá fundou Salvador. Em seu governo, procurou incentivar o desenvolvimento da produção açucareira, além de introduzir o gado no país e organizar expedições à procura de metais preciosos. Duarte da Costa foi o segundo governador-geral e administrou o Brasil entre 1553 e 1558. Finalmente, o terceiro governador-geral, Mem de Sá, ficou no poder entre 1558 e 1572. Em seu governo, fundou-se a cidade do Rio de Janeiro no ano de 1565 e foram expulsos os invasores franceses que haviam tomado a baía da Guanabara na administração anterior. 38 Biblioteca Mário de Andrade, SP Os governos-gerais No entanto, como ainda persistiam os problemas administrativos, Portugal fez uma nova tentativa e separou o Brasil em dois governos no ano de 1572. A sede do governo do Norte ficava em Salvador, e a do Sul, na cidade do Rio de Janeiro. Como essa experiência também fracassou, em 1578 o Brasil voltou a ser governado a partir de um único centro, situado na cidade de Salvador. A economia colonial O pau-brasil Durante a primeira metade do século XVI, o pau-brasil foi o principal produto comercial explorado pelos portugueses e vendido no mercado europeu. Os carregamentos da madeira retirados do litoral foram tão grandes que foi preciso seguir cada vez mais para o interior. Com o tempo, isso causou um enorme desmatamento da faixa litorânea do Brasil, ocupada pela Mata Atlântica. Os colonos portugueses exploraram a mão de obra dos indígenas na extração do pau-brasil. Eles os convenciam a trabalhar em troca de produtos de pequeno valor, como espelhos, peças de roupas, canivetes e colares de contas coloridas. Eram os nativos que derrubavam as árvores, cortavam a madeira em toras e as embarcavam nos navios em direção à Europa. Nativo: Lopo Homem. c.1519. Mapoteca do Ministério das Relações Exteriores, RJ Aquele que é nascido no lugar; natural da terra. Mapa desenhado pelo cartógrafo português Lopo Homem, por volta de 1519. Observe as ilustrações, que mostram o trabalho dos indígenas na coleta do pau-brasil. 39 Diante da exploração a que foram submetidos e da invasão de suas terras, os indígenas tentaram reagir, mas seus meios de luta eram inferiores às armas de fogo dos portugueses. Teve início assim um grande processo de extermínio das nações indígenas em nosso país, apesar de ainda hoje a resistência de seus descendentes estar presente nas lutas que travam, por exemplo, pela demarcação de suas terras em vários estados brasileiros, inclusive em Mato Grosso do Sul. A cana-de-açúcar Porém, o grande impulso à economia colonial foi dado com o cultivo da cana-de-açúcar. Essa foi a principal riqueza do Brasil durante os séculos XVI e XVII. As lavouras que mais se destacaram foram as do Nordeste, especialmente as de Pernambuco. Inicialmente, os colonos portugueses tentaram continuar utilizando o escravo indígena nas plantações de cana. Porém, logo apareceram algumas dificuldades. Uma delas eram as constantes fugas dos índios, pois, por serem conhecedores do território, eles embrenhavam-se frequentemente pelo interior, o que tornava difícil sua captura. Também havia a oposição dos padres jesuítas à escravização dos indígenas (veja o capítulo 5). Além disso, o aumento da produção açucareira exigia mais trabalhadores. Houve ainda um forte motivo econômico para a substituição da mão de obra indígena. A Coroa portuguesa incentivou o comércio de africanos para virem trabalhar como escravos no Brasil. Esse comércio humano trouxe lucros altíssimos para os traficantes de escravos e para a Coroa. O número de africanos escravizados logo superou o de indígenas. Calcula-se que de 3 a 5 milhões de escravos tenham sido trazidos da África para o Brasil entre 1530 e 1850, quando o tráfico foi finalmente proibido. Devido ao alto custo dos escravos africanos, as capitanias do Sul não conseguiram comprá-los e, assim, continuaram utilizando o trabalho forçado dos indígenas. Porém, para capturá-los, os colonos tiveram de organizar expedições para o interior do Brasil. A grande propriedade açucareira chamava-se engenho. A produção de açúcar para exportação era a principal atividade econômica dos engenhos. Ela exigia uma grande quantidade de terras e de trabalhadores, além de equipamentos caros, como a moenda para a moagem da cana e as fornalhas. O investimento era muito alto e, por isso, para tornar-se um senhor de engenho, era preciso ter um grande capital. Capital: Riqueza. 40 Frans Post e G. Marcgraf. c. 1647. Foto: Manoel Novaes Detalhe de mapa da capitania de Pernambuco com ilustração de engenho de cana-de-açúcar. Georg Marcgraf – Engenho de açúcar. 1648. Em Historia Naturalis Brasiliae – Amsterdã Para a alimentação dos moradores do engenho, havia as plantações de subsistência, como as de feijão, mandioca, milho, legumes, frutas, bem como a criação de gado e animais domésticos. Por isso, dizemos que os engenhos eram autossuficientes, isto é, produziam a maioria dos produtos que consumiam. Embora a produção do açúcar fosse feita no Brasil e a venda na Europa pelos portugueses, boa parte dos lucros ficava com os banqueiros holandeses. Eram eles os principais financiadores do capital necessário para que os senhores de engenho brasileiros expandissem seus negócios. Além disso, os holandeses lucravam também com o refinamento (branqueamento) e mesmo com a distribuição comercial do açúcar no mercado europeu. Hoje sabemos que o açúcar mascavo, escuro, tem maior valor nutricional que o açúcar refinado. Esta gravura, de 1648, mostra negros escravizados trabalhando na fabricação de açúcar: mexendo a calda que fervia em grandes tachos e cuidando das formas em que eram moldados os pães de açúcar. 41 No entanto, entre 1580 e 1640, Portugal e Espanha estiveram sob o comando de um mesmo rei, resultando na União Ibérica. Como os holandeses eram inimigos dos espanhóis, ficaram impedidos de participar do comércio do açúcar brasileiro. Dispostos a não perder essa importante fonte de lucros, os holandeses invadiram parte do Nordeste do Brasil e aqui ficaram entre 1624 e 1654. Porém, após a sua expulsão do Brasil, partiram para suas colônias nas Antilhas e lá implantaram uma produção açucareira que passou a concorrer com a brasileira. Como os holandeses possuíam mais capital e técnica superior, conseguiram produzir um açúcar de melhor qualidade, além de vendê-lo na Europa a um preço mais baixo do que o brasileiro. Com isso, a exportação açucareira do Brasil entrou numa crise progressiva, a partir das últimas décadas do século XVII. A decadência dos senhores de engenho, por sua vez, prejudicou a monarquia portuguesa, pois provocou uma diminuição significativa na arrecadação dos impostos por ela cobrados de sua colônia brasileira. A solução encontrada por Portugal para superar essa crise econômica foi o incentivo às expedições de busca de metais preciosos em direção ao interior do Brasil. Como veremos, esse movimento de expansão contribuiu para o alargamento do território sob o domínio português, acabando por incorporar a região que hoje corresponde ao estado de Mato Grosso do Sul. ATIVIDADES 1. Consulte o texto e responda: a) Por que as metrópoles europeias, como Portugal e Espanha, desejavam muito encontrar metais preciosos em suas colônias? b) Por qual motivo, no caso das colônias americanas conquistadas pela Espanha, a mineração foi a atividade econômica de maior importância desde o início da colonização? c) Onde os espanhóis encontraram ouro e prata na América? 2. Pesquise como os impostos arrecadados com a mineração eram gastos pelo governo espanhol e compare com a utilização dos recursos arrecadados com os impostos atuais. 3. Em torno das zonas mineradoras, desenvolveram-se a agricultura e a criação de animais para abastecê-las. Desenhe três plantas nativas da América. 4. O trabalho dos indígenas americanos foi explorado pelos colonos espanhóis de duas formas principais: a “encomienda” e a “mita”. Explique cada uma delas. 42