Provas especialmente adequadas destinadas a avaliar a capacidade para a frequência do ensino superior para maiores de 23 anos Português/Língua Duração máxima da prova: 2h Obs.: Pode ser utilizada uma das duas ortografias, sendo importante ser coerente com a que for escolhida. Grupo I – Corre(c)ção de erros de língua e de ortografia do texto. Nos erros a corrigir não se aplica a nova ortografia. (50 pontos) Neste momento historico, para que o nosso pais possa afirmar-se no contexto de uma Europa alargada a vinte cinco estados, é indespensável prescrutar o futuro e antecipar os problemas que à tanto tempo os aflige em diversas árias. Sem mêdo de enfrentar questões politicamente incomodas. Nessa prespectiva, não podemos ser pusilanimes: é preciso actuar-mos a cada instante, analizando as causas do nosso atrazo e combatendo sem quaisqueres receios os multiplos desiquilibrios que ainda se verificam em numerosos sectores da sociedade portuguesa. Só assim venceremos com exito as dificuldades presentes e os desafios do futuro. Numa democracia é essêncial manter um ambiente de liberdade de informação e de esclarecimento das medidas de austeridade. Podem surgir problemas ou podem aver conflitos, mas é preferivel açumir com as consequencias. Tornam-se cada vez mais difíceis de resolver os problemas de uma União Europeia formada por vinte cinco membros: tais desafios abrange muitos ambitos, tendo em vista uma integração harmoniosa de população de varios extratos sociais que podem entrar em choque. Perante esses aspectos tão sensiveis, cada pais tera de estar melhor preparado para os conflictos que podem açular as sociedades europeias, decorentes de falencias de empresas, falencia do estado, das familias e falencias individuais. Tratam-se de pessoas indignadas sem poderem exprimirem-se. Logo, é imperioso não descorar o respeito pelas populações, não compatuando com aqueles que, na sua cegueira estremista, tentam impôr as suas medidas economistas e desumanas. Só assim ultrapassaremos as dificuldades imergentes no inicio deste novo milenio. (Adaptação da prova-modelo do Campeonato Nacional da Língua Portuguesa) 1 TEXTO Esperança gramatical Quando o leitor pensava que já tinha ouvido tudo acerca da crise, de repente fica a saber que, gramaticalmente, é muito difícil que Portugal vá à falência. E, enquanto for gramaticalmente impossível, eu acredito. Justifico esta ideia com a seguinte teoria fascinante: normalmente, considera-se que o verbo falir é defectivo. Significa isto que lhe faltam algumas pessoas, designadamente a primeira, a segunda e a terceira do singular, e a terceira do plural do presente do indicativo, e todas as do presente do conjuntivo. Não se diz «eu falo», «tu fales», nem «ele fale». Não se diz «eles falem». Todos os modos e tempos verbais do verbo falir se admitem, com excepção de quatro pessoas do presente do indicativo e todo o presente do conjuntivo. Em que medida é que isto são boas notícias? O facto de o verbo falir ser defectivo faz com que, no presente, nenhum português possa falir. Não é possível falir, presentemente, em Portugal. «Eu falo» é uma declaração ilegítima. Podemos aventar a hipótese de vir a falir, porque «eu falirei» é uma forma aceitável do verbo falir. E quem já tiver falido não tem salvação, porque também é perfeitamente legítimo afirmar «eu fali». Mas ninguém pode dizer que, neste momento, «fale». Acaba por ser justo que o verbo falir registe estas falências na conjugação. Justo e útil, sobretudo em tempos de crise. Basta que os portugueses vivam no presente – que, além do mais, é dos melhores tempos para se viver – para que não «falam» (outra conjugação impossível). Não deixa de ser misterioso que a língua portuguesa permita que, no passado, se possa ter falido, e até que se possa vir a falir, no futuro, ao mesmo tempo que inviabiliza que se «fala», no presente. Se eu nunca «falo», como posso ter falido? Se ninguém «fale», porquê antever que alguém falirá? Talvez a explicação esteja nos negócios de import/export. Nas outras línguas, é possível falir no presente, pelo que os portugueses que têm negócios com estrangeiros podem ver-se na iminência de falir. Mas basta que os portugueses não falem (do verbo falar, não do verbo falir) acerca de negócios com estrangeiros para que não «falam» (do verbo falir, não do verbo falar). Eu tenho esse cuidado, e por isso não falo (do verbo falir e do verbo falar). Bem sei que o Prof. Rodrigo Sá Nogueira, assim como outros linguistas, se opõe a que o verbo falir seja considerado defectivo. Mas essa é uma posição que tem de se considerar antipatriótica. É altura de a gramática se submeter à economia. Tudo o resto já se submeteu. (Ricardo Araújo Pereira, «Boca do inferno», Visão 31/05/2012) 2 Grupo II – Explicação do sentido de dois enunciados: (70 pontos) 1. «Acaba por ser justo que o verbo falir registe estas falências na conjugação. Justo e útil, sobretudo em tempos de crise. Basta que os portugueses vivam no presente – que, além do mais, é dos melhores tempos para se viver – para que não «falam» (outra conjugação impossível).» (35 pontos) 2. «Bem sei que o Prof. Rodrigo Sá Nogueira, assim como outros linguistas, se opõe a que o verbo falir seja considerado defectivo. Mas essa é uma posição que tem de se considerar antipatriótica. É altura de a gramática se submeter à economia. Tudo o resto já se submeteu.» (35 pontos) Grupo III – Reda(c)ção de um texto expositivo/argumentativo: (80 pontos) Partindo do texto apresentado, redija um texto expositivo/argumentativo subordinado ao tema: “O sentido de humor de Ricardo Araújo Pereira parece assentar na promoção do nonsense, através da associação de ideias improváveis e de numerosos jogos de palavras que sublinham a sua visão crítica do grande espe(c)táculo do mundo a(c)tual. Que lhe parece?” 3 SÚMULA Grupo I – erros a corrigir: (50 pontos) Histórico; país; vinte e cinco; indispensável; perscrutar; há tanto tempo; nos; afligem; áreas; medo; incómodas; perspectiva; pusilânimes; actuarmos; analisando; atraso; quaisquer; múltiplos; desequilíbrios; êxito. Essencial; pode; haver; preferível; assumir as consequências; vinte e cinco; abrangem; âmbitos; populações; vários; estratos; sensíveis; país; terá; mais bem preparado; conflitos; assolar; decorrentes; falências; falência; famílias; trata-se; se exprimir; descurar; compactuando; extremista; impor; emergentes; início; milénio. Grupo II - Explicação do sentido de dois enunciados: (70 pontos) 1. «Acaba por ser justo que o verbo falir registe estas falências na conjugação. Justo e útil, sobretudo em tempos de crise. Basta que os portugueses vivam no presente – que, além do mais, é dos melhores tempos para se viver – para que não «falam» (outra conjugação impossível).» (35 pontos) É justo e útil que o verbo falir seja defe(c)tivo, ou seja, apresente falências na sua conjugação, na língua portuguesa, já que o país e os portugueses estão em tempos de crise. Portugal, tal como a Europa, está vivendo a falência do estado, das empresas, das famílias e a falência individual, ou seja, a falência do sistema político, económico e social. Logo, o autor ironiza que, como o verbo falir é defe(c)tivo no presente do indicativo e do conjuntivo, só vivendo no presente se consegue escapar à falência. 2. «Bem sei que o Prof. Rodrigo Sá Nogueira, assim como outros linguistas, se opõe a que o verbo falir seja considerado defectivo. Mas essa é uma posição que tem de se considerar antipatriótica. É altura de a gramática se submeter à economia. Tudo o resto já se submeteu.» (35 pontos) Não querer que o verbo falir seja defe(c)tivo é uma posição antipatriótica, porque, se deixasse de sê-lo, a própria gramática corroboraria o estado de falência do país. Mas, como já tudo se submeteu às leis do mercado e da economia, não admiraria que a gramática sofresse também uma adaptação à realidade que todos nós estamos a viver. 4 Grupo III – Reda(c)ção de um texto expositivo/argumentativo (80 pontos): Partindo do texto apresentado, redija um texto expositivo/argumentativo subordinado ao tema: “O sentido de humor de Ricardo Araújo Pereira parece assentar na promoção do nonsense, através da associação de ideias improváveis e de numerosos jogos de palavras que sublinham a sua visão crítica do grande espe(c)táculo do mundo a(c)tual. Que lhe parece?” PLANO GERAL 1. A resposta deve comportar obrigatoriamente uma introdução, um desenvolvimento e uma conclusão. 2. A resposta deve ser elaborada de forma cuidada, coerente e organizada. 3. Os conectores de discurso devem pautar a argumentação do candidato. PROPOSTA DE REDACÇÃO Para desenvolver o tema inerente ao enunciado “O sentido de humor de Ricardo Araújo Pereira parece assentar na promoção do nonsense, através da associação de ideias improváveis e de numerosos jogos de palavras que sublinham a sua visão crítica do grande espetáculo do mundo atual”, procuraremos tecer algumas considerações que justifiquem essa afirmação, tentando elencar e avaliar as características do seu discurso humorístico. Guionista de rábulas e de spots publicitários, cronista e comediante, letrista e intérprete de jingle, comentador jocoso na rádio e apresentador de programas televisivos de humor, Ricardo Araújo Pereira desenvolveu uma linguagem própria, baseada em processos de construção de sentidos de fundo humorístico, que conjuga saber enciclopédico, mundividência e efeitos intertextuais. Neste sentido, produz textos espirituosos que estabelecem relações entre citações e não-ditos, entre o modo como se fala e a intencionalidade do uso da palavra, ensaiando as possibilidades de jogo discursivo que a lógica e a gramática oferecem. Para compreendermos esses processos criativos que provocam o riso ou o sorriso, o nosso interesse vai residir nos seguintes pontos: que mecanismos motivam o humor de Ricardo Araújo Pereira? Como aborda o humorista as matérias visadas? Que efeitos de sentido podem emanar dessas relações discursivas nos textos que confe(c)ciona? Em primeiro lugar, a arte humorística de Ricardo Araújo Pereira emana do seu registo paródico, oscilando entre a caricatura, o nonsense e o humor corrosivo, como ilustra a passagem da sua crónica “Esperança gramatical”, alusiva aos escândalos políticos e financeiros da a(c)tualidade nacional: «Mas basta que os portugueses não falem (do verbo falar, não do verbo falir) acerca de negócios com estrangeiros para que não «falam» (do verbo falir, não do 5 verbo falar). Eu tenho esse cuidado, e por isso não falo (do verbo falir e do verbo falar)». O rasgo ironizante e o espírito satírico que caracterizam Ricardo Araújo Pereira configuram-se como uma voz que expressa um ponto de vista esclarecido para instruir uma dialé(c)tica subversiva. Por isso, o seu sentido de humor não constitui apenas uma irreprimível manifestação individual, mas também uma estratégia discursiva de alcance cole(c)tivo, que visa despertar a consciência crítica do público. Em segundo lugar, como acontece em toda a abordagem humorística, Ricardo Araújo Pereira retoma discursos existentes sobre os temas do momento. Assim sendo, a sua originalidade está na forma peculiar de os tratar. Aliás, a abordagem de temas tabus, como a religião, o sexo e a política, seria dificilmente tolerada, se não fosse o tratamento humorístico. Com efeito, a força e abrangência do artista cómico residem no facto de existir um contrato social que permite ao discurso humorístico tratar de temas complexos, desde que faça rir o (seu) público. Todavia, de entre os assuntos que a a(c)tualidade lhe possa vir a fornecer, Ricardo Araújo Pereira afeiçoa em particular o da inesgotável problemática da comunicação: do que se fala, como se fala, quem fala, para quem se fala e a situação em que se encontram os falantes. Na crónica em apreço, o autor vai desenvolver um raciocínio desconcertante em torno da a(c)tual situação económica e social do país e de uma oportuna impossibilidade gramatical, como podemos ler no seguinte passo: «Não é possível falir, presentemente, em Portugal. «Eu falo» é uma declaração ilegítima. Podemos aventar a hipótese de vir a falir, porque «eu falirei» é uma forma aceitável do verbo falir. E quem já tiver falido não tem salvação, porque também é perfeitamente legítimo afirmar: «eu fali». Mas ninguém pode dizer que, neste momento, «fale»». Assim, ao «debater» particularidades da língua portuguesa, Ricardo Araújo Pereira constitui-se como um comentador capaz de levar o público, que o aprecia, a refle(c)tir tanto sobre as condicionantes da língua como sobre a vida social e política de Portugal. Finalmente, o entertainer mobiliza vários efeitos de sentido por meio da teatralização e do esboço, da truculência e do absurdo, da alusão e do pormenor, da citação e do aviso. Repare-se, por exemplo, no incipit da crónica que parodia certo discurso jornalístico que usa e abusa do golpe de teatro: «E quando o leitor pensava que já tinha ouvido tudo acerca da crise, de repente fica a saber que, gramaticalmente, é muito difícil que Portugal vá à falência». Com efeito, o humorista vai desdobrar um pensamento imaginativo, de uma lógica implacável, que surpreende ao estabelecer improváveis associações de ideias, como modo de expressão do desengano que o a(c)tual modelo de sociedade lhe incute. É, pois, da intenção do artista ironizar com perspicácia a existência do homem contemporâneo, elaborar uma tão pertinente quanto inventiva crítica social, ensaiando visões contra as derivas dos novos fenómenos societais. Resumindo: o humor de Ricardo Araújo Pereira provém das suas observações do grande espe(c)táculo do mundo envolvente: através da caricatura ou da charge, do desvio cómico ou da paródia desconstrutora da situação visada, analisa e desmonta os discursos dominantes, contrapondo-os por vezes a registos risíveis e estereotipados, como forma de denunciar a eficácia da comunicação das elites bem-pensantes, cuja intenção assenta em promover o conformismo social. Neste sentido, parece que o humorista se muniu de uma lupa 6 para fazer observar toda a capacidade de manipulação ou de influência que um discurso bem urdido pode exercer junto do(s) interlocutor(es). 7