Uma breve história do mundo dos quanta

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CEDERJ / EXTENSÃO – FÍSICA
Uma breve história do mundo dos quanta
UNIDADE 3
Uma breve história do mundo dos quanta
Érica Polycarpo & Marta F. Barroso
Unidade 3
Bohr e de Broglie: a antiga teoria quântica
Sumário:
• Apresentação
• Espectros atômicos e a evolução dos modelos para o átomo
• As ondas de matéria de Louis de Broglie
• As lacunas da antiga teoria quântica
• Referências
Apresentação
No final do século XIX já se sabia que os átomos continham elétrons e que,
sendo neutros, deveriam conter uma carga positiva igual em módulo à carga dos
elétrons, e que a maior parte da sua massa estava associada a essa carga positiva.
Era também conhecido que os átomos emitem radiação com um espectro de
freqüências concentrado em determinados valores. Esses espectros, característicos de
cada tipo de átomo, eram a principal fonte de informação sobre as propriedades do
átomo. Com a descoberta da radioatividade por H. Becquerel em 1896, mais uma
forma de se estudar o átomo tornava-se disponível: o uso das partículas produzidas no
decaimento radioativo como projéteis para colidirem com os átomos.
Nesta unidade, veremos como o conhecimento da estrutura atômica foi se
desenvolvendo nessa época, e como esse conhecimento, junto com a formulação
das ondas de matéria por Louis de Broglie, foi usado para guiar a construção de uma
teoria quântica consistente.
Espectros atômicos e a evolução dos modelos para o átomo
Observações de espectros atômicos
Os espectros atômicos são tipicamente observados com um equipamento
como o da Fig.1, onde um tubo contendo um gás monoatômico sofre uma descarga
elétrica. Os átomos do gás ganham energia na descarga e emitem radiação, que é
colimada por uma fenda e decomposta em seu espectro de freqüências (ou
comprimentos de onda) em um prisma ou em uma rede de difração (para melhor
resolução). Após a decomposição, a radiação incide sobre um anteparo, o qual, se
instrumentado com um detector, como uma chapa fotográfica, pode dar informação
sobre a intensidade de cada freqüência.
Foi observado que a radiação emitida pelos átomos se concentra em determinadas
freqüências, e que os valores dessas freqüências são propriedades intrínsecas de
cada tipo de átomo. Assim, cada elemento possui as suas linhas espectrais
características, assim chamadas devido ao fato da imagem correspondente a cada
freqüência no anteparo ter a forma de uma linha.
Medidas precisas foram realizadas para vários gases, mostrando que as linhas
espectrais se estendem além da região visível do espectro, apresentando uma certa
regularidade, e que a distância entre as freqüências observadas diminui na região do
ultravioleta.
Erica Polycarpo e Marta F. Barroso – pág.1
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Fendas
Prisma
Tubo de discargas
contendo gas
Figura 1: Arranjo experimental utilizado na observação de espectros atômicos, mostrando
como exemplo algumas linhas espectrais do hidrogênio. A Figura foi adaptada de
http://chemed.chem.purdue.edu/genchem/topicreview/bp/ch6/bohr.html.
Vários cientistas buscaram fórmulas empíricas para os comprimentos de ondas
das linhas espectrais. Balmer foi o primeiro a determinar uma equação simples capaz
de prever com precisão surpreendente o comprimento de onda de nove linhas
espectrais do hidrogênio na região do visível e do ultravioleta
próximo. Essa equação é dada por:
Evolução dos modelos atômicos
A descrição do átomo proposta por J.J. Thomson consistia de uma “nuvem”
contínua de carga positiva, na qual se distribuíam uniformemente os elétrons de
carga negativa, devido à repulsão Coulombiana mútua. Esse modelo, conhecido
como o modelo do “pudim de passas”, explicava qualitativamente a emissão de
radiação pelo átomo a partir da vibração dos elétrons em torno da posição de
equilíbrio. O modelo, porém, não era capaz de descrever as propriedades dos
espectros atômicos observados experimentalmente. Um cálculo mais detalhado
mostraria ainda que esse modelo não apresenta uma configuração de equilíbrio
estável.
Na sequência do trabalho de J.J. Thomson, seu estudante R. Rutherford liderou
experiências de espalhamento de um feixe estreito de partículas α por alvos na forma
de uma folha fina de um material, em geral, metálico. O aparato incluía ainda um
detector que produzia uma pequena cintilação quando atingido por uma partícula α
e um microscópio, que permitia a distinção das cintilações devidas a uma única
partícula. Com esse arranjo experimental, era possível medir o número de partículas
defletidas em função do ângulo de espalhamento e, assim, testar a estrutura atômica.
Erica Polycarpo e Marta F. Barroso – pág.2
Joseph John
Thomson (18561940) descobriu o
elétron em uma
série de
experimentos
projetados para
estudar a natureza
das descargas
elétricas, utilizando
tubos de raios
catódicos. Ele
primeiro mostrou
que os raios
catódicos eram
curvados sob ação
de um campo
elétrico, o que o fez
concluir que os raios
eram cargas
elétricas negativas
carregadas por
partículas de
matéria.
Posteriormente,
mediu a razão entre
a carga e a massa
dessas partículas,
medindo a curvatura
da trajetória dos
raios sob ação de
um campo
magnético. A sua
descoberta lhe valeu
o prêmio Nobel de
1906.
Rutherford já sabia
que as partículas α
são átomos de
Hélio dois quais
foram retirados dois
elétrons, e que elas
são emitidas em
grande velocidade
por algumas
substâncias
radioativas.
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Segundo o modelo de Thomson, apenas pequenas deflexões seriam possíveis,
pois os elétrons têm massa muito menor do que as partículas α e a carga positiva
estava distribuída sobre todo o volume do átomo.
Para surpresa de Rutherford e seus estudantes, havia um número pequeno de
partículas que sofriam grandes deflexões, algumas até de 180o. Variando a espessura
das folhas do alvo, eles mostraram que o número de espalhamentos com alto ângulo
era proporcional ao número de átomos atravessados pela partícula, o que sugeria
que deveria haver uma probabilidade, ainda que pequena, de acontecerem
grandes deflexões no espalhamento com apenas um átomo.
Em 1911, Rutherford propôs um novo modelo para a estrutura atômica, com todas as
cargas positivas (e praticamente toda a sua massa) concentradas em um pequeno
núcleo, e com os elétrons orbitando em torno desse núcleo, como os planetas
orbitam em torno do sol.
Esse modelo, embora estivesse de acordo com as medidas de Rutherford,
também não apresentava uma configuração com equilíbrio estável, pois, segundo a
teoria eletromagnética clássica, cargas aceleradas emitem radiação. Logo, os
elétrons, ao orbitarem ao redor do núcleo, perderiam energia por irradiação
eletromagnética até colapsarem com o núcleo. Ele também não reproduzia as
fórmulas empíricas para as linhas espectrais.
Em 1913, inspirado pela fórmula de Balmer e pelas idéias de quantização de
Planck e Einstein, e motivado pela dificuldade que a estabilidade do átomo
representava, Bohr desenvolveu um novo modelo para o átomo, em especial o de
hidrogênio, baseado em alguma regras, ou postulados.
Os postulados de Bohr
1. Um elétron em um átomo se move em uma órbita circular em torno do núcleo sob
a influência da atração Coulombiana. O movimento obedece as leis clássicas da
mecânica. O campo é central, logo o momento angular se conserva.
2. No entanto, somente as órbitas para as quais o momento angular é um múltiplo
inteiro de h =h/2π são permitidas.
3. Apesar da sua aceleração constante, o elétron não emite radiação ao se mover
em uma dessas órbitas. A sua energia é constante, e o estado é estacionário.
4. Se o elétron passa de uma órbita para outra de energia mais baixa, ele emite
radiação eletromagnética com freqüência igual a diferença de energia entre os dois
estados dividida pela constante h.
De acordo com a mecânica clássica, o momento angular de uma partícula se
movendo em um campo central é dado por
L=mvr,
(2)
onde m é a massa da partícula, v a sua velocidade, e r o raio da órbita do
movimento. Pelo segundo postulado de Bohr,
mvr = nh
(3)
No caso de átomos com um elétron, o movimento se dá sob ação da força
Coulombiana entre o elétron e o núcleo, formado por Z prótons de carga positiva +e,
onde e é a carga do elétron, igual a 1,6x10-19 C. De acordo com a segunda lei de
Newton,
Erica Polycarpo e Marta F. Barroso – pág.3
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Solucionando o sistema formado pela Eq.3 e Eq.4, podemos calcular os raios
das órbitas permitidas e as velocidades correspondentes a essas órbitas:
O raio da órbita de n=1 do hidrogênio é conhecido como o raio de Bohr :
Vamos estimar o valor numérico do raio de Bohr? Já vimos anteriormente que
o valor de h é 6,63x10-34 Js e e=1,6x10-19 C. A massa do elétron é 9,11x10-31 kg e
ε0=8,85x10-12 C2/Fm2. Logo, r1≈3,5x10-11m, ou r1≈0,35Å .
A energia das órbitas é dada pela soma das energias cinética e potencial.
Pela Eq.5, vemos que a velocidade mais alta ocorre para o elétron na órbita
correspondente a n=1 e que, mesmo neste caso, v1<<c. Isso é mais facilmente
visualizado
se
escrevemos
vn
em
termos
da
constante
de
estrutura
fina,
α ≡ e 2 /(4πε 0hc) ≈ 1 / 137 :
Sendo assim, podemos utilizar a forma não relativística para a energia cinética,
e a energia total correspondente a cada órbita é dada por:
Podemos então associar a cada órbita permitida um “nível de energia” En.
Quando o átomo está no estado de energia mais baixo, dizemos que ele está no
estado fundamental. Todos os outros níveis de energia correspondem a estados
excitados. O elétron pode passar do estado fundamental a estados excitados devido
vários processos, como descargas, colisões etc.
Como todo sistema físico, a tendência natural é que ele retorne ao estado de
menor energia. Para isso ele emite radiação, podendo passar por vários estados de
energia sucessivamente menor, até chegar ao estado fundamental. A energia
necessária para ionizar o átomo de hidrogênio é a energia do estado fundamental.
Precisamos fornecer E1=13,6 eV para retirar o elétron do estado fundamental e
levarmos para uma distância infinita do núcleo (n→∞).
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Um ângstron (Å) é
-10
igual a 10
m.
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A freqüência da radiação emitida quando o elétron passa de um nível de energia En
i
a outro de energia En é:
f
que reproduz a fórmula de Balmer (Eq. 1), se utilizamos Z=1 e escrevemos a constante
de Rydberg em termos de constantes fundamentais da física:
As previsões acima estão de acordo com os dados experimentais com uma
precisão impressionante, especialmente se as equações são corrigidas devido à
massa finita do núcleo. Com essa correção, o modelo de Bohr consegue prever as
frequências de várias séries de linhas espectrais do hidrogênio com uma precisão de
cerca de uma parte em 105. Esse sucesso é mais impressionante porque algumas
dessas séries não haviam ainda sido observadas quando as previsões foram feitas.
O princípio da correspondência de Bohr
Bohr utilizou bastante a noção de que a física clássica deve sempre ser obtida
como um limite da física quântica. Ele determinou esse limite como sendo aquele dos
grandes números quânticos. No caso do átomo de hidrogênio, as previsões quânticas
devem reproduzir os resultados clássicos quando n é muito grande. Podemos verificar
essa afirmação calculando a frequência da radiação emitida em uma transição de
um estado de energia En para um estado de energia En-1, onde n é muito grande.
Segundo a Eq. 10,
3
Quando n→∞, a expressão entre parênteses tende a 2 / n , logo
Classicamente, a radiação seria emitida com frequência igual a frequência do
movimento circular, dada por:
onde as Eq. 5 e 6 foram utilizadas.
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Uma série de linhas
espectrais é um
conjunto de linhas
espectrais para as
quais n é o
f
mesmo. A série de
Balmer, por
exemplo, tem n =2.
f
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As ondas de matéria de Louis de Broglie
Em analogia com o comportamento dual da radiação, Louis de Broglie, na sua
tese de doutoramento em 1924, apresentou a hipótese de que também a matéria,
como os elétrons, tinha um comportamento ondulatório. Ele postulou que a onda
associada ao movimento de uma partícula material não relativística com momento
p=mv teria comprimento de onda:
chamado comprimento de onda de de Broglie da partícula.
Podemos calcular o comprimento de de Broglie para um elétron livre de energia
igual a 100 eV, e para uma bola de tênis, lançada a uma velocidade de 240 km/h, a
maior velocidade alcançada até hoje. Para o elétron,
p = 2mE / c = 2 x0,511 x106 eV x100eV / c ≈ 3,4x 10-5 EVs/m.
Logo,
λ = 4, 14 x10-15 eVs / (3, 4x 10-5 eVs / m) ≈ 1, 2x 10-10 m = 1, 2
Å.
Para a bola de tênis,
p=mv=0,2x67kg.m/s e
λ = 6,63x10-24 Js / (1, 34x 10Js / m) ≈ 4,35 x10−34
m.
Assim como o comportamento ondulatório da luz só pode ser evidenciado quando
as dimensões do aparato experimental são comparáveis com o comprimento de
onda da luz, também para a matéria o comportamento ondulatório só será verificado
nessa situação. O próprio de Broglie chegou a argumentar que o comportamento
ondulatório do elétron poderia ser observado em experimentos de difração por
cristais, onde o espaçamento entre átomos é da ordem de alguns ângstrons. Para
partículas macroscópicas, como a nossa bola de tênis, fica claro que não podemos
esperar encontrar qualquer tipo de evidência do seu comportamento ondulatório.
A hipótese de de Broglie trouxe um sentido mais físico para a regra de quantização
de Bohr. Se expressamos o momento do elétron na órbita em função do comprimento
de onda de de Broglie na Eq. 3, a regra de quantização de Bohr fica definida como
Ou seja, as órbitas possíveis são aquelas cujas circunferências contêm um número
inteiro de comprimentos de onda de de Broglie (Fig. 2).
Erica Polycarpo e Marta F. Barroso – pág.6
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Figure 2: Diagrama das três primeiras órbitas do átomo de hidrogênio, com as ondas de de
Broglie associadas a cada uma delas. Note que os nós poderiam ocorrer em qualquer ponto da
órbita.
Experiências de difração de elétrons foram realizadas independentemente por
Davisson e Germer, nos Estados Unidos em 1925, e por G.P. Thomson, na Escócia em
1927. Ambos confirmaram, qualitativa e quantitativamente, as previsões de de Broglie.
Davisson e Thomson receberam o prêmio Nobel em 1937, por demonstrar
propriedades ondulatórias do elétron.
As lacunas da antiga teoria quântica
O modelo de Bohr obteve grande sucesso na previsão e reprodução de linhas
espectrais do átomo hidrogênio e outros com apenas um elétron. Esse sucesso,
porém, não se repetiu para átomos com mais elétrons. Uma outra falha do modelo foi
a de não ser capaz de prever com que probabilidades cada uma das transições
poderia ocorrer, mesmo para o átomo de hidrogênio. Apesar do grande sucesso dos
modelos de Planck, Einstein, Compton e Bohr na descrição de muitos dos dados
experimentais disponíveis na época, a teoria como um todo carecia de uma base
mais fundamental, de uma coerência que foi alcançada um pouco mais tarde, em
1925, a partir do desenvolvimento da mecânica quântica por Schroedinger.
Referências
[1] R. Eisberg e R. Resnick, Física Quântica, Editora Campus, 1979.
[2] S. Gasiorowicz, Física Quântica, Editora Guanabara Dois, 1979.
Erica Polycarpo e Marta F. Barroso – pág.7
É curioso lembrar
que J.J. Thomson,
o pai de G.P.
Thomson, ganhou o
prêmio Nobel de
1906 por identificar
o elétron como uma
partícula de carga
negativa
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