COMUNIDADE DE FORMIGAS ARBORÍCOLAS ASSOCIADAS AO PEQUIZEIRO (Caryocar brasiliense CAMB.) EM AMBIENTE DE CERRADO GOIANO Camila Alves Rodrigues(1);; Pedro Ivo Decúrcio Cabral(2), Raiane Lima(2), Márcio da Silva Araújo(3) 1 Bolsista PIBIC/UEG, Curso de Agronomia, UnU Ipameri - UEG. 2 Bolsista PVIC/UEG, Curso de Engenharia Florestal, UnU Ipameri - UEG. 3 Orientador, docente dos Cursos de Agronomia e Engenharia Florestal, UnU Ipameri – UEG. RESUMO Comunidade de formigas arborícolas associada a pequizeiros (Caryocar brasiliense) situados em fragmento de cerrado goiano foi amostrada em tronco dessas plantas, usando iscas (à base de sardinha e óleo de soja). No decorrer de um ano, nas quatro estações climáticas, coletas consecutivas de formigas foram realizadas. Um total de 32 espécies foi coletado durante o período de estudo. Myrmicinae e Formicinae foram as subfamílias mais freqüentemente encontradas. Foi verificada diferença significativa na composição da comunidade de formigas arborícolas ao longo das estações climáticas investigadas (Anova, p <0,05). Não foi verificada correlação significativa entre porte das árvores e riqueza de espécies de formigas arborícolas associadas ao pequizeiro. Palavras-chave: Interação formiga-planta, ecologia de comunidade, riqueza de espécies, Formicídae. Introdução Convivendo com o pequizeiro e outras espécies arbóreas, várias espécies de formigas podem utilizar essas plantas como local de nidificação e/ou áreas de forrageamento. Essa associação com plantas abre possibilidades para interação com insetos herbívoros (Queiroz et al., 2006). Enfatizando a relevância das formigas, vários autores têm mencionado que esses animais são dominantes na maioria dos ecossistemas terrestres. Para se ter uma idéia da diversidade do grupo das formigas, Hölldobler & Wilson (1990) estimaram que o número de espécies de formigas, em nível mundial, deve ultrapassar 20 mil. Devido a essa alta 1 diversidade e biomassa, as formigas desempenham papéis importantes na dinâmica de muitos ecossistemas. Diferem da maioria dos demais insetos na interação com as plantas, desempenhando papeis relevantes como dispersoras e predadoras de sementes, na ciclagem de nutrientes e, também, interagem diretamente com vários organismos associados às plantas. Distúrbios provocados por desmatamento do cerrado para implantação de culturas agrícolas e pastagens possivelmente têm implicado em aumento de incidência de pragas do pequizeiro, o que, segundo agricultores da região de Ipameri, GO e entorno, não ocorria no passado. Corroborando essa informação, Rodrigues et al. (2007) relataram surtos de uma população de lagartas (ainda não identificada) que por três anos consecutivos (2005, 2006 e 2007) desfolhavam por completo várias plantas adultas de pequizeiro dentro, e nos arredores do campus da Unidade Universitária de Ipameri, na referida cidade. Devido aos parcos estudos sobre artrópodes associados a essa importante espécie florestal, objetivou-se neste trabalho, conhecer a mirmecofauna arborícola associada a árvores de pequizeiro em região remanescente de cerrado de Ipameri, GO. Material e Métodos A região do estudo compreendeu área remanescente de cerrado de Ipameri, GO (Lat. 17043’ 19’’S, Long. 480 09’ 35’’ W, Alt. 773,0 m). Essa área é usada como pastagem, onde a vegetação predominante é o próprio pequizeiro (C. brasiliense) e o capim (Brachiaria decumbens). Nessa área, ao longo de um transecto medindo em torno de 500 m, aleatoriamente, foram selecionadas 20 plantas de pequizeiro que foram periodicamente monitoradas para averiguação de presença de formigas arborícolas. Foi realizado um total de oito coletas de formicídeos, sendo duas coletas para cada estação climática do ano. A amostragem foi executada por uso de armadilhas (isca) à base de sardinha e óleo vegetal. Essa armadilha constituiu de um copo plástico com capacidade de 110 mL contendo pequena porção do referido atrativo, que foi fixado no tronco do pequizeiro (três armadilhas por planta), a uma altura entre 1,3 e 2,0 m. As médias com respectivos desvios padrão do diâmetro de projeção da copa e altura das árvores foram registradas, tal como aspectos relacionados à fenologia das plantas investigadas durante as coletas periódicas. A coleta das formigas na armadilha foi realizada entre 10 e 11 horas, duas horas após instalação das mesmas nas plantas. Em laboratório, as foram identificadas em nível de espécie (quando possível). Tal identificação foi feita com auxílio de chaves taxonômicas e, por comparação com coleção de formigas do Museu e 2 Insetário do DBA/UFV. A freqüência de ocorrência das espécies de formicídeos foi verificada através do cálculo da constância, proposta por Dajos (1974) citado por Pereira (2005), onde: C= (P*100)/N, em que C= constância; P= total de armadilhas em que a espécie foi capturada e N= total de armadilhas. A freqüência de captura de espécies nas plantas nas diferentes estações foi comparada por Scott-Knott (p<0,05) e, a correlação linear entre diâmetro de projeção da copa e altura das árvores do pequizeiro e riqueza de formicídeos arborícolas foi verificada através do cálculo do Coeficiente de Correlação de Pearson. Resultados e Discussão Foram coletadas um total de 32 espécies de formicídeos ao longo das quatro estações do ano (Tabela 1). As subfamílias mais freqüentemente capturadas (Myrmicinae e Formicinae), apresentaram os mais elevados números de espécies: Pheidole (6) e Camponotus (6). A maior diversidade desses gêneros é mencionada por Wilson (2003), que destaca o fenômeno da hiperdiversidade desses gêneros. Segundo Cardoso (2007), as subfamílias Dolichoderinae Pseudomyrmecinae e Formicinae são caracterizadas por manterem associações com determinadas plantas, das quais utilizam o alimento, geralmente líquidos açucarados em determinadas estruturas das plantas como nectários extraflorais ou de eventuais fitófagos. Além disso, formigas destas subfamílias geralmente protegem as plantas de outros fitófagos, como pequenos artrópodes. Foram detectadas, através da análise de variância, diferenças nas constâncias entre as espécies de formicídeos (F31; 4992=21,8; p<0,001), as estações do ano (F3; 4992=8,49; p<0,001) e à interação espécie x estação do ano (F93; 4996=6,56; p<0,0001) (Tabela 1). Em nosso trabalho foi verificada uma menor riqueza de espécies de formigas arborícolas na estação inverno (13 espécies). Isso possivelmente tenha limitado recurso a ser explorado na planta. A elevada constância de Brachymyrmex sp.3 e Camponotus fastigatus, mesmo na estação inverno, possivelmente, se deveu ao fato desses gêneros serem oportunistas de solo e vegetação e recrutarem em massa. Geralmente, esses gêneros, de grandes colônias, constroem ninhos em sítios diversificados e forrageiam em grandes áreas, tanto em solo como na vegetação. Assim, possivelmente devido à escassez de alimento oriundo da planta, ocorreu maior exploração de iscas. A espécie Cephalotes spinosus diferiu das demais Cephalotini, sendo encontrado com maior abundância nas estações outono e inverno. Em se considerando esse gênero pertencente 3 Tabela 1. Constância(%) (média ±EP) de espécie de formicídeos arborícolas de ocorrência em árvores de pequizeiro (Caryocar brasiliense) nas quatro estações climáticas (setembro de 2007 a julho de 2008). Ipameri, GO. Estações do ano* Morfoespécie Primavera Verão Outono Inverno Azteca chartiflex spiriti Forel, 1912 2,50±1,84 Da 0,00±0,00 Da 0,83±0,83 Ba 0,00±0,00 Ca Dolichoderus sp.1 2,50±1,84 Da 1,67±1,16 Da 0,00±0,00 Ba 0,00±0,00 Ca Dolichoderus sp.2 0,83±0,83 Da 0,83±0,83 Da 1,67±1,67 Ba 0,00±0,00 Ca Dolichoderus sp.3 0,00±0,00 Da 0,83±0,83 Da 0,00±0,00 Ba 0,00±0,00 Ca Dolichoderus sp.4 0,00±0,00 Da 0,83±0,83 Da 0,00±0,00 Ba 0,00±0,00 Ca Ectatomma bruneum Fr. Smith, 1858 0,00±0,00 Da 0,00±0,00 Da 0,83±0,83 Ba 0,00±0,00 Ca Pachycondyla inversa (Smith, 1858) 0,00±0,00 Da 0,83±0,83 Da 0,83±0,83 Ba 0,00±0,00 Ca Brachymyrmex sp.1 0,00±0,00 Da 1,67±1,16 Da 4,17±2,13 Ba 0,00±0,00 Ca Brachymyrmex sp.2 2,50±1,84 Da 0,00±0,00 Da 1,67±1,16 Ba 0,00±0,00 Ca Brachymyrmex sp.3 3,33±2,33 Db 7,50±3,48 Cb 19,2±4,76 Aa 20,0±4,59 Aa Camponotus atriceps (Fr. Smith, 1858) 9,17±3,58 Ca 12,5±3,52 Ba 5,83±2,03 Ba 0,00±0,00 Cb Camponotus blandus (Fr. Smith, 1858) 2,50±1,41 Da 7,50±3,68 Ca 4,17±1,77 Ba 0,83±0,83 Ca Camponotus fastigatus Roger, 1863 24,17±5,85 Ba 26,7±5,50 Aa 1,67±1,16 Bc 10,0±3,42 Bb Camponotus (Myrmaphaenus) sp.1 9,17±3,58 Ca 6,67±2,72 Ca 0,00±0,00 Bb 0,00±0,00 Cb Camponotus (Myrmaphaenus) sp.2 45,0±6,03 Aa 21,8±5,28 Ab 0,83±0,83 Bc 2,50±1,41 Cc Camponotus (Tanaemyrmex) sp.1 1,67±1,67 Da 1,67±1,16 Da 0,00±0,00 Ba 1,67±1,16 Ca Pseudomyrmex termitarius (Fr.Smith,1855) 7,50±3,04 Ca 5,00±2,25 Ca 0,83±0,83 Bb 5,00±2,81 Ca Pseudomyrmex gracilis (Fabricius, 1804) 1,67±1,16 Da 1,67±1,16 Da 3,33±1,60 Ba 1,67±1,16 Ca Pseudomyrmex pupa (Forel, 1911) 0,00±0,00 Da 1,67±1,67 Da 3,33±2,00 Ba 0,00±0,00 Ca Pseudomyrmex sp. gp. Palidus 0,00±0,00 Da 0,00±0,00 Da 0,00±0,00 Ba 2,50±1,41 Ca Pseudomyrmex sp.1 5,83±2,35 Ca 0,00±0,00 Da 1,67±1,16 Ba 0,00±0,00 Ca Pseudomyrmex sp.2 0,00±0,00 Da 0,00±0,00 Da 0,83±0,83 Ba 0,00±0,00 Ca Cephalotes spinosus (Mayr, 1862) 6,67±2,72 Cb 6,67±2,97 Cb 15,0±4,30 Aa 15,0±4,77 Ba Cephalotes maculatus (Fr. Smith, 1876) 0,83±0,83 Da 2,50±1,41 Da 3,33±2,00 Ba 1,67±1,16 Ca Cephalotes pulsillus (Klug, 1824) 2,50±1,41 Da 2,50±1,41 Da 1,67±1,16 Ba 0,00±0,00 Ca Monomorium sp.1 0,00±0,00 Da 0,83±0,83 Da 1,67±1,16 Ba 0,00±0,00 Ca Pheidole sp.1 0,00±0,00 Db 10,0±3,62 Ca 3,33±1,60 Ba 0,00±0,00 Cb Pheidole sp.2 0,00±0,00 Da 5,83±2,64 Ca 1,67±1,16 Ba 0,00±0,00 Ca Pheidole sp.3 0,00±0,00 Da 1,67±1,16 Da 0,00±0,00 Ba 2,50±1,84 Ca Pheidole sp.4 0,83±0,83 Da 0,00±0,00 Da 5,00±3,05 Ba 0,83±0,83 Ca Pheidole sp.5 0,00±0,00 Da 1,67±1,67 Da 0,00±0,00 Ba 0,00±0,00 Ca Pheidole sp.6 0,00±0,00 Da 0,00±0,00 Da 5,00±3,05 Ba 1,67±1,67 Ca Dolichoderinae Ponerinae Formicinae Pseudomyrmecinae Myrmicinae * As médias seguidas de mesma letra maiúscula na coluna ou minúscula na linha não diferiram, entre si, pelo teste de Scott-Knott a p<0,05. 4 à guilda “coletoras de pólen e néctar, mas também onívoras e, que nidificam quase que exclusivamente na vegetação”, essa sua maior visitação em iscas em estação climática onde as folhas do pequizeiro se apresentam secas ou até mesmo sem folhas, pode ter sido provocada, também, pela escassez de alimento. Nas demais espécies de cephalotini, a constância foi sempre menor e não diferiu ao longo das estações climáticas (Scott-Knott, p<0,05) (Tabela 1). Os únicos representantes da subfamília Ponerinae associados ao pequizeiro em nosso estudo foram as espécies Ectatomma bruneum e Pachycondyla inversa. Representantes desse gênero, geralmente são predadores ou necrófagos, forrageiam solitariamente e apresentam ninhos subterrâneos (Silvestre et al., 2003). O fato das espécies desse grupo forragearem solitariamente possivelmente explica a sua baixa freqüência de captura em iscas (somente em verão e outono foram capturadas). Sua maior constância está condicionada a maior abundância de outros invertebrados associados à planta, como larvas de coleópteros, isopteros e até mesmo outras formigas. A Correlação de Pearson para diâmetro de projeção da copa e altura da planta em relação à riqueza de espécies de formigas não foi significativa (p=0,859; r=0,04 e p=0,62; r=0,108), respectivamente. Tal correlação não significativa foi observada, também, por Cardoso (2007) quando o mesmo investigou assembléias de formigas associadas ao umbuzeiro (Spondias tuberosa Arruda Camargo) na região sudeste da Bahia. O fato de formigas serem geralmente territorialistas (Hölldobler & Wilson, 1990) deveria implicar em reduzir o número de espécies em plantas mais velhas (em nosso caso, verificamos o maior porte), uma vez que tais colônias demarcariam territórios estabelecidos por maiores períodos de tempo. Em situação oposta, plantas jovens teriam espécies ainda em competição, tentando estabelecer seu território. O tamanho da planta influenciando positivamente na riqueza e abundância de formigas associadas à Hirtella myrmecophila foi relatado por Izzo e Vasconcelos (2005). Neste mesmo trabalho, os autores verificaram aumento significativo de artrópodes herbívoros quando na remoção de formigas, sugerindo que espécies predadoras executassem tal tarefa. Conclusões Associadas às árvores de pequizeiro em áreas remanescentes de cerrado em Ipameri, GO, foram identificadas 32 espécies de formicídeos. A composição dessa comunidade de formigas é afetada pelas estações do ano, possivelmente devido à disponibilidade de recurso alimentar obtido diretamente da planta ou de organismos (presas) associados à mesma. Não 5 foi verificada correlação significativa entre porte das árvores do pequizeiro e riqueza de espécies de formicídeos. Referências Bibliográficas CARDOSO, J.S. Assembléia de formigas associadas ao umbuzeiro (Spondias tuberosa Arruda Camara) e seu potencial para controle biológico. 2007. 72f. Dissertação (Mestrado em Zoologia), Programa de Pós-Graduação em Zoologia, Universidade Estadual de Santa Cruz. HÖLLDOBLER, B.; WILSON, E. O. The ants. Cambridge: Harvard University, 1990. 732p. PEREIRA, J.M.M. Distribuição espacial e temporal de lepidópteros pragas de eucalipto em Montes Claros, Minas Gerais. 2005. 85f. 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