Efeitos dos Ácidos Docosa-hexaenóico (DHA) e Eicosapentaenóico (EPA) em Leucócitos Rui Curi Departamento de Fisiologia e Biofísica, Instituto de Ciências Biomédicas Universidade de São Paulo Considerações gerais O óleo de peixe vem sendo recomendado no tratamento de doenças cardiovasculares, autoimunes e reações inflamatórias (KREMER, 1991; SOYLAND, 1993; POMPÉIA et al., 1999). Geralmente os efeitos benéficos da suplementação com o óleo de peixe são atribuídos aos ácidos graxos n-3, sendo o EPA e DHA os principais constituintes desta classe. Contudo, em trabalhos recentes foram demonstrados diferentes respostas celulares quando os experimentos são realizados com DHA e EPA isoladamente. Hung et al. (1999) comparam o efeito de duas preparações de óleo de peixe, contendo diferentes concentrações destes dois ácidos graxos, na produção de imunoglobulinas em linfócitos. Os autores observaram que o EPA tem uma atividade anti-alérgica maior que o DHA. Outros estudos têm sido realizados alterando a razão EPA/DHA. Nesses, foi evidenciado que o EPA é mais efetivo na supressão da resposta inflamatória em relação ao DHA (SASAKI et al., 1999; VOLKER et al., 2000). Efeitos dos ácidos graxos na expressão gênica têm recebido considerável atenção, pois representa um mecanismo adicional para a regulação de certas funções celulares (DUPLUS et al., 2000). Há evidências de que os ácidos graxos regulam a expressão de genes em leucócitos (OTTON et al., 1998; VERLENGIA et al., 2003). Em vista disso, estamos avaliando os efeitos de EPA e DHA sobre a expressão pleiotrópica de genes em linfócitos. Além disso, estamos estudando os efeitos do óleo de peixe rico em DHA em indivíduos saudáveis. Os dados obtidos são comparados com os descritos para o tratamento com óleo de peixe rico em EPA. Efeitos dos ácidos ácidos docosa-hexaenóico (DHA) e eicosapentaenóico (EPA) em células Jurkat (Linfócitos T) e Raji (Linfócitos B) Os efeitos comparativos dos ácidos docosa-hexaenóico (DHA) e eicosapentaenóico (EPA) sobre a expressão de genes pleiotrópicos de células Jurkat (linfócitos T) e Raji (Linfócitos B) foram avaliados através da técnica de “macroarray” seguido por confirmação por RT-PCR. Células Jurkat As células Jurkat foram tratadas por um período de 24 horas com 12.5 µM dos ácidos dosahexaenóico e eicosapentaenóico, respectivamente. Essas concentrações utilizadas não causaram perda de integridade da membrana celular ou fragmentação do DNA, conforme demonstrado nos estudos de toxicidade realizados previamente através de citometria de fluxo (Lima et al, 2002). Dessa forma, as alterações observadas ocorreram em função do ácido graxo, não sendo resultante de apoptose ou necrose celular. O DHA aumentou a expressão de 24 genes e reduziu a de apenas um gene em células Jurkat. Com relação ao EPA, observou-se aumento na expressão de 13 genes e diminuição de 9. DHA aumentou a expressão de citocinas e receptores relacionados (receptor do fator de necrose tumoral beta), proteínas relacionadas com vias de transdução de sinal (map quinase quinase 1, 3, 4, 6 e fosfolipase A2), ciclo celular (CDK10 - “cyclin-dependent kinase 10”, CDK4I –“cyclindependent kinase 4 inhibitor 2”, ciclina G1/S-específica E), defesa e reparo (GADD45 –“growth arrest and DNA damage-inducible protein”, glutationa redutase, glutationa S-transferase A1), apoptose (bbc6 - “bcl2-binding component 6” e BRCA2 - “breast cancer type 2 susceptibility protein”), fibronectina e receptor de insulina. Alguns genes tiveram a expressão aumentada por ambos os genes: receptor de TNF-beta, map quinase quinase 1, GADD45 e TRADD – “TNF receptor-associated death domain protein”. Por outro lado, o EPA aumentou a expressão de fatores de transcrição (myc protooncogene, c-jun proto-oncogene), proteínas relacionadas com vias de transdução de sinal (PKC-beta, proteína quinase tipo II dependente de AMPc), apoptose (p53, BAX, BIK). Este ácido graxo também diminuiu a expressão de genes relacionados com defesa e reparo (glutationa S-transferase-1 microsomal, glutationa S-transferase pi, glutationa S-transferase A1). Células Raji As células Raji foram tratadas com 25 µM de cada ácido graxo. O DHA aumentou a expressão de 7 genes e o EPA de 20 genes e diminuiu de 2. A expressão de vários genes relacionados com fatores de transcrição (erbB3 proto-oncogene, NFκB3, myc proto-oncogene) e trandução de sinal (map quinase quinase 3 e PLA2) foi aumentada pelo EPA. DHA aumentou a expressão de c-jun N-terminal Kinase 1, NFKB3, PI3 quinase e map quinase quinase 6. Diferenças marcantes entre os efeitos do DHA e EPA em linfócitos foram observadas, demostrando que não se pode generalizar os efeitos do óleo de peixe considerando apenas que são ricos em ácidos graxos n-3 sem considerar a proporção de EPA e DHA. Efeito de um óleo de peixe rico em DHA em indivíduos saudáveis A coleta de sangue de 10 indivíduos saudáveis, do sexo masculino, foi realizada antes, ao final de dois meses da suplementação com 3 g/dia de óleo de peixe rico em DHA (1,62 g DHA e 0,78 g de EPA) e dois meses após o término da suplementação. Utilizando-se gradiente de densidade as células mononucleares e neutrófilos foram obtidas. As análises bioquímicas e hematológicas foram realizadas no laboratório de Análises Clínicas do Hospital Universitário. As concentrações de triacilglicerol e VLDL diminuiram após a suplementação com o óleo de peixe e retornaram aos valores iniciais depois de dois meses do término da suplementação. O efeito do óleo de peixe sobre esses parâmetros foi mais evidente nos indíviduos que apresentavam valores mais elevados. A atividade das enzimas fosfatase alcalina e aspartato aminotransferase também diminuiu retornando aos valores iniciais posteriormente. O perfil de ácidos graxos no plasma, e em neutrófilos, linfócitos e monócitos de indivíduos saudáveis, antes e após a suplementação foi analisado por cromatografia líquida de alta performance (HPLC). Foi observada diminuição significativa na porcentagem dos ácidos araquidônico e linoléico nas células analisadas e no plasma. Por outro lado, a razão n-3/n-6 aumentou após os dois meses de suplementação com o óleo de peixe. O óleo de peixe rico em DHA aumentou a atividade funcional de neutrófilos, linfócitos e monócitos, ao contrário dos estudos descritos em que foi realizada suplementação com óleo de peixe rico em EPA, razão DHA:EPA - 1:2 (). A atividade fagocítica de neutrófilos e monócitos foi avaliada utilizando zimozan opsonizado com o componente C3b do complemento. Observou-se aumento de 62,4 % da atividade fagocítica de neutrófilos e de 145 % em monócitos dos indivíduos suplementados com óleo de peixe rico em DHA. Virella e cols (1989) observaram diminuição da fagocitose por neutrófilos de voluntários normais que ingeriram 6 g/dia de óleo de peixe rico em EPA durante um período de 6 semanas. Analisou-se a quimiotaxia de neutrófilos em câmara de Boyden modificada, utilizando o componente C5a como agente quimioatrator. O óleo de peixe promoveu aumento de 127,7% na quimiotaxia de neutrófilos. Esses dados são contrários aos observados por Sperling e cols (1993) que realizaram a suplementação de indivíduos saudáveis com óleo de peixe rico em EPA (dose diária 9,49 g de EPA e 5 g DHA). A produção de espécies reativas de oxigênio (EROS) por neutrófilos ativados com PMA (forbol miristato acetato) foi avaliada por citometria de fluxo após incubação com diidroetidina. Ocorreu aumento de 25% (antes) para 72% (depois de dois meses de suplementação) na porcentagem de neutrófilos estimulados que produziram EROS. Isto indica que ocorreu aumento da resposta destas células frente ao PMA. Poulos et al (1991) relataram que EPA e DHA são potentes ativadores da produção de espécies reativas de oxigênio por neutrófilos humanos, fato que pode ser confirmado em nossos estudos. A capacidade proliferativa de linfócitos estimulados 14 com Concanavalina A foi avaliada através da incorporação de [2- C]-timidina (0,02 µCi - 0,3 µM/escavação) durante um período de 18 horas de incubação. Foi observado aumento de 40,3 % da capacidade proliferativa de linfócitos após a suplementação com o óleo de peixe rico em DHA. Em outros estudos foi observada diminuição da proliferação de linfócitos em homens suplementados com 1,2 g por dia de óleo de peixe rico em EPA (THIES et al, 2001b; MOLVIG et al, 1991, ). Analisou-se a produção das citocinas interleucina-2 (IL-2), IL-4, IL-10, fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e interferon-γ (INF-γ) pelas células mononucleares. Observou-se diminuição na produção de IL-2, mas não houve diferença significativa na produção de IL-4. Por outro lado, ocorreu aumento de IL-10, TNF-α e INF-γ antes e após a suplementação com o óleo de peixe rico em DHA. Alterações na fragilidade osmótica dos eritrócitos, foram também avaliados pela análise da resistência das hemácias frente a diferentes concentrações de NaCl. Os resultados foram apresentados para a concentração de 0,4 % de NaCl. A porcentagem de hemólise reduziu de 94,5 ± 1,7 % para 66,6 ± 3,5 % no grupo suplementado. Isto indica aumento da resistência das hemácias em condições hipotônicas. Estes resultados mostram que dietas ricas em DHA alteram a composição dos fosfolípides de membrana de eritrócitos modificando a sua resistência. Os resultados obtidos são indicativos de que os efeitos dos ácidos graxos não devem ser generalizados pela classe a que pertencem. Os ácidos graxos ativaram genes distintos e portanto regulam diferentes funções celulares. O conhecimento desses mecanismos contribuirá para o emprego mais adequado dos ácidos graxos (e dos óleos) no tratamento e prevenção de doenças. Agradecimentos Este projeto recebe apoio da FAPESP, CNPq, CAPES e PRONEX. O óleo de peixe rico em DHA foi fornecido pela Naturalis (São Paulo, SP). Referências bibliográficas DUPLUS E., GLORIAN M., FOREST C. Fatty acid regulation of gene transcription. J. Biol. Chem., v. 275(40), p.30749-52, 2000. FOWLER K. H., CHAPKIN R.S., MCMURRAY D.N. Effects of purified dietary n-3 ethyl esters on murine T lymphocyte function. J. Immunol., v. 151, p. 5186-5197, 1993. KREMER, J.M. 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