Evangelho segundo S. Mateus 2,1-12.

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Evangelho segundo S. Mateus 2,1-12.
Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, chegaram a Jerusalém
uns magos vindos do Oriente. E perguntaram: «Onde está o rei dos judeus que acaba de
nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.» Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes
perturbou-se e toda a Jerusalém com ele. E, reunindo todos os sumos sacerdotes e escribas do
povo, perguntou-lhes onde devia nascer o Messias. Eles responderam: «Em Belém da Judeia,
pois assim foi escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor
entre as principais cidades da Judeia; porque de ti vai sair o Príncipe que há-de apascentar o
meu povo de Israel.» Então Herodes mandou chamar secretamente os magos e pediu-lhes
informações exactas sobre a data em que a estrela lhes tinha aparecido. E, enviando-os a
Belém, disse-lhes: «Ide e informai-vos cuidadosamente acerca do menino; e, depois de o
encontrardes, vinde comunicar-mo para eu ir também prestar-lhe homenagem.» Depois de ter
ouvido o rei, os magos puseram-se a caminho. E a estrela que tinham visto no Oriente ia
adiante deles, até que, chegando ao lugar onde estava o menino, parou. Ao ver a estrela,
sentiram imensa alegria; e, entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe.
Prostrando-se, adoraram-no; e, abrindo os cofres, ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e
mirra. Avisados em sonhos para não voltarem junto de Herodes, regressaram ao seu país por
outro caminho.
„Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia“ – Mt 2,1
1. Belem, cidade única, * só tu pudeste ver * [:o Salvador do céu * na terra aparecer.:]
2. Brilhante, nova estrela, * que vence a luz do dia, * [:ter vindo à terra Deus * aos
homens anuncia.]:
3. Ao vê-la os Magos partem, * repartem seu tesouro: * [:prostrados oferecem * incenso,
mirra e ouro.:]
4. O ouro ao Rei é dado * ao Deus o incenso puro, * [:mas fala do sepulcro * da mirra o
pó escuro.:]
Pe. José Weber – Cantos e orações, 367
Bento XVI: Deus conquista «com a mansidão do amor»
Lição da Epifania, a manifestação de Jesus aos Magos do Oriente
CIDADE DO VATICANO, terça-feira, 6 de janeiro de 2009 (ZENIT.org).- Publicamos a
intervenção que Bento XVI pronunciou ao meio-dia desta terça-feira, solenidade da Epifania
do Senhor, por ocasião da oração mariana do Ângelus.
***
Queridos irmãos e irmãs:
Celebramos hoje a solenidade da Epifania, a «manifestação» do Senhor. O Evangelho conta
como Jesus veio ao mundo com grande humildade e simplicidade. São Mateus, contudo,
refere-se ao episódio dos Magos, que chegaram do oriente guiados por uma estrela, para
prestar homenagem ao recém-nascido rei dos judeus. Cada vez que escutamos esta narração
nos impressiona o claro contraste que se dá entre a atitude dos Magos, por um lado, e a de
Herodes e os judeus, por outro. O Evangelho diz que, ao escutar as palavras dos Magos, «o rei
Herodes se sobressaltou e com ele toda Jerusalém» (Mateus 2, 3). É uma reação que se pode
compreender de diferentes maneiras: Herodes se alarma porque vê naquele a quem os Magos
buscam um concorrente dele e dos seus filhos. Os chefes e os habitantes de Jerusalém, pelo
contrário, parecem ficar atônitos, como se despertassem de certa sonolência e precisassem
refletir. Isaías, na verdade, havia anunciado: «Um menino nos nasceu, um filho nos foi dado;
ele recebeu o poder sobre seus ombros, e lhe foi dado este nome: Conselheiro maravilhoso,
Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz» " (Isaías 9, 5).
Por que Jerusalém se sobressalta então? Parece que o Evangelho quer antecipar a posição que
depois os sumos sacerdotes e o sinédrio tomarão, assim como parte do povo, diante de Jesus
durante sua vida pública. Certamente, destaca-se o fato de que o conhecimento das Escrituras
e das profecias messiânicas não leva todos a se abrirem a Ele e à sua palavra. Isso recorda
que, antes da paixão, Jesus chorou sobre Jerusalém, pois não havia reconhecido a hora em que
havia sido visitada (cf. Lucas 19, 44). Tocamos aqui um dos pontos cruciais da teologia da
história: o drama do amor fiel de Deus na pessoa de Jesus, que «veio para o que era seu e os
seus não o receberam» (João 1, 11). À luz de toda a Bíblia, esta atitude de hostilidade,
ambiguidade, ou superficialidade representa a de todo homem e a do ‘mundo’ – em sentido
espiritual – quando se fecha ao mistério do verdadeiro Deus, que nos sai ao encontro com a
mansidão do amor. Jesus, o «rei dos judeus» (cf. João 18, 37), é o Deus da misericórdia e da
fidelidade; ele quer reinar com o amor e a verdade e nos pede que nos convertamos, que
abandonemos as obras más e que percorramos com decisão o caminho do bem.
«Jerusalém», portanto, neste sentido, somos todos nós. Que a Virgem Maria, que acolheu
Jesus com fé, ajude-nos a não fechar nosso coração ao seu Evangelho de salvação. Deixemonos conquistar e transformar por Ele, o «Emmanuel», Deus vindo entre nós para dar-nos sua
paz e seu amor.
São Bernardo (1091-1153), monge cisterciense e doutor da Igreja
1º sermão para a Epifania
«Caindo de joelhos, prostraram-se diante d’Ele»
O desígnio de Deus não foi apenas descer à terra, mas ser nela conhecido; não foi nascer,
apenas, mas dar-Se a conhecer. De facto, é com vista a esse conhecimento que celebramos a
Epifania, esse grande dia da Sua manifestação. Hoje mesmo, de facto, os magos vieram do
Oriente em busca do nascer do Sol da Justiça (Ml 3,20), esse de quem se diz: «Eis o homem,
cujo nome é Oriente» (Za 6,12). Hoje adoraram o menino nascido da Virgem, seguindo a
direcção traçada por uma nova estrela. Temos pois aqui, irmãos, um grande motivo de
alegria, como aliás também nas palavras do apóstolo Paulo: «A bondade de Deus nosso
Salvador e o seu amor pelos homens foram-nos manifestadas» (Tt 3,4). […]
Que fazeis, magos, que fazeis? Adorais um menino de colo, envolto em faixas miseráveis,
num pobre casebre? Será este, então, Deus? Mas «Deus mora no seu templo santo, o Senhor
tem o seu trono nos céus» (Sl 10,4), e vós, vós procurai-Lo assim, num qualquer estábulo,
uma criança de colo? Que fazeis? Porque ofereceis esse ouro? Será este o rei? Mas onde está a
sua corte real, o seu trono, a multidão de cortesãos? Acaso um estábulo é um palácio, acaso
uma manjedoura é um trono, serão Maria e José membros da sua corte? Como podem os
homens ser tolos a ponto de adorar uma simples criança, um ser assim desprezível, quer pela
pouca idade, quer pela evidente pobreza de seus pais?
Loucos, sim, tornaram-se loucos, para serem sábios; o Espírito Santo ensinou-lhes primeiro o
que o apóstolo Paulo mais tarde proclamou: «Aquele que quer ser sábio, torne-se louco para
ser sábio. Pois já que o mundo, por meio da sua sabedoria, não conseguiu reconhecer Deus na
sua Sabedoria divina, aprouve a Deus salvar os que crêem pela loucura da pregação» (1 Co
1,21). […] Prostaram-se portanto diante daquela humilde criança, prestando-Lhe homenagem
como a um rei, adorando-O como um Deus. Aquele que de longe os guiou através de uma
estrela fez brilhar a Sua luz no mais profundo dos seus corações.
Beato Guerric d'Igny (c. 1080-1157), abade cisterciense
II Sermão para a Epifania
A luz do mundo revelada às nações
“Levanta-te e resplandece, Jerusalém, chegou a tua luz!” (Is, 60, 1) Chegou realmente a tua
luz; ela estava no mundo e o mundo foi feito por ela, mas o mundo não a conheceu. O Menino
nascera, mas não foi conhecido enquanto o dia da luz não começou a revelá-lo. […] Ergueivos, vós que estais sentados nas trevas! Dirigi-vos para esta luz; ela ergueu-se nas trevas, mas
trevas não conseguiram abarcá-la. Aproximai-vos e sereis iluminados; na luz vereis a luz, e
dir-se-á sobre vós: “Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor” (Ef 5, 8). Vede que a
luz eterna se acomodou aos vossos olhos, para que Aquele que habita uma luz inacessível
possa ser visto pelos vossos olhos fracos e doentes. Descobri a luz numa lâmpada de argila, o
sol na nuvem, Deus num homem, no pequeno vaso de argila do vosso corpo o esplendor da
glória e o brilho da luz eterna! […]
Nós de damos graças, Pai da luz, por nos teres chamado das trevas à tua luz admirável. […]
Sim, a verdadeira luz, mais do que isso, a vida eterna, consiste em Te conhecer, a Ti, único
Deus, e ao Teu enviado Jesus Cristo. […] É certo que Te conhecemos pela fé, e temos como
seguro que um dia Te conheceremos na visão. Até lá, aumenta-nos a fé. Conduz-nos de fé em
fé, de claridade em claridade, sob a moção do teu Espírito, para que penetremos cada dia mais
nas profundezas da luz! […] Que a fé nos conduza à visão face a face e que, à semelhança da
estrela, ela nos guie até ao nosso chefe nascido em Belém. […]
Que alegria, que exultação para a fé dos magos, quando virem reinar, na Jerusalém das
alturas, Aquele que adoraram quando vagia em Belém! Viram-no aqui numa habitação de
pobres; lá, vê-Lo-emos no palácio dos anjos. Aqui, nos paninhos; lá, no esplendor dos santos.
Aqui, no seio de sua Mãe; lá, no trono de seu Pai.
S. João Crisóstomo ( c. 345-407), bispo de Antioquia depois de Constantinopla, doutor da
Igreja
Homilias sobre S. Mateus
«Caindo de joelhos, prostraram-se diante dEle»
Irmãos, sigamos os Magos, deixemos os nossos costumes pagãos. Partamos! Façamos uma
longa viagem para vermos Cristo. Se os Magos não tivessem partido para longe do seu país,
não teriam visto Cristo. Abandonemos também os interesses da terra. Enquanto estavam no
seu país os magos só viam a estrela, mas, quando deixaram a sua pátria, viram o Sol da Justiça
(Ma 3,20). Melhor dizendo: se eles não tivessem empreendido generosamente a sua viagem,
nem sequer teriam visto a estrela. Levantemo-nos pois, também nós, e mesmo que toda a
gente se espante em Jerusalém, corramos até ao local onde está o Menino.
Entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe; e, ajoelhando, prostraram-se diante
dele; depois, abrindo os cofres, ofereceram-lhe os seus presentes. «Que motivo os levou a
prostrarem-se diante desta criança? Nada de assinalável quer na virgem, quer na casa; nem um
objecto capaz de ferir o olhar e os atrair. E, contudo, não contentes de se prostrarem, abriram
os seus tesouros, presentes que não se oferecem a um homem, mas apenas a Deus – o incenso
e a mirra simbolizam a divindade. Que razão os levou a agir dessa forma? A mesma que os
decidira a abondonar a sua pátria, a partir para essa longa viagem. Foi a estrela, quer dizer, a
luz com que Deus enchera o seu coração e que os conduzia, pouco a pouco, a um
conhecimento mais perfeito. Se não tivessem tido essa luz, como poderiam ter rendido tais
homenagens, se aquilo que viam era tão pobre e tão humilde? Se não há grandeza material,
mas apenas uma manjedoura, um estábulo, uma mãe despida de tudo, é para que vejas mais
nitidamente a sabedoria dos Magos, para que compreendas que vieram, não até um homem,
mas até um Deus, seu benfeitor.
S. João Crisóstomo (cerca de 345-407), bispo de Antioquia e de Constantinopla, doutor da
Igreja
Homilias sobre S. Mateus
Sigamos os Magos
Ergamo-nos, a exemplo dos Magos. Deixemos todos se perturbarem, mas corramos nós até
onde mora o Menino. Que os reis ou os povos, que tiranos cruéis se esforcem por nos barrar o
caminho, pouco importa, não abrandemos o nosso ardor. Afastemos todos os males que nos
ameaçam. Se não tivessem visto o Menino, , os Magos não teriam escapado ao perigo que
corriam da parte do rei Herodes. Antes de terem afelicidade de O contemplar, eles estavam
sitiados pelo medo, rodeados de perigos, mergulhados na perturbação; depois que O
adoraram, a calma e a segurança voltaram às suas almas...
Deixai então, também vós, uma cidade em desordem, um déspota sedento de sangue, todas as
riquezas do mundo, e vinda a Belém, à casa do pão espiritual. Sois pastores: vinde apenas e
vereis o Menino na manjedoura.
Sois reis: se não vindes, a vossa púrpura não vos servirá de nada. Sois magos: isso não é
impedimento, desde que venhais mostrar o vosso respeito e não esmagar a vossos pés o Filho
de Deus, desde que vos aproximeis com temor e alegria, duas coisas que não são
incompatíveis...
Quando nos prosternarmos, deixemos escapar tudo das nossas mãos. Se tivermos ouro, demolo sem reservas e não o escondamos... Houve estrangeiros que empreenderam uma viagem tão
longa só para contemplar este recém-nascido: que razão tendes vós para desculpar a vossa
conduta, vós que vos recusais a dar alguns passos para visitar o doente ou o prisioneiro? Eles
oferecem ouro:
mas vós, é com tanta dificuldades que dais pão! Eles viram uma estrela e o
seu coração ficou cheio de alegria; vós vedes Cristo numa terra estranha, sem roupa, e não vos
emocionais?
„Chegaram a Jerusalém uns magos, vindos do Oriente“ – Mt 2,1
1. São três reis que chegam lá do Oriente / para ver um Rei que acaba de nascer. / Dizem que
um é branco, o outro, cor de jambo / o outro rei é negro e que vieram ver [: o novo Rei que
nasceu igual estrela no céu.:]
Dizem que uma estrela muito diferente / lá do Oriente se podia ver. / Falam de um cometa,
ninguém sabe ao certo / mas pelo deserto eles vieram ter [: ao novo Rei que nasceu igual
estrela no céu.:]
[:E trazem ouro, incenso e mirra / pra festejar o novo Rei / que tem poder e
majestade / que vem do céu, que é de Deus / que vai sofrer, que vai morrer / e que nos
libertará….:]
2. São milhões de vidas que no Ocidente / que no Oriente sofrem de opressao / têm todas as
cores, todos os temores / todos os rancores desta humilhação [: esperam libertação e olham
todos pro céu..]
Dizem que um futuro muito diferente / essa pobre gente ´inda conhecerá / dizem que é
seguro, que o futuro é certo / que anda muito perto, que começa já! [. Olham pro Rei que
nasceu igual estrela no céu:]
Cantemos ….. n° 144
„Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo“ – Mt 2,2
Vimos a sua estrela no Oriente / e viemos com presentes adorar o Senhor
1. Por que os povos agitados se revoltam, / por que tramam as nações projetos vãos? /
Por que os reis de toda terra se reúnem / contra o Deus onipotente e o seu Ungido?
2. Ri-se deles O que mora lá nos céus; / zomba deles o Senhor Onipotente. / „Fui eu
mesmo que escolhi este meu Rei / e em Sião, meu Monte Santo, o consagrei!“
3. E agora, poderosos, entendei; / soberanos, aprendei esta lição: / Com temor servi a
Deus, rendei-lhe glória / e prestai-lhe homenagem com respeito!
Cantemos ….. n° 145
J. B. Boussuet (1627-1704), Bispo de Meaux
Sermões sobre os mistérios, 17ª semana, nº 2
«Vimos a sua estrela no Oriente»
Que tinha esta estrela acima das outras, que anunciam no céu a glória de Deus? (Sl 18, 2).
Que tinha ela a mais que as outras, para merecer ser chamada a estrela do Rei dos reis, do
Cristo que acabara de nascer, para Lhe trazer os magos? Balaam, profeta entre os pagãos, em
Moab e na Arábia, tinha visto Jesus Cristo como uma estrela; e tinha dito: «Uma estrela sai de
Jacob» (Nm 24, 17). Esta estrela que aparece aos magos era a imagem daquele que Balaam
tinha visto: e quem sabe se a profecia de Balaam não se tinha espalhado no Oriente? [...]
Fosse como fosse, uma estrela que aparecesse apenas aos olhos não seria capaz de atrair os
magos ao Rei recém-nascido: era preciso que a estrela de Jacob e a luz de Cristo nascessem
em seus corações. Em presença do sinal que ela lhes deu exteriormente, Deus tocou-os
interiormente, por esta inspiração da qual Jesus disse: «Ninguém pode vir a Mim se o Pai que
Me enviou o não atrair» (Jo 6, 44).
A estrela dos magos é, pois, a inspiração nos seus corações. Não sei o que brilha dentro de
vós; estais nas trevas e nas distracções, ou talvez na corrupção do mundo; voltai-vos para o
Oriente, onde nascem os astros; voltai-vos para Jesus Cristo, que está a Oriente, onde se
levanta como um belo astro o amor à verdade e à virtude.
Homilia de Bento XVI na Solenidade da Epifania do Senhor
CIDADE DO VATICANO, domingo, 6 de janeiro de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos a
homilia que Bento XVI pronunciou na manhã deste domingo, Solenidade da Epifania do
Senhor, na basílica de São Pedro, no Vaticano.
***
Caros irmãos e irmãs,
Celebramos hoje Cristo, Luz do mundo, a sua manifestação aos povos. No dia de Natal, a
mensagem da liturgia ressoava assim: «Hodie descendit lux magna super terram – Hoje uma
grande luz desceu sobre a terra» (Missal Romano). Em Belém, esta «grande luz» aparece a
um pequeno núcleo de pessoas, um minúsculo «resto de Israel»: a Virgem Maria, seu esposo
José e alguns pastores. Uma luz humilde, como é o estilo do verdadeiro Deus; uma pequena
chama acesa na noite: um frágil recém-nascido, que permanece no silêncio do mundo… Mas
acompanhava aquele nascimento escondido e desconhecido o hino de louvor das cortes
celestes, que cantavam glória e paz (cf. Lc 2, 13-14).
Assim, aquela luz, ainda que modesta em sua aparição sobre a terra, projetava-se com força
nos céus: o nascimento do Rei dos Judeus foi anunciado pelo surgir de uma estrela, visível
muito longe. Foi este testemunho de «alguns Magos», vindos do Oriente a Jerusalém pouco
depois do nascimento de Jesus, no tempo do rei Herodes (cf. Mt 2, 1-2). Ainda uma vez são
chamados e se correspondem o céu e a terra, o cosmo e a história. As antigas profecias
encontram confirmação na linguagem dos astros. «Uma estrela procedente de Jacó e um cetro
surge de Israel» (Nm 24, 17), tinha anunciado o vidente pagão Balaão, chamado a amaldiçoar
o povo de Israel, e que, ao invés disso, o abençoa porque – revelou-lhe Deus – «aquele povo é
bendito» (Nm 22, 12). Cromácio de Aquiléia, em seu Comentário ao Evangelho de Mateus,
faz uma relação entre Balaão e os Magos: «Aquele profetizou que Cristo viria; estes o
avistaram com os olhos da fé». E acrescenta uma observação importante: «A estrela foi
descoberta por todos, mas nem todos compreenderam o sentido. Da mesma forma, o Senhor e
Salvador nosso nasceu para todos, mas nem todos o acolheram» (ivi, 4, 1-2). Surge aqui o
significado, na perspectiva histórica, do símbolo da luz aplicado ao nascimento de Cristo: isso
exprime a especial bênção de Deus sobre a descendência de Abraão, destinada a estender-se a
todos os povos da terra.
O acontecimento evangélico que recordamos na Epifania – a visita dos Magos ao Menino
Jesus em Belém – leva-nos assim às origens da história do povo de Deus, isto é, ao chamado
de Abraão. Estamos no capítulo 12 do Livro do Gênesis. Os primeiros 11 capítulos são como
grandes afrescos que respondem a algumas questões fundamentais da humanidade: qual é a
origem do universo e do gênero humano? De onde vem o mal? Por que existem diversas
línguas e civilizações? Entre os contos iniciais da Bíblia, surge uma primeira «aliança»,
estabelecida por Deus com Noé, depois do dilúvio. Trata-se de uma aliança universal, que está
relacionada a toda a humanidade: o novo pacto com o clã de Noé é também pacto com «toda
carne» – para usar a linguagem bíblica – isto é, com todo ser vivente. Esta aliança, que
podemos definir como pré-histórica e que renova a bênção dos progenitores Adão e Eva, é
fundamental porque permanece como base de todo o projeto que Deus depois realizará na
história, a começar por Abraão. Mas, antes do chamado de Abraão encontra-se outro grande
afresco muito importante para entender o sentido da Epifania: aquele da torre de Babel.
Afirma o texto sacro que no início «toda a terra tinha uma só língua e as mesmas palavras»
(Gn 11, 1). Depois os homens disseram: «Vinde, construamos uma cidade e uma torre cujo
ápice penetre os céus! Façamo-nos um nome e não sejamos dispersos sobre toda a terra!» (Gn
11, 4). A conseqüência desta culpa de orgulho, análoga à de Adão e Eva, foi a confusão das
línguas e a dispersão da humanidade sobre toda a terra (cf. Gn 11, 7-8). Isso significa
«Babel», e foi uma espécie de maldição, igual à expulsão do paraíso terrestre.
Neste ponto inicia a história da bênção, com o chamado de Abraão: começa o grande projeto
de Deus para tornar a humanidade uma família, mediante a aliança com um povo novo, por
Ele escolhido para que seja uma bênção em meio a todos os povos (cf. Gn 12, 1-3). Este plano
divino está ainda em curso: continua há cerca de quatro mil anos e teve seu momento
culminante no mistério de Cristo há dois mil anos; desde então foram iniciados os «últimos
tempos», no sentido que o projeto foi plenamente revelado e realizado em Cristo, mas resta
ser acolhido na história, que permanece sempre história de fidelidade da parte de Deus e,
infelizmente, também de infidelidade da parte de nós, homens. A própria Igreja, depositária
da bênção, é santa e composta de pecadores, marcada pela tensão entre o «já» e o «não
ainda». Na plenitude dos tempos, Jesus Cristo veio para levar a cumprimento a aliança: Ele
mesmo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, é o Sacramento da fidelidade de Deus a seu
projeto de salvação para toda a humanidade.
A chegada dos Magos do Oriente a Belém, para adorar o recém-nascido Messias, é o sinal da
manifestação do Rei universal aos povos e a todos os homens que buscam a verdade. É o
início de um movimento oposto àquele de Babel: da confusão à compreensão, da dispersão à
reconciliação. Percebemos uma ligação entre a Epifania e o Pentecostes: se o Natal de Cristo,
que é a Cabeça, é também o Natal da Igreja, seu corpo, nós vemos nos Magos os povos que se
juntam ao resto de Israel, preanunciando o grande sinal da «Igreja poliglota», atuado pelo
Espírito Santo cinqüenta dias depois da Páscoa. É sempre fascinante estender o olhar sobre a
história da salvação em toda sua amplitude, para admirar a beleza do projeto de Deus,
projeção na história de seu ser Comunhão trinitária, Amor fiel e tenaz, que nunca falha à sua
aliança de geração em geração. É este o «mistério» do qual fala São Paulo em suas cartas,
também no trecho da Carta aos Efésios, há pouco proclamado: o Apóstolo afirma que tal
mistério «foi-lhe dado conhecer por revelação» (Ef 3, 2).
Este «mistério» constitui a esperança da história, é o mistério de uma bênção que quer reunir
todos os povos e todos os seres humanos para que possam viver como irmãos e irmãs, filhos
do único Pai. Está aqui a verdade sobre o homem e sobre toda sua história. Tal projeto,
preanunciado pelos profetas, foi revelado em Jesus Cristo, e agora está se realizando mediante
a Igreja. Mas isso é contrastado por causa de divisões e de destruições, que laceram a
humanidade por causa do pecado e do conflito de egoísmos. A Igreja está a serviço deste
«mistério» de bênção para toda a humanidade. Essa cumpre completamente sua missão
somente quando reflete em si mesma a luz de Cristo Senhor, e assim auxilia os povos do
mundo sobre a via da paz e do autêntico progresso. De fato, é sempre válida a palavra de
Deus revelada por meio do profeta Isaías: «...as trevas recobrem a terra,/ a escuridão envolve
as nações; / mas sobre ti resplandece o Senhor, sua glória aparece sobre ti» (Is 60, 2). O que o
profeta anuncia a Jerusalém, cumpre-se na Igreja de Cristo: «Caminharão os povos à tua luz,
os reis ao esplendor de teu surgir» (Is 60, 3). E o refrão do Salmo 66 repete: «Que os povos te
celebrem, ó Deus, / que os povos todos te celebrem» (vv. 4 e 6). É verdade: as pessoas podem
conhecer o caminho da salvação se sobre o povo de Deus resplandece a luz do rosto do
Senhor. Ressalta também que a bênção de Deus para Israel está destinada a renovar-se e recair
sobre todos os povos. Esta verdade permanece imóvel na Igreja, com uma só, mas substancial
novidade: que em Jesus Cristo, Deus mostrou sua face, «a bondade de Deus e seu amor para
os homens foram manifestados» (Tt 3, 4), como escreve São Paulo a Tito.
Com Jesus Cristo, a bênção de Abraão é estendida a todos os povos, à Igreja universal como
novo Israel que acolhe em seu seio toda humanidade. Também hoje, ainda permanece
verdadeiro o que dizia o profeta: «a escuridão envolve as nações». Não se pode dizer, de fato,
que a globalização seja sinônimo de ordem mundial, pelo contrário. Os conflitos pela
supremacia econômica e a exploração dos recursos energéticos, hídricos e das matérias primas
tornam difícil o trabalho daqueles que, em todos os níveis, esforçam-se para construir um
mundo justo e solidário. Há a necessidade de uma esperança maior para preferir o bem
comum de todos ao luxo de poucos e à miséria de muitos. «Esta grande esperança – escrevi na
encíclica Spe salvi – pode ser somente Deus … não um deus qualquer, mas aquele Deus que
possui uma face humana» (n. 31): o Deus que se manifestou no Menino de Belém, e no
Crucificado-Ressuscitado. Se há uma grande esperança, pode-se perseverar na sobriedade. Se
faltar a verdadeira esperança, busca-se a felicidade na embriaguez, no supérfluo, nos
excessos, e se arruína a si mesmo e ao mundo. A moderação não é então somente uma regra
ascética, mas também uma via de salvação para a humanidade. É agora evidente que somente
adotando um estilo de vida sóbrio, acompanhado do sério empenho por uma igual distribuição
das riquezas, será possível instaurar uma ordem de desenvolvimento justo e sustentável. Por
isso, é preciso que os homens nutram uma grande esperança e possuam, por isso, muita
coragem: a coragem dos Magos, que empreenderam uma longa viagem seguindo uma estrela,
e que souberam ajoelhar-se diante de um Menino e oferecer-lhe seus dons preciosos. Temos
toda a necessidade desta coragem, ancorada em uma sadia esperança. Que Maria nos obtenha
isso, acompanhando-nos em nossa peregrinação terrena com sua materna proteção. Amém!
[Tradução do original italiano: José Caetano. Revisão: Aline Banchieri.
© Copyright 2008 - Libreria Editrice Vaticana]
Evangelho segundo S. Mateus 2,13-15.19-23.
Depois de partirem, o anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse-lhe: «Levanta-te,
toma o menino e sua mãe, foge para o Egipto e fica lá até que eu te avise, pois Herodes
procurará o menino para o matar.» E ele levantou-se de noite, tomou o menino e sua mãe e
partiu para o Egipto, permanecendo ali até à morte de Herodes. Assim se cumpriu o que o
Senhor anunciou pelo profeta: Do Egipto chamei o meu filho. Morto Herodes, o anjo do
Senhor apareceu em sonhos a José, no Egipto, e disse-lhe: «Levanta-te, toma o menino e sua
mãe e vai para a terra de Israel, porque morreram os que atentavam contra a vida do menino.»
Levantando-se, ele tomou o menino e sua mãe e voltou para a terra de Israel. Porém, tendo
ouvido dizer que Arquelau reinava na Judeia, em lugar de Herodes, seu pai, teve medo de ir
para lá. Advertido em sonhos, retirou se para a região da Galileia e foi morar numa cidade
chamada Nazaré; assim se cumpriu o que foi anunciado pelos profetas: Ele será chamado
Nazareno.
Evangelho segundo S. Mateus 2,13-18.
Depois de partirem, o anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse-lhe: «Levanta-te,
toma o menino e sua mãe, foge para o Egipto e fica lá até que eu te avise, pois Herodes
procurará o menino para o matar.» E ele levantou-se de noite, tomou o menino e sua mãe e
partiu para o Egipto, permanecendo ali até à morte de Herodes. Assim se cumpriu o que o
Senhor anunciou pelo profeta: Do Egipto chamei o meu filho. Então Herodes, ao ver que tinha
sido enganado pelos magos, ficou muito irado e mandou matar todos os meninos de Belém e
de todo o seu território, da idade de dois anos para baixo, conforme o tempo que,
diligentemente, tinha inquirido dos magos. Cumpriu-se, então, o que o profeta Jeremias
dissera: Ouviu-se uma voz em Ramá, uma lamentação e um grande pranto: É Raquel que
chora os seus filhos e não quer ser consolada, porque já não existem.
S. Gregório de Nissa (cerca de 335-395), monge e bispo
Sermão sobre a Natividade de Cristo
Hoje começa o mistério da Paixão
“Quando soube do nascimento do Salvador, Herodes ficou preocupado e toda a Jerusalém
com ele” (Mt 2,2)… Era o mistério da Paixão que a mirra dos magos simbolizava já; sem
piedade, manda-se massacrar recém-nascidos… Que significa esta mortandade de crianças?
Porque ousar um crime tão terrível? «É que, dizem Herodes e os seus conselheiros, apareceu
no céu um sinal estranho; ele assegura aos magos a vinda de um outro rei». Compreendes,
Herodes, o que são estes sinais anunciadores? Se Jesus é senhor dos astros, não estará ao
abrigo dos teus ataques? Julgas que tens o poder de fazer viver ou morrer, mas não tens nada a
temer de alguém tão doce. Deus submete-o ao teu poder; porquê conspirar contra ele?...
Temos depois o luto, «a queixa amarga de Raquel que chora os seus filhos» - porque hoje o
Sol de justiça (Ma 3,20) dissipa as trevas do mal e derrama a sua luz sobre todo a natureza, ele
que assume a nossa natureza humana… Nesta festa da Natividade, «as portas da morte foram
rebentadas, as barras de ferro foram quebradas» (Sl 107, 16); hoje, «abrem-se as portas da
justiça» (Sl 118, 19)… Porque a morte veio por um homem; hoje, por um homem, vem a
salvação (Rm 5,18)… Depois da árvore do pecado, ergue-se a árvore da bondade, a cruz…
Hoje começa o mistério da Paixão.
Santo Quodvultdeus, bispo em Cartago de 437 a 453
Sermão 2 sobre o Credo
Filhos e testemunhas de Cristo
Por que tens medo, Herodes, de ouvir dizer que nasceu um rei? Ele não veio destronar-te, veio
vencer o demónio. Mas tu não compreendes que assim é, tens medo e enfureces-te. Para
matares a criança que procuras, tornas-te o cruel assassino de um grande número de infantes.
Nada te detém, nem o amor das mães lavadas em lágrimas, nem o luto dos pais que choram os
seus filhos, nem os gritos e os gemidos das próprias crianças. Massacras o corpo destes
pequenos porque o medo te mata o coração. E julgas que, se conseguires realizar os teus
objectivos, viverás muito tempo, quando é a própria vida que procuras matar. Aquele que é a
fonte da graça, que é simultaneamente pequeno e grande, que está deitado numa manjedoura,
faz tremer o trono onde te sentas. Através de ti, Ele realiza os Seus desígnios, mas realiza-os
apesar de ti. Ele acolhe os filhos dos Seus inimigos e faz deles Seus filhos de adopção.
Esses pequenos morrem por Cristo sem o saberem; é a morte de mártires que seus pais
choram. Quando ainda nem sabiam falar, Cristo tornou-os capazes de serem Suas
testemunhas. Eis como reina este Rei, que opera já a libertação, que já dá a salvação. Tu,
porém, Herodes, ignoras tudo isso; tu assustas-te e enfureces-te. E, irando-te contra uma
criança pequena, colocas-te já ao Seu serviço sem o saberes.
Que grande é o dom da graça! Por que méritos conquistaram estas crianças a vitória? Ainda
não sabem falar, e já confessam a Cristo. Sendo ainda fisicamente incapazes de empreender o
combate, conquistam já a palma da vitória.
Pregador do Papa esclarece em que consiste a recíproca submissão entre esposos
Em seu comentário às leituras da festa da Sagrada Família
ROMA, sexta-feira, 24 de dezembro de 2004 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do
padre Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia, às leituras da liturgia do próximo
domingo, 26 de dezembro (Mt 2,13-15.19-23; Si 3,2-6. 12-14; Col 3,12-21), festividade da
Sagrada Família.
***
Mateus (2,13-15.19-23)
Depois dos Magos se retirarem, o Anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e lhe disse:
«Levanta-te, toma contigo a criança e sua mãe e foge para o Egito; e permanece ali até que eu
te diga. Porque Herodes vai buscar a criança para matá-la». José se levantou, tomou de noite a
criança e sua mãe, e se retirou ao Egito; e esteve ali até a morte de Herodes; para que se
cumprisse o oráculo do Senhor, por meio do profeta: «Do Egito chamei meu filho».
No domingo depois do Natal celebra-se a festa da Sagrada Família: Jesus, Maria e José. Na
segunda leitura, São Paulo disse: «Mulheres, sede submissas a vossos maridos, como convém
no Senhor. Maridos, amai vossas mulheres, e não sede ásperos com elas. Filhos, obedecei
vossos pais, porque isto é do agrado de Deus no Senhor. Pais, não exasperai vossos filhos, não
seja que se desalentem». Neste texto, apresentam-se as duas relações fundamentais que
constituem a família: a relação mulher-marido, e pais-filhos.
Das duas relações, a mais importante é a primeira, a relação de casal, porque dela depende em
grande parte também a segunda, aquela com os filhos. Lendo com olhos modernos as palavras
de São Paulo, salta imediatamente uma dificuldade. São Paulo recomenda ao marido «amar» a
própria mulher (e isto está bem), mas logo recomenda à mulher que seja «submissa» ao
marido, e isto, em uma sociedade fortemente (e justamente) consciente da igualdade dos
sexos, parece inaceitável. Sobre este ponto, São Paulo está, ao menos em parte, condicionado
pela mentalidade de seu tempo. No entanto, a solução não está em eliminar das relações entre
marido e mulher a palavra «submissão», está em todo caso em fazê-la recíproca, como
recíproco deve ser também o amor.
Em outras palavras, não só o marido deve amar a mulher, mas também a mulher o marido;
não só a mulher deve estar submetida ao marido, mas o marido à mulher. A submissão não é
então senão um aspecto e uma exigência do amor. Para quem ama, submeter-se ao objeto do
próprio amor não humilha, ao contrário, faz feliz.
Submeter-se significa, neste caso, ter em conta a vontade do cônjuge, seu parecer e sua
sensibilidade; dialogar, não decidir por si só; saber às vezes renunciar o próprio ponto de
vista. Enfim, lembrar-se de que se converteram em «cônjuges», isto é, literalmente, pessoas
que estão debaixo do mesmo jugo. A Bíblia situa uma relação estreita entre o estar criados à
«imagem de Deus» e o fato de ser «homem e mulher» (Cf. Gn 1,27). A semelhança consiste
nisso. Deus é único e sozinho, mas não solitário. O amor exige comunhão, intercâmbio
pessoal; requer que haja um «eu» e um «tu». Por isso o Deus cristão é uno e trino. Nele
coexistem unidade e distinção: unidade de natureza, de vontade, de intenção, e distinção de
características e de pessoas.
Precisamente nisso o casal humano é imagem de Deus, reflexo da Trindade. Marido e mulher
são de fato uma só carne, um só coração, uma só alma, ainda na diversidade de sexo e de
personalidade. Os esposos estão de frente, o um ao outro, como um «eu» e um «tu», e estão
frente a todo o resto do mundo, começando pelos próprios filhos, como um «nós», como se se
tratasse de uma só pessoa, mas já não singular, senão plural. «Nós», isto é, «tua mãe e eu»,
«teu pai e eu». Assim falou Maria a Jesus depois de encontrá-lo no templo.
Bem sabemos que este é o ideal e que, como em todas as coisas, a realidade é freqüentemente
diferente, mais humilde e mais complexa, às vezes até trágica. Mas estamos tão
bombardeados de casos de fracasso que talvez, por uma vez, não está mal voltar a propor o
ideal do casal, primeiro no plano natural e humano, e depois no cristão.
Os jovens têm direito a ver que se lhes transmite, pelos mais velhos, ideais e não só ceticismo.
Nada tem a força da atração que o ideal possui.
[Tradução feita por Zenit do original publicado por «Famiglia Cristiana»]
ZP04122408
Jean Tauler (c. de 1300-1361), dominicano em Estrasburgo
Sermão nº 2, para a vigília da Epifania
"Levanta-te... porque morreram aqueles que atentavam contra a vida do Menino"
Quando José estava no exílio com o Menino e sua mãe, soube pelo anjo, durante o sono, que
Herodes tinha morrido; mas, ao ouvir dizer que o seu filho Arquelau reinava no país,
continuou a ter grande receio de que o Menino fosse morto. Herodes, que perseguia o Menino
e o queria matar, é o mundo que, sem dúvida alguma, mata o Menino, o mundo de onde é
necessário fugir se se quer salvar o Menino. Mas, uma vez que se fugiu exteriormente do
mundo..., eis que Arquelau se levanta e reina: há ainda todo um mundo em ti, um mundo do
qual tu não triunfarás sem muita aplicação e sem o socorro de Deus.
Porque há três inimigos fortes e encarniçados a vencer em ti e é com dificuldade se alguma
vez se triunfa deles. Serás atacado pelo orgulho do espírito: queres ser visto, considerado,
escutado... O segundo inimigo é a tua própria carne que te provoca pela impureza corporal e
espiritual... O terceiro inimigo é aquele que te ataca, inspirando-te a malvadez, os
pensamentos amargos, as suspeitas, os julgamentos malévolos, a raiva e os desejos de
vingança... Queres tornar-te cada vez mais querido de Deus? Deves renunciar completamente
a tais atitudes, porque tudo isso é Arquelau, o malvado. Receia e fica atento; na verdade, ele
quer matar o Menino...
José foi avisado pelo anjo e chamado a regressar ao país de Israel. Israel significa «terra da
visão»; Egipto quer dizer «trevas»... É durante o sono, é só num verdadeiro abandono e na
verdadeira passividade que receberás o convite para sair delas, tal como aconteceu a José...
Podes então dirigir-te para a Galileia, que quer dizer «passagem». Ali está-se acima de todas
as coisas, tudo se atravessou, e chegou-se a Nazaré, «a verdadeira floração», o país onde
desabrocham flores para a vida eterna. Ali está-se certo de encontrar um verdadeiro aperitivo
da vida eterna; alí está toda a segurança, a paz inexprimível, a alegria e o repouso; ali só
chegam os que se abandonam, os que se submetem a Deus até que Ele os liberte e que não
procuram libertar-se a si mesmos pela violência. São esses os que alcançam essa paz, essa
floração, Nazaré, e ali encontram o que lhes dará a alegria eterna. Que isso seja a nossa
partilha comum, que a isso nos ajude o nosso Deus, digno de todo o amor!
Cardeal John Henry Newman (1801-1890), padre, fundador de comunidade religiosa, teólogo
“Mártires incapazes de confessar o nome do teu Filho e todavia glorificados pelo seu
nascimento” (Postcommunio)
É de toda a justiça que celebremos a morte destes Santos Inocentes, porque ela é santa.
Quando os acontecimentos nos aproximam de Cristo, quando sofremos por Cristo, é
seguramente um privilégio incrível – qualquer que seja o sofrimento, mesmo se no momento
não estamos conscientes de sofrer por ele. As crianças que Jesus tomou nos braços também
não podiam compreender nesse momento de que condescendência admirável estavam a ser
objecto, mas esta bênção do Senhor não era ela um real privilégio? Paralelamente, este
massacre das crianças de Belém tem para elas lugar de sacramento; era a caução do amor do
Filho de Deus para com aqueles que experimentaram esse sofrimento. Todos os que se
aproximaram dele sofreram mais ou menos, pelo simples facto desse contacto, como se
emanasse dele uma força secreta que purifica e santifica as almas através das penas deste
mundo. Foi o caso dos Santos Inocentes.
Verdadeiramente, a própria presença de Jesus tem lugar de sacramento: todos os seus actos,
todos os seus olhares, todas as suas palavras comunicam a graça aos que aceitam recebê-la – e
quanto mais aos que aceitam tornar-se seus discípulos. Desde os inícios da Igreja, um tal
martírio foi considerado como uma forma de baptismo, um verdadeiro baptismo de sangue,
que tem a mesma eficácia sacramental que a água que regenera. Nós somos pois convidados a
aceitar estas crianças como mártires e a aproveitar do testemunho da sua inocência.
João Paulo II
Audiência Geral de 29/12/1993
"Viveu em tudo a nossa condição de homem"
Quase imediatamente após o nascimento de Jesus, a violência gratuita que ameaça a sua vida
abate-se também sobre tantas outras famílias, provocando a morte dos Santos Inocentes. Ao
recordar esta terrível provação vivida pelo Filho de Deus e pelas crianças da mesma idade, a
Igreja sente-se convidada a rezar por todas as famílias ameaçadas a partir do seu interior ou a
partir do exterior... A Sagrada Família de Nazaré é para nós um desafio permanente que nos
obriga a aprofundar o mistério da "igreja doméstica" e de cada fam+ília humana. Ela é, para
nós, um estimulante a fim de nos incitar a rezar pelas famílias e com as famílias e a partilhar
tudo o que para elas constitui alegria e esperança, mas também preocupação e inquietude.
Com efeito, a experiência familiar é chamada a tornar-se um ofertório quotidiano, como que
uma oferenda santa, um sacrifício agradável a Deus. O evangelho da apresentação de Jesus no
Templo no-lo sugere igualmente. Jesus, "a luz do mundo" mas também "sinal de contradição"
(Lc 2,32-34) deseja acolher este ofertório de cada família tal como acolhe o pão e o vinho na
Eucaristia. Quer unir ao pão e ao vinho destinados à transubstanciação estas esperanças e
estas alegrias humanas, mas também os inevitáveis sofrimentos e preocupações próprios da
vida de cada família, assumindo-os no mistério do seu Corpo e do seu Sangue. Este Corpo e
este Sangue, Ele os dá em seguida na comunhão como fonte de energia espiritual, não só para
cada pessoa singular mas também para cada família.
Que a Sagrada Família de Nazaré nos queira abrir a uma compreensão cada vez mais
profunda da vocação de cada família, que encontra em Cristo a fonte da sua dignidade e da
sua santidade.
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