luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS
LUIZ RENATO GOMES MOURA
A ILUMINAÇÃO CÊNICA NO
TRABALHO DO ATOR DE TEATRO
NATAL/RN
2014
1
LUIZ RENATO GOMES MOURA
A iluminação cênica no trabalho do ator de teatro
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Artes Cênicas da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, para a
obtenção do título de Mestre em Artes Cênicas.
Linha de pesquisa: Pedagogias da Cena: corpo
e processos de criação.
Orientador: Dr. José Sávio Oliveira de Araújo.
NATAL-RN
2014
2
Catalogação da Publicação na Fonte
UFRN / CCHLA/ DEART
Biblioteca Setorial do DEART
Moura, Luiz Renato Gomes.
A iluminação cênica no trabalho do ator de teatro / Luiz Renato
Gomes Moura– Natal, RN, 2014.
132 f. : il.
Orientador: Prof.º Dr. José Sávio Oliveira de Araújo.
Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) – Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Departamento de
Artes.
1.Teatro – Iluminação Cênica. 2. Engenharia cênica. 3. Ator – Teatro.
4. Teatro – Sala de Ensaio. I. Araújo, José Sávio Oliveira de. II.
Título.
RN/UF/BSDEART
2014/06
CDU 792.022
3
4
AGRADECIMENTOS
À Cecília Raiffer, minha esposa, com a qual fundei a Cia. de Teatro Engenharia
Cênica.
Aos meus pais, Antônio Faustino e Cristiane Gomes Moura, pela confiança.
Aos meus irmãos Raul Moura e Rhenam Moura.
Ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – PPGArC – UFRN.
Ao Professor Dr. José Sávio Oliveira Araújo, pelas orientações precisas.
À Professora Dra. Marta Maria Castanho Almeida Pernambuco, pela
generosidade oferecida na qualificação.
Ao professor Dr. Eduardo Tudella.
Ao Professor Dr. Robson Carlos Haderchpek, pelo encorajamento.
Aos discentes e docentes do PPGArC-UFRN pela troca de experiências em
sala de aula.
Ao Professor Ms. Benedito Genésio Ferreira, pelo exemplo de pesquisador.
Ao Professor Dr. Fábio José Rodrigues da Costa, pela orientação na escrita do
projeto da presente dissertação.
Ao professor Ronaldo Costa pela atenção e orientação.
Ao colega de turma Mauricio Motta pela colaboração.
Ao Professor Alysson Amâncio, por ter me apresentado o edital de seleção do
mestrado e ter me encorajado a tentar.
À professora Dra. Antônia Pereira Bezerra, pelos endereçamentos iniciais na
minha vida de pesquisador acadêmico.
Ao Grupo Ninho de Teatro, com o qual a Cia. de Teatro Engenharia Cênica
realizou o espetáculo “O Menino Fotógrafo”, na Casa Ninho, na cidade de
Crato, no Ceará.
Ao Centro de Artes Reitora Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau da
Universidade Regional do Cariri – URCA.
A CAPES pela concessão de bolsa, que me possibilitou a elaboração dessa
pesquisa.
5
RESUMO
A presente pesquisa tem como foco principal, investigar como a iluminação
cênica pode ser articulada no processo de criação do ator de teatro. Para
chegarmos a essa reflexão, se faz necessário compreendermos o espaço da
sala de ensaio, no qual o ator trabalha, como um lugar em que sua formação,
recebe influências dos demais artistas, que estão também criando o
espetáculo. São analisados três processos colaborativos da Cia. de Teatro
Engenharia Cênica: “Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O Menino
Fotógrafo”, com intuito de compreendermos que o teatro colaborativo
potencializa o cruzamento e a troca de experiências na sala de ensaio,
colaborando ativamente para a formação dos sujeitos envolvidos na criação do
espetáculo. A pesquisa propõe uma investigação de como o processo criativo
da iluminação cênica ganhou espaço na sala de ensaio na linguagem da
encenação teatral, evidenciando principalmente sua criação “co-evolutiva” com
o processo criativo do ator.
PALAVRAS CHAVES:
Sala de ensaio; Iluminação Cênica; Ator; Teatro Colaborativo
6
ABSTRACT
This research aims to investigate how the stage lighting can be articulated in
the creation of theater actor process. To we reach this reflection, it is necessary
to understand the space of the rehearsal room, where the actor works as a
place where their function receives influences of other artists who are creating
the spectacle.Collaborative processes are analyzed three Cia de Teatro
Engenharia Cênica: Irremediável, 2007; Doralinas e Marias , 2009; O Menino
Fotógrafo, 2011, aiming to understand the collaborative theater potentializes,
the intersection and the exchange of experiences in the rehearsal room,
collaborating actively for the training of persons involved in creating the show.
The research proposes an investigation of how the creative process of stage
lighting is gaining ground in the rehearsal room in the language of theater
directing, showing mainly how is your "co-evolutionary" creation with the
creative process of the actor.
KEY-WORDS:
Rehearsal Room, Stage Light, Actor; Collaborative Theater
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................08
CAPÍTULO 1: A SALA DE ENSAIO E OS PROCESSOS COLABORATIVOS DA
CIA. DE TEATRO ENGENHARIA CÊNICA: “IRREMEDIÁVEL”; “DORALINAS E
MARIAS”
E
“O
MENINO
FOTÓGRAFO”...................................................................................................13
1.1 – Teatro: a arte do encontro no espaço cênico da Sala de
Ensaio................................................................................................................14
1.2 – A Cia. de Teatro Engenharia Cênica: processos colaborativos?.............18
1.3 – A Imagem Propulsora...............................................................................26
1.3.1 – “Irremediável”.........................................................................................31
1.3.2 – “Doralinas e Marias”...............................................................................38
1.3.3 – “O Menino Fotógrafo”.............................................................................45
1.4 - Improvisação e imagem propulsora..........................................................52
CAPÍTULO 2: O PROCESSO CRIATIVO DA ILUMINAÇÃO CÊNICA NA SALA
DE ENSAIO.......................................................................................................56
2.1 – A iluminação cênica como linguagem ativa na era da
encenação.........................................................................................................56
2.2 – Apropriações da iluminação cênica no processo criativo.........................69
CAPÍTULO 3: A ILUMINAÇÃO CÊNICA NO TRABALHO DO ATOR DE
TEATRO............................................................................................................74
3.1 – O trabalho do ator em consonância com os elementos cenográficos.....75
3.2 – O ator-iluminador......................................................................................83
3.3 - A criação da iluminação cênica nos processos colaborativos da Cia. de
Teatro Engenharia Cênica.................................................................................87
3.3.1 – “Irremediável” – o encorajamento.........................................................90
3.3.2 – “Doralinas e Marias” – o desafio...........................................................98
3.3.3 – “O Menino Fotógrafo” – a investigação de uma poética......................108
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................113
REFERÊNCIAS...............................................................................................118
ANEXO............................................................................................................124
ANEXO A - HISTÓRIA DA CIA. DE TEATRO ENGENHARIA CÊNICA..........125
8
INTRODUÇÃO
À atividade artística é indispensável uma poética explícita
ou implícita, já que o artista pode passar sem um conceito
de arte mas não sem um ideal, expresso ou inexpresso,
de arte. (...) uma poética é eficaz somente se adere à
espiritualidade do artista e traduz seu gosto em termos
normativos e operativos, o que explica como uma poética
está ligada ao seu tempo, pois somente nele se realiza
aquela aderência e, por isso, se opera aquela eficácia.
(PAREYSON, 2001, p. 18).
9
A presente dissertação de mestrado propõe uma investigação da poética
de criação da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, com a finalidade de
compreender a concepção da iluminação cênica em consonância com o
trabalho do ator na sala de ensaio, partindo exclusivamente de três processos
colaborativos: “Irremediável”, Sobral – CE, 2007; “Doralinas e Marias”, Salvador
– BA – 2009 e “O Menino Fotógrafo”, Crato – CE – 2011.
A Cia. de Teatro Engenharia Cênica se torna o grande ponto de partida
para o desenvolvimento da pesquisa, porque eu, autor da presente dissertação,
sou fundador da Cia., e venho ao longo dos seus oito anos de existência,
participando ativamente dos seus processos criativos e da produção de seus
projetos culturais. Nos espetáculos, “Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O
Menino Fotógrafo”, trabalhei como ator-iluminador cênico, competência que fui
adquirindo ao
longo dos três
processos colaborativos,
uma
relação
interdisciplinar, da qual parto para desenvolver a dissertação, na tentativa de
compreender a relação entre a iluminação cênica e o trabalho do ator de teatro
na sala de ensaio.
A diretora e também fundadora da Cia., Cecília Raiffer, desenvolveu em
2009, uma dissertação de mestrado, no Programa de Pós-Graduação em Artes
Cênicas da Universidade Federal da Bahia – PPGAC/UFBA, intitulada Cena e
Jogo: o imaginário na carne, na qual aborda o processo de criação do
espetáculo “Irremediável”. Sua análise se baseou na investigação dos
percursos trilhados no processo, a partir de cadernos de bordo, dos rascunhos
e das várias versões da dramaturgia. Essa pesquisa é de extrema importância
para a presente dissertação, sobretudo na articulação de conceitos utilizados
ao longo da escrita, e sem dúvida é um importante referencial para a
compreensão da espinha dorsal da Cia. de Teatro Engenharia Cênica.
Para chegar à reflexão sobre a iluminação cênica no trabalho do ator,
precisaremos fazer um percurso metodológico que compreendo ser necessário
para entendermos como o ator, se utiliza da iluminação cênica no seu processo
criativo e como sua atuação no processo de concepção da iluminação, deve
ser ativa. Essa relação é extensível a todos os elementos cenográficos que
10
influenciam de maneira determinante o sentido do espetáculo e que fortalecem
o processo de significação do trabalho do ator em cena.
A metodologia se dá em três etapas, ou seja, em três capítulos que se
estruturam da seguinte forma:

CAPÍTULO 1 - Apresenta a investigação da sala de ensaio como
um espaço que agencia as experiências dos artistas, tendo-as como fontes
inesgotáveis de conhecimento, que quando exercidas dialogicamente por meio
da ação-reflexão-ação, acabam por contribuir para a formação de todos os que
estão presentes no processo criativo. Um lugar que investe na construção de
diálogos colaborativos como processo de formação. Refletiremos, portanto,
sobre a poética de criação da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, nas
montagens de três espetáculos: “Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O
Menino Fotógrafo”. Desse modo exploraremos o conceito de Imagem
Propulsora (FERREIRA, 2009, p. 49), como a base inicial para a criação,
especificamente como se dá o seu processo de mudança e de materialização
cênica, ou seja, quando passa de apenas uma ideia para à cena propriamente
dita.

CAPÍTULO 2 -
Passaremos a analisar na “era da encenação”
(DORT, 1977, p. 61), alguns aspectos de como a iluminação cênica passou a
ser articulada nos processos criativos, possibilitando o entendimento da mesma
como uma “linguagem ativa” (ARTAUD, 2006, p. 92), de extrema importância
para a construção de um espetáculo teatral. Elaboramos essa base para
investigarmos a iluminação cênica e o seu processo de criação “co-evolutivo”
(CAMARGO, 2005, p. 11) com o trabalho do ator. O objetivo principal é a
análise da concepção, montagem e execução da iluminação cênica, em
estreita colaboração com o trabalho do ator.

CAPÍTULO 3 - Apresenta uma análise sobre o processo criativo
do ator na sala de ensaio e principalmente como acontece sua relação com os
processos
criativos
dos
elementos
cenográficos
(cenário,
iluminação,
maquiagem, figurino e som). Na continuação, nos deteremos aos processos
criativos da iluminação cênica nos espetáculos “Irremediável”, “Doralinas e
11
Marias” e “O Menino Fotógrafo”, sobretudo, como se deu o processo de criação
da personagem em estreita consonância com a iluminação cênica na sala de
ensaio da Cia. de Teatro Engenharia Cênica. Algumas questões são
levantadas para uma melhor fundamentação da experiência, são perguntas
que serão estendidas também às considerações finais desta dissertação, quais
sejam: como um ator pode conceber a iluminação de um espetáculo em que
ele atua? A criação da personagem contribui para a concepção da iluminação
ou vice-versa? Que especificidades podem ser desenvolvidas no trabalho de
um ator que também concebe a iluminação? Como se dá a criação colaborativa
da iluminação na sala de ensaio?
Observemos que a Cia. de Teatro Engenharia Cênica é o escopo central
da pesquisa. Logo no primeiro capítulo, ela é trazida como uma espinha dorsal,
que sem a qual, não seria possível estruturar os capítulos subsequentes.
Compreendi que manter-se firme sobre um recorte de pesquisa, no caso a Cia.,
me ajudaria muito na escrita e principalmente me colocaria em um lugar de
onde pudesse experimentar teoria sem ter medo de errar. A presente
dissertação investiga uma poética, tentando esclarecer os caminhos que as
experiências nos levam a percorrer, observando como uma prática pode agir
interdisciplinarmente com outras dentro da sala de ensaio, estabelecendo
diálogos geradores de pesquisas.
Nesse sentido, percorro os caminhos dissertativos, ora em primeira
pessoa, quando me refiro especificamente aos processos colaborativos da Cia.
de Teatro Engenharia Cênica, pois não consigo falar de fora porque sou o
próprio processo também. Por vezes me coloco de maneira distanciada na
escrita, principalmente quando abordo conceitos dos quais me utilizo para a
fundamentação teórica.
Essa pesquisa recebeu influências de muitos artistas que, na sala de
ensaio da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, trocaram suas experiências
comigo, nos três espetáculos analisados, no decorrer da escrita, o nome
desses artistas aparecerão para serem devidamente creditados. São de grande
relevância também os diálogos que estabelecidos com o orientador deste
12
trabalho, prof. Dr. José Savio Oliveira Araújo, cuja produção se concentra, nos
últimos seis anos, no CENOTEC – Laboratório de Estudos Cenográficos da
Cena, DEART, UFRN, espaço esse que abriu minha atuação para o universo
conceitual da iluminação cênica, a partir de seu vasto acervo bibliográfico,
concentrado na área dos elementos cenográficos. E por fim, tive importantes
contribuições dos demais professores do PPGARC nas disciplinas que cursei,
ao longo dos dois anos de mestrado, pois pude dialogar com diferentes
estratégias de pesquisa, e, sobretudo, com diversas poéticas de criação, fosse
na dança ou no teatro, o pensar e o fazer arte, fortalecia o meu objetivo para
esta dissertação.
13
Capítulo 1
A sala de ensaio e os processos
colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia
Cênica: “Irremediável”, “Doralinas e Marias”
e “O Menino Fotógrafo”.
Assim, cada sujeito, ao desenvolver suas aprendizagens,
deve ser estimulado a refletir, articular e reinventar os
saberes com os quais estará lidando para, assim,
desenvolver suas potencialidades criativas, seu
discernimento crítico, suas habilidades de socialização e
seu crescimento pessoal, instrumentalizando-se para as
ações que pode exercer como agente transformador de
sua própria história. (ARAÚJO, 2005, p.122)
14
1.1 – Teatro: a arte do encontro na sala de ensaio.
A sala de ensaio é por sua vez o cadinho1 onde se fundem as ideias
que levam um grupo de artistas a pensarem e a criarem um espetáculo cênico.
É o lugar em que os erros são sempre o melhor caminho para a criação. Os
artistas no processo criativo em teatro utilizam a sala de ensaio, “como o
espaço enquanto ferramenta” (BROOK, 1994, p. 201) onde a criação acontece
na intersecção de pensamentos, na profusão de proposições e, sobretudo, na
troca de experiências, que estão contidas na sala de ensaio ou trazidas para
ela. Para o artista sempre haverá a necessidade desse lugar onde ele gesta,
durante todo o processo criativo, sua obra e consequentemente sua poética.
Na sala de ensaio os artistas envolvidos na elaboração de um
espetáculo teatral, se relacionam em diferentes dinâmicas, e muitas vezes, de
maneira ritualística, acabam instalando atmosferas, através da expressividade
e da contracena de corpos, que fogem da noção de realidade. O diretor é quem
conduz todo o processo e “os ensaios devem criar uma atmosfera na qual os
atores sintam-se livres para mostrar tudo que puderem trazer para a peça.”
(Ibidem. p. 20), não só os atores, mais também iluminadores, cenógrafos,
figurinistas, sonoplastas e etc. que desejem participar colaborativamente para o
processo de criação do espetáculo.
A sala de ensaio devido a essa capacidade de fazer com que artistas
interajam a partir dos seus saberes, em prol da construção de um espetáculo,
faz da mesma, um ambiente pedagógico em que todos são aprendizes um dos
outros e de si mesmos, pois descobrem e aprimoram suas poéticas, na medida
em que estabelecem contato uns com os outros.
Uma prática teatral educativa não se caracteriza por uma única
ação isolada e sim como uma ação artística, que articula
diversos atos de conhecimento, cujas particularidades e
competências específicas produzem articulações entre si e
com o todo da cena, constituindo os instrumentos de
intervenção dos sujeitos na construção de uma representação
teatral (ARAÚJO, 2005, p. 59-60).
Dessa forma, a reflexão de Araújo compreende que a formação de
sujeitos acontece através da relação dialógica, mediados pela realidade
1
Recipiente utilizado na química para misturar substâncias.
15
partilhada. Na sala de ensaio as diferentes poéticas possibilitam a criação e
estabelecem o percurso por onde o processo criativo caminhará. Mesmo que o
diretor tenha com muita precisão os seus objetivos práticos, como marcações,
intenções e etc., ele sempre caminhará por percursos incertos, uma
improvisação ou uma proposição de um cenógrafo, de um iluminador, pode
mudar o caminho da criação, atualizando o processo incessantemente.
Na sala de ensaio não existe um pensamento uno, mas sim, uma
coletividade que pensa e age a partir da relação do “eu” com o “tu”, como nos
propõe Paulo Freire, ao se referir à “co-laboração”, como um pressuposto para
a relação dialógica que gera a formação dos sujeitos:
O eu dialógico [...] sabe que é exatamente o tu que o constitui.
Sabe também que, constituído por um tu – não-eu – esse tu
que o constitui se constitui, por sua vez, como eu, ao ter no seu
eu um tu. Desta forma, o eu e o tu passam a ser, na teoria
dialética destas relações constitutivas, dois tu que se fazem
dois eu. (1981, p. 196)
O espectador comum quando assiste ao espetáculo, não consegue
imaginar o processo criativo do mesmo, somente se detêm a apreciar um
universo que se desenrola dentro de uma pluralidade de significações,
produzido pela interdisciplinaridade dos elementos cenográficos que estão
presentes na cena, quais sejam: atuação, cenografia2, encenação e
dramaturgia. O teatro é uma arte feita a partir do encontro, como nos propõe o
emblemático e revolucionário pensador do teatro moderno Jerzy Grotowski:
O âmago é o encontro. (...) A essência do teatro é um
encontro. (...) O teatro é também o encontro entre pessoas
criativas. Sou eu, o diretor, que me defronto com o ator, e a
auto-revelação do ator me dá a revelação de mim mesmo. (...)
O encontro resulta de um fascínio. Implica numa luta, e
também em algo tão idêntico, em profundidade, que existe uma
identidade entre aqueles que tomam parte do encontro. (1971,
p. 40-41-42).
O processo criativo na linguagem teatral é uma busca em que todos os
artistas constroem o encontro com o espetáculo. A partir do momento que
passam a colocar suas ideias, e com isso, as suas experiências, as formações
de todos se ampliam. Vejamos por exemplo o caso do ator: quando o mesmo
2
Cenografia na presente pesquisa é entendida como os elementos que compõem a organização do espaço
da cena, a saber: iluminação, figurino, maquiagem, cenário e som.
16
começa a interagir com o processo criativo da luz, passa a entendê-la como
uma constituinte de uma gramática da cena, que contribuirá para criação de
sua personagem, principalmente no que diz respeito, aos aspectos de
atmosfera, tempo e emoção. Esse mesmo processo de troca do ator pode ser
estabelecido com todas as demais linguagens, trata-se de uma fusão de
experiências, de uma mistura, que passa a compor sua poética e que
reverberará em muitos outros processos criativos que vier participar.
A sala de ensaio é, portanto, o lugar do encontro, do “tateio lúdico”
(FERREIRA, 2009, p. 68) e sua natureza é volátil, transmuta-se a cada vez que
os artistas se encontram para continuar a criação do espetáculo. É como um
atelier no qual o pintor experimenta suas combinações de pigmentos ou um
escultor se integra à argila em busca de uma escultura ou “tal como um oleiro
molda seu vaso, o autor escreve seu livro, o cineasta faz seu filme “
(BROOK,
1994, p. 24).
No caso do teatro há um grande diferencial, o fato do espetáculo não ser
um objeto que ficará guardado na sala de ensaio enquanto os atores, diretor, e
demais artistas da cena, voltam para suas casas. O que é gerado na sala de
ensaio é uma combinação de corpos, de vidas, de experiências, que unidas
presencialmente, dão substancialidade ao processo. Os artistas quando vão
embora, levam consigo a criação, essa por sua vez, deixa de ser pensada
numa esfera coletiva e passa a ruminar na individualidade, o que faz do
processo criativo em teatro, algo ininterrupto. Pensar dessa forma nos faz
compreender que o conceito da sala de ensaio é extensível aos corpos dos
artistas, que envolvidos de maneira intrínseca com o processo criativo, vivem
associando, refletindo, burilando... Como um ator que ensaia sempre que tem
uma oportunidade, ou simplesmente em pensamento, vai percebendo e
conhecendo sua personagem, num intenso diálogo entre arte e vida, que gera
conhecimento e auto-revelação.
O homem que realiza um ato de auto-revelação é, por assim
dizer, o que estabelece contato consigo mesmo. Quer dizer,
um extremo confronto, sincero, disciplinado, preciso e total –
não apenas um confronto com seus pensamentos, mas um
encontro que envolve todo o seu ser, desde os seus instintos e
seu inconsciente até o seu estado mais lúcido. (GROTOWSKI,
1971, p. 41).
17
O aprendizado do artista de teatro é gerado nos ensaios de muitos
espetáculos, nos encontros estabelecidos com diversos outros artistas, nas
salas de ensaios de todos os processos criativos de sua vida. Essas vivências
são experiências que sempre serão levadas consigo num intenso processo de
atualização.
A sala de ensaio da Cia. de Teatro Engenharia Cênica é o ponto de
partida para a presente dissertação, investigaremos na mesma, os elementos
necessários para discutirmos a relação interdisciplinar entre iluminação e
interpretação, portanto, cabe a essa pesquisa, pelo menos, apontar os
princípios técnicos adotados pela Cia., para compreendermos a sua poética de
criação, que permite que artistas possam agenciar funções dentro dos seus
processos criativos, e dessa forma, ampliarem as suas competências para a
criação teatral.
18
1.2 – A Cia de Teatro Engenharia Cênica: processos
colaborativos?
A Cia. de Teatro Engenharia Cênica tem pesquisado uma maneira de
criar os seus espetáculos na sala de ensaio, que aproximaremos com o teatro
colaborativo. Não é nossa intenção afirmar ou enquadrar a Cia. dentro de um
procedimento técnico, até porque em se tratando de processos colaborativos,
isso é impossível. Acreditamos que a Cia. tem experimentado outras poéticas
de criação3, mas em se tratando dos espetáculos, “Irremediável”, “Doralinas e
Marias” e “O Menino Fotógrafo”, encontramos pontos de ligação dos princípios
adotados pela Cia. com os debates e as discussões acerca do teatro
colaborativo.
A presente dissertação reflete e identifica o Teatro Colaborativo, como
uma
entre
as
várias
possibilidades
de
construção
cênica
na
contemporaneidade, que potencializa o imbricamento entre vida e arte. Faz-se
a partir do amálgama entre reflexões e ações que emergem na sala de ensaio,
geradas através da junção de artistas-colaboradores: encenador, ator,
cenógrafo, iluminador, figurinista, maquiador, etc. Reunidos em um mesmo
espaço para gerar tessituras criativas em torno de uma ideia, leitmotiv, imagem
propulsora, temática, etc.
A expressão processo colaborativo começou a ser usada na
segunda metade da década de 90 dentro de um contexto de
retomada do movimento de teatro de grupo na cena paulistana.
O retorno desta perspectiva grupal, que aparece quase como
um contraponto à hegemonia do encenador no teatro brasileiro
da década anterior, vai, aos poucos, ganhando uma dimensão
nacional. Não que os grupos tenham deixado de existir após a
década de 70 – entre outros coletivos importantes e atuantes
nesse período, poderíamos destacar o Grupo Galpão, o
Imbuaça, o Ponkã ou ainda o Oi Nóis Aqui Traveiz – mas o
forte da produção nacional orbitava em torno dos encenadores.
São, desse período, montagens importantes de Gerald
Thomas, Ulysses Cruz, Bia Lessa, Gabriel Vilella, entre outros.
(ARAÚJO, 2002, p.57)
3
Como por exemplo, a montagem do espetáculo “Perdoa-me Por Me Traíres” (2012), obra de Nelson
Rodrigues, que foi encenada na íntegra, ou seja, um processo criativo que tinha uma dramaturgia definida
e que o seu procedimento de criação foi diametralmente oposto aos processos criativos dos espetáculos
analisados nesta dissertação. Maiores informações vide anexo.
19
O termo “teatro colaborativo” passa a ser conhecido a partir das
pesquisas e trabalhos realizados pelo encenador Antônio Araújo, no grupo de
Teatro da Vertigem, da cidade de São Paulo, subvertidas dos primeiros
espetáculos do grupo: “Paraíso Perdido”, “O Livro de Jó”, “Apocalipse 1.11”4.
Esses
processos
colaborativos
foram
desenvolvidos
dentro
de
uma
metodologia de trabalho que articulava a criação total dos espetáculos na sala
de ensaio, ou seja, a criação colaborativa que se pauta na troca e na
experiência de cada artista presente na sala de ensaio.
É um percurso coerente de experimentação de ideias em
espaços públicos, que se inicia com Paraíso Perdido, em 1992,
e se desenvolve em processo colaborativo até Apocalipse 1.11,
estreado em 2000. A marca mais radical dessa proposta é a
concepção do teatro como pesquisa coletiva de atores,
dramaturgo e encenador em busca de resposta a questões
urgentes do país, especialmente das grandes metrópoles
brasileiras, projetadas, porém, num pano de fundo amplo,
retalhado de inquietações metafísicas, ligadas a uma tradição
de teatro sagrado que, nesse caso, paradoxalmente, dramatiza
a insegurança social e a criminalização sistemática das
questões públicas. (...) todos consideram o processo teatral
uma pesquisa coletiva, que só tem sentido se experimentada
em parceria e, em geral, criam a cena em simbiose com o ator,
ainda que haja distinções marcantes na concepção. (...) a
concepção cênica (...) funciona como uma espécie de edição
das contribuições individuais dos parceiros de criação.
(FERNANDES, 2010, p. 61-62)
Devido ao espaço propositivo aberto a todos na sala de ensaio, a
criação colaborativa gera um processo pedagógico, porém caótico, cheio de
crises. Estamos tratando de processos que geram espetáculos com uma
polifonia estética “que pode ser qualificada como agonística” (Ibidem. p. 6-7.). A
encenação é construída a partir da justaposição de textos, que acabam por
4
Esses três espetáculos foram realizados em espaços públicos da cidade de São Paulo. O primeiro foi
apresentado na Igreja de Santa Ifigênia, esse fato ocasionou um movimento por parte de fieis católicos
fanáticos contra a temporada do espetáculo, porque acreditavam que tudo não se passava de profanação
do templo sagrado de Deus. Antônio Araújo, bem como o elenco, receberam ameaças, inclusive cartas
anônimas exigindo o cancelamento da programação, além de ameaças de morte. Depois de uma
apresentação fechada para representantes da Igreja católica de São Paulo, foi constatado que o espetáculo
não conturbava a imagem e muito menos profanava o nome de Deus, pelo contrário, o fato de o
espetáculo tratar da história de um anjo decaído, segundo os padres e bispos, era de extrema importância
que o homem contemporâneo pudesse assistir ao espetáculo, para assim, refletir sobre sua condição. Já
“O Livro de Jó” foi apresentado no hospital desativado Humberto I, localizado na parte central de São
Paulo e “Apocalipse 1.11” aconteceu no presídio do Hipódromo e a mobilização principal para a criação
do espetáculo foram fatos brutais que aconteceram no Brasil como a queima do índio pataxó, em Brasília,
e principalmente o massacre dos cento e onze detentos no presídio do Carandiru.
20
estruturar uma dramaturgia que mais está para uma colagem e que foge dos
princípios aristotélicos de começo, meio e fim. Uma cena que de acordo com
Bernard Dort (apud FERNANDES, 2010, p. 7) “supõe uma luta pelo sentido,
luta da qual o espectador é juiz”.5.
Os processos colaborativos começam, sobretudo, a partir da década de
90, em consequência de um movimento intitulado “Criação Coletiva” das
décadas de 70 e 80 no teatro brasileiro, que se tratava da reunião de um grupo
de artistas que montavam um espetáculo na sua totalidade, assumindo todas
as funções, negando, portanto, uma hierarquia na sala de ensaio, todos
dirigiam, atuavam, produziam, concebiam luz, cenografia, maquiagem, figurino.
Essa metodologia gerava um processo caótico e bastante complexo no seu
acontecer, pois era necessário um grande exercício de democracia dentro da
sala de ensaio, pois todas as contribuições deveriam ser acatadas e colocadas
de alguma forma no espetáculo. O que vale a pena salientar é que esses
grupos se estruturam para pensar um modos operandi de fazer teatro,
fortalecendo o movimento de teatro de grupo no Brasil.
O que diferencia o teatro colaborativo da criação coletiva, é que por mais
que o espetáculo seja fruto do trabalho de todos na sala de ensaio, no final há
uma hierarquia que define as funções. Vários outros aspectos são comuns aos
dois tipos de processo, como por exemplo, o principal talvez, a ausência de
uma dramaturgia como um elemento que determina todos os procedimentos da
construção do espetáculo. Os artistas vão para a sala de ensaio apenas com
uma ideia central, uma temática, e a partir dela, é que se desenvolve todo
processo de criação do espetáculo.
É preciso identificar que essa ruptura da não utilização de uma
dramaturgia
5
pré-definida
para
a
montagem
de
um
espetáculo,
e,
Um grande exemplo dessa nova perspectiva de encenações no teatro brasileiro é o encenador Gerald
Thomas, que na década de 80, revolucionou poeticamente a forma como se pensava e se produzia teatro
no nosso país. Encenações que se apoiavam em justaposições de textos e que geravam um espetáculo
intitulado de “teatro de imagens” que se contrapunha a ideia Wagneriana de unidade entre os elementos
utilizados na cena, em Thomas o foco era exatamente ressaltar a independência de cada um, gerando
espetáculos em “que o espectador é convidado a progredir através de imagens, sons e movimentos que o
obrigam a olhar as coisas de maneira inédita. Em todos eles há um princípio de negação que inverte os
significados tradicionais e mostra um processo de investigação transgressora, que submete o teatro de seu
tempo a uma prova de instabilidade” (FERNANDES, 2010. p, 11).
21
principalmente, a junção de artistas para a formação de um grupo, pautado
numa poética de fazer teatro coletivamente, se tornou um diferencial, uma
ousadia, no teatro brasileiro feito na década de 1980, onde o diretor
“funcionava como principal eixo de concepção dos espetáculos e concebiam
uma escritura cênica autoral, de grafia inconfundível, às vezes altamente
formalizada” (FERNANDES, 2010, p. 62).
Essa força motriz do encenador, muito serviu para que o conceito e o
entendimento da “era da encenação” (DORT, 1977, p. 61), mudasse as
estratégias de criação de espetáculos no Brasil na segunda metade do século
XX6, sobretudo no entendimento do teatro como pesquisa. São expoentes
desse movimento o TBC7, como também o Arena8 e o grupo Oficina de
Teatro9, coletivos que são grandes referências para se discutir uma concepção
6
A encenação teatral é um movimento que se iniciou na Europa no final do séc. XIX e será discutido no
segundo capítulo, porém em se tratando de Brasil, esse conceito só começa a reverberar na cena teatral do
nosso país, no final da década de 1940 com a encenação de Ziembinski para a peça O Vestido de Noiva,
de Nelson Rodrigues.
7
Teatro Brasileiro de Comédia é isso o que significa a sigla, fundado pelo empresário Franco Zampari
com o objetivo de realizar espetáculos teatrais de qualidade e que pudessem colaborar para uma
profissionalização e principalmente para uma mudança de paradigma no teatro brasileiro. De fato, é
graças a essa Cia., que temos uma ruptura na cena brasileira, pois a mesma passa a ter o contato e a
aprofundar o conceito de encenação teatral desenvolvido na Europa, que devido às duas grandes guerras
mundiais, principalmente pelo motivo da não comunicação entre países durante esse período, o Brasil não
teve contato com esse movimento que mudou a forma como se fazia e se pensava teatro no ocidente. O
TBC foi uma grande escola para os atores brasileiros a partir do final da década de 40, que espalhados
pelo movimento teatral, foram reunidos para pesquisar e experimentar com encenadores estrangeiros,
trazidos exclusivamente para dirigirem os espetáculos. Um momento de grande contato com a
dramaturgia produzida lá fora e com as pesquisas desenvolvidas em torno da criação de cenários,
iluminação, maquiagem, figurino e etc. A importância do TBC é grandiosa na colaboração para o
desenvolvimento da Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo e também para a formação
de vários grupos após o final de sua existência.
8
Importante grupo da história do teatro brasileiro que passa a surgir na década de 1950, cujo seus
principais componentes saíram da formação oferecida pela EAD- Escola de Arte Dramática de Alfredo
Mesquita. Segundo SANT’ANNA (2012, p. 156-157) “tinham iniciado atividades em 1953,
experimentando seu palco inovador em apresentações em escolas, fábricas e outros espaços, até
constituírem sede própria em 1955, ainda com um repertório semelhante ao do TBC, embora com
encenações bem mais econômicas. Em 1958, a partir do sucesso da encenação de Eles Não Usam Blacktie, de Gianfrancesco Guarnieri – inspirada em A Moratória, de Jorge Andrade -, com o enfoque de
operários em grave, o grupo sentiu ali o caminho certo e promoveu um Seminário de Dramaturgia,
visando descobrir e/ou formar atores nacionais que trouxessem à cena os problemas contemporâneos da
realidade do país. (...) O Arena visava criar uma dramaturgia que, além de tudo, pudesse formar um novo
público, o popular, que, por sua vez, exigiria mais tarde outra dramaturgia.”.
9
Sobre o grupo, prefiro citar as primeiras páginas da edição 26, da revista Dionysos, publicada em 1982:
“O Oficina foi organizado em 1958 na Faculdade de Direito (Largo São Francisco) em São Paulo. Mas
sem qualquer vínculo direto com o centro Acadêmico XI de Agosto. O que permite supor: sem relações
com questões de política estudantil. Estreou no bairro Bexiga num prédio onde antes funcionava um
teatro espirita. Em 1980, ameaçado de despejo sumário (o local seria vendido ao grupo econômico de
Sílvio Santos), o grupo empreende uma batalha, em diversas fontes, procurando obter recursos para
22
de experimentação e de pesquisa inovadora na cena teatral brasileira
contemporânea. O que vale ressaltar é que todo esse movimento gerado por
esses grupos, e por esses encenadores no Brasil, consolidou-se como uma
base muito forte, que deu suporte para o surgimento de vários artistas e grupos
que passaram a realizar processos criativos com novas abordagens e
procedimentos técnicos particulares, que diversificaram e enriqueceram de
poéticas o teatro brasileiro.
Os processos colaborativos geram na cena contemporânea brasileira,
um procedimento que não se trata de uma metodologia cartesiana com manual
de regra a ser seguido para se criar um espetáculo. É mais um modelo do que
até mesmo um referencial estético. Apresenta-se muito mais como princípio
técnico, e que por isso, a interpretação e articulação é multidisciplinar. O
encenador é quem geralmente conduz o processo colaborativo, acaba criando
um próprio método, uma forma particular de coordenar a criação. A força motriz
nesse tipo de processo está nas experiências que são trocadas na sala de
ensaio, nesse lugar em que as competências técnicas são alargadas, todos
são coautores do espetáculo/encenação/dramaturgia da cena. O que se
estabelece na sala de ensaio é um espaço propositivo horizontal, sem uma
hierarquia fixa, e sim, como propõe ARAÚJO (2002, p. 56) “hierarquias
momentâneas ou flutuantes” que abrem um espaço de proposição para todos
os que estão envolvidos no processo criativo e transforma a criação em um
work in progress que se articula através de:
Redes de leitmotiv, da superposição de estruturas, de
procedimentos gerativos, da hibridização de conteúdos, em
que o processo, o risco, a permeação, o entremeio criadorobra, a interatividade de construção e a possibilidade de
incorporação de acontecimentos de percurso são as ontologias
da linguagem. (COHEN, 2006, p. 2)
comprar definitivamente o terreno e a casa de espetáculos. Sensibilizou diferentes áreas, inclusive
oficiais, e acabou vencendo. (...) Ainda no principio afirmou-se diante da crítica lançando um novo autor
que logo em seguida encerraria sua promissora carreira como dramaturgo para transformar-se no mais
criativo e corajoso, controvertido e polêmico, encenador do teatro brasileiro contemporâneo (José Celso
Martinez Correa). (...) Depois de conturbadas discussões internas o grupo abandonou o amadorismo e, nas
pegadas do Teatro de Arena, assumiu o profissionalismo. Estabeleceu sede própria, na rua Jaceguai 520.
Transformou-se na mais expressiva companhia de teatro do país através de um trabalho contínuo marcado
por permanente inquietação e sempre surpreendente renovação da linguagem cênica. (PEIXOTO, 1982, p.
37)
23
O que ganha força no teatro colaborativo é o projeto artístico-pedagógico
gerado por um grupo que se forma para criar seus espetáculos num espaço de
proposição horizontal, onde todos participam e colocam o seu pensar e fazer, o
que leva a construção de uma cena ampliada por diversas experiências e
pontos de vista, enriquecendo o processo de criação e gerando um grupo que
tem como força o diálogo e o cruzamento de culturas. É nesse jogo de
fronteiras entre os partícipes do processo, em que um atua na área específica
do outro, que atores acabam por descobrir potencialidades para também serem
pensadores de cenografias, de figurinos, luz, assim como cenógrafos para
serem atores, e diretores arriscam-se como atores e vice e versa,
sucessivamente.
Quem ao final assina a concepção das linguagens10? É nessa área de
acordos que se estabelece um elo de confiança entre os participantes do
processo colaborativo e o trabalho individual ganha estrutura ampliada para a
concepção do espetáculo. É importante entender que mesmo a criação no
teatro colaborativo se dê num campo propositivo aberto, alguém sempre se
responsabiliza pela concepção final de cada elemento, por exemplo, um
cenógrafo define com qual material irá trabalhar e de que maneira ele tornará
expressiva as suas ideias. Cabe aos profissionais envolvidos e responsáveis
por suas funções, imbricar todas as vontades e desejos do coletivo, mas,
sobretudo materializar cenicamente a concepção final.
No entanto, é preciso reconhecer que a autoria no processo
colaborativo está localizada numa zona de fronteira, de
acordos delicados e tensos, pois tenta lidar com as exigências
do coletivo, ao mesmo tempo em que reclama o
reconhecimento individual. Trata tanto da autoria de grupo, à
medida que todos são criadores e agentes de múltiplas
apropriações e transformações, quanto da autoria particular,
que acontece quando determinado artista opera a reunião, a
filtragem ou a organização dos materiais apresentados pelo
coletivo. (RINALDI, 2006, p. 136).
10
Nesta dissertação compreendemos que a cenografia, iluminação cênica, figurino, interpretação,
maquiagem, sonoplastia e etc., são linguagens distintas, “ativas”, como nos propõe Artaud (2006), que
possibilitam, individualmente, um vasto campo de pesquisa e técnica, porém, o mais significante é
entendermos que a atuação desses elementos em um espetáculo é determinante na concepção da
encenação. Nos próximos capítulos ressaltaremos ainda mais essa reflexão a respeito da importância de
articulação dessas linguagens no processo criativo de uma encenação.
24
O teatro colaborativo embora seja uma matriz cada vez mais utilizada
para montagens de espetáculos, carrega uma singularidade e que merece um
enfoque: cada grupo ou companhia, de acordo com suas vontades para a
criação, estabelecem seus próprios princípios criativo-metodológicos. Esses
grupos ao longo de anos de trabalho, apuram através das experiências, uma
forma de condução que se torna a sua poética, que faz com que o processo
criativo ganhe movimento e se estruture a cada novo encontro na sala de
ensaio.
No caso do Teatro da Vertigem, por exemplo, embora todos participem
ativamente dos processos criativos de todos os elementos, no começo as
funções já são ocupadas, o dramaturgo é convidado para o processo, sabendo
que sua função será a de construir a dramaturgia, assim como o iluminador, o
figurinista, os atores e etc. o que é característico no caso da Cia. de Teatro
Engenharia Cênica, é que as competências são aproveitadas na sala de
ensaio, ou seja, se um ator tem experiência na área de iluminação cênica, se já
desenvolve pesquisa e se dedica a entender os caminhos para a criação da luz
no teatro, sua função dentro do processo será também a de conceber a
iluminação do espetáculo.
Na Cia. de Teatro Engenharia Cênica, as questões que se referem à
autoralidade dentro da sala de ensaio, são ainda mais aberta. No começo cada
sujeito tem uma função previamente estabelecida, mas no decorrer do
processo criativo, esse artista poderá não somente colaborar com os outros
processos, mas também assumir a concepção final da cenografia, dramaturgia,
iluminação e etc., em alguns casos, até três funções na criação do espetáculo.
Essa informação é importante de frisar, porque potencializa o entendimento de
que cada grupo que desenvolve processos colaborativos tem o seu próprio
procedimento na construção de espetáculos. É exatamente nesse ponto que
aparece uma relação dentro da sala de ensaio da Cia. de Teatro Engenharia
Cênica, que incentiva e fomenta a possibilidade de um ator poder ser também
o iluminador cênico. Dessa forma, os demais artistas passam a colaborar nos
25
outros processos criativos, e com isso, acrescentam às suas competências,
diferentes experiências que enriquecem sua poética de criação.
A sala de ensaio é um espaço que oscila entre o que podemos
compreender por espaço trivial, ou seja, um lugar comum, geralmente aberto,
sem muitos móveis e objetos e ao mesmo tempo, é um lugar que se transforma
com os ensaios, pois instalam diferentes atmosferas a partir da expressão
corporal dos atores, que se mantêm em estado alterado e ainda assim,
refletem, burilam, constroem o espetáculo em total diálogo colaborativo com
todos os artistas da cena. Esse entendimento da sala de ensaio unido ao
processo colaborativo, é que abre caminho para irmos adiante.
26
1.3 – A Imagem Propulsora.
A imagem para a criação artística tem caráter impulsionador. Os
processos criativos em teatro estão ligados à construção e elaboração de
imagens, sejam elas pictóricas ou corporais, sempre abrangem signos que
levam a múltiplas compreensões. Michael Chekhov apresenta alguns exemplos
na história da arte em que as imagens são fontes de inspiração para a criação:
Estou sempre cercado de imagens”, disse Max Reinhardt. Ao
longo de toda uma manhã, Dickens permaneceu sentado em
seu gabinete de trabalho esperando que Oliver Twist
aparecesse. Goethe observou que imagens inspiradoras
surgem diante de nós por sua própria iniciativa, exclamando:
“Aqui estamos!” Rafael viu uma imagem passar diante dele em
seu quarto, e essa foi a Madonna da Capela Sistina.
Michelangelo exclamou, em desespero, que imagens o
perseguiam e o forçavam a esculpir suas figuras na pedra
(2003, p. 27)
O embate entre artista e imagem é extremamente dinâmico. A imagem
vai se transformando na medida em que ela é trabalhada pelo artista, ela
“muda sob seu olhar indagador, transforma-se repetidas vezes, até que,
gradualmente (ou subitamente), você se sente satisfeito com ela” (Ibidem. p.
29). No caso do teatro, a busca é de materialização da imagem em cena. Na
sala de ensaio ela vai possuir uma corporeidade, que bifurcará gerando outras
imagens, cria narrativas e personagens, num processo constante de
retroalimentação, pondo em movimento o processo criativo e constituindo um
arcabouço de signos imagéticos que é o próprio espetáculo se construindo.
Nessa perspectiva o corpo se torna o lugar onde as imagens ganham
movimento. O ator é também uma imagem na cena que é responsável por
articular outras imagens e construir sentido para tudo que o espetáculo
pretende representar. Para Bergson (2006, p. 20) o corpo é a imagem central
“sobre ela regulam-se todas as outras; a cada um de seus movimentos tudo
muda, como se girássemos um caleidoscópio”, portanto quando uma imagem é
fonte primeira para a criação, ela se torna um elemento que se modifica a cada
vez que o artista a manipula e por isso constitui-se num universo de
descobertas que ampliam o sentido e a imaginação.
27
No caso da Cia. De Teatro Engenharia Cênica a palavra propulsão está
acompanhada da palavra imagem, exatamente porque dentro da Cia. essa
imagem criada e elaborada, funciona como o primeiro impulso para que todos
os integrantes possam agir na sala de ensaio, ou seja, quando a ideia passa a
ser materializada cenicamente. É importante informar que essa imagem
propulsora não corresponde a uma pintura ou uma fotografia, ou seja, não está
relacionada
a
algo
que
seja
pictórico
bidimensionalmente
ou
tridimensionalmente, nos processos da Cia. Engenharia Cênica ela é um
hipertexto que apresenta uma narrativa sobre a qual se definem a temática e o
sentido para a construção do espetáculo. Esse texto é considerado imagem
exatamente por ser ele uma projeção de como se dará o espetáculo.
Os espetáculos da Cia. Engenharia Cênica (“Irremediável”, “Doralinas e
Marias” e “O Menino Fotógrafo”) apresentam em comum, processos que têm a
imagem propulsora, como princípio norteador para criação. De acordo com a
pesquisa de FERREIRA (2009) 11, a partir da analise do processo de criação do
espetáculo Irremediável (Sobral, CE, 2007), define-se a imagem propulsora
como:
...uma bússola que norteia a criação, mas ela é apenas uma
diretriz para o caminho, o percurso será trilhado ao longo das
descobertas que serão interpostas no decorrer do processo de
criação na sala de ensaio. Compreendo esse processo como
um labirinto de possibilidades que se abrem em encruzilhadas
de encaminhamento poético. Testamos as possibilidades e as
escolhemos dia-a-dia. Esta escolha é movida por nossas
percepções e individualidade. (FERREIRA, 2009, p. 49 e 50)
Se tratando dos espetáculos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, a
imagem propulsora é responsável por abordar todo o discurso do espetáculo.
Pode ser um pequeno texto narrativo, como uma única frase que apresenta
diretamente todo o universo pelo qual o processo do espetáculo caminhará no
que diz respeito à criação e também ao campo epistemológico fundamentador
da pesquisa e que dá sentido à estrutura dramatúrgica do espetáculo.
No grupo de Teatro da Vertigem da cidade de São Paulo no Brasil, temse o conceito de workshop como o lugar da imagem inicial, ou seja, do ponto
11
Diretora da Cia. de Teatro Engenharia Cênica (nome artístico Cecília Raiffer)
28
de partida para a construção do espetáculo, assemelhando-se ao conceito de
imagem propulsora. Segundo (RINALDI, 2006, p. 136) atriz e pesquisadora do
referido grupo, o workshop “é uma cena criada pelo ator em resposta a uma
pergunta ou um lema lançados em sala de ensaio”. Diversos grupos se
identificam com a criação teatral a partir de processos colaborativos. Muitos
fatores contribuem para o crescimento de espetáculos que são criados na
contemporaneidade a partir desses processos, podemos dizer que a relação
com o texto é uma questão, pois o encenador ou ator não encontrando mais
uma dramaturgia que apresente um lugar, uma motivação, ou antes, uma
possibilidade de realização do seu desejo, passa a escrever seu próprio texto,
partindo de improvisações ou de outros princípios, sempre caminhando dentro
de um percurso norteado por um sentido, pela imagem propulsora, que gera no
sujeito a necessidade de se lançar no processo de experimentação, para a
descoberta do espetáculo no seu corpo, potencializando o imbricamento
artista-vida-obra.
A criação na sala de ensaio da Cia. de Teatro Engenharia Cênica gera
uma dramaturgia em processo. A cada improvisação12 as personagens
emergiam em gestos, atitudes, verbos, ações que eram bases para a
construção do texto. A diretora dos espetáculos, Cecília Raiffer, assumia a
função de dramaturga, cabia a ela ficar atenta às possibilidades textuais que
surgiam no jogo entre atores e imagem propulsora. O texto que é elaborado
dessa forma, sempre acaba adquirindo uma estruturação fragmentária que
possibilita uma maior mobilidade no que se diz respeito a uma narratividade.
Nos três processos analisados nesta pesquisa, a dramaturgia só se definia
após varias organizações, cenas que seriam o começo passaram para o meio
ou até mesmo o fim do espetáculo, o trabalho na sala de ensaio de um
processo colaborativo é incógnito, imprevisível, a cada novo encontro tudo se
amplia, trata-se, portanto, no que se diz respeito à dramaturgia, de um jogo de
descobertas.
12
Ainda nesse capítulo discutiremos a respeito da improvisação como técnica de articulação da imagem
propulsora.
29
No processo colaborativo, como ainda não há um todo a ser
analisado, e sim uma progressão de cenas que vão sendo
elaboradas ao longo dos ensaios, a análise é feita de maneira
inversa: tem-se somente alguns segmentos, a princípio
independentes. Praticamente às cegas, vai-se intuindo um
encaixe das cenas apresentadas na tentativa de formar um
todo coerente – é como um quebra-cabeça do qual se vai
recebendo as peças aos poucos, sempre com a certeza de que
haveria um sem número de possibilidades de outras
configurações/imagens finais. E essa coerência, essa unidade
pretendida, normalmente tem como norteadora a proposta
inicial do grupo – geralmente o tema eleito pela equipe, sempre
amparado pelas pesquisas e discussões. É importante que se
tenha em mente esse objetivo geral que possa guiar a análise
– tema, proposta formal – um fator que fica de fundo na hora
do trabalho analítico. A proposta da cena, ela sim, pode ser
decomposta pelo dramaturgo, analisada em suas diferentes
partes, recomposta e compreendida num processo de
fragmentação do que já é um fragmento. A cena é analisada
como um todo, num primeiro momento, e depois pode ser
decomposta e analisada em vários aspectos entre os quais
ação, fábula, unidade, personagens, situação, conflito, núcleo
dramático, pertinência quanto ao tema, relevância no contexto
geral. (NICOLETE, 2005, p. 50)
O tema do qual a pesquisadora se refere, no caso dos processos
colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, se trata da imagem
propulsora que na sala de ensaio torna-se um elemento que gera crise para a
criação do espetáculo. Articula-se na sala de ensaio através do trabalho
improvisacional do ator que gera cenas que se tornam as bases para a
concepção da iluminação, cenografia e etc. Nesse entrelaçamento de
experiências entre os profissionais (iluminador, cenógrafo, encenador, ator,
maquiador, sonoplasta e etc.) emerge uma pedagogia pautada na troca,
confiança e na colaboração, fatores que possibilitam o surgimento de artistas
híbridos, pois são criadores de todas as partes do espetáculo, agentes ativos
nas bifurcações, sujeitos significadores de suas próprias formações.
No momento inicial dos espetáculos Irremediável, Doralinas e Marias e
O Menino Fotógrafo, foram realizados encontros para debate, pesquisa e
construção de ideias, para só assim, iniciar o processo de materialização das
cenas. O processo do espetáculo “Irremediável” teve duração de 09 (nove)
meses, “Doralinas e Marias” teve 09 (nove) e “O Menino Fotógrafo” 12 (doze)
meses. Como se tratam de Processos Colaborativos, essa etapa específica
voltada para a pesquisa, para o levantamento de imagens propulsoras,
30
assemelha-se ao momento em que O Teatro da Vertigem, grupo de São Paulo,
referência na linha de Teatro Colaborativo, desenvolveu o espetáculo “Paraíso
Perdido”:
Pretendíamos garantir e estimular a participação de cada uma
das pessoas do grupo, não apenas na criação material da obra,
mas igualmente na reflexão crítica sobre as escolhas estéticas
e os posicionamentos ideológicos. (ARAÚJO, 2002, p. 102).
Percebemos na fala de Silva que a pesquisa é no Teatro Colaborativo
base para todo o processo se desenvolver. As leituras são os caminhos para a
construção de ideias, o debate na sala de ensaio desenvolve reflexões em
volta da ideia, da imagem propulsora, e assim o espetáculo se estrutura, num
processo em que a pesquisa prática e teoria sedimentam a criação cênica.
[...] a pesquisa é um dos principais fatores a colocar todos os
componentes em pé de igualdade para a criação. A partir da
leitura dos mesmos textos, da análise dos mesmos filmes, da
visita aos mesmos lugares, o grupo desenvolve um vocabulário
comum e forma um manancial de imagens que serão
reelaboradas e traduzidos cenicamente. Nessa etapa inicial,
cada elemento da equipe pode acrescentar ao material
pesquisado os conteúdos pessoais e sua própria interpretação
de informações, o que vai gerar uma infinidade de cenas e
situações propostas [...] Enfim, o que se vai pesquisar e como
isso vai ser feito pode se configurar de um sem-número de
formas. Incontestável parece ser a necessidade da pesquisa, já
que é preciso conhecer satisfatoriamente o tema que se quer
abordar, e isso durante todo o processo. A pesquisa, em suas
diversas formas e intensidades, está presente em todas as
etapas, não só no início. A ela cabe, muitas vezes, o
aprimoramento contínuo e a busca de solução para questões
surgidas ao longo do trabalho. (NICOLETE, 2005, p. 44-45)
Quando os espetáculos da Cia. Engenharia Cênica são levados à fruição
do público, o ciclo da criação se fortalece. A partir da recepção dos
espectadores, buscamos estratégias de mediação para entendermos os
resultados gerados.
31
1.3.1 – “Irremediável” 13.
A indefinição do nome do espetáculo apresenta o quanto caótico e
crítico o processo foi no princípio. No primeiro encontro na sala de ensaio não
tínhamos uma dramaturgia pronta, nem mesmo personagens ou “lugar teatral”
(MANTOVANI, 1989, p. 7)
14
definidos, apenas uma imagem propulsora que
girava em torno de questionamentos sobre o homem contemporâneo e a sua
condição de vida. Nessa época a Cia. não sabia ainda conceitualmente da
existência do teatro colaborativo. Essa realidade é a mesma de vários grupos
que no Brasil se estruturaram ao longo das décadas de 70, 80 e 90 para
criarem seus espetáculos a partir de ideias, de imagens, sem estarem ligados
diretamente a uma dramaturgia, simplesmente os artistas se reúnem na sala de
ensaio e paulatinamente criam seus espetáculos desde a dramaturgia à
construção de personagens e atmosferas através do cenário e da iluminação.
No espetáculo “Irremediável”, após refletirmos demasiado sobre a
condição do homem contemporâneo, buscamos referenciais teóricos e
exemplos de personagens que pudessem ser fontes inspiradoras
e
alimentadoras da imagem propulsora para que pudessem ser criadas ações,
cenas, possibilidades de espaços cênicos, atmosferas e principalmente
personagens. Foi então que surgiu uma imagem propulsora que estabeleceu
claramente os caminhos e definiu um lugar teatral que significava um dos
principais
pontos
filosóficos
sobre
a
condição
do
homem
na
contemporaneidade: “a prisão irremediável do homem contemporâneo –
aprisionado, vigiado e perdido na terra que gira.” (FERREIRA, 2009. p. 30). O
espaço no qual os atores atuavam no espetáculo, era um losango de 3m², que
13
Espetáculo realizado através do Prêmio Myrian Muniz de Teatro da FUNARTE 2006. Estreou em
Sobral no teatro municipal da cidade: Theatro São João, em seguida através de um apoio do SESC-CE o
espetáculo circulou pelas suas principais instituições (SESC) situadas no estado. Foi apresentado na
mostra competitiva do FETAC (Festival de Teatro de Acopiara) onde ganhou cinco prêmios: melhor
direção, ator (Luiz Renato), sonoplastia, iluminação e conjunto cênico; foi apresentado da XII Mostra
SESC Cariri de Cultura e no Festival Nordestino de Guaramiranga; além de realizar uma temporada na
cidade de Fortaleza capital do estado, e participar da Mostra Nacional Palco Giratório, tudo no ano de
2007.
14
Entender “lugar teatral” como o espaço que é próprio do espetáculo. Anna Mantovani no seu livro
intitulado “Cenografia”, do ano de 1998, apresenta a diferença entre espaço cênico e lugar teatral,
segundo o seu pensamento todo espaço serve para a cena acontecer, mas o que se instala nesses espaços é
o lugar do espetáculo, ou seja, o espaço criado e elaborado na sala de ensaio para o seu discurso
dramatúrgico, visual , atmosférico e sígnico.
32
impunha limites para a movimentação cênica dos atores. A imagem propulsora,
depois de muitas escolhas e desapegos ganhou a seguinte estruturação:
[...] três pontos iniciais inspiradores, três linhas paralelas [...]:
Vida de Galileu de Bertolt Brecht – a certeza que a terra não é
o centro do universo e que as estrelas não estão presas a uma
esfera de cristal abala as convicções da humanidade; Vigiar e
punir de Michel Foucault – somos diuturnamente vigiados,
conduzidos e elaborados pelo sistema que obriga, sufoca e
desnatura; O Mito de Sísifo de Albert Camus – a humanidade
carrega absurdamente uma pedra para o cume de uma
montanha, quando lá chegamos, “a pedra sempre rola” e tudo
começa novamente. Quando a razão deixa de ser razão e o
homem perde-se de si, dos seus sonhos, da sua vida. Quando
a certeza da existência de bilhões de sóis e bilhões de galáxias
é comprovada. Quando o humano deixa de ser humano...
Realidade irremediável da vida. (FERREIRA, 2009. p. 30)
Analisando a imagem propulsora é possível apontarmos caminhos pelos
quais o espetáculo foi trilhando ao longo do processo criativo. Os personagens
eram agentes ativos do espetáculo “Irremediável”, pois eram responsáveis de
instalar na cena, o homem aprisionado. Porém, a iluminação cênica passou a
ter uma ação expressiva e determinante na construção de significados do
espetáculo, sobretudo, porque editava dentro do pequeno losango, o espaço
cênico das personagens15. O espetáculo “Irremediável” começou então a ser
estruturado a partir da imagem propulsora. Os personagens foram inspirados
nas figuras de Galileu e de Sísifo, ambos, sujeitos da história da humanidade,
que foram aprisionados por um sistema que não possibilitava escapatória. 16 Na
dramaturgia de Cecília Raiffer, seus nomes eram “Cego” e “Aleijado”, e em
nenhum momento do espetáculo eram pronunciados em cena, serviram muito
mais para o trabalho dos atores, na construção de “ações físicas”
(STANISLAVSKI, 2001, p. 2), para a compreensão da identidade desses
personagens. Em cena apenas dois jovens homens presos, tentando se
livrarem daquele lugar, inventando uma fabulação ou um universo imaginário
como estratégia de livramento, com o passar dos ensaios o espetáculo ganha a
seguinte estruturação dramatúrgica:
15
Analisaremos no terceiro capítulo o processo criativo da iluminação do espetáculo Irremediável em
consonância com o trabalho do ator na criação de cenas e personagens.
16
Na peça de Bertolt Brecht, Galileu abjura de sua descoberta para não ser morto pela Inquisição. Sísifo
foi condenado por Ades a rolar uma pedra até o cume de uma montanha, depois de chegado ao objetivo, a
pedra rolaria novamente e Sísifo continuaria irremediavelmente a rolar a pedra.
33
Irremediável (2007). Dois homens de identidade desconhecida habitam um
espaço inóspito, na solidão diária buscam estratégias de salvamento para as
suas existências continuarem valendo. Um rapaz, o Cego, espera o vento que
sopra do norte e passa toda a vida construindo bonecos, barcos e caixas de
papel para serem colocados no rio que corre quando o esperado vento chegar.
O outro rapaz, o Aleijado, apresenta surtos psicóticos, toma vários remédios,
fala do universo e das estrelas – “elas estão livres e sem amarras”; quer ir para
a cidade das portas, mas ao contrário do outro rapaz não produz possibilidades
de saída. Finalmente o vento que sopra do norte chega, os dois rapazes vão
para a sonhada cidade das portas, mas são bombardeados pela plateia, e o
barco que estava no rio que corre é queimado, a luz cai em resistência, a
sonoplastia continua até a última centelha, silêncio e fim!17
Outros signos foram criados para enfatizar ainda mais a condição de
vigilância e de punição para os personagens. A sonoplastia do espetáculo foi
criada por Daniel Glaydson Ribeiro que na época do processo de criação do
espetáculo, além de estudante de letras era também DJ de músicas
eletrônicas, o fato de ele experimentar a técnica computadorizada de produzir
variados tipos de sonoridades, fez com que de imediato surgisse um convite
para ele colaborar na sala de ensaio na criação da trilha do espetáculo. A
sonoplastia acabou se tornando um elemento que intensificou sobremaneira as
atmosferas de aprisionamento e de desespero por parte das personagens. A
movimentação cênica dos atores ganharam sonoridades, ruídos, dialogando
com
as
emoções
que
se
materializavam
cenicamente,
os
ruídos
acompanhavam as sensações, o que possibilitava uma construção ainda mais
ampliada das noções de personagem. Toda a trilha era operada ao vivo,
portanto, era necessária a presença do DJ em cena, respirando o espetáculo a
cada apresentação.
Essa necessidade acabou levando para a cena um signo que ressaltou
ainda mais a construção desse espaço enclausurado e principalmente
presentificou os personagens que vigiavam, pois colocando o sonoplasta na
cena o operador de luz também ocupou seu espaço no meio da plateia,
portanto entre os espectadores existiam os sujeitos com suas mesas de luz e
17
Rubrica retirada da dramaturgia, acervo pessoal da diretora Cecília Raiffer. No primeiro semestre de
2014 será lançado o livro “Três pontos sem ponto final” que reunirá o texto dos três espetáculos
Irremediável, Doralinas e Marias e O Menino Fotógrafo, objetos de analises da presente dissertação.
34
pick up. A iluminação cênica foi também um elemento de aprisionamento para
as personagens. Editava o espaço cênico com seus recortes em formato de
losango, ampliava e o diminuía constantemente, a luz era fria para ressaltar a
atmosfera de solidão e quente quando os surtos de ambos os personagens na
tentativa de saírem dali se presentificavam. Trilha sonora e iluminação
dialogavam cenicamente. Luz e som acompanhavam todo o ritmo da
interpretação dos atores, não existia um momento de silêncio no espetáculo.
Para melhor compreensão do espetáculo Irremediável, principalmente no que
se diz respeito ao seu “lugar teatral” (MANTOVANI, 1998, p. 7), bem como a
encenação, faz-se necessário observar uma fotografia retirada por Hudson
Costa na primeira temporada do trabalho no Theatro São João na cidade de
Sobral – CE.
O ator Jander Alcântara – Personagem: Cego,
representação de Galileu Galileu de Bertolt
Brecht – Atrás um guarda-chuva feito de contas
para simbolizar a via láctea e as estrelas.
Operador de luz Maicon
Rocha
Ator Luiz Renato –
Personagem Aleijado,
representação
de
Sísifo
de
Albert
Camus.
Pick-up
e
notebook
do
sonoplasta Daniel Glaydson
Ribeiro
Figura 1- foto Hudson Costa: Lugar teatral em formato de losango, o público sentava-se
exatamente em volta do losango sobre almofadas pretas evidenciando o aprisionamento e o estado
de vigilância. As bolas distribuídas pelas almofadas eram utilizadas na cena final pelo público como
bombas.
35
A presença desses dois artistas (operador de luz e sonoplasta) se deu
desde o meio do processo, quando o espetáculo já apresentava cenas
construídas. Entraram na sala de ensaio para colaborarem com todos os outros
elementos da cena, dialogavam com todas as esferas da criação que se
desenvolviam a partir da relação com a imagem propulsora. Todos tinham
espaço para propor e refletir sobre as cenas elaboradas, contribuíam com suas
colocações no sentido de mostrarem outras possibilidades. Mesmo com esse
espaço de proposição aberto, no final a diretora Cecília Raiffer sempre é quem
coordenava o processo, era a responsável por ligar os elementos um ao outro
e nessa teia de agenciamentos, construir o sentido geral da encenação.
Figura 2 – foto Hudson Costa: Cena em que o personagem criado por Luiz Renato que se chama
Aleijado (Sísifo), de pé, tenta construir um barco para fugir do aprisionamento, no chão o ator
Jander Alcântara com o personagem Cego (Galileu), em um transe gerado pela ação do Aleijado.
36
Figura 3 – Foto Hudson Costa: Momento de grande desespero quando os dois personagens buscam
estratégias para saírem do lugar teatral claustrofóbico.
Figura 4 – Foto Hudson Costa: Cena em que o personagem Cego, representação de Galileu Galilei,
através de um guarda-chuva repleto de contas e pedras semipreciosas, faz referência a Via-Láctea.
37
Uma forte característica desse processo é o fato de que não tínhamos
ainda noção dos processos colaborativos. Alguns elementos como a
cenografia, por exemplo, foi concebida por todos, não existiu no processo
alguém que se responsabilizasse por essa concepção, o que levou a uma
criação coletiva, ou seja, todos foram os autores desse elemento.
Esse processo apresenta um caos em sua totalidade, pois não tínhamos
condições de entender até quando teríamos condições de criar na sala de
ensaio. A cada novo encontro, surgiam muitas possibilidades de continuação, o
que levou a Cia. em alguns momentos a desistir, dar pausas longas para que
pudéssemos assimilar o caminho que estava sendo trilhado pelos artistas
envolvidos. Foi com muitas dificuldades, sobretudo na finalização da
dramaturgia e consequentemente da encenação que o espetáculo chegou a
uma estrutura final.18·.
18
Uma análise mais elaborada a respeito do processo criativo do espetáculo Irremediável encontra-se na
dissertação: FERREIRA, Cecília Maria de Araújo. Cena e jogo: o imaginário na carne. 2009. 163f.
Dissertação (Mestrado) – Escola de Teatro, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. Disponível
no acervo do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – PPGAC/UFBA, no seguinte endereço
eletrônico: https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/9434.
38
1.3.2 – “Doralinas e Marias”19 .
Diferente do espetáculo “Irremediável”, o processo de criação de
“Doralinas e Marias” em 2009, na cidade de Salvador, BA, a Cia. Engenharia
Cênica (núcleo fixo) já sabia, a partir da experiência adquirida com o
“Irremediável”, o caminho que deveria ser percorrido, no que diz respeito, à
criação de todo o espetáculo. A imagem propulsora já era algo aceito por
todos, tínhamos em mente que sua elaboração era de extrema importância
para que o processo pudesse ser iniciado. A Engenharia Cênica com a
experiência do primeiro processo de criação, em que só tínhamos a convicção
de que um grupo de artistas reunidos numa sala de ensaio, agenciando
experiências a partir de uma ideia, estruturaria um espetáculo, fez com que em
“Doralinas e Marias” começássemos a perceber os caminhos pelos quais o seu
processo de criação se guiaria e principalmente reconhecer que nesse novo
trabalho, estávamos consolidando uma poética, mas também um pensar, um
refletir do “como”.
Foi então que em “Doralinas e Marias” a Engenharia Cênica passa a ter
conhecimento do que é o Teatro Colaborativo e encontra no mesmo, sua
poética criativa, tal como os grupos Teatro da Vertigem da cidade de São Paulo
e os Finos Trapos20 da cidade de Salvador, que embora tenham processos
criativos conduzidos de forma absolutamente diferentes, apresentam um
processo de construção total do espetáculo dentro da sala de ensaio, lugar
este que unirá uma equipe em torno de uma ideia, de uma imagem propulsora,
19
Sob a direção de Cecília Raiffer, Doralinas e Marias foi realizado através do Prêmio Manoel Lopes
Pontes da Fundação Cultural do Estado da Bahia na categoria montagem de espetáculo. Sua temporada de
estreia se deu nos teatros Martim Gonçalves da Escola de Teatro da UFBA (18 de junho a 5 de julho) e
SESC-Senac Pelourinho (de 9 de julho a 1° de agosto) no ano de 2009. O espetáculo fez participação no
Festival Internacional de Artes Cênicas - FiacBa ano 2 nos dias 24 e 25 de outubro de 2009; na 11ª mostra
SESC Cariri de Cultura 2009 nos dias 14 de outubro no Memorial Padre Cícero em Juazeiro do Norte e
no dia 15 de novembro no Teatro Municipal Salviano Arraes na cidade do Crato-Ce; e em março de 2010
participou da Mostra SESC-ATU de Teatro de Uberlândia em Minas Gerais.
20
No caso do grupo Finos Trapos da cidade de Salvador-Ba, podemos citar a pesquisa de mestrado do
diretor Roberto Ives Abreu Schettini intitulada O TEATRO COMO ARTE DO ENCONTRO:
dramaturgia da sala de ensaio, uma abordagem metodológica para a composição do espetáculo “Genesius
– histriônica epopeia de um martírio em flor” junto ao grupo Finos Trapos.
39
e fará a cada novo encontro se descortinar através da colaboração: a
dramaturgia, personagens, cena, cenografia, iluminação e etc.21.
A imagem propulsora do espetáculo “Doralinas e Marias” é a seguinte:
A mulher e sua relação com o tempo – O tempo de espera, o tempo
de chegada e o tempo de partida.
Para inspiração e estruturação da imagem propulsora foram utilizadas
algumas obras que foram fontes de pesquisa, ou seja, um campo de encontro
do imaginário de toda a equipe e que trazem relações de sujeitos com o tempo,
no caso, adaptado para a figura da mulher:
O livro “Casa e Tempo” de Sônia Rangel;
O poema “O Caso do Vestido” para a investigação do Tempo de
Espera;
A música “Valsinha” de Chico Buarque de Holanda para a
investigação do Tempo de Chegada;
A música Triste Partida de Patativa do Assaré cantada por Luiz
Gonzaga para a investigação do Tempo de Partida.
A partir dessas obras estabeleceram-se três pontos centrais que
serviram como base para a criação do espetáculo: tempo de chegada, tempo
de partida e tempo de espera. Cada um desses temas estavam ligados a uma
personagem, quais sejam: Alice, Doralina, Sofia, Doralice (mãe de Doralina que
no espetáculo é luz) e Manoel, o único personagem masculino que simbolizava
o próprio tempo das mulheres. O espetáculo estreou com a seguinte
estruturação dramatúrgica:
Doralinas e Marias (2009): Quatro mulheres e uma casa. Essas mulheres
fazem parte da mesma família. Doralice é mãe de Doralina, Sofia é filha de
Doralina e Alice é filha de Sofia. Esse laço familiar traz a relação dessas
21
Podemos citar as pesquisas do diretor do Teatro da Vertigem Antônio Araújo que refletem o fazer desse
grupo através da trilogia bíblica “Paraíso Perdido”, “Livro de Jó” e “Apocalipse 1.11” todos
desenvolvidos colaborativamente na sala de ensaio.
40
personagens a partir de ciclos de 17 anos de idade entre uma personagem e
outra. Assuntos como o nascimento e a morte, a espera e a chegada, a
maternidade e a desilusão do amor compõem o texto do espetáculo. Doralina,
representa o tempo de chegada, após viver muito, deseja ficar em sua casa, no
jardim, e lá descansar até a morte; Sofia simbolizando o tempo de espera,
aguarda na janela o marido que foi, mas disse que ia voltar e não volta; Alice
traz o tempo de partida, uma jovem de 17 anos, vive na varanda da casa em
contato com a lua e o seu maior desejo é o de voar para “o vasto e grande
mundo”; Doralice morreu quando paria Doralina aos 17 anos, sua narrativa e
presentificação desenvolve-se através da iluminação num jogo que estabelece
através da luz a contracena com as demais personagens; Manoel é o menino e
velho tempo, rege essas mulheres nas suas vidas diárias.22
Figura 5 - foto Zélia Uchôa: Em primeiro plano no lado esquerdo a atriz Adriana Amorim,
personagem Sofia, carregava uma longa trança que simbolizava o tempo de espera da vinda do seu
amado; no lado direito a atriz Meran Vargens, personagem Doralina, vivia no seu jardim embaixo
do “pé de goiaba branca misturado com goiaba vermelha”, desse lugar não quer mais sair, vive
tomando chá e simboliza o tempo de chegada; em segundo plano a atriz Daniele França com a
personagem Alice, a jovem de 17 anos que quer conhecer o mundo, simbolizava o tempo de partida;
o ator Luiz Renato com o personagem Manoel, esse nome significa em hebraico “Deus presente”,
Manoel é a materialização do tempo, é o senhor absoluto na narrativa das personagens femininas,
ele dorme velho e acorda criança.
22
Rubrica retirada do texto. Arquivo pessoal da diretora Cecília Raiffer que será publicado no primeiro
semestre de 2014.
41
Cada personagem possuía um lugar específico dentro da casa. Doralina
vivia no jardim, Sofia na janela a esperar e Alice na varanda. Esses lugares
foram materializados a partir da iluminação cênica de maneira que para cada
um, foi criada uma atmosfera específica de acordo com as emoções geradas
pelas personagens nas suas narrativas atreladas ao tempo. No jardim a cor
amarela simbolizava um tempo vivo e pulsante, na janela um âmbar esmaecido
provocava a sensação de um lugar antigo e na varanda um azul-claro quase
branco foi utilizado para simbolizar a luz da lua.
Figura 6 - foto Zélia Uchôa: Doralina no seu jardim escrevendo no seu diário
42
Figura 7 - foto Zélia Uchôa: Sofia sentada na cadeira de frente para a janela a esperar Leonam seu
marido que se foi e que disse que voltaria
Figura 8 - foto Zélia Uchôa: Alice na varanda, através de uma lira alça seus voos imaginários em
direção à lua.
43
Figura 9 - foto Zélia Uchôa: o ator Luiz Renato com o personagem Manoel que tinha todo o
controle do tempo e da ação da luz através de gestos e movimentações, controlava o tempo das três
mulheres.
Figura 10 – Foto Zélia Uchôa: cena inicial do espetáculo quando a personagem Doralina conversa
com o público sobre os desconhecidos que permeiam nossas vidas.
44
Figura 11 – Foto Zélia Uchôa: Cena em que Alice domina Manoel que no espetáculo é a metáfora
do tempo. Ao fundo Doralina observando as ações da neta.
O que deve ser ressaltado e que tem uma grande importância no
processo colaborativo de “Doralinas e Marias”, é a tomada de consciência da
Cia. de Teatro Engenharia Cênica em relação à pesquisa e o começo de um
amadurecimento conceitual e metodológico na maneira como cria os seus
trabalhos, aprofundando e investigando o teatro colaborativo e elaborando os
seus próprios princípios para a criação dos seus espetáculos.
45
1.3.3 – “O Menino Fotógrafo”.
A primeira coisa que se deve falar é sobre a junção de dois grupos para
a criação desse espetáculo. A parceria com o Grupo Ninho de Teatro surgiu
porque o mesmo gostaria de ter uma experiência com um processo
colaborativo, e o fato da Engenharia Cênica estar situada desde 2011, na
região do cariri cearense, exatamente no trecho CRAJUBAR, que se refere a
três cidades muito próximas, Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, foi que se
tornou possível essa colaboração de dois coletivos para a pesquisa e
montagem do espetáculo “O Menino Fotógrafo”.
O Grupo Ninho de Teatro tem sede própria na cidade do Crato,
especificamente na Casa Ninho e a Engenharia Cênica na cidade de Juazeiro
do Norte, a distância entre um lugar e outro é de aproximadamente 11 km.
Com a decisão de montarmos um trabalho, passamos então a buscar
estruturar a primeira etapa do processo, exatamente a que corresponde à
escolha daquilo que gostaríamos de abordar cenicamente, um contexto, uma
ideia, precisamente uma imagem propulsora.
A região do Cariri, sobretudo a cidade de Juazeiro do Norte é permeada
por um imaginário religioso muito forte, isso em decorrência da presença da
figura de Padre Cícero Romão Batista, um grande visionário que através da fé
e da política, segundo nos conta a história, é protagonista de casos de milagres
como o da hóstia que virou sangue na boca da beata Maria do Araújo, fato que
reverberou intensamente por todo o nordeste, fazendo com que muitos
romeiros migrassem para essa região a procura de curas, milagres, realização
de sonhos e fé. Todo esse movimento acabou aumentando sobremaneira a
população local que em quase total maioria, ainda é, muito religiosa.
Devido a isso se foi construindo em torno dessa região um universo
mítico-religioso, que para o espetáculo “O Menino Fotógrafo” se tornou base de
pesquisa e observação. Os dois grupos sentiam a necessidade de trabalhar
com essas temáticas religiosas que permeiam essa região, investigando
principalmente o percurso que vai do nascer ao morrer. Podemos então dizer
46
que esse percurso tornou-se inicialmente uma frase que impulsionou a
estruturação da imagem propulsora.
No decorrer da pesquisa nos deparamos com dois fatos que
simbolizavam exatamente a vida e a morte, quais sejam: o movimento
messiânico Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, dos anos 30 do século XX, e
os Campos de Concentração da mesma época. O primeiro surge na região do
cariri cearense. A mando de Padre Cícero, cria-se na chapada do Araripe um
pequeno lugarejo comandado por Frei Lourenço que abrigaria exatamente
parte dessa população de romeiros que chegavam à região do cariri, sem
trabalho, sem moradia, sem dinheiro. Nesse local o grupo de pessoas que
chegou a contabilizar um número de mil, viveram em prol da comunidade,
através do trabalho, plantaram e colheram a própria comida, tudo era
absolutamente dividido entre todos e a religiosidade era à base de sustentação.
Até que o governo do estado do Ceará na época, acreditando ser um
movimento comunista que começara a se formar e que isso prejudicaria a
política do estado, manda, a partir de um ataque aéreo, bombardear o local,
matando quase todos que ali se encontravam. Os Campos de Concentração,
por sua vez, são também conhecidos como Currais do Governo. Sua existência
está ligada às duas grandes secas que assolaram o Ceará (1915 e 1932).
Estes “campos” são considerados por estudiosos como um ato político,
patrocinado pelo governo, de extrema desumanidade contra os flagelados da
seca. O objetivo principal desses Currais era sitiar, em um mesmo local, esses
cearenses, com a intenção de evitar uma manifestação de grande porte na
capital do estado, Fortaleza, contra a precária situação em que estavam
inseridos em decorrência da seca. Estrategicamente, esses campos foram
construídos em cidades que possuíam linhas férreas, pois facilitavam tanto o
deslocamento das forças armadas quanto o envio da miserável alimentação
disponibilizada para os flagelados concentrados. Segundo Cordeiro:
a comida era composta de alguma variedade de alimentos –
farinha de mandioca, macarrão, arroz, feijão e sardinha, mas
apenas aqueles de menor valor nutricional e financeiro
chegavam aos destinatários. No campo, a única comida
disponibilizada era farinha de mandioca antiga e de baixa
qualidade. A maioria dos retirantes, que lá era confinada
47
desnutrida, adoecia com indigestão, empanzinada pela farinha.
Sem higiene, pesteados e abandonados, muitos morriam e
eram enterrados em valas comuns. Paralelamente, o Caldeirão
oferecia guarita para uma multidão de flagelados famintos:
alimentação suficiente, água, moradia, remédios, trabalho para
os que quisessem ficar e amparo espiritual. Isto fez com que,
após a seca, sua população tivesse aumentado bastante. Era
uma “comunidade” auto-sustentável. (2008, p. 05)
O que nos chamou a atenção foi exatamente a potência de vida que
existia no Caldeirão da Santa Cruz do Deserto e a morte latente que abarcava
os Campos de Concentração. Criamos então o percurso que vai da
possibilidade de vida à possibilidade de morte, com base nessas duas
referências, buscamos histórias de vida, relatos, estudos históricos que nos
apresentassem a realidade de ambos os casos.
A imagem propulsora ganha então a seguinte estrutura:
O percurso da vida para a morte: Caldeirão da Santa Cruz do
Deserto e os Campos de Concentração.
E apresenta a seguinte estrutura dramatúrgica elaborada pela diretora
Cecília Raiffer para o programa do espetáculo:
“O Menino Fotógrafo é uma dramaturgia simbolista-fantástica, entrecortada
por fragmentos de cenas simultâneas, tudo é contado/vivido pela íris de um
velho que um dia foi criança, viu os Dentes-de-Leão no céu azul sem nuvens,
mas viu também nuvens de fumaça formadas pelos pássaros de fogo em um
ataque aéreo que ceifou parte da sua família, história e memória. A narrativa
cênica é composta por dois núcleos em ação simultânea, o plano do sonho
composto por aparições, projeções do passado, lembranças e personagens
imaginárias – Inês, a mulher com o olho de flor e as facas na saia, nas
lembranças um amor perdido para a inexorável morte; a menina Alva com os
seus incessantes Cata Ventos e os seus sopros... O do coração e dos ventos,
uma metáfora da morte; a velha Víbia tece os fios da vida, canta as melodias
da existência, metáfora ao correr da vida. No outro núcleo complementar
encontram-se Sampro e Amanda, vendedores ambulantes de quinquilharias e
máquinas fantásticas, fazem ventos, porções de amor, aprisionam almas com
48
as suas invencionices. Na vila, debaixo de um enorme Pé-de-Juazeiro, Manoel
e Ulisses, avô e neto, dividem a existência entre Dentes-de-Leão e confissões
de um tempo que já passou.” 23
Figura 12 – foto Verônica Leite: Cenário do espetáculo O Menino Fotógrafo que faz citação ao
universo mítico religioso da região do cariri cearense, inspiração para a criação.
23
Rubrica retirada do texto. Arquivo pessoal da diretora Cecília Raiffer a ser publicado em livro no
primeiro semestre de 2014.
49
Figura 13 – foto Verônica Leite: Cena que faz citação as almas do Caldeirão da Santa Cruz do
Deserto e dos Campos de Concentração.
Figura 14 – foto Verônica Leite: Cena das facas, momento em que a figura do sertanejo é citada
com a presença de sua única arma para lutar contra os ataques, retrata sua vida através da fé e da
morte.
50
Figura 15 – foto de Verônica Leite: Cena em que Ulisses (Luiz Renato) olha para o céu e observa o
ataque aéreo.
Figura 16 – Foto de Nívea Uchôa: Cena que simbolizava a felicidade dos habitantes do Sítio Baixa
Dantas, conhecido como Caldeirão da Santa Cruz do Deserto. A atriz Zizi Telécio portadora de
necessidades especiais participava do espetáculo fazendo a personagem Víbia, nesta fotografia,
sendo levantada pelo ator Elizieldon Dantas que faz o personagem Sampro.
51
O processo criativo de “O Menino Fotógrafo” já apresentou um percurso
metodológico mais consciente devido às duas experiências passadas. A Cia.
de Teatro Engenharia Cênica aprofundou os seus princípios criativos dentro da
criação colaborativa nesse espetáculo, e passou a observar com mais foco a
forma como se estruturam dramaturgia, personagens, cenas, cenografia e
iluminação cênica, etc. com a intenção de sempre alcançar uma nova
reelaboração dos seus princípios técnicos que se modificam principalmente na
sala de ensaio no jogo entre encenador, atores e imagem propulsora.
A cada novo espetáculo, uma nova temática, uma nova imagem
propulsora que apresenta uma situação dramatúrgica específica, e que devido
a isso, instala um campo de atuação para os artistas que exige estratégias de
trabalho condizentes com esses elementos, isso faz com que os princípios
técnicos para os processos colaborativos da Cia. Engenharia Cênica se
transformem a cada novo trabalho.
52
1.4 - Improvisação e imagem propulsora.
Com a construção das imagens propulsoras definidas, a próxima etapa
do trabalho foi a que se realizou na sala de ensaio, no encontro entre
encenador-dramaturgo e atores. O processo de busca nessa etapa foi a da
materialização das imagens em cena. Investigaram-se os verbos que
possibilitavam a construção de ações físicas, geradas principalmente nos jogos
improvisacionais, que podiam ser individuais (diretamente voltados para a
construção da personagem) como coletivos (personagens agindo
na
construção de cenas).
As experimentações práticas não seguiam um modelo de jogo teatral
que tem como característica o estabelecimento de regras e uma plateia que
assiste. A pesquisa prática se pautava na livre criação que aos poucos foram
se transformando em ações físicas, estruturas cênicas com personagens em
processo, marcas, texto, iluminação, cenografia e etc.. Esse processo é
exatamente a materialização da imagem propulsora em corpo, vida, realidade.
Tal pensamento aproxima-se dos conceitos de reinterpretação e interpretação
proposto por Jacques Lecoq, sobretudo no que se refere a essa busca inicial
que tem como ponto de partida a própria vida do ator, encenador, iluminador e
demais artistas.
Por meio da reinterpretação psicológica silenciosa, abordamos
a improvisação. A reinterpretação é a maneira mais simples de
restituir os fenômenos da vida. Sem nenhuma transposição,
sem exagero, o mais fiel possível ao real, à psicologia dos
indivíduos, [...] sem preocupar-se com o público. [...] A
interpretação vem mais tarde, quando o ator, consciente da
dimensão teatral, dá um ritmo, uma medida, uma duração, um
espaço, uma forma à sua improvisação, agora para um público.
(2010, p. 59).
A improvisação foi de fato a técnica-base para a criação dos três
espetáculos (“Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O Menino Fotógrafo”)
exatamente pelo motivo de que a mesma transformava o processo num campo
aberto para a experimentação, que embora estivesse norteada por uma
imagem propulsora que delimitava o campo de atuação, apresentava uma
natureza de liberdade para que os atores pudessem, principalmente, criar um
53
imaginário que correspondesse tanto ao subjetivo como a corporalidade das
personagens.
[...] podemos chamar de improvisação, como algo inesperado
ou inacabado, que vai surgindo no decorrer da criação artística,
aquilo que se manifesta durante os ensaios para se chagar à
criação acabada. Com a conjugação do espontâneo e do
intencional, o improviso vai tomando forma para alcançar o
modelo desejado, passando a ser traduzido numa forma
inteligível e esteticamente fruível. (CHACRA, 1991, p. 15).
Essa primeira etapa que diz respeito à “livre exploração e investigação”
(ARAÚJO, 2002, p. 106), trata-se de uma etapa em que as questões centrais
da imagem propulsora são pesquisadas na prática, através de improvisações
que geram reflexões que não foram possíveis de serem feitas no momento em
que a ideia era só escrita, palavras. Com o corpo do ator em ação, temos uma
mudança de percurso, a imagem propulsora começa a se desdobrar em outras
leituras e a sinalizar como se dará o levantamento do material cênico, ou seja,
as cenas. Era nesse momento que a encenadora-dramaturga Cecília Raiffer,
ficava atenta ao que devia ser aproveitado para o espetáculo.
Com a experimentação as cenas começavam a surgir e com elas
vinham o texto, o espaço, atmosferas, personagens, enfim, percursos para a
construção dos elementos cenográficos do espetáculo. Tudo era criado junto,
portanto, os artistas ali envolvidos no jogo da improvisação, dialogavam com
esses campos, propondo, modelando-os, organizando-os dentro de um
percurso, que nas etapas iniciais, era duvidoso, volúvel, incógnito. Não se tinha
o certo e o errado, apenas a necessidade de descobrir o espetáculo no corpo.
A encenadora-dramaturga Cecília Raiffer era o olhar de fora que
coordenava, estimulava os atores com proposições e norteava o caminho da
improvisação para que não se perdessem materiais cênicos e o foco na
imagem propulsora. Sua atenção era voltada para a construção da cena que
resultava imediatamente em proposta dramatúrgica. Ao fim das improvisações
uma reflexão se fazia necessária para que pudéssemos registrar os momentos
de maior importância, as sensações, impressões e novamente, agora com o
pensamento já editado pela conversa e com o foco mais objetivado,
54
voltávamos a repetir para que as cenas pudessem ganhar uma estruturação
definida.
Nessa etapa a repetição passava a ser a forma de consolidação das
cenas e “de estruturação dramatúrgica”, ou seja, “em que ocorre a seleção do
que foi levantado, visando à criação de partituras de ação, esboços de cena e,
em seguida, à roteirização propriamente dita.” (ARAÚJO, 2002 p. 106) fazia
com que surgissem as primeiras versões das dramaturgias, que nessa etapa
tratava-se de uma sequência de cenas que oscilavam durante o processo de
criação dentro da ordem do próprio espetáculo, tudo mudava a cada novo
encontro na sala de ensaio.
A improvisação foi nos processos colaborativos da Cia. de Teatro
Engenharia Cênica, a força motriz, através dela surgia o embate da criação
entre ator e imagem propulsora. Dessa relação estruturaram-se os caminhos
para a construção das personagens, que na ação dos atores, criavam
ativamente a dramaturgia, e com isso, um complexo de atmosferas que
estabeleciam planos de ação e mudanças de energia, possibilitando o campo
de atuação para os demais profissionais envolvidos, como o iluminador, o
cenógrafo, por exemplo, fazendo dos mesmos, improvisadores e criadores
ativos de todo o espetáculo.
A improvisação cênica gera a ampliação da imaginação
criativa. Através do jogo os atores e o diretor podem conectar
os seus universos imaginário-expressivos. Quando este estado
de prontidão é alcançado, configura-se um lócus laboral de
criação, retroalimentação e elaboração das imagens poéticas
em torno de uma ideia inicial. A conexão dos universos
criativos só é realizada mediante a aptidão de reagir aos
impulsos e propostas dos outros artistas na hora do jogo, no
calor da cena. (FERREIRA, 2009, p. 53)
A imagem propulsora é o que sustenta os processos colaborativos da
Cia. de Teatro Engenharia Cênica. Essa imagem quando abordada pelo
trabalho do ator, a partir da improvisação, se dissipa em várias bifurcações,
gerando múltiplas possibilidades de construções cênicas o que acaba
configurando o processo como uma estrutura caótica, em crise, um sistema
que pulsa em busca de uma organização: o espetáculo.
55
O fato é que no início dos processos criativos dos espetáculos
(“Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O Menino Fotógrafo”), existia uma ideia
inicial, um centro de gravidade onde se encontravam também todos os
princípios para a criação dos demais elementos da cena, foi na sala de ensaio,
através da improvisação, que se estabeleceu o jogo, e dessa forma, a imagem
propulsora bifurcava, sinalizando e construindo variados caminhos para a
criação do espetáculo, ao mesmo tempo em que ela norteava a escolha,
evidenciando por onde o processo deveria caminhar.
56
Capítulo 2
O processo criativo
da iluminação cênica
na sala de ensaio
[...] a luz cênica deve ser entendida não como um elemento
separado, mas como um processo que deve fazer parte da
construção da cena, isto é, luz e cena necessitam ser pensadas
como um processo vivo e co-evolutivo. Não há como
compreender o papel que a luz desempenha nesse processo sem
levar em consideração a relação de trocas que ela estabelece
com a cena, e vice-versa (CAMARGO, 2006, p.11).
57
2.1- A iluminação cênica como linguagem ativa na era
da encenação.
Para compreender os processos de criação da iluminação cênica no
teatro, sobretudo na perspectiva de entendê-la como linguagem, requer que
reflitamos sobre a “era da encenação” (DORT, 1977, p. 61). Um movimento
europeu que repensou o fazer teatral no ocidente, a partir do final do século
XIX, e principalmente ao longo do século XX.
Nesse período aconteceram
grandes avanços tecnológicos na área da iluminação cênica que aprimoraram
tecnicamente os refletores, possibilitando cada vez mais opções de utilização
dos mesmos e pesquisas que se voltaram para entender o papel da luz no
espetáculo, tanto tecnicamente como artisticamente.
A encenação fez
perceber “que a função da iluminação não é apenas dar visibilidade ao
espetáculo, mas sim, e principalmente, compor juntamente com outros
instrumentos do espetáculo, um discurso cênico coerente e articulado”
(ARAÚJO, 2005, p. 124).
Historicamente sabemos que a lâmpada elétrica foi criada no século XIX,
e que logo após de ter sido descoberta, foi sendo aprimorada para que o seu
uso pudesse ser ampliado para todos os lugares em que o ser humano
habitava.24 Esse processo tecnológico que se desenvolveu com a luz a partir
do advento da eletricidade, unindo-se à força do movimento da encenação,
possibilitou o surgimento de um novo olhar para o entendimento da iluminação
cênica teatral, o que potencializa a ideia de que “enquanto for registrada a
presença da luz, será imprescindível sua abordagem como sujeito estético”
(TUDELLA, 2012, p. 14).
[...] as técnicas nascidas do progresso e da investigação
científica, das fórmulas propostas pela indústria, introduziramse, a pouco e pouco, no teatro, a partir do final do século
passado. E, sobretudo, a luz, depois de ter sido apenas um
meio de iluminar, tornou-se um dos fatores essenciais da
encenação, um dos principais elementos do espetáculo.
(BABLET, 1964, p. 290)
24
Sabe-se que antes da lâmpada elétrica em 1849 já se utilizava a de arco-voltaico que produzia uma luz
muito branca e só poderia acender e apagar de uma vez. Já a lâmpada incandescente o seu fluxo de
elétrons pode ser controlado o que permite uma graduação de intensidade do escuro à claridade total.
58
Podemos analisar alguns pontos na “era da encenação” (DORT, 1977, p.
71) que vão de maneira determinante transformar o fazer e o pensar teatro no
século XX. O primeiro é o surgimento do encenador que passa a ser
considerado como “o gerador da unidade, da coesão interna e da dinâmica da
realização cênica. É ele quem determina e mostra os laços que interligam
cenários e personagens, objetos e discursos, luzes e gestos.” (ROUBINE,
1998, p. 41). Age a partir de um ideal, de um conceito e principalmente de um
sentido particular, que se coletiviza, para compor o espetáculo. Seus propósitos
para a criação cênica têm objetivos claros. Complexo é o caminho das
descobertas na sala de ensaio. Segundo Bernard Dort, antes do surgimento do
encenador:
Ainda no século XIX era muitas vezes um ator que, segundo
suas afinidades, gostos literários pessoais ou segundo a
autoridade que tinha sobre seus companheiros, se encarregava
da organização material do espetáculo, daquilo enfim que
chamaremos sua “direção” (ou esta função era assumida pelo
cenógrafo, pelo diretor do teatro, ou pelo maquinista chefe).
Hoje esta confusão de funções não mais existe: a encenação
não vem se acumular a outra função. [...] é uma atividade em
si, geralmente, assumida por alguém que a ela se dedica
integralmente, excluindo-se de qualquer outra tarefa. (1977, p.
62)
Na
encenação
tudo
que
compõe
o
espetáculo
precisa
estar
rigorosamente dentro de um sentido, exatamente a força motriz, a ideia central,
ou seja, o elo de comunicação entre cena e espectador. Esse pensamento gera
uma compreensão que entende que os elementos cenográficos não devem ser
postos no palco de maneira a decorar a cena, pelo contrário, tudo precisa agir
em torno do sentido da encenação. É nessa perspectiva que passaram a surgir
artistas-pesquisadores com um olhar voltado para o processo criativo da
iluminação e demais elementos, tais como cenografia, maquiagem, figurino e
etc. Dessa forma iluminadores, cenógrafos, figurinistas tornaram-se artistas
presentes no processo criativo dentro da sala de ensaio.
O grande diferencial é que as concepções passam a ser norteadas pelo
mesmo sentido que impulsiona o encenador, o que de fato vai mover a criação
na sala de ensaio, é a interação de diálogos e de experimentações práticas,
59
orquestradas pelo um mesmo objetivo, um mesmo desejo que constantemente
é atualizado devido a incessante pulsação da criação. O encenador é então a
figura que sinaliza percursos para o processo criativo da encenação e os
demais artistas o encorajam gerando um elo de confiança e de proposições
que fortalecem a criação na sala de ensaio.
[...] reconhecemos o encenador pelo fato de que a sua obra é
outra coisa – e é mais – do que a simples definição de uma
disposição em cena, uma simples marcação das entradas e
saídas ou determinação das inflexões a gestos dos intérpretes.
A verdadeira encenação dá um sentido global não apenas à
peça representada, mas à prática do teatro em geral. Para
tanto, ela deriva de uma visão teórica que abrange todos os
elementos componentes da montagem: o espaço (palco
plateia), o texto, o espectador, o ator. (ROUBINE, 1998, p. 24)
Dentro da perspectiva histórica e, sobretudo, para termos um exemplo,
podemos analisar o Teatro da Corte de Meiningen, mantido e dirigido pelo
duque George II, na Alemanha25, considerado no final do século XIX, pioneiro e
de grande importância para a compreensão do conceito de encenação,
principalmente, no que se diz respeito à relação mais elaborada e processual
dos elementos cenográficos que compõem o espetáculo.
[...] foram os grandes inovadores: a autenticidade dos seus
cenários, figurinos e objetos de cena não só é pioneira como
influenciou, com as suas famosas tournées pela Europa, vários
encenadores como Stanislávski e Antoine, dando início à era
das reconstituições arqueológicas e ao realismo histórico, que
terá grande influência nas técnicas do espetáculo [...] Em
relação à iluminação havia o mesmo esmero técnico e cuidado
com a precisão na escolha do posicionamento dos
equipamentos, visando maior realidade nos ângulos de
incidência da luz. [...] Mas a grande inovação dos Meininger,
que pontua uma mudança fundamental de procedimento em
relação à iluminação cênica, se deve ao fato do Duque Georg II
ensaiar com a luz pronta (assim como cenário e figurinos),
permitindo uma relação pensada e experimentada entre o
espaço e a sua ocupação, entre a luz e a marcação do
espetáculo. Essa necessidade de ensaiar com a luz de cena,
que na prática significa o ineditismo de ensaiar a própria ação
da luz, diferia dos costumes da época, onde a iluminação só
encontrava com os intérpretes, na hora apresentação.
(FORJAZ, 2008, p. 70)
25
Em funcionamento até os dias de hoje.
60
O fato da Cia. Meiningen ensaiar com os elementos cenográficos
pensados, construídos e elaborados de acordo com a encenação, descortinou
um caminho de descobertas sobre o processo criativo da luz, por exemplo,
ressaltando o quanto é necessário e importante que toda a equipe do
espetáculo, sobretudo o ator, tenha contato com a cenografia, iluminação,
figurino para estar cada vez mais imbuído do sentido global da encenação. É
nessa perspectiva que entendemos que é extremamente necessário que os
processos criativos na sala de ensaio interajam em todas as etapas, para que
todos
os
artistas
estejam
envolvidos
conscientemente
com
a
ação
dramatúrgica da iluminação, bem como com a compreensão do papel da
cenografia, figurino e maquiagem na execução do espetáculo.
Em se tratando especificamente da luz no século XX, o conceito de
encenação se modificava e principalmente se ampliava a cada nova
vanguarda. No caso do teatro naturalista, por exemplo, percebemos nas
pesquisas que abordam os trabalhos de grandes encenadores tais como André
Antoine e Constantin Stanislávski, que pelo fato do espetáculo ser uma
tentativa mimética da realidade, exige que a iluminação tivesse uma atuação
mais determinante e limitada nos processos de significação da cena, sua
função era meramente descritiva. É preciso reconhecer que em se tratando do
realismo, de fato, não podemos nos utilizar de alguns efeitos de luz ou de cores
na cena, pois não é possível de maneira repentina, um foco de luz em formato
de círculo ou retangular, atravessar o teto de uma casa e se fazer presente
numa sala de jantar, a não ser que algo aconteça para que esse efeito possa
ter uma ação justificada e contundente na cena. Os espetáculos teatrais que
são criados nessa perspectiva do realismo na contemporaneidade, estão cada
vez mais buscando estratégias de apresentarem, não somente uma luz que
torne visível a cena, mas que possa também construir significados e ter uma
ação expressiva na construção cênica.
Ainda no século XX temos no simbolismo uma compreensão da
construção cênica diametralmente oposta ao que o naturalismo entendia. A
diferença principal é que o simbolismo no teatro se dedica a criação fabulosa e
fantástica, numa perspectiva que instala cenicamente ambientes mais diversos
61
e distantes possíveis da noção de realidade. A poesia é levada à cena através
da dramaturgia, da interpretação e, sobretudo, a partir dos elementos
cenográficos que conseguem na estética simbolista uma atuação expressiva,
totalmente importante para a compreensão sígnica do espetáculo teatral. Para
(CAMARGO, 2006, p. 13), na estética simbolista é que “Pela primeira vez, foi
possível perceber que a luz trocava informações com a cena”, deixando de ser
um elemento apenas pictórico, no sentido de descrever cenograficamente um
espaço, e atingindo “uma concepção de luz diretamente vinculada à dinâmica,
à mobilidade do fenômeno cênico”. Adolph Appia foi um grande pensador da
luz no teatro influenciado pelo simbolismo, que evidenciou a iluminação na
perspectiva de considerá-la como um elemento aglutinador dos elementos
cenográficos. Refletia sobre a cena como um lugar em que todas as suas
partes se amalgamavam para produzir uma unidade viva, pulsante,
absolutamente contundente e mantenedora de um mesmo sentido. A
iluminação para Appia não deveria ser apenas descritiva ou simuladora da
realidade, sua atuação no espetáculo é muito mais que criar paisagens
pictóricas para sugerir um determinado espaço.
A questão principal é investigar o fenômeno da luz como
elemento integrado ao fluxo da cena, àquela realidade física
que se apresenta num dado momento e com a qual a luz
negocia, troca informações, como parte de um organismo vivo.
Em outras palavras, não basta criar uma luz que possibilite
vislumbrar a cena enquanto paisagem, quadro ou fotografia,
com a intenção de imitar a realidade ou simbolizá-la de algum
modo. É necessário entender a luz como algo que vibra e
acompanha o fluxo da cena e não como um elemento de
representação que obedece às didascálias do texto ou às
„deixas‟ e marcas preestabelecidas na mesa de operação.
Appia refere-se à luz como aglutinador de todos os elementos
cenográficos. Segundo ele, nenhum dos códigos visuais do
teatro dispõe de autonomia. Ao contrário, todos se
complementam, produzindo uma unidade viva. (CAMARGO,
2006, p. 55-56)
Outra questão sobre a encenação é a que corresponde “a explosão do
espaço” refletida e abordada por Jean-Jacques Roubine (1998, p. 81). É
preciso que entendamos o espaço sob duas perspectivas, a primeira no sentido
de uma popularização do teatro, ou seja, o espetáculo deixa de ser algo
absolutamente fechado para a elite, e, passa a ser, um lugar para a apreciação
62
de um trabalho artístico oferecido para toda a população; e em segundo lugar,
a noção de cena ampliada, podendo ser qualquer espaço o lugar para que o
fenômeno teatral possa acontecer “cuja natureza extrapola o campo da
materialidade e opera a travessia entre aquilo que consideramos concreto e
aquilo que consideramos existir apenas no nosso imaginário” (ARAÚJO, 2005,
p. 84). Algumas encenações durante o século XX é que vão elucidar esse
pensamento e por isso modificaram a relação espacial entre espetáculo e
espectador. Os trabalhos de Jerzy Grotowski no teatro das 7 Filas em Wroclan
na Polônia, são exemplos de espetáculos que mudaram de maneira
determinante a relação do espectador com a encenação:
“Renunciamos a uma área determinada para o palco e para a
plateia: para cada montagem, um novo espaço é desenhado
para os atores e para os espectadores. Dessa forma, torna-se
possível infinita variedade no relacionamento entre atores e
público. Os atores podem representar entre o espectadores,
estabelecendo contato direto com a plateia e conferindo-lhe um
papel passivo no drama (por exemplo, as nossas montagens
de Cain, de Byron, e de Shakuntala, de Kalidasa). Ou os atores
podem construir estruturas entre os espectadores e dessa
forma incluí-los na arquitetura da ação, submetendo-os a um
sentido de pressão, congestão e limitação de espaço (como a
montagem de Acropolis, de Wyspianski). Ou os atores podem
representar entre os espectadores, ignorando-os, olhando
“através” deles. Os espectadores podem estar separados dos
atores – por exemplo, por um tapume alto que lhes chegue ao
queixo (como a montagem de O Príncipe Constante, de
Calderón); dessa perspectiva radicalmente inclinada, eles
olham para os atores como se vissem animais numa arena, ou
como estudantes de Medicina observando uma operação (além
disso, o olhar para baixo confere à ação um sentido de
transgressão moral). Ou então a sala inteira é usada como um
lugar concreto: a última ceia de Fausto, no refeitório de um
mosteiro, onde ele recebe os espectadores que são
convidados de uma festa barroca servida em enormes mesas
cujos pratos são episódios de sua vida. A eliminação da
dicotomia palco-plateia não é o mais importante: apenas cria
uma situação de laboratório, uma área apropriada para a
pesquisa.” (GROTOWSKI, 1971, p. 6)
A iluminação cênica na encenação passa a ser “A Fada Eletricidade, [...]
deslumbrando o espectador, facilmente conquistado pela magia do efeito e da
ilusão de um mundo irreal." (BABLET, 1964, p. 289), ou seja, é a capacidade
63
de reinvenção do espaço cênico no sentido de criar sobre ele inumeráveis
possibilidades de “lugares teatrais” (MANTOVANI, 1989, p. 7) 26.
O público durante todo o século XX se deparou com uma propulsão de
espetáculos ligados a variados conceitos vanguardistas. Estamos refletindo
sobre um período de grandes reviravoltas sociais que vão influenciar
diretamente a arte. Os movimentos de vanguarda tais como o simbolismo,
expressionismo, o teatro épico e moderno modificaram intensamente, cada um
a seu modo, os procedimentos de criação da encenação em todos os seus
aspectos. A iluminação cênica por sua vez, na medida em que foram sendo
aprimorados os seus equipamentos, constituiu-se como um elemento cênico de
grande importância que pode “modificar” (SERRAT, 2006, p. 44) o espetáculo,
tanto no seu aspecto visual, mas principalmente, na sua semântica. A
possibilidade de controlar a luz através de mecanismos elétricos faz com que o
homem se volte para a iluminação cênica com um olhar criativo e, sobretudo,
de pesquisador. A luz começa a ganhar movimento na cena, ajuda na criação
de paisagens, edita os espaços escondendo e revelando a cenografia e o ator,
constrói focos em diversos formatos geométricos e sua intensidade pode ser da
escuridão à claridade total. Essas novas dinâmicas é que começam a despertar
um novo olhar para a construção cênica da luz no século XX, especialmente,
para o seu entendimento sígnico no teatro. É nessa perspectiva que
acreditamos ter iniciado de maneira mais enfática a compreensão da
iluminação cênica como uma linguagem de incomensurável importância para a
criação teatral, e, devido a isso, o seu processo de criação passa a ter rigor e
valor na sala de ensaio.
Antonin Artaud, artista de teatro, poeta, dramaturgo que viveu de 1896 a
1948, presenciou a “linguagem da encenação teatral” (ROUBINE, 1998) no seu
auge de transformação ininterrupta. A partir dessa experiência escreveu um
livro intitulado “O Teatro e seu duplo” que apresenta apontamentos críticos ao
teatro feito no ocidente, através de uma comparação com o do oriente e, além
26
A luz elétrica só foi utilizada no palco no ano de 1849 na ópera Meyerbeer. Sua função foi a de criar e
demonstrar o sol nascente, fato que maravilhou o público. Os experimentos de utilização da luz apenas
como um elemento que passará a possibilitar criar ambientes da realidade vai fazer com que essas
técnicas se espalhem ligeiramente pela Europa.
64
disso, reflete sobre o processo de criação no teatro, evidenciando o potencial
semântico que tem os elementos cenográficos, sobretudo a iluminação. Artaud
(2006, p. 92) se refere a uma luz “que não é feita apenas para colorir ou
iluminar e que traz consigo sua força, sua influência, suas sugestões”, ou seja,
é compreendida como uma linguagem que não está ligada a uma expressão
verbal para ser entendida, sua natureza é física e sensorial, não estabelece
significação por meio de palavras, age na cena teatral através de uma
compreensão que se dá na sensibilidade do espectador. Esse agir pelo
sensível se trata de uma “linguagem concreta” que se articula no teatro através
da “música, dança, artes plásticas, pantomima, mímica, gesticulação,
entonações, arquitetura, iluminação e cenário”, reconhecendo que cada um
desses elementos tem uma “poesia própria, intrínseca” (ARTAUD, 2006, p. 38).
Embora Antonin Artaud esteja no seu livro fazendo uma crítica ao teatro
ocidental, sobretudo ao naturalismo que “obedece à expressão através dos
discursos, das palavras” (Ibidem. p. 35), ele nos possibilita alargar os níveis de
compreensão dos elementos cenográficos que estão presentes na cena,
reconhecendo-os como fatores que se estabelecem como “linguagens ativas”,
ou seja, que são responsáveis pela significação do espetáculo tanto quanto a
palavra. A forma como a luz é concebida, organizada e colocada em prática,
requer princípios criativos específicos, ou seja, os percursos criados e
elaborados estrategicamente para que a iluminação consiga dialogar com a
cena instalando uma ação determinante na encenação.
A luz intervém no espetáculo; ela não é simplesmente
decorativa, mas participa da produção de sentido do
espetáculo. Suas funções dramatúrgicas ou semiológicas são
infinitas: iluminar ou comentar uma ação, isolar um ator ou um
elemento da cena, criar uma atmosfera, dar ritmo à
representação, fazer como que a encenação seja lida,
principalmente a evolução dos argumentos e dos sentimentos
etc. Situada na articulação do espaço e do tempo, a luz é um
dos principais enunciadores da encenação, pois comenta toda
a representação e até mesmo a constitui, marcando o seu
percurso. Material milagroso de inigualáveis fluidez e
flexibilidade, a luz dá o tom de uma cena, modaliza a ação
cênica, controla o ritmo do espetáculo, assegura a transição de
diferentes momentos, coordena os outros ritmos cênicos
colocando-os em relação ou isolando-os. (PAVIS, 2008, p.
202).
65
Todos esses pontos históricos tocados até agora à respeito da
iluminação cênica no teatro, demonstram que houve um processo longo para
que pudéssemos entendê-la como um sistema determinante na construção da
semântica teatral. Durante o teatro moderno, período que corresponde até
meados do século XX, é que vamos ter um olhar ainda mais apurado para essa
questão, ou seja, a luz passa a ser um elemento utilizado intensamente para
ajudar a compor as noções de significação de um espetáculo, principalmente
as que estão ligadas às questões de tempo e espaço da encenação. Em se
tratando de Brasil, muitos artistas se profissionalizaram na condução criativa da
luz e passaram a se dedicar sobremaneira ao seu processo minucioso de ação
na cena. É no modernismo do teatro que a encenação vai iniciar uma
propulsão de novos iluminadores para suprir a demanda significativa da luz
para a construção de espetáculos, isso abriu espaços para se desenvolverem
pesquisas e pensamentos que objetivam construir uma epistemologia para se
compreender a luz enquanto linguagem.
A linguagem da luz [...] interrompe a ação, quebra a lógica
linear, fragmenta a narrativa. Mais do que isso, na medida em
que a luz rege o que é visível, e como é visível, ela pode
iluminar várias ações ao mesmo tempo, porém de forma
diferente, separando e multiplicando os planos de realidade. A
luz coloca em cena vários tempos em um mesmo espaço, ou
vários espaços visíveis ao mesmo tempo. Muitas vezes, em
não-lugares ou não-tempos, outras vezes, aqui e agora,
convidando a plateia a uma quebra da própria ideia de espaço
e tempo. (FORJAZ, 2010. p. 154)
A iluminação no teatro contemporâneo além de dialogar diretamente
com a citação, adota com mais rigor, as questões criativas da luz desde o
primeiro momento da criação, exatamente quando o espetáculo ainda está nas
ideias. As criações da iluminação, e de todos os outros elementos cenográficos
que compõem a cena, são realizadas paulatinamente a cada novo ensaio,
como um ator que cria seu personagem. A cena é pensada em sua totalidade
onde todos os elementos cenográficos agem juntos construindo a cena. Mesmo
que não haja cadeira, mesa ou qualquer objeto que comporá o cenário há
sempre uma busca de tentar materializar nos ensaios, aquilo que será de fato a
cenografia do espetáculo. Do mesmo modo se dá com o processo da
iluminação. Podemos ensaiar com luz mesmo que os refletores não estejam
66
presentes. É preciso compreender a iluminação cênica como um processo que
se desenvolve concomitante a criação das cenas. Na medida em que se
definem os aspectos cenográficos do “lugar teatral” (MANTOVANI, 1989, p. 7)
do espetáculo, se definem as atmosferas e as noções de tempo da
dramaturgia.
Nessa perspectiva podemos até pensar a iluminação cênica como um
elemento que está completamente imbricado à cena. É claro que essa
compreensão só pode ser articulada num processo criativo, se os artistas
compreenderem que toda e qualquer cena desenvolvida por um ator, já contém
presente uma luz possível, uma ambiência, uma atmosfera que sugere uma
ação da iluminação.
A sala de ensaio na criação teatral é o lugar onde as trocas de
experiências acontecem a partir do desenvolvimento do processo criativo. O
diálogo entre os artistas que nela se encontram, é enriquecedor nas suas
mínimas especificidades. Estamos falando de um espaço absolutamente
pedagógico e artístico, em que o conhecimento é construído em coletivo, a
partir de um objetivo que é o de compor a encenação. É na sala de ensaio que
se inicia a criação da cena e com isso de todos os elementos cenográficos que
constituem o espetáculo. O ator ao iniciar o seu trabalho na “construção da
personagem” (STANISLAVSKI, 2005, p. 28), estabelece princípios espaciais e
filosóficos que dão provimento para a criação dos demais elementos da cena.
Esse trabalho quando observado pelo iluminador, resulta na concepção de uma
possível iluminação para as cenas que emergem da atuação ativa e viva do
ator. A presença do iluminador na sala de ensaio pode estimular um interesse
no ator para entender a luz na cena em que atua, uma consciência que só é
possível, se ultrapassarmos o pensamento de que a iluminação só pode ser
compreendida se estiver materializada através da eletricidade e dos refletores.
Estamos propondo pensar uma luz que antes de sua tecnologia é sensação,
emoção, leitmotiv, atmosfera, a própria cena.
É na relação que se estabelece na sala de ensaio entre ator e
iluminador, cenógrafo e figurinista, maquiador e ator, e depois uma interação
geral entre todos, que se pode identificar um processo pedagógico que entende
67
que o teatro é uma arte do encontro entre pessoas que têm experiências,
histórias de vida e que cada artista tem o seu espaço criativo dentro do
espetáculo, ou seja, uma função da qual a obra necessita para se fazer existir
no seu sentido pleno almejado.
Na sala de ensaio todos colocam suas questões, seus desejos e
inquietações para serem transformadas em teatro. Para que possamos
entender a sala de ensaio como um lugar em que se estabelece uma
pedagogia entre os participantes, é necessário que rompamos com os limites
que são, às vezes, impostos, por um pensamento que restringe o ato de
ensinar e aprender somente à sala de aula. Um processo criativo estabelece
uma união de conhecimentos que se articulam através de um diálogo intenso,
gerador de uma complementaridade entre todas as partes do espetáculo. Essa
interação potencializa as dimensões pedagógicas que existem dentro de uma
sala de ensaio. Os conhecimentos são as ferramentas para o trabalho e por
isso são colocados na prática, gerando um agenciamento de experiências que
se constitui como um arcabouço de ensinamentos e aprendizagens, que
possibilita
a
transculturalidade,
que
gera
um
espaço
em
que
a
interdisciplinaridade é o elemento que põe em movimento a troca e o processo
criativo do espetáculo.
Esta rede de conhecimentos, relações, sentidos e significados,
encontram na ideia de Encenação, enquanto espaço de
representação e síntese do fenômeno teatral, o meio pelo qual
o teatro se apresenta como forma estética, poética e
semântica, cuja produção é capaz de mobilizar uma ação
cultural
educativa,
articulando
diferentes
saberes,
conhecimentos, técnicas, tecnologias, funções e razões.
(ARAÚJO, 2005, p. 57)
Essa troca de experiências na sala de ensaio faz com que o processo
criativo alargue as noções de autoralidade e de aprendizado, possibilitando que
a interdisciplinaridade entre os conhecimentos, desperte interesses, entre os
artistas participes do processo, em experimentar o universo criativo de outros
elementos cenográficos. O que pode acontecer naturalmente é que algum
artista possa hibridizar a concepção de linguagens dentro de um mesmo
processo, ou seja, podem emergir “atores dramaturgos” como “encenador
cenógrafo”
“maquiador
figurinista”
e
assim
sucessivamente,
infinitas
68
possibilidades para o artista se aventurar nos caminhos criativos na sala de
ensaio.
Essas hibridizações é que potencializam o sentido da formação de
artistas de teatro dentro da sala de ensaio. É no percurso da criação, às vezes
complexos, que as experiências de um iluminador, por exemplo, se tornam a
formação de um ator que não sabe dialogar com os princípios criativos da luz
ou vice-versa. O que não podemos deixar de reconhecer é essa natureza
absolutamente pedagógica e artística que existe na sala de ensaio e que
possibilita a construção e a formação de artistas.
Partiremos agora para um recorte que objetiva compreender como a
iluminação cênica é articulada dentro desse espaço, como os demais
profissionais se relacionam com o seu processo criativo e, sobretudo como a
sua linguagem contribui para o desenvolvimento da construção cênica dos
demais elementos do espetáculo.
69
2.2 – Apropriações da iluminação cênica no processo
criativo.
Para (CAMARGO, 2006, p.10), em um espetáculo teatral “a luz cênica
deve ser entendida não como um elemento separado”, o seu processo criativo
desenvolve-se concomitante ao processo de criação, ou seja, “luz e cena
necessitam ser pensadas como um processo vivo e co-evolutivo”.
Nessa
perspectiva compreendemos que a iluminação cênica não se articula em um
espetáculo teatral como uma linguagem à parte, mas sim, como algo que está
completamente imbricado e presente no momento em que a criação na sala de
ensaio, gera cenas e constitui paulatinamente o espetáculo.
Em muitos espetáculos de teatro são perceptíveis à ação da iluminação
cênica desconectada da cena, se desenrola por meio de uma narrativa que
acaba por constituir uma apresentação à parte. Esse problema é muitas vezes
decorrente de dois aspectos: da falta de uma compreensão dos artistas
envolvidos no processo criativo, da importância da iluminação cênica ser
articulada na sala de ensaio, desde o primeiro ensaio; ou quando existe um
iluminador que não entende que o seu trabalho é fazer significar junto com a
encenação o “um sentido global” (ROUBINE, 1998, p. 24). O pensamento de
Eduardo Tudella nos acrescenta outras questões que levam a iluminação
cênica para fora da sala de ensaio.
Ainda hoje se tem notícia de espetáculos contemporâneos que
estreiam sem um único ensaio para a luz. Em parte, por
pressões de natureza econômica que obrigam um diretor e sua
equipe a levar à cena um espetáculo por amadurecer. Afinal,
pode não ser suficiente ensaiar exaustivamente fora do teatro –
ou local onde o evento vai ocorrer – chegando aí apenas num
momento tão próximo da estreia que não permite qualquer
amadurecimento da visualidade, o que inclui ensaios de luz.
(2012, p. 20)
Existe um pensamento hermético que contribui para a ausência da
criação da iluminação cênica, desde o princípio do processo criativo. Trata-se
de um entendimento que não é na sala de ensaio, mas em outro lugar, que se
encontram os refletores e toda a estrutura elétrica para poder assim ter de fato
a luz. Esse pensamento, portanto, compreende que para se criar ou pensar
70
uma iluminação cênica para um espetáculo, é de extrema importância que se
saiba de eletricidade. Sabemos que essa realidade está mudando. É muito fácil
de notar, basta olharmos as fichas técnicas de espetáculos durante um festival
de teatro e perceberemos que atores estão se propondo a exercer outros
processos criativos no espetáculo em que atuam, assim como cenógrafos que
concebem o figurino e etc., ou seja, os elementos cenográficos ganham espaço
no processo criativo na sala de ensaio.
Compreendemos que a ação da iluminação cênica no teatro se dá
principalmente, por meio dos signos estabelecidos na construção da cena.
Opõe-se ao caminho que compreende que só se pode pensar iluminação
através de sua técnica e passa a entendê-la pela sensorialidade, onde as
emoções despertadas no jogo da cena são as “imagens propulsoras”
(FERREIRA, 2009, p. 49) para a criação atmosférica da luz. Qualquer artista na
sala de ensaio que se permitir a entender sobre esse último aspecto, saberá
expressar suas impressões para o processo criativo da luz cênica e com isso
criar intersecções com o seu processo criativo.
Na sala de ensaio todos precisam mirar um mesmo foco. As ligações
que são estabelecidas entre o trabalho de um artista e de outro, são
absolutamente necessárias para a construção da encenação. Quanto mais o
iluminador entender dos processos criativos das personagens, da cenografia,
figurino, maquiagem e demais elementos cenográficos, mais ele estará
caminhando dentro de um percurso que evitará a criação de uma iluminação
que demonstre somente as qualidades tecnológicas dos refletores, ou que não
se apresente como um elemento que constrói a narrativa da cena. O que se
estabelece entre todos os envolvidos no processo criativo é um jogo que está
para ser jogado através da imaginação. Para que o elenco entenda as ideias
de um iluminador na sala de ensaio é necessário se deixar levar pelo fluxo das
imagens que as proposições do mesmo despertam. Evidentemente a luz não
será imaginada tal qual se passa na mente do iluminador, mas pelo menos
suas bases estéticas e sensoriais são minimamente transmitidas para
enriquecer os processos criativos dos demais elementos cenográficos do
espetáculo.
71
Podemos pontuar duas estratégias que permeiam o processo criativo da
iluminação cênica na sala de ensaio, uma em que o iluminador aparece
somente nos momentos finais do processo de criação e a outra em que o
iluminador participa ativamente do processo, desde o primeiro dia de ensaio.
Nas duas metodologias o trabalho criativo da luz cênica deve se fazer presente
de maneira rigorosa, uma opção não é a mais correta do que a outra. Em
ambas as alternativas a iluminação é desenvolvida de acordo com os princípios
estéticos
da
encenação,
dando
provimento,
principalmente,
para
a
compreensão da cena, fazendo parte inteiramente dos seus sentidos e
emoções, deve tornar-se uma luz que se integra ao ponto de se fazer
imperceptível. Tanto em um modelo como no outro, o iluminador na sala de
ensaio, precisará expor suas ideias de maneira concisa e principalmente se
deixar invadir com novas propostas que possam vir a ser discutidas numa roda
de conversa.
O elenco durante os ensaios, principalmente nos momentos finais do
processo criativo, tem sede de retornos, feedbacks, quanto mais pessoas
assistirem aos ensaios, mais a equipe tentará sugar desse espectador as suas
compreensões e impressões, portanto, o iluminador, que está presente na sala
de ensaio é sempre um espectador com uma fonte de novas reflexões sobre o
constructo cênico, ele necessita ao máximo possível estabelecer uma
pluralidade de possíveis leituras para assim desenvolver o seu desenho de luz.
O iluminador muitas vezes é tido pelo elenco como aquele sujeito que
vai apresentar um discurso sobre as atmosferas, as cores, a maneira como a
luz envolverá a cena e principalmente como ela passará a ser um elemento
completamente imbricado e ser o próprio espetáculo. Um discurso que não
deve ser distante e muito menos incompreensível pelos demais artistas, se um
encenador, por exemplo, não souber compreender imageticamente a
proposição de um iluminador, o jogo para a criação é de alguma forma
estagnado, ou seja, é necessário que todos tenham minimamente algumas
noções básicas de iluminação, tanto no sentido técnico, ou seja, compreender
o que é um foco ou um corredor de luz, como também no aspecto criativo nas
composições de atmosferas, penumbras, luzes frias ou quentes.
72
A intenção da presente dissertação não é impor que os artistas da sala
de ensaio da criação teatral façam cursos técnicos ou busquem uma formação
na área da luz, se houver uma disponibilidade para entender o processo
criativo do iluminador, já será aí uma grande escola.
Quando o iluminador não está presente desde o início do processo na
sala de ensaio, suas estratégias se modificam, principalmente no que diz
respeito a um processo criativo mais objetivo, pois muitas vezes só lhe restam
algumas semanas para concluir um desenho de luz para o espetáculo. O
iluminador vai ao ensaio e assiste uma passada do trabalho na íntegra. Muitos
fazem anotações e já pensam as melhores estratégias de angulação dos
refletores para conseguir determinados desenhos; registram possíveis cenas
que devem ter uma pontuação de iluminação diferenciada; ficam atentos às
suas sensações e impressões advindas da sua reação em relação às cenas
assistidas para extrair as noções de emoções que podem se transformar em
possíveis atmosferas.
O processo de criação do iluminador após se debruçar e se permitir
fazer presente na sala de ensaio, e, principalmente, se compreender como
agente ativo da equipe, vai se tornar potente na sua vida, pois o processo vai
tomar os seus percursos e tudo o que estiver à sua volta poderá ser inspiração
para a construção da luz. Trata-se, portanto, de um processo que dialoga em
um mesmo tempo com as questões sensíveis da criação e a tecnologia dos
refletores, esses, serão os instrumentos que possibilitarão expressar os
anseios e inquietudes do iluminador. O seu trabalho vai do que é meramente
subjetivo ao que é físico e químico, o iluminador para expressar sua arte se
transforma num filtro que decanta a ideia para a materialidade da luz.
Esse processo em que um iluminador conversa com o elenco de atores
para expor suas questões, pode ser analisado pelo viés pedagógico como uma
sala de ensaio-aula, pois todos passam a apreender as funções da luz somente
a partir das ideias do iluminador. É importante frisar que toda a equipe de um
processo criativo está trabalhando em torno de uma encenação que tem seus
objetivos específicos e que devido a isso se constroem limites para a criação,
ou seja, existe uma consciência sobre por quais caminhos o processo criativo
deve caminhar, o que facilita o diálogo e a compreensão das proposições entre
73
todos os participantes, que vão pensar a criação dos elementos em torno de
um mesmo foco. A troca de experiência é sempre um passar de memória,
portanto de sabedoria. Mesmo que não exista a presença de um iluminador
durante todo o processo criativo do espetáculo “o grupo pode encontrar ou
discutir soluções de iluminação para as cenas, tornando a luz mais próxima ao
contexto de criação do espetáculo” (COSTA, 2010, p. 47).
74
Capítulo 3
A Iluminação cênica
no trabalho do ator
de teatro.
A cena é um espaço vazio, mais ou menos iluminado e de
dimensões arbitrárias. Uma das paredes que limitam esse espaço
é principalmente aberta sobre a sala destinada aos espectadores e
forma, assim, um quadro rígido, para além do qual a ordenação
dos lugares é rigidamente fixada. Se o espaço da cena espera
sempre uma nova ordenação e, por consequência, deve ser
apetrechado para mudanças contínuas. É mais ou menos
iluminado; os objetos que lá se colocam esperam uma luz que os
torne visíveis. Esse espaço não está, portanto, de qualquer
maneira, senão em potência (latente) tanto para o espaço como
para luz. - Eis dois elementos essenciais da nossa síntese, o
espaço e a luz, que a cena contém em potência e por definição.
(APPIA, s/d, p.32)
75
3.1 – O trabalho do ator em consonância com os
elementos cenográficos.
A arte teatral se dá pela união de vários conhecimentos que
interdisciplinarmente constroem, por exemplo, uma encenação, cujo objetivo é
comunicar um sentido global gerado através de um discurso “polifônico”
(MALETTA, 2005, p. 50). O espetáculo que chega ao espectador se constitui e
instala os signos, a trama, as atmosferas, as emoções, a teatralidade. Para
Artaud (2006, p. 38), os elementos cenográficos são “linguagens ativas” que
possuem uma gramática própria e que cada um oferece um vasto campo para
a experimentação e para pesquisa acadêmica, quais sejam: a iluminação
cênica, o cenário, a maquiagem, o figurino, o som e o ator.
O teatro se constitui como uma arte que é resultante do diálogo entre
outras artes. No entanto, sabemos que essa interdisciplinaridade, na história do
teatro, dificilmente foi utilizada como pressuposto para o processo criativo na
sala de ensaio, quase sempre foi negada. No século XIX o teatro por muito
tempo esteve destinado somente às questões dramatúrgicas, os elementos
cenográficos, apenas contribuíam de maneira muito simplistas, ou seja, sem
uma concepção criativa determinante no conceito da representação. A partir da
encenação teatral, os elementos ganham espaço para se colocarem como
artes autônomas, e passam a possuir uma poética essencial para a criação.
Passamos de uma concepção do teatro herdada do século XIX,
na qual o texto dramático estava no centro da representação, a
uma prática na qual os diferentes sistemas de signos (entre os
quais o espaço, a imagem, a iluminação, o ator em movimento,
o som) passam a ter, cada um, maior peso no trabalho final
apresentado ao espectador. (RYNGAERT, 1998, p. 66).
Nessa perspectiva do autor, podemos afirmar que esses sistemas só
chegam ao espectador como elementos autônomos,
se participarem
ativamente do processo criativo do espetáculo, na sala de ensaio. A partir do
momento que a iluminação cênica passa a ter um espaço diferenciado nas
criações de cenas, na construção de personagens, sua ação no espetáculo
teatral se apresentará de maneira mais contundente, pois haverá um diálogo
entre as partes na busca de uma construção única, de uma encenação
norteada pela orquestração dos elementos cenográficos.
76
No teatro o ator por sua vez, é o responsável por conduzir a ação
cênica. Sua ação é a força viva, o ânima que faz com que tudo que esteja em
cena possa ter sentido. O ator no teatro dramático27 dedica-se a construir um
personagem que enfatiza as ações dos elementos cenográficos na cena. Há
uma relação aí que faz com que compreendamos que a criação de um cenário
ou de uma iluminação, por exemplo, parte da cena, mas antes de termos a
cena, temos um ser que vive e que instala com o seu viver o universo a sua
volta. Porém não podemos pensar que a personagem é um elemento fora da
encenação, deslocado. Quando criado, necessita da atuação dos elementos
cenográficos para construir o sentido de sua própria existência. É necessário
que ampliemos o conceito de personagem para algo que extrapola a simples
construção de “um, outro”, e vislumbrar a possibilidade de entendê-la para
além do corpo do ator, ou seja, os elementos cenográficos que estão em sua
volta instalando atmosferas, construindo “lugares teatrais” (MANTOVANNI,
1989, p. 7), contribuindo para as emoções, são como suas extensões que se
articulam para criar um todo com minuciosos detalhes, esse todo é o
espetáculo.
Para Stanislavski (2001), o trabalho do ator é regido por uma “dupla
função” (p. 67), que corresponde à ficção e a realidade ao mesmo tempo. Por
um lado ele defende com sua personagem a cena, seus paroxismos, cria
percursos elaborando uma dramaturgia que é recebida pelo espectador, e o
mesmo, tece o sentido do espetáculo. O ator age, portanto, dentro de um
universo ficcional que convida o espectador a concordar e a aceitar viver a
mesma situação. Por outro lado, o ator é um ser humano comum, está em cena
com uma máscara, sem a mesma, ele é alguém que observa o seu público,
sente as reações que vêm da plateia e com isso se vê, faz um pacto com os
seus espectadores para que juntos possam enveredar nas teias da
imaginação.
O ator é rachado em dois pedaços quando está atuando. [...] o
ator vive, chora, ri, em cena, mas enquanto chora e ri ele
observa suas próprias lágrimas e alegria. Essa dupla
existência, esse equilíbrio entre vida e atuação, é que faz a
27
Diferenciamos teatro dramático do pós-dramático porque as relações conceituais sobre a personagem se
modificam de acordo com a concepção cênica.
77
arte. [...] essa divisão não prejudica a inspiração. Pelo
contrário, uma coisa estimula a outra. (STANISLAVSKI, 2005,
p. 237)
O trabalho do ator há muito tempo deixou de ser apenas decorar um
texto, ir para uma sala de ensaio e aprender as marcações. Cada vez mais sua
arte se alarga como conhecimento. Durante o processo de criação de um
espetáculo, o ator que se preocupa em entender como se dão os outros
processos criativos, que se preocupa com a criação e dedicação dos demais
componentes da equipe, evidencia o seu caráter de observador e potencializa
o seu campo de atuação, na medida em que compreende os motivos pelos
quais os seus companheiros constroem uma cenografia especifica ou uma
iluminação. Com essa atitude o próprio ator entende o caminho que o
espetáculo percorre para atingir um todo. Identificamos em um ator que
trabalha dessa forma, uma ética para com os demais artistas envolvidos no
processo, mas também, uma relação mais ampliada com o seu fazer, com o
seu construir. Da mesma forma que um ator deve estar completamente
envolvido na construção de seu personagem, é importante que esteja também
ligado ao papel da iluminação cênica na cena em que atua.
Qualquer cena, por mais improvisada que seja, apresenta uma estrutura
de tempo, espaço, luz, cenário, figurino etc.. Esse grau de percepção amplia a
relação entre ator e criação, no sentido de que ele precisa ser o primeiro a
reconhecer, que em sua volta, na cena, os elementos cenográficos atuam na
construção da narrativa do espetáculo. Quando o ator preocupa-se em
entender para além do seu personagem, o como uma cena se articula, o seu
trabalho ganha amplitude. Um ator que se deixa imbuir pelo sentido global do
espetáculo, contribui ainda mais para a narrativa do seu personagem. Se o ator
compreende as atmosferas que a iluminação instala, por exemplo, a luz do
ambiente em que sua personagem está vivendo, ou seja, se ele supera o
entendimento de que a luz somente serve para iluminá-lo, sua atuação se
constituirá ainda mais potente para o espectador, pois estará assumindo com
sua personagem a ação, a emoção, o sentido e o significado da luz sobre ele.
O cenário, os adereços e todos os elementos externos da
produção só têm valor na medida em que acentuam a
expressividade da ação dramática, da atuação (...) a luz e o
som (...) [Em cena], porém, só são eficazes quando estão
78
impregnados de verdade artística, (...) O importante é que tanto
o cenário quanto toda a produção de uma peça sejam
convincentes (...) para o público e para os atores. (...) O
ambiente exerce uma grande influência sobre os seus
sentimentos. (...) Se for capaz de produzir o estado de espírito
ideal, será mais fácil, para o ator, dar uma conformação aos
aspectos interiores de seu papel, influenciando todo o seu
estado psíquico e toda a sua capacidade de sentir. Em tais
condições, o cenário é um poderoso estímulo às nossas
emoções. (STANISLAVSKI, 2001, p. 43-44-45)
Esses elementos cenográficos precisam de ensaios para fazer sentido
na cena. Os ensaios criam para o espetáculo, momentos em que a iluminação
terá uma ação mais expressiva e desencadeará alguma outra ação, para isso é
necessário que o ator compreenda esse fato como se existisse outro ser vivo
do seu lado, que ele entenda que é necessário deixar a iluminação cênica agir,
não só porque ela foi ensaiada para executar tal ação em determinado
momento, mas compreender que essa ação é de extrema importância para a
construção da sua ação. Com essa reflexão o ator passa a deixar de pensar
que o teatro é somente a sua arte, o seu potencial criativo, ou somente sua boa
personagem, um espetáculo não se resume a isso, ele tem um todo que é feito
por muitas linguagens que se unem mutuamente para conseguir um trabalho
eficaz, completo.
O ator não precisa dominar tecnicamente a construção de cenografias e
nem entender a tecnologia dos refletores para compreender a atuação dos
elementos cenográficos na cena, basta que ele tente construir um ponto de
encontro entre o trabalho que faz com a personagem e esses elementos. Esse
ponto de encontro que se dá entre os elementos cenográficos e o trabalho do
ator, se estabelece também através de vias sensitivas, sensoriais, físicas,
emocionais e não somente técnicas.
Essa compreensão por parte do ator, em relação a uma noção maior dos
meios de criação de um espetáculo, é conquistada na medida em que sua
participação nos processos criativos dos elementos cenográficos seja ativa, ou
seja, que ele discuta os desenhos de cenografia, luz, figurino, maquiagem e
etc. para se utilizar das ideias, das projeções, como “imagens propulsoras”
(FERREIRA, 2009, p. 49) para uma construção da personagem mais profunda,
79
e, que, objetiva, a conscientização no corpo de um espetáculo na sua
totalidade, nos seus meios de fazer realizar o imponderável.
Estamos a analisar essa relação entre ator e elementos cenográficos a
partir de uma encenação que apresente uma concepção de luz, de figurino, de
maquiagem, de cenografia e etc. É necessário evidenciar esse fato porque
temos linhas de pensamentos que se contrapõem ao espetáculo que apresente
uma ação dramática dos elementos supracitados, como é o caso das reflexões
de Jerzy Grotowski, quando se refere ao “teatro rico”. Para ele o ator e o
público são as chaves principais para que o teatro possa acontecer. Mas em
todos os seus trabalhos são perceptíveis à utilização de cenografia, como por
exemplo, a grande mesa para o espetáculo Fausto ou o tapume que ficava na
frente do espectador em O Príncipe Constante, e até mesmo os seus atores
estavam sempre vestidos, portanto, apresentavam um figurino. O que podemos
extrair de reflexão sobre os princípios que Grotowski trabalhava é de que esses
elementos cenográficos não podem suprimir o trabalho do ator, não devem
significar mais do que ele, mas sim, estabelecer diálogos. Façamos, porém
uma análise do seu pensamento em relação à iluminação cênica no “teatro
pobre”:
Abandonamos os efeitos de luz, o que revelou amplas
possibilidades de uso pelo ator, de focos estacionários,
mediante o emprego deliberado de contrastes entre sombras e
luz forte. É particularmente significativo que, uma vez que o
espectador esteja colocado numa zona iluminada, tornando-se
assim visível, passe ele também a tomar parte na
representação. Ficou também evidente que os atores, como as
figuras das pinturas de El Greco, podem “iluminar” com sua
técnica pessoal, transformando-se em fonte de “luz espiritual”.
(GROTOWSKI, 1971, p. 6-7).
Em relação ao espetáculo, a partir da citação, podemos identificar que
não existe uma iluminação cênica com uma ação expressiva, o que fica
entendido é que o espaço cênico que envolve público e espetáculo é iluminado
de maneira que não há uma separação entre cena e público, o que nos faz
questionar: essa luz da forma como está citada, não se trata da luz concebida
para o espetáculo? Dizer que não existia iluminação nos espetáculos de
Grotowski é incorrer no mesmo erro de dizer que no teatro Greco também não
tinha luz. Não podemos esquecer que a iluminação cênica de um espetáculo,
80
independentemente se ela foi concebida ou não, se ela é natural ou não, é a
luz do momento presente, que fará parte da cena no seu sentido, na sua
significação.
Grotowski com esse pensamento se opôs ao teatro moderno que utilizou
os mecanismos do cinema e da TV para a construção cênica, o que levava o
esquecimento do ator e do sentido da encenação, dando margem somente aos
efeitos da iluminação, que pareciam desconectados do trabalho, que se
colocavam em cena como um espetáculo à parte, não existia a menor ligação
entre todos os elementos cenográficos, o que constituía um teatro “sem
espinha dorsal ou integridade”. (GROTOWSKI, 1971, p. 5)
Concordamos que a integridade dos elementos cenográficos é algo que
deve ser elaborado com muito afinco. O teatro é uma arte do encontro entre
muitas linguagens para se constituir uma única. A sala de ensaio configura-se
no lugar onde essa “espinha dorsal” proposta por Grotowski é construída, é
nela, portanto, que as dúvidas devem ser sanadas, que o ator compreende a
ação de cada elemento presente na cena, por menor que seja ela, tudo tem um
sentido para que tudo possa acontecer.
Não existe um responsável para designar que o ator deva dialogar com
os processos criativos dos elementos cenográficos, essa ação tem que partir
dele. Sua investigação na criação de um personagem deve ser ampla, alargada
para além de uma movimentação, ou entonação vocal, e atingir todos os
elementos cenográficos, mesmo que tudo não passe de projeções articuladas
pela imaginação.
Tendo em vista o Teatro como uma Arte essencialmente
polifônica, o ator, que é certamente uma das vozes da partitura
cênica, deveria apropriar-se das diversas outras vozes
responsáveis pelos vários discursos que acontecem
simultaneamente no ato teatral: a voz do autor, do diretor, do
diretor musical, do diretor corporal, do cenógrafo, do figurinista,
do iluminador, etc. Assim, ao incorporar conscientemente, ao
seu próprio discurso, vários outros discursos, apropriando-se
deles, o ator se tornaria, portanto, um artista polifônico. Em
síntese, por tudo que foi exposto, entende-se por ATOR
POLIFÔNICO aquele que, tendo incorporado os conceitos
fundamentais das diversas linguagens artísticas (literatura,
música, artes corporais, artes plásticas, além das teorias e
gramáticas da atuação), é capaz de, conscientemente, se
apropriar deles, construindo um discurso polifônico através do
contraponto entre os múltiplos discursos provenientes dessas
81
linguagens; ou seja, pode atuar polifonicamente apropriando-se
das várias vozes autoras desses discursos: os outros atores, o
autor, os diversos diretores (cênico, musical, vocal, corporal), o
cenógrafo, o figurinista, o iluminador e os demais criadores do
espetáculo. (MALETTA, 2005. p. 53)
Esse pensamento muito corrobora para o objetivo central dessa
dissertação, exatamente o que compreende que essa relação no qual o ator
estabelece dentro da sala de ensaio com os demais processos criativos dos
elementos cenográficos, é que desenha uma formação diferenciada para ele
próprio. O ator deve entender sua arte como um desafio da observação, deve
assimilar o seu trabalho através de uma criteriosa análise que o leve a
perceber até onde vai sua vida e a personagem que constrói, ou seja, sua
capacidade de interpretação é vivida de maneira distanciada, sem que haja
uma mistura entre ele e sua personagem ao ponto de embaralharem-se as
questões sensíveis e emocionais como já nos propunha Diderot:
É a extrema sensibilidade que faz os atores medíocres; é a
sensibilidade medíocre que faz a multidão dos maus atores; é a
falta absoluta de sensibilidade que prepara os atores sublimes.
(1973, p. 462).
O oficio do ator é de investigar inumeráveis possibilidades de construir a
fantasia, o ilusionismo da arte teatral, portanto, se há essa compreensão na
interface entre ator e personagem, por que não haver a mesma na relação com
a iluminação cênica e os demais elementos cenográficos? Por que o ator não
observa a criação da iluminação cênica no espetáculo que atua? Por que o ator
não se coloca como agente ativo de proposições para a criação dos demais
elementos cenográficos? Essas indagações já podem ser compreendidas como
respostas se retirarmos o sinal de interrogação, para termos exclamações
diretas que dialogam precisamente com o objetivo da presente dissertação.
Na Cia. de Teatro Engenharia Cênica, tratando do trabalho do ator nos
processos colaborativos, de imediato, podemos destacar, a ausência de
personagem, o que leva a uma compreensão pós-dramática. É no contato com
a “imagem propulsora” na sala de ensaio, que o ator passa a construí-la, dando
nome, texto, peso, tamanho, idade, comportamentos psicológicos, cria suas
relações, descobre percursos variados, se envolve num emaranhado de
dúvidas, até que ele possa chegar a uma estrutura de personagem, que por
82
mais construído, sempre estará em processo. O ator cria uma relação forte
com essa personagem porque o mesmo foi extraído do seu corpo, de suas
memórias e experiências, o ator tem total domínio dessa personagem,
conhece-a em todos os seus aspectos de maneira que pode rememorá-la para
além do texto e da marca. As emoções dos personagens são vividas e geradas
na improvisação, tem a força de algo que não foi editado e estimulado porque
no primeiro momento é real, é a própria vida que depois virará cena construída.
O impacto dessa emoção fica latente no corpo do ator e sempre terá uma ação
expressiva quando levada ao público com o seu trabalho.
83
3.2 - O Ator-Iluminador.
A presente pesquisa já apontou caminhos que sedimenta uma reflexão a
respeito do trabalho do ator em consonância com os elementos cenográficos,
mas como se estabelece especificamente a relação entre ator e iluminação
cênica? E o que é esse ator-iluminador?
O ator quando em cena instala uma integração entre todos os elementos
que compõem um espetáculo teatral “é, por excelência, um dos elementos
dêiticos do espetáculo. Todo espaço e tempo se organizam a partir dele, como
uma espécie de auréola que não o abandona jamais” (PAVIS, 2008, p. 88). Sua
movimentação cênica faz com que o tempo e o espaço se tornem dramático,
gerando uma rede de significações a ser observada, sentida e experimentada
pelo espectador. Nessa perspectiva concordamos com Adolphe Appia que nos
propõe entendermos o teatro como uma arte que “dirige-se [...] aos nossos
olhos, aos nossos ouvidos, ao nosso entendimento - em suma, à nossa
presença integral. (s/d, p. 29).
Essa presença do ator em cena é possível graças ao processo criativo
do espetáculo, que faz com que ele saiba exatamente os seus percursos
durante toda a encenação, ou seja, o ator já domina e tem consciência do
começo do meio e do fim, assim, o espectador é guiado por ele nas tramas da
imaginação. Podemos então afirmar que o domínio que o ator tem sobre o
espetáculo é fundamental para a construção de uma encenação contundente,
firme, sem insegurança, fatores que contribuem para um adentrar do
espectador na obra.
Analisamos a questão do domínio na relação ator e encenação, ou seja,
com o todo, porém é importante ressaltar que a mesma pode ser analisada
especificamente se nos propusermos a entender, por exemplo, quais são os
aspectos entre o ator e o cenário ou com a sonoplastia, a indumentária e etc..
Essa proposição alarga as potencialidades da presente pesquisa, no entanto
nos deteremos a entender esse domínio na relação ator e iluminação cênica,
não só porque este é o objetivo central da dissertação, mas também porque
compreendemos que estabelecer um pensamento global sobre esses pontos é
84
tarefa complexa para apenas uma dissertação, digamos que quase impossível,
pois acreditamos que a experiência do artista-pesquisador é de extrema
importância para a consolidação de uma reflexão potente, e sabemos que a
existência desse artista que faz tudo na criação de um espetáculo é duvidosa.
Quando nos referimos a esse ator-iluminador, nos propomos a pensar
essa relação sob dois aspectos. Primeiro, estamos sugerindo um ator que
também concebe a iluminação cênica, que participa ativamente do processo
criativo da mesma, sugerindo, interferindo, experimentando, imaginando, ou
seja, um ator que é responsável pela criação total da iluminação do espetáculo
que atua. Nesse caso um ator que além de dominar os seus princípios criativos
de interpretação, conhece e desenvolve pesquisas práticas e conceituais sobre
a iluminação cênica. Esse ator domina a técnica dos instrumentos utilizados
para a construção de uma luz cênica, conhece os refletores e suas finalidades,
bem como filtros de cor e acessórios que o ajudam na decisão final da
concepção da iluminação. É importante ressaltar que o conhecimento da
iluminação cênica não se trata apenas de seus equipamentos, é necessária a
capacidade artística de conjugar esses instrumentos com a cena, de maneira a
enfatizar as narrativas dramatúrgicas propostas pelo espetáculo.
No segundo aspecto propomos aquele ator que não tem o conhecimento
técnico da iluminação cênica, ou seja, que não domina a tecnologia dos
refletores e demais instrumentos e que devido a isso torna mais complexa a
possibilidade desse ator de se responsabilizar pela concepção final da luz
cênica. Porém nada disso inviabiliza dele ser na sala de ensaio alguém que
procura entender o processo criativo da iluminação e mais que isso, colabora
ativamente com proposições, compreendendo dessa forma toda a dramaturgia
da iluminação durante todo o espetáculo.
Há algo ainda mais interessante em ambos os aspectos. Se esse ator
se interessa pelo papel da iluminação no espetáculo em que atua, em termos
de interpretação, teremos uma ligação entre ator e luz cênica, um diálogo que
fortalece o sentido da encenação fazendo com que o contato com o público
seja ainda mais pulsante. Trata-se, portanto, de um diálogo intenso entre ator,
85
iluminação e público, um ir e vir de informações e significações, tal como a
essência da xilogravura Laço de Moebius I, proposto por M. C. Escher:
Uma fita sem pontas está cortada longitudinalmente. Ambas as
partes estão um pouco separadas, de maneira que, em toda a
extensão, há entre elas um espaço intermédio. Na verdade, a
fita teria de desfazer-se em dois círculos isolados, mas
consiste, no entanto, numa só tira. É formada por três peixes,
abocanhando-se cada um deles na barbatana caudal do
seguinte. Eles percorrem duas vezes a roda, antes de
novamente alcançarem o seu ponto de partida. (1994, p.12)
Figura 17 – Laço de Moebius I, xilogravura (1961) de M. C. Escher.
Para que o ator-iluminador possa fazer sentido dentro de um processo
criativo, é de extrema importância um processo formativo que possibilite a esse
ator, uma aproximação com as questões específicas da iluminação cênica.
Essa formação pode ser adquirida em diversos lugares, inclusive dentro da
sala de ensaio no contato com iluminadores. Em relação ao primeiro aspecto,
quando o ator também concebe a iluminação, é evidente que sem uma práxis
criativa com a iluminação cênica, ou seja, sem um conhecimento técnico dos
instrumentos que a mesma dispõe, fica complicado materializar as suas
proposições na cena.
86
Na tese do professor Ernani de Castro Maletta, intitulada “A Formação
do ator para uma formação polifônica: princípios e práticas.”, o autor afirma
que:
Uma importante diferença deve ser evidenciada: o Teatro é,
por essência, uma arte polifônica. O ator não. Principalmente
porque já está descartada, desde o início do presente estudo, a
ideia do dom, do talento como uma estrutura inata, fruto
exclusivo da genética. Portanto, o ator precisa aprender a se
apropriar de diversos discursos para a elaboração de um
discurso polifônico; e isso não depende apenas da sua
vontade, mas de uma preparação múltipla, que o habilite a
reconhecer, incorporar e a tomar para si os diversos elementos
e conceitos das várias linguagens artísticas presentes no
fenômeno teatral. (2005, p. 54).
Na continuação de sua pesquisa o autor propõe uma análise a respeito
do ensino superior no teatro, na tentativa de identificar como as diversas
modalidades da arte teatral são aplicadas como disciplinas, fato que contribui
para uma formação polifônica do ator. Embora sua análise esteja voltada para
as universidades, concordamos que independente disso, depende do ator o
desejo para a investigação dos diversos discursos do espetáculo teatral, mas é
evidente que se a universidade oferece essas possibilidades, fica mais fácil a
presença de atores que não se preocupem somente com o seu desempenho
rumo à virtuose, e sim, atores polifônicos, capazes de compreender que seu
trabalho em cena coletiviza todos os elementos cenográficos para unificá-los
na construção de uma encenação.
O trabalho do ator além de treinar o seu corpo ou construir bons
personagens, ele precisa ser um agente pensante, ativo na criação total da
encenação, ou seja, é de extrema importância que ele estabeleça diálogos com
todos os demais processos, sobretudo com os elementos cenográficos, pois
são esses que estarão em cena, no contato com o público, construindo e
defendendo o discurso central da encenação. Esse ator que propomos,
“polifônico”, como nos sugere Maletta, considera o outro ator na contracena,
mas também a ação da cenografia, da iluminação cênica, do figurino e da
maquiagem que o veste, bem como a sonoplastia que o envolve. É nessa
perspectiva que compreendemos a especificidade do ator-iluminador.
87
3.3 - A Criação da Iluminação Cênica nos Processos
Colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica.
A criação da iluminação cênica nos espetáculos “Irremediável”,
“Doralinas e Marias” e “O Menino Fotógrafo”, dialogou diretamente com o
trabalho do ator. A Cia. de Teatro Engenharia Cênica acredita que a construção
da iluminação se dá em consonância com a criação de todos os outros
elementos cenográficos, podemos dizer que o tempo inteiro a luz é pensada,
inclusive como ponto de partida para criação de cenas. A imagem propulsora
também foi o norte para a criação da dramaturgia da iluminação nos três
espetáculos, sobretudo na orientação dos percursos para a construção de
atmosferas, lugares teatrais.
O trabalho do ator na Cia. de Teatro Engenharia Cênica não se limita em
apenas construir uma personagem (na contemporaneidade existem reflexões
que já discutem essa questão) e executar as marcas, ou simplesmente decorar
um texto, sua atuação é ativa na criação de todos os elementos cenográficos,
sua relação com a iluminação é dinâmica, tenta compreendê-la através da
imaginação, potencializa o seu sentido, enfatiza através do diálogo, a cena,
assumindo a luz que o aglutina, e não somente entendendo-a como um
elemento que torna o espetáculo visível, mas sim, como uma linguagem que
articula os significados e constrói o sentido do espetáculo.
Os processos criativos das iluminações cênicas nas encenações
“Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O Menino Fotógrafo”, partiram também
da “imagem propulsora” (FERREIRA, 2009, p. 49), pois nas mesmas
encontramos as primeiras pinceladas de uma dramaturgia da luz. Na medida
em que as improvisações aconteciam, e logo após eram registradas, fixadas e
repetidas para se tornarem marcas, a iluminação era discutida por todos os
artistas envolvidos no processo, uma luz com total ação expressiva na
condução do trabalho do ator e na narrativa do espetáculo. Nessa perspectiva,
todos os que estavam envolvidos na sala de ensaio pelo processo criativo,
acabavam por dialogar e a colaborar para a concepção da iluminação cênica.
Mesmo que um ator não soubesse tecnicamente lidar com os refletores, a partir
88
da improvisação e da percepção da cena elaborada, podia propor através das
suas sensações e impressões, possíveis ideias de atmosferas, que contribuía
para o processo criativo da luz no espetáculo. Na Cia. de Teatro Engenharia
Cênica a interdisciplinaridade entre saberes é a base para a criação.
A interdisciplinaridade, do ponto de vista da laboração sobre o
conhecimento e elaboração do mesmo, corresponde a uma
nova consciência da realidade, a um novo modo de pensar,
que resulta num ato de troca, de reciprocidade e integração
entre áreas diferentes de conhecimento, visando tanto a
produção de novos conhecimentos, como a resolução de
problemas, de modo global e abrangente. A partir deles, e com
o sentido de alargá-los, como uma práxis, isto é, um processo
de reflexão-ação, a interdisciplinaridade ganha foro de vivência
(escapando à disciplinaridade) e estabelece a hominização em
seu processo. O pensar e o agir interdisciplinar se apoiam no
princípio de que nenhuma fonte de conhecimento é, em si
mesma, completa e de que, pelo diálogo com outras formas de
conhecimento, de maneira a se interpenetrarem, surgem novos
desdobramentos na compreensão da realidade e sua
representação. A interdisciplinaridade também se estabelece a
partir da importância e necessidade de uma contínua
interinfluência de teoria e prática, de modo que se enriqueçam
reciprocamente. (LÜCK, 1994, p. 63)
Essa relação interdisciplinar nos processos colaborativos da Cia., resulta
em diversos desdobramentos nas funções dos partícipes na sala de ensaio,
pois, devido ao espaço colaborativo, surgem artistas híbridos, ou seja, que
através do diálogo com os companheiros de criação, experimentam várias
linguagens que compõem o espetáculo, dessa forma, o sujeito pode vir a ser
um encenador-dramaturgo, ator-figurinista, ator-iluminador e tantas outras
possíveis de serem combinadas, criando diferentes poéticas.
Essa liberdade para a troca na sala de ensaio nos remete a outro ponto
simbólico dos processos criativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, que é
o do aproveitamento das competências que cada artista envolvido no processo
possui. Se um ator tiver experiência na área da dramaturgia, pode vir a se
tornar um dos responsáveis pela construção do texto, tornando-se um “atordramaturgo”.
No teatro colaborativo esses agenciamentos só se tornam possíveis,
porque essa linha de criação permite exatamente a quebra das hierarquias na
sala de ensaio. Os profissionais (ator, encenador, cenógrafo e etc.), quando
89
juntos na sala de ensaio, participam da construção do espetáculo por completo,
todos contribuem com ideias para o figurino, cenário, luz, ou seja, para a
encenação como um todo, podendo até, um ator, propor a dramaturgia de toda
uma cena, como marcações, cenários, figurinos, proposições que sempre
serão discutidas e analisadas por todos, gerando um diálogo interdisciplinar,
que se transforma, pois através das colaborações, são acrescentados mais
elementos advindos dos outros artistas.
Os processos colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica são
permeados pela formação dos seus componentes. A cada novo trabalho se
torna mais claro os caminhos a serem trilhados. Processos que tem a pesquisa
como matéria pulsante, advinda da necessidade de investigar o mundo e as
coisas através da criação cênica, construindo um lugar de agenciamentos de
experiências e da experimentação de artistas híbridos, um campo de atuação
para um ator-iluminador, um ator-encenador, um ator-sonoplasta, etc.
Partiremos agora para uma análise de como se deu a relação entre o
processo criativo da iluminação cênica e o trabalho do ator. A análise
apresentará em alguns momentos reflexões em primeira pessoa do singular,
exatamente porque atuei nos três espetáculos e concebi a iluminação cênica,
portanto, minhas memórias passam a ser o ponto de partida para a
investigação da formação da dupla função ator/iluminador. O objetivo é
conseguir através de minhas experiências, enfatizar a reflexão sobre a
importância do ator no seu trabalho, assimilar e compreender os processos
criativos dos elementos cenográficos, especificamente da iluminação cênica.
90
3.3.1 – “Irremediável” – o encorajamento.
No processo criativo do espetáculo “Irremediável” (2007) nos deparamos
com inúmeras questões, as mais complexas eram exatamente aquelas que
correspondiam à criação dos demais elementos da cena, tínhamos na sala de
ensaio apenas dois atores (Jander Alcântara e eu) e uma diretora (Cecília
Raiffer). As dúvidas mais frequentes eram de como iríamos resolver a
iluminação, a cenografia, a dramaturgia, o figurino e a maquiagem do
espetáculo. É preciso reconhecer que na cidade de Sobral, no interior do
estado do Ceará, onde esse espetáculo foi realizado, no ano de 2006, ainda
não tinha uma prática teatral que possibilitasse encontrar artistas com
experiências nas respectivas áreas. O processo precisava iniciar e esses
problemas estavam causando uma barreira que estagnava a laboração dentro
da sala de ensaio, foi então que começamos a reconhecer que a imagem
propulsora e, principalmente, as improvisações, apresentavam leituras que
correspondiam a proposições para a concepção da cenografia, maquiagem,
figurino e iluminação.
A diretora Cecília Raiffer começou então a se dedicar intensamente ao
processo criativo da dramaturgia e percebeu que o seu trabalho como diretora,
no ato de conduzir as improvisações, já desenvolvia situações dramatúrgicas,
portanto a construção do texto. Todas as novas possibilidades de texto eram
anotadas e desenvolvidas, uma dramaturgia fragmentada, em processo, que se
modificou ao ponto de chegar a um número de sete versões. O ator Jander
Alcântara também propôs para a criação da dramaturgia, no que resultou uma
cena do espetáculo. Temos aí nessas exemplificações uma prática
interdisciplinar que resulta num processo formativo dentro da sala de ensaio
para os artistas envolvidos no processo colaborativo, ou seja, o ator que antes
nunca tinha escrito dramaturgia, passou a entender os percursos para a
criação de um texto, trata-se, portanto, de uma nova experiência na vida desse
artista, que alarga sua relação de entendimento com o processo criativo em
teatro.
No processo criativo do espetáculo “Irremediável” foi onde iniciei a minha
atuação como ator-iluminador. Tive a oportunidade de trabalhar no Theatro São
91
João28, durante dois anos, através desse emprego, desenvolvi uma experiência
técnica no manuseio de refletores, compreendendo-os tecnicamente. No
processo colaborativo do espetáculo, do qual havia sido convidado para
trabalhar como ator, fui aos poucos propondo ideias para a iluminação de
cenas, foi quando percebi que conhecer os instrumentos tecnicamente é uma
coisa, e que aplicar esse conhecimento artisticamente acontece de outra forma.
A iluminação cênica do espetáculo “Irremediável” não foi assinada em
sua totalidade por mim, isso porque estamos falando do primeiro processo de
criação da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, ou seja, era a primeira vez que
as competências estavam sendo conhecidas. Como já mencionado nessa
dissertação, nesse processo não sabíamos de nada, nem mesmo onde iríamos
chegar com o espetáculo. O processo foi ganhando corpo e ao longo do tempo
fui propondo cada vez mais pensar a iluminação cênica em concomitância com
o meu trabalho como ator, no fim, o desenho da iluminação, no que se diz
respeito à definição dos instrumentos técnicos, dependeu exclusivamente da
experiência que eu possuía.
A iluminação cênica do espetáculo “Irremediável” tinha como principal
objetivo aprisionar os personagens dentro de um losango que não apresentava
uma ideia clara de “lugar teatral” (MANTOVANI, 1989, p. 7) e nem uma leitura
fechada de onde a trama acontecia... Poderia ser qualquer espaço. A
iluminação era absolutamente feita em quase sua totalidade de recortes em
formatos geométricos, feito com refletores elipsoidais, exatamente o tipo mais
utilizado para construir formas na luz. Essa preponderância de desenhos foi
criada para ressaltar ainda mais a noção de aprisionamento e também para
editar o olhar do espectador. Em se tratando das vanguardas artísticas,
podemos associar a dramaturgia da iluminação com os conceitos abordados n
expressionismo.
28
Teatro municipal da cidade de Sobral –CE. É o segundo mais antigo do estado, sua construção se deu a
partir dos meados do século XIX ficando pronto no ano de 1880. É um teatro inspirado no Santa Isabel da
cidade do Recife –PE. O Theatro São João foi construído através da União Sobralense que era um grupo
dos principais homens de influência na cidade, dentre eles o escritor Domingos Olímpio e o filósofo
Farias Brito. Esse grupo visava o crescimento cultural e intelectual de Sobral e como na época uma
cidade era considerada de alto-nível se possuísse algumas qualidades, dentre elas um teatro para sediar
espetáculos e para servir de ponto de encontro para a elite e pessoas cultas.
92
O estilo deixado como herança pelo Expressionismo, trouxenos a cultura do foco fechado, de chamar a atenção para a
expressão da face ou qualquer outra parte do corpo, como um
zoom cinematográfico, procuram-se novos ângulos para os
feixes de luz envolver o ator com 'deformações' propositais da
face, bem como a luz se empenha em explorar as zonas de
sombras no espaço e no corpo do ator, além de utilizar fortes
contrastes na intensidade e no "brilho" de cada cena, buscando
causar 'impressões' na retina dos espectadores, ressaltando as
tensões dramáticas. Todos esses recursos de afinação de luz
procuram criar na cena imagens que evoquem a subjetividade
das personagens no contexto em que desenrolam suas ações.
Essas imagens geradas no palco procurarão, às vezes,
despertar respostas emocionais na plateia. [...] essa iluminação
busca mais do que meras imagens plásticas requintadas de
exploração do binômio luz-sombra, mas principalmente atua no
decorrer da apresentação criando rupturas de tempo e de
espaço, aproximando ou distanciando as ações entre as
personagens [...] (FIGUEIREDO, 2007, p. 44-45)
As fotografias a seguir são bons exemplos que evidenciam a utilização
de recortes na iluminação que construíam luminosidades e sombras. A
dramaturgia da iluminação nesse espetáculo, para mim, no meu trabalho como
ator, foi determinante para que eu construísse uma segurança capaz de me
encorajar na minha criação como ator, do meu personagem, pois dizia textos
que referiam diretamente a uma prisão e perceber que a iluminação
materializava essa ideia que eu construía com meu corpo, era extremamente
interessante.
Figura 18 - Foto de Husdon Costa: A iluminação delimitando e aprisionando os dois personagens.
O Cego em pé e o Aleijado que nessa cena faz incessantes cambalhotas em volta do losango, que
tem como imagem o ciclo mítico de Sisifo de subir com uma pedra até o cimo de uma montanha e
de lá a pedra rolaria para baixo e assim irremediavelmente essa ação se repetiria.
93
Figura 19 - Foto de Hudson Costa: Momento inicial do espetáculo quando o público entrava já se
deparava com os dois atores, Jander Alcântara (em primeiro plano) e Luiz Renato (ao fundo)
posicionados e já recortados por dois focos de luz em formato de losango.
Figura 20 - Foto Husdon Costa: cena em que o público é envolvido na prisão dos dois personagens
através de uma luz com intensa saturação de laranja.
94
Figura 21 – Foto Hudson Costa: cena épica em que público e personagens interagem questionando
a condição de aprisionamento do homem contemporâneo. Luz aberta.
Os focos foram mantidos em formato de losango exatamente para criar
uma leitura de que o espaço maior diminuía, aprisionando cada vez mais as
personagens. Com essas mudanças repentinas de uma iluminação que
abrangia uma área maior para depois ir para uma menor, causava no público
uma sensação de que todos ali estavam perdidos na noção espacial. A
cenografia por sua vez ajudava nessa questão por ser na sua totalidade de cor
preta, na medida em que aconteciam os movimentos de luz, todo o espaço em
volta dos focos ficava na escuridão total, a intenção era de frisar que todos ali
estavam presos no mundo artificial do espetáculo, por mais que se
escondessem, por mais que corressem, a circunstância geográfica da cena
jamais mudaria.
A
iluminação
cênica
no
espetáculo
“Irremediável”
dialogava
intensamente com o sentido da encenação, e teve como inspiração a imagem
propulsora, que por vezes era filosófica, pois questionava a condição de
existência do ser humano na contemporaneidade, apontava para reflexões que
indagavam os motivos que nos fazem existir e principalmente para onde
95
iremos. O espetáculo apresentava uma estética expressionista na sua
totalidade, o próprio texto, absolutamente fragmentado, discutia questões
simples, que quando colocadas em reflexão, transcendiam a simplicidade e
tornavam-se problemas sem solução. Vejamos a seguir uma cena que elucida
essa noção na dramaturgia do “Irremediável”:
Cena 1: PORTAS E JANELAS, TEMPO, RELÓGIOS E HORAS
O CEGO – E as janelas?
O ALEIJADO – Eu já disse que as janelas são como as portas.
O CEGO – Mas há uma diferença, não há? Se não houvesse
diferença portas seriam janelas, só que porta é porta, e janela é
diferente de porta. Janelas são janelas, não é possível que
tudo seja igual ... tem de haver uma diferença.
O ALEIJADO – Quando eu digo que você é uma janela
fechada, você não consegue compreender?
O CEGO – Quer dizer que as janelas são ...
O ALEIJADO - ... piores que as portas. As portas possibilitam o
fluxo, através delas pode-se sair e entrar, ocupar outros
espaços. Já a janela é uma ligação de mundo, apenas visual.
Elas existem para mostrar que há um mundo interno e outro
externo. Apenas isso. As pessoas ficam nas janelas, apenas
vislumbrando o passar das horas, jamais sairão pelas janelas,
elas tem grades.
O CEGO - Sou uma janela fechada. Você diz coisas que eu
não compreendo... queria poder...
O ALEIJADO – Esquece.
O CEGO – Como você sabe todas essas coisas se sempre
estivemos aqui?!
O ALEIJADO – Você sabe que não. Não me faça perguntas. Já
falei mais do que devia... (FERREIRA, 2009, p. 61)
É nessa profusão de questionamentos que se estruturou a dramaturgia
desse espetáculo. Essa característica fragmentada inspirou completamente a
criação da luz. Uma luz que definia para onde o olhar do público devia ser
direcionado, editava o espaço físico das personagens, por ora os mesmos
necessitavam ir em direção à luz para sair da escuridão, mas quando
chegavam ao foco, esse por sua vez, novamente escapava. Uma luz
claustrofóbica que gerava uma atmosfera por vezes insuportável. Mesmo que
a iluminação tivesse um papel determinante nesse trabalho, não fugia de um
objetivo sempre potencializado na sala de ensaio, exatamente o sentido do
espetáculo, a mensagem, a imagem propulsora, o motivo pelo qual os artistas
se dedicaram intensamente para adentrar na imanência da criação. A ação da
96
iluminação foi construída para estar completamente contundente aos outros
elementos da cena sem que se destacasse como um espetáculo a parte.
Figura 22 – Projeto de iluminação do espetáculo
Sem dúvida o processo criativo do espetáculo “Irremediável” foi o
impulso inicial das investigações cênicas da Cia. de Teatro Engenharia Cênica
e foi revelador para mim no que diz respeito a entender que é possível para o
97
ator, ter a iluminação cênica como uma linguagem que pode contribuir
intensamente para o seu trabalho de criação.
98
3.1.2 – “Doralinas e Marias” – o desafio.
Depois dessa primeira experiência com o espetáculo “Irremediável”, a
Cia. de Teatro Engenharia Cênica passou a reconhecer uma poética de
criação.
Embora
nesse
processo
tenha sido
absolutamente
confuso,
possibilitou que em “Doralinas e Marias”, fosse mais claro, mais consciente,
sobretudo nas dúvidas e nas conduções norteadoras das criações dos
elementos cenográficos.
No caso de “Doralinas e Marias”, a iluminação foi assinada na sua
totalidade por mim, além de ter trabalhado também no espetáculo como ator.
Esse agenciamento de experiências se consolidou justamente porque houve no
“Irremediável”, um processo de encontro com uma competência que gerou uma
formação, justamente a do ator-iluminador. Para “Doralinas e Marias”, a
diretora Cecília Raiffer continuou a desenvolver a dramaturgia do espetáculo, e
os demais atores, devido ao fato de serem convidados e por estarem pela
primeira vez se deparando com um processo criativo na Cia., tiveram muitas
dúvidas e questionamentos, sobretudo pela ideia de que algumas funções
seriam exercidas por um mesmo artista.
A participação das atrizes na criação de todos os elementos foi sendo
conquistada a partir da vivência e da percepção de como se articulava a
construção da engenharia da cena na sala de ensaio da Cia. Aos poucos foram
se sentindo encorajadas para proporem ideias para os elementos cenográficos
e
com
isso
alargavam
a
construção
de
suas
personagens,
pois
compreendendo as noções espaciais e atmosféricas do espetáculo, elucidavam
ainda mais as emoções que cada um apresentava. Nesse processo tivemos
que chamar um cenógrafo para criar a cenografia, bem como um sonoplasta
para conceber a trilha sonora e não foi diferente para o figurino e maquiagem,
isso porque não tínhamos na sala de ensaio artistas que pudessem assumir a
concepção dessas linguagens.
A luz nesse espetáculo dialogava com o simbolismo, no que diz respeito,
a um grande uso de cores para a instalação de atmosferas e a sua dramaturgia
na cena era um jogo de recortes e de movimentos que editava a narrativa do
espetáculo, conduzindo sempre o olhar do público para a cena. Sobre a
iluminação simbolista Laura Maria Figueiredo acrescenta:
99
No âmbito do desenho de luz teatral, podemos ver que desse
estilo teatral em luz ficou-nos também a técnica de pensar os
espaços cênicos como atmosferas especialmente preparadas
para sensibilizar os sentidos do espectador, onde as cores
utilizadas podem estabelecer camadas de percepção e
significância simbólicas. Em iluminação a questão da
construção simbólica se apoia enfaticamente num imaginário
que possa ser compartilhado entre o espectador e a cena, e
construído, literalmente, com imagens e 'sensações' a serem
despertadas utilizando toda a capacidade que esse encontro
vivo entre palco-platéia tem para ser, potencialmente,
emocionante e impactante num nível de comunicação que vai
além da palavra e do enredo; e onde essas instâncias da
encenação (opsis), podem adquirir maiores poderes de
expressão por meio da liberdade de criar 'maneiras de olhar' o
espetáculo, nos mais diversos contextos técnicos. (2007, p. 39)
A iluminação em “Doralinas e Marias” tinha uma ação dramática muito
precisa. A condução da narrativa dependia exclusivamente da luz. Nesse
espetáculo
existiam
três
tempos,
três
ambientes
que
dialogavam
simultaneamente, para cada um desses espaços (jardim, janela e varanda) foi
pensada uma atmosfera que correspondesse principalmente às emoções das
personagens que nele habitavam.
O espetáculo se constituía de cores, iluminação e atmosferas. Outro
fator determinante para a construção simbólica foi a trilha sonora original do
sonoplasta Luciano Salvador Bahia, que optou pelo piano como instrumento
para dialogar com as emoções vividas pelas personagens. A cenografia de
Zuarte Júnior era feita de fios de perolas brancas, que desenhavam no espaço,
uma grande árvore do jardim de Doralina. A delicadeza foi investigada no
processo criativo, principalmente na ação das personagens em consonância
com o universo simbólico instaurado pelo espetáculo. O simbolismo se encaixa
na análise de Doralinas e Marias por todos esses elementos, porém o que
demarcou definitivamente essa característica foi a dramaturgia elaborada de
diálogos metafóricos e poéticos que se articulavam na relação familiar entre
essas mulheres.
100
Figura 23 – foto de Zélia Uchôa: nessa imagem temos em perspectiva dois dos três planos de
atuação. No primeiro, temos a varanda da casa, lugar onde ficava a personagem Alice, interpretada
por Daniele França e temos também a presença do personagem Manoel, interpretado por Luiz
Renato. Em segundo plano, temos as personagens Sofia, interpretada pela atriz Adriana Amorim
que está sentada, e de pé, a Atriz Meran Vargens, com sua personagem Doralina, esse lugar se
tratava do jardim, sempre ensolarado, enquanto que a varanda era sempre noturna devido à
relação direta de Alice com a lua.
Podemos observar na descrição da fotografia que em uma mesma cena
temos espaços que se diferenciam nas suas atmosferas, como é o caso da
varanda sempre iluminada pela luz da lua e do jardim com o sol o tempo inteiro
a pino. No centro do palco entre esses dois espaços, ficava localizada a janela,
lugar da incessante espera de Sofia pelo seu marido Leonam. Para esse
ambiente a luz concebida remetia a um entardecer fixo, que não se modificava,
como se o tempo tivesse parado para essa personagem, afinal, na dramaturgia
ela estava a esperar por dezessete anos por esse homem, carregava uma
trança enorme como símbolo dessa espera.
101
Figura 24 - foto Zélia Uchôa: A atriz Adriana Amorim com sua personagem Sofia a esperar na
janela pela volta de Leonam. Nessa cena os outros dois espaços (varanda e jardim) ficavam no
escuro para que pudesse ser evidenciada a espera de Sofia. Sentada numa cadeira, ao olhar pra
frente, sempre fazia menção a uma janela, que no caso, era materializada através da ação da luz. A
cor utilizada foi o âmbar #321 da Roscolux, exatamente porque esse filtro corresponde à luz solar
quando está entardecendo.
Figura 25 - Foto Zélia Uchôa: Fotografia do momento final do espetáculo. O cenário era composto
por uma árvore de pérolas que muito contribuía para a construção simbólica do espetáculo. A
iluminação nessa imagem traz um desenho de galhos retorcidos por todo o chão, efeito criado pela
utilização de um gobo. A atmosfera era de despedida das personagens. O personagem Manoel (Luiz
Renato) sentado na lua de Alice e Doralina (Meran Vargens) no seu jardim que ficará noturno.
102
A forma como a concepção da iluminação cênica foi articulada na sala
de ensaio, esteve sempre ligada a uma compreensão que era necessariamente
entendida por todos. Não conseguíamos pensar a cena sem que refletíssemos
sobre o como seria a ação dramática da iluminação. O espetáculo “Doralinas e
Marias” tem uma grande importância para a Cia. de Teatro Engenharia Cênica
porque definiu estratégias para a criação, que permanecem até os dias de hoje.
Em “Doralinas e Marias” foram encontrados os percursos que se configuram
como uma poética que se fortalece a cada novo encontro na sala de ensaio da
Cia. de Teatro Engenharia Cênica
Por mais que uma experiência tenha sido gerada, cada espetáculo tinha
suas especificidades. Obviamente somente pelo motivo de que cada peça tinha
sua temática, mesmo assim os problemas se mantiveram na construção da
dramaturgia, das personagens e de todos os elementos cenográficos. O que
ficou de um trabalho para o outro foi uma experiência que não nos deixava
temer, que nos dava liberdade para experimentar, que nos dava uma
perspectiva
de
como
o
processo
se
desenvolveria.
No
espetáculo
“Irremediável”, trabalhávamos sem saber onde iríamos parar, sem saber ao
certo quais eram os nossos objetivos; em “Doralinas e Marias”, começamos a
aprender, a controlar, a ter certeza do possível caminho e o objetivo que o
espetáculo chegaria. Como acreditamos que a iluminação cênica não está
dissociada do processo criativo da cena, todos os problemas enfrentados
reverberavam na concepção da iluminação, tudo se resolvia junto, não
tínhamos como ter uma cenografia, ou um figurino fechado, por exemplo, se
não tivéssemos a cena construída dentro do sentido que a encenação
vislumbrava.
Era a primeira vez que a iluminação seria em sua totalidade assumida
por mim. Diferente do “Irremediável” que tinha a criação elaborada por toda a
equipe. Em “Doralinas e Marias”, a concepção e materialização final da
iluminação cênica, bem como todo o processo de condução e articulação de
proposições na sala de ensaio, foi de minha responsabilidade. É neste trabalho
que encontramos as principais reflexões sobre como o processo criativo da luz
103
pode ser determinante no trabalho do ator. Essa compreensão parte
primeiramente do entendimento de que é no ato da improvisação de uma cena,
que o espetáculo começa a desenhar possibilidades para se pensar a
iluminação cênica. O constructo cênico que é gerado nesse jogo não se
restringe somente a uma improvisação que vise somente à elaboração de
marcas e textos, mais também de imaginar atmosferas possíveis em torno da
mesma, um processo que quando tomado por consciência no trabalho do ator,
enfatiza ainda mais as qualidades emotivas e sensoriais na sua atuação,
através da ampliação do objetivo do seu trabalho na construção de sua
personagem, não somente no seu tipo físico, na forma como se veste, na forma
como fala, mais também na conscientização do espaço que ele vive e
principalmente as qualidades atmosféricas desse lugar.
Ao dominar a luz na sua improvisação, o ator pode jogar com o tempo
da mesma, a partir do momento em que ele identifica possíveis momentos em
que possa haver uma ação da iluminação, dando espaço para que a mesma
elucide, sedimente e ressalte as proposições advindas nos aspectos textuais,
espacial e, sobretudo emocional. Essa interação quando desenvolvida no
processo da sala de ensaio se reflete nas apresentações do espetáculo. Em
muitos trabalhos percebemos que o ator parece estar em cena atuando
sozinho, não é perceptível no seu trabalho uma ligação com os demais
elementos cenográficos. Isso acontece muitas vezes porque esse ator não
esteve interessado durante o processo criativo do espetáculo, na criação dos
demais elementos, não se ateve a perceber como os mesmos vão agir na
construção da narrativa do espetáculo.
A partir do trabalho que desenvolvo como ator-iluminador na Cia. de
Teatro Engenharia Cênica, ressalto o quanto é importante que o ator dialogue
com a criação do espetáculo na sua totalidade, para que a encenação possa
ser construída numa junção consciente e ensaiada da atuação de todos os
elementos, e, principalmente perceber a relação intrínseca entre os mesmos. O
ator quando consciente da dramaturgia da iluminação, não permitirá em cena
entender que está somente sendo iluminado, pelo contrário, ele reagirá às
104
cores, aos recortes, afirmando a dinâmica da iluminação e a sua potencia na
construção do sentido do espetáculo.
O processo criativo de “Doralinas e Marias” aconteceu no âmbito das
dependências da escola de teatro da Universidade Federal da Bahia-UFBA,
lugar onde circulam importantes pesquisadores da arte teatral. De alguma
forma o processo se relacionava com essas pessoas, assim como todos os
outros trabalhos que acontecem num ambiente como esse, pois é preciso
reconhecer que em se tratando de uma faculdade de teatro, o evento cênico
não é somente assistido como entretenimento, mas principalmente como algo a
ser analisado, criticado, entendido dentro dos conceitos e estratégias que
fazem a arte teatral. Em decorrência dessa comunicação surgiram muitas
dúvidas sobre a possibilidade de um ator ser também o iluminador do
espetáculo em que atua, as principais perguntas que se faziam eram:
“Como pode um ator que está em cena conceber a luz do próprio
espetáculo que atua? Ainda mais se tratando de uma peça em que os
atores não saem de cena, como ele faz se não pode assistir as marcas e
os pontos que necessitam de uma ação mais enfática da iluminação?
Como ele vai saber se sua concepção de fato funciona quando o
espetáculo estiver sendo apresentado, já que o mesmo não pode
assistir?”
Essas questões só me colocavam medo. Mas o que me fortalecia é que
durante todo o processo criativo do espetáculo “Doralinas e Marias”, desenvolvi
anotações e proposições para a iluminação, inclusive sinalizando os
movimentos entre uma cena e outra, portanto não havia o que temer, pois
houve uma dedicação e todo um trabalho na sala de ensaio que era o
suficiente para encorajar e colocar em prática a concepção final da iluminação
do trabalho. Mesmo assim no último momento pensei em desistir, mas já não
havia saída se não distribuir os refletores de acordo com o projeto de luz e
experimentá-los para ver se atingiriam as propostas elaboradas durante o
processo. Foi então que no passo a passo, nos pequenos testes fui
percebendo que tudo já estava pronto, que a iluminação tinha sua atuação
105
muito bem construída, que o projeto de iluminação era fruto disso, portanto as
dúvidas só eram presentes porque enfim a iluminação não estava tecnicamente
posicionada, afinada e artisticamente gravada. Percebi que o que gerava medo
era a ansiedade em perceber que são muitas etapas para que uma iluminação
cênica fique totalmente pronta, e que esse caminho é longo, requer muita
paciência e principalmente confiança em si mesmo e em todos os envolvidos
no processo.
Figura 26 – Projeto de iluminação da frente de luz do espetáculo Doralinas e Marias.
106
Figura 27 – Projeto de iluminação da área interna da caixa cênica
107
Existe outro fator que potencializou a minha formação como atoriluminador dentro da Cia. de Teatro Engenharia Cênica. Durante o meu
bacharelado em Interpretação Teatral na ETUFBA (Escola de Teatro da
Universidade Federal da Bahia) no período de 2008 a 2010, participei a cada
semestre de uma montagem pedagógica realizada de acordo com a temática
estudada e abordada no âmbito das disciplinas que compunham o semestre.
Esse contato com a universidade possibilitou o encontro com a pesquisa
teórica e prática sobre a arte teatral e, sobretudo, com a que se refere aos
estudos da iluminação cênica. A cada semestre, era montado, com direção de
um docente, um espetáculo como resultado da pesquisa prática de atuação
dos alunos29. Em todas as montagens participei como ator-iluminador,
exatamente porque na sala de aula, eu era o único que trabalhava com
iluminação e mais uma vez essa minha competência foi aproveitada,
continuando assim o enriquecimento interdisciplinar na minha vivência teatral,
na interface entre iluminação cênica e o trabalho do ator.
29
No período de 2008.1 a 2010.2 foram montados 06 (seis) espetáculos, quais sejam: Ser Veja, direção de
Iami Rebouças; A Lira dos Vinte Anos, de Paulo César Coutinho, direção de Paulo Cunha; Odisseia, de
Homero, adaptação de Marcos Barbosa, direção de Meran Vargens e Érico José; João o Venturoso, de
Bertolt Brecht, direção de Érico José; Tudo no Timing, de David Ives, direção de Jacyan Castilho; Quatro
Luas Pelas Pedras, a partir do universo de Federico García Lorca, espetáculo de formatura, direção de
Lilih Cury.
108
3.3.3 – “O Menino Fotógrafo” – a investigação de uma
poética.
No processo de criação do espetáculo “O Menino Fotógrafo” a Cia. de
Teatro Engenharia Cênica, investigou os procedimentos adotados nos dois
trabalhos anteriores como estruturação base, na esquematização do percurso
criativo. Esse espetáculo foi o primeiro da Cia. que acontecia em um espaço
alternativo, exatamente um casarão velho que hoje é conhecido como Casa
Ninho e é sede do Grupo Ninho de Teatro, que também participou da
montagem, ou seja, esse trabalho é fruto da junção de duas equipes que se
aventuraram durante um ano, na imanência de um processo colaborativo em
teatro.
A iluminação no espetáculo “O Menino Fotógrafo” se deu de maneira
diferenciada. Por se tratar de um espaço alternativo tive que montar desde a
estrutura mínima que é um quadro de energia com potência para ligar os
refletores, como também fazer toda a ligação e esquematização para que
tivéssemos uma estrutura de energia que pudesse dar provimento para o
espetáculo. Trabalhar em espaços não convencionais é sempre um grande
desafio, em especial para o iluminador, pois quase sempre não há recursos
como um teatro propriamente dito, o seu trabalho inclui sempre a busca por
alternativas que possam materializar suas proposições.
Como o espetáculo tinha uma temática voltada para as manifestações
religiosas do cariri cearense, a vela por ser um elemento de grande utilização
nas grandes romarias, realizadas ao longo de todo o ano na região, foi o
princípio para a elaboração de toda a iluminação do espetáculo. Durante o
processo criativo, logo na primeira cena que se remete a uma romaria, foi
imprescindível a utilização do elemento fogo, isso porque além de iluminar, tem
uma grande potência em criar atmosferas, sobretudo as que estão ligadas a
rituais religiosos. Em romaria o elenco saia da Casa Ninho com várias velas na
mão ao encontro com o público que sempre esperava do lado de fora da Casa
Ninho. Quando os atores começavam a contracenar com os espectadores,
distribuíam as velas, aumentando ainda mais a romaria que adentrava na Casa
109
Ninho em direção a um altar com muitas imagens de santos e elementos que
dialogavam com a religiosidade. Todos que estavam com velas, depositavam
as velas nesse altar, como se estivessem fazendo uma oferenda, isso tudo
acontecia ao som de cânticos religiosos, que quando cantados pelos atores,
comoviam o público e todos se uniam em uma só voz.
Figura 28 - Foto Nívia Uchôa: Fotografia do altar do espetáculo com velas espalhadas pelo chão e
que através de arames eram elevadas criando uma enorme cortina de fogo sobre as imagens, as
orações e, sobretudo, criando uma atmosfera que se mantinha até o final do espetáculo.
Figura 29 – Foto de Nívea Uchôa: Momento em que os atores saem da Casa Ninho para irem ao
encontro do público para formar a grande Romaria rumo ao altar.
110
Figura 30 – Foto de Nívea Uchôa: Público e atores em contraluz produzida pela iluminação das
velas indo em direção ao altar.
Figura 31 – Foto de Nívea Uchôa: Cena em que o sertanejo usa sua principal arma para se
defender, o facão. Guerra de facões.
111
O Menino Fotógrafo foi realizado dentro da Casa Ninho desde o início do
seu processo criativo e pelo fato do espaço ser um corredor de 11m de
profundidade por 4m de largura, toda marcação do espetáculo foi elaborada a
partir dessa especificidade. A iluminação teve que ser comprada porque a
Casa Ninho não possuía nenhum tipo de refletor, foram fios, mesa de luz,
lâmpadas, refletores, tomadas, ou seja, todo o material mínimo para se
construir uma estrutura básica de luz. Essas especificidades reverberaram
fortemente no processo de concepção da luz, pois tínhamos que trabalhar com
o mais simples para poder conseguir criar uma iluminação que não deixasse de
significar junto ao espetáculo.
Figura 32 – Projeto de iluminação no formato corredor.
112
Nesse espetáculo pude alargar a minha competência como atoriluminador, porque tive que dialogar com os princípios técnicos para a criação
de uma iluminação cênica para um espaço alternativo. Considero, portanto,
que é nesse trabalho que consigo estruturar um pensamento sobre o trabalho
do ator-iluminador, função essa que precisei experimentar ao longo de três
processos criativos, que correspondem a cinco anos de trabalho, para poder
propor a presente dissertação de mestrado.
113
Considerações finais.
114
Tendo como ponto de partida todo o percurso desenvolvido nos
capítulos dessa dissertação, chego à conclusão de que a iluminação cênica
apresenta-se como uma linguagem de grande importância na cena teatral. Sua
articulação na sala de ensaio constrói percursos criativos, e se afirma como um
elemento base para a compreensão do sentido do espetáculo. A atmosfera,
construção de um espaço metafórico, sinestésico, é um princípio que se
conjuga no tempo da ação dos atores, em diálogo com os elementos
cenográficos, se instala por vias que não são necessariamente físicas, articulase dentro de uma esfera de sensações que aglutina o espectador ao
espetáculo e vice-versa.
Quando na sala de ensaio, compreendi que a iluminação é uma
linguagem que possibilita pensar caminhos, que enfatiza as concepções
cênicas, os processos colaborativos foram enriquecidos de novas ideias e
proposições. Essa afirmação é completamente pertinente aos processos
criativos da cenografia, maquiagem, figurino, sonoplastia, todos podem
oferecer ao trabalho de criação teatral, contribuições indispensáveis. A
iluminação é uma das grandes responsáveis por estabelecer atmosferas
através da utilização de variadas possibilidades de afinação dos refletores e,
sobretudo, a partir da extensa gama de filtros30 de cores frias, quentes,
saturadas e tons pastéis. Utilizando esses instrumentos, a iluminação cênica
atua através da criação do simples ato de iluminar, mas também cria sombras,
decide o que deve ser visto pelo público, conduz diversos tipos de narrativas,
não se atrela a uma estética, é completamente utilizável em qualquer
espetáculo, constrói sua dramaturgia. Instala atmosferas que podem ser lidas
do grotesco ao belo, da indignação à felicidade, não importa somente tornar
visível a cena, mas enfatizá-la, sedimenta-lá, para que a dramaticidade se
consolide, a luz joga e propõe diversas estratégias de jogo com os atores e
com o público.
Passado esse percurso da dissertação, chego à conclusão ainda mais
convencido de que a iluminação cênica não pode chegar aos nossos processos
30
Nos termos técnicos filtro é a mesma coisa que gelatina. Um material sintético, feito a partir de
policarbonato resistente a temperaturas elevadas, tem em diversas cores.
115
criativos, como uma linguagem que aparece no final para completar algo. É
necessário levar o iluminador cênico para dentro da sala de ensaio para que
ele possa ser também um propositor, seu trabalho criativo pode ser revelador
para o conceito de encenação, suas soluções de iluminação podem ajudar a
resolver questões como marcas, transições de cenas, construção de
personagens e fortalecimento do sentido do espetáculo.
A iluminação cênica não se restringe somente às questões técnicas, no
que diz respeito, aos refletores e seu funcionamento elétrico. A iluminação
cênica que propus na dissertação, se articula por meio de sensações e
atmosferas que são geradas no jogo da criação de cenas na sala de ensaio.
Penso iluminação a partir das possíveis emoções, dos níveis de energia que
uma improvisação oferece, do jogo entre corpos na cena. É nessa perspectiva
que propus analisar o processo criativo do ator em consonância com a
iluminação, isso porque não poderia, aqui, abordar, todas as outras relações,
mas acredito que o que desenvolvi a partir da relação interdisciplinar entre a
iluminação e o meu trabalho como ator, é, perfeitamente extensível a todas as
outras possíveis relações. A presente dissertação pode ser um ponto de partida
para análises a respeito de artistas híbridos que se desenvolvem em salas de
ensaio, tais como atores-figurinistas, encenadores-dramaturgos, cenógrafosmaquiadores, são tantas relações possíveis que podem extrapolar o
agenciamento de duas para até mais linguagens.
É evidente que a experiência técnica no que se refere aos instrumentos
disponíveis para constituir uma iluminação de um espetáculo é de extrema
importância, pois no processo criativo alguém terá de se responsabilizar por
decidir com quais instrumentos (refletores, acessórios e filtros) será alcançado
o projeto de luz da encenação. Reconheço essas especificidades e concordo
que são complexas, pois cada refletor conforme características técnicas, só
podem ser compreendidos por aqueles que se dedicam a estuda-los,
experiência que muitas vezes leva anos para ser adquirida. Ressalto que a
presença de um iluminador cênico nos processos criativos é de extrema
importância para mediar proposições, pois muitas vezes aparecem ideias que
não podem ser realizadas. Nesse caso, cabe ao iluminador, que teoricamente
116
está familiarizado e identifica os aspectos técnicos dos equipamentos, acatar
as proposições e modifica-las na tentativa de torná-las possíveis.
Outro fator que abordo é o fato de que de que essas relações
interdisciplinares possam acontecer em outros processos que não sejam
necessariamente colaborativos. O encontro entre experiências acontece em
qualquer linha de pesquisa da linguagem teatral, independe de estética ou de
metodologia, a formação entre os artistas sempre acontecerá e suas
competências se ampliarão na medida em que se propuser a dialogar e
compreender o universo criativo dos demais elementos da cena. O que
proponho é a fomentação da troca de experiências, todos só têm a ganhar em
suas formações.
Em se tratando do meu trabalho como ator-iluminador na Cia. de Teatro
Engenharia Cênica, pude perceber que essa intersecção entre duas
linguagens, possibilita abordagens diferenciadas ao trabalho do ator, através
de sua relação e do entendimento das atmosferas, emoções, espaços cênicos
e, sobretudo, aponta para uma contracena que pode ser estabelecida com a
iluminação, através da construção de diálogos entre movimento e dramaturgia
da iluminação, se isso acontece, evidencio a união de duas linguagens que
fortalecerão de maneira determinante a encenação e a compreensão por parte
do público.
„Na cena teatral contemporânea cada vez mais os artistas trabalham de
maneira polifônica. São atores que cantam, interpretam, concebem luz,
cenário, figurino, ou seja, as fronteiras entre as linguagens são maleáveis e
essa característica nos faz compreender que os artistas na sala de ensaio
podem se interessar por mais de um processo criativo, pois a questão não é
também só a de agregar experiência, o fundamental é que compreendo que o
artista agindo polifonicamente, sua contribuição para a construção do sentido
da encenação, será potente, pois assumirá as narrativas dos elementos
cenográficos no seu processo.
Para chegar a uma ideia sobre a iluminação cênica no trabalho do ator,
passei por um percurso que apresentou o processo criativo de três espetáculos
117
da Cia. de Teatro Engenharia Cênica. Foi necessário abordar conceitualmente
o teatro colaborativo e os princípios técnicos da Cia. para que pudesse chegar
a um lugar seguro de reflexão, exatamente o da minha experiência empírica,
pois me seria muito difícil tratar da questão central desta dissertação, sem um
lócus de onde pudesse a partir de uma experiência, observar a importância da
iluminação no trabalho do ator.
Concluo que esta dissertação oferece a análise de uma poética de
criação desenvolvida por uma Cia. de teatro e que tem como especificidade a
investigação o meu trabalho como ator-iluminador nos espetáculos da Cia. de
Teatro Engenharia Cênica. Esta pesquisa poderá ser utilizada por muitos
pesquisadores que têm as suas poéticas de criação como ponto de partida
para a reflexão. O que fica firme para mim nos momentos finais desta escrita, é
que a presente dissertação não se restringe somente as questões da
iluminação cênica no trabalho do ator, ela é ampla e não fecha um ciclo, pelo
contrário, abre outras possibilidades de desenvolvimento e de compreensão.
118
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124
Anexo.
125
ANEXO A – A Cia. de Teatro Engenharia Cênica
A história da Cia. de Teatro Engenharia Cênica se resume a
deslocamentos por três cidades do estado do Ceará e uma do estado da Bahia.
O seu local de criação foi na cidade de Sobral em 2005, pela diretora Cecília
Raiffer e o ator Luiz Renato, ambos fundadores e coordenadores até os dias
atuais. Colaboraram nesse início de criação da Cia. o ator Jander Alcântara, o
sonoplasta Daniel Glaydson Ribeiro e o técnico de luz Maicon Rocha.
O primeiro trabalho desenvolvido em Sobral foi em 2005 e se tratava de
uma performance intitulada “Fragmentos”, que tinha como objetivo realizar uma
intervenção na Boulevard do Arco do Triunfo, local de referência na cidade,
onde muitos cidadãos encontram-se após as missas e cultos, ou para
frequentarem os restaurantes no decorrer dos dois lados de toda a praça. O
discurso que possibilitou a criação da performance foi o de fazer com que as
pessoas pudessem refletir sobre a realidade, através de uma intervenção
lúdica, que apresentava cerca de oito atores, completamente vestidos e
pintados de branco, que no decorrer da caminhada pela praça, interagia com
as árvores, postes e indivíduos, recitando os aforismos de Léo Macklene. No
centro da praça foi estendido um tecido branco de 30m de comprimento e
2,00m de largura, e em seguida, os atores pegaram bacias de tintas, e
começaram a performar em cima do tecido, pintando uns aos outros e
oferecendo as tintas para os espectadores, para que os mesmos também
interagissem com o ato.
Anterior à realização da performance houve um período equivalente há
um mês para a pesquisa do conceito, ideia, construção dos figurinos que
acabou sendo feita com roupas brancas que foram modificadas e também a
construção das tintas, a partir de uma oficina ministrada pela professora Regina
Raiki, da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Todos os artistas
envolvidos na “Fragmentos” estavam matriculados em diferentes cursos da
UVA, tais como Ciências Sociais, Letras, Pedagogia, História, Educação Física
e Biologia.
126
Figura 33: Fotografia do Arco de Nossa Senhora de Fátima, Boulevard, local onde foi realizada a performance
“Fragmentos”. Sobral, CE. Foto de André Adeodato. Fonte: http://flickr.com/photos/73431654@N00/306262926/
Figura 34: Atores caminhando pelo público. Imagem boa para visualizar figurinos e maquiagem.
127
Figura 35: O ator Luiz Renato interagindo com um poste.
No ano de 2006 a Cia. montou o espetáculo “Duas Vidas... Um grande
amor” feito a partir dos poemas de Dinorah Ramos. O espetáculo era uma
homenagem à poetisa e falava da sua história, de seus familiares, causos e
curiosidades, e era permeado pelo amor que vivia com o seu marido Dr.
Ramos, um importante farmacêutico da cidade de Sobral.
Figura 36: Fotografia do espetáculo teatral Duas Vidas... Um Grande Amor. Jander Alcântara ao
lado das imagens de Ribeiro Ramos e Dinorah Ramos. Theatro São João. Sobral – CE. Maio de
2006. Foto: Hudson Costa. Fonte: www.photografiadigital.com.br
128
Figura 37: No primeiro plano o ator Luiz Renato e Jander Alcantâra e a atriz Cecília Raiffer.
Theatro São João, Sobral – CE, maio de 2006. Foto: Hudson Costa. Fonte:
www.photografiadigital.com.br
A Engenharia Cênica no ano de 2006 teve a oportunidade de realizar um
espetáculo a partir de um prêmio de incentivo à cultura (Myrian Muniz Funarte
2006) que possibilitou um processo criativo de nove meses de pesquisa dentro
da sala de ensaio. O espetáculo que fora intitulado como “Panoptico”, “Galileu
e Sísifo”, teve como nome final “Irremediável”. Foi criado pelos três artistas
fundadores da Cia., quais sejam: Cecília Raiffer diretora, Jander Alcântara e
Luiz Renato como atores. O espetáculo “Irremediável” é um dos objetos de
pesquisa da presente dissertação. O espetáculo realizou uma temporada de
apresentação durante todo o ano de 2007.
A partir do ano de 2008, a Cia. passa a ser sediada na cidade de
Salvador no estado da Bahia, em virtude do ingresso dos coordenadores da
mesma na Universidade Federal da Bahia – UFBA. Cecília Raiffer entra no
mestrado do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – PPGAC, para
investigar o processo de criação do espetáculo “Irremediável” o que resultou na
sua dissertação intitulada “Cena e Jogo: o imaginário na carne”, importante
referencial para o desenvolvimento da presente dissertação. Luiz Renato
entrou no bacharelado de Interpretação Teatral.
129
Sob a direção de Cecília Raiffer, a Cia. de Teatro Engenharia Cênica
desenvolve o espetáculo “Doralinas e Marias” que também é objeto de
pesquisa da presente dissertação e que nos próximos capítulos será melhor
discutido. Contava com a participação das atrizes Meran Vargens, Adriana
Amorim, Daniele França e do ator Luiz Renato. Foi realizado através do Prêmio
Manoel Lopes Pontes da Fundação Cultural do Estado da Bahia na categoria
“montagem de espetáculo”. Sua temporada de estreia se deu nos teatros
Martim Gonçalves da Escola de Teatro da UFBA (18 de junho a 5 de julho) e
SESC-Senac Pelourinho (de 9 de julho a 1° de agosto) no ano de 2009. O
espetáculo teve participação no Festival Internacional de Artes Cênicas FiacBa ano 2 nos dias 24 e 25 de outubro de 2009; na 11ª mostra SESC Cariri
de Cultura 2009 no dia 14 de outubro no Memorial Padre Cícero em Juazeiro
do Norte e no dia 15 de novembro no Teatro Municipal Salviano Arraes na
cidade de Crato-Ce; e em março de 2010 participou da Mostra SESC-ATU de
Teatro de Uberlândia.
A Cia. permanece em Salvador até o ano de 2010 e a partir de 2011
passa a residir no Cariri cearense na cidade de Barbalha, no sul do estado. A
atuação da Cia. passa a ser no trecho conhecido como CRAJUBAR, uma
conurbação de três cidades, Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, separadas
por poucos quilômetros de distância. No começo de 2011 a Cia. volta para a
sala de ensaio e passa a montar o espetáculo “O Menino Fotógrafo”. Foi
realizado em parceira com o Grupo Ninho de Teatro31 na cidade do Crato-Ce. É
também nesse ano que a Cia. se constitui juridicamente com o nome de
“Engenharia Cênica Instituto de Arte, Educação, Pesquisa, Criação, Recepção
e Produções Artísticas” Sob o CNPJ: 14.731.680/0001-28.
Outro trabalho realizado no ano de 2012 na cidade de Barbalha foi o
espetáculo “Perdoa-me Por Me Traíres” de Nelson Rodrigues, montado na
ocasião do edital “Prêmio Funarte Nelson Brasil do Anjo Pornográfico”, que
premiou 17 grupos ou Cias. nacionais para que cada uma montasse uma
31
Trata-se de um grupo que surge em 2007 na cidade do Crato, na região do Cariri no estado do Ceará
que tem como fundadores Alana Morais, Edceu Barbosa, Elizieldon Dantas, Jânio Tavares, Joaquina
Carlos, Rita Cidade e Zizi Telécio. Avental Todo Sujo de Ovo (2009) de Marcos Barbosa e Charivari
(2009) de Lourdes Ramalho, são alguns dos trabalhos criados pelo referido grupo.
130
dramaturgia de Nelson Rodrigues para serem apresentadas no âmbito do
festival “Agosto de Nelson” no Rio de Janeiro – RJ. Com esse trabalho os
coordenadores invertem as funções e a direção foi de Luiz Renato com a
participação dos atores João Dantas, Jerônimo Vieira e Flávio Rocha, bem
como das atrizes Carla Hemanuela, Cecília Raiffer, Faeina Jorge e Rita
Cidade.
Figura 38: Cartaz do espetáculo. Arte de Max Pettersson e fotografias de Diego Linard.
131
Figura 39: cena do espetáculo “Perdoa-me Por Me Traíres” em que o personagem Gilberto recebe
sua família em casa, e passa, a saber, que foi traído pela sua esposa. Um dos paroxismos mais
importantes do texto. Fotografia de Diego Linard. Local Teatro Patativa do Assaré, SESC Juazeiro
do Norte – CE, junho de 2012.
Figura 40: cena com os personagens Madame Luba (Cecília Raiffer) e Pola Negri (Jerônimo Vieira)
ela cafetina, dona de uma casa de prostituição só para deputados “que oferece meninas de 14, 15 e
16 anos de idade”. No plano de trás as personagens Glorinha à esquerda (Faeina Jorge) e Nair
(Rita Cidade), ocasião em que estão indo até o prostíbulo para iniciar a vida de Glorinha no mundo
da prostituição. Fotografia de Diego Linard. Local Teatro Patativa do Assaré, SESC Juazeiro do
Norte – CE, junho de 2012.
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No ano de 2013, a Cia. de Teatro Engenharia Cênica estreou o
espetáculo “O Evanescente Caminho” no mês de agosto. O espetáculo é uma
livre inspiração e adaptação da Divina Comédia de Dante Alighieri. A direção é
de Cecília Raiffer com atuação das atrizes Amanda Lima, Lorenna Gonçalves,
Lucivânia Lima e dos atores Luiz Renato, Nilson Matos e Raimundo Lopes.
Esse espetáculo é fruto de uma pesquisa que vem sendo desenvolvida desde
2011 no grupo de pesquisa Laboratório de Criação e Recepção Cênica –
CNPQ da Universidade Regional do Cariri – URCA, no departamento do curso
de Licenciatura Plena em Teatro.
Figura 41: fotografia de Emanoel Siebra retirada para a criação da arte do material gráfico do
espetáculo “O Evanescente Caminho” na cidade de Juazeiro do Norte - CE.
Pelo fato da Cia. ter apenas dois integrantes fixos, ou seja, os seus
coordenadores Cecília Raiffer e Luiz Renato, fez com que fosse criada uma
metodologia para as montagens dos espetáculos. Os demais atores e atrizes
sempre são convidados para compor o restante do elenco e com isso formar
um núcleo flutuante, que não faz parte efetivamente da Engenharia Cênica,
mas somente do trabalho para qual foi convidado para participar. Ao longo de
oito anos de trabalho, passaram pela Cia. cerca de 50 artistas de teatro,
envolvendo
elenco
de
atores,
cenógrafos,
sonoplastas,
figurinistas,
maquiadores e etc. Essa característica potencializou sobremaneira o processo
de formação dos seus coordenadores, devido ao fato de que a cada novo
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trabalho, novos artistas, novas experiências que contribuíram e contribuem
imensamente para o conhecimento e para a construção de uma poética de
criação própria da Cia. de Teatro Engenharia Cênica.
Figura 42 - Foto de Verônica Leite - Apresentação na Assossiação de Dança Cariri, ADC, Juazeiro
do Norte, 2013.
Figura 43 - Foto de Verônica Leite - Apresentação na Assossiação de Dança Cariri, ADC, Juazeiro
do Norte, 2013. Um brinde para finalizar.
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