Judas Tadeu - Grupo Editorial Record

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Rio de Janeiro 2014
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sumário
Introdução
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Simão
ÁR IES
João
LIBR A
Judas Tadeu
TOURO
Judas Iscariotes
ESCOR PIÃO
Mateus
GÊMEOS
Pedro
SAGITÁR IO
Filipe
CÂNCER
André
CAPR ICÓR NIO
Tiago Menor
LEÃO
Tiago Maior
AQUÁR IO
Tomé
VIRGEM
Bartolomeu
PEIXES
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INTRODUÇÃO
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Este livro iria originalmente falar de mais assuntos, comentando
a astrologia presente também na obra de Botticelli. Durante a
confecção, a interpretação de “A Última Ceia” foi se tornando
extensa e insinuando merecer, por si só, um livro. Vale então
contar como tomei contato com sua interpretação.
Em 1975 eu fazia yoga em uma academia de Copacabana
onde às quartas-feiras tínhamos um encontro filosófico com
seu dono, o prof. Vayuananda. Costumávamos ficar embevecidos com as histórias que ele tão bem contava sobre mestres
de yoga, meditação e sobre a Índia. Éramos um pouco mais de
uma centena de alunos fiéis a esses encontros, nunca interrompidos depois de começados. Todos chegavam cedo por respeito
à importância do evento. Numa determinada quarta-feira, estávamos em momento de mergulho espiritual quando alguém
bateu à porta e, como a batida fosse decidida e diferente do
usual, Vayuananda pediu à assistente que abrisse a porta. Ao que
entrou uma senhora de cabelos brancos, de cerca de setenta anos
de idade, com um passo vacilante e olhos brilhantes e vivazes.
Vayuananda nesse dia agiu de maneira inédita. Nos meus
nove anos de academia foi o único dia em que me lembro de
cena parecida. Ele se levantou do lugar onde estava com os olhos
marejados e visivelmente emocionado, atravessou por entre os
alunos e deu um abraço de alguns minutos na senhora. Os discípulos fizeram um silêncio de interrogação, ou de exclamação.
Nunca havíamos presenciado ou imaginado uma interrupção de
“satsang” e ninguém presumia quem era a senhora. Vayuananda
trouxe-a pela mão até o seu lugar frente ao público e apresentou
para todos a sua amiga Emma Costet de Mascheville, como uma
pessoa particularmente querida e excepcional astróloga, que
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havia convivido com ele em uma comunidade rural espiritual
em Resende, da qual ele nos falava com frequência.
Ali mesmo, em público, ele perguntou por quanto tempo ela
pretendia permanecer no Rio e imediatamente a convidou a
dar um curso de astrologia para seus alunos. Dias depois eu que
vorazmente frequentava todos os eventos da academia, fossem
de quirologia, sânscrito, filosofia indiana ou o que mais acontecesse, perguntei ao Vayuananda se a astrologia era algo sério e
confiável. Ele me afirmou que não apenas era um instrumento
importante no caminho do autoconhecimento, como considerava aquela a mais abalizada astróloga viva e que seu curso era
uma oportunidade de ouro. As aulas durariam apenas seis dias,
dois dedicados a cada um dos doze signos.
Inscrito no curso, a surpresa e o deslumbramento foram instantâneos. Desde o primeiro momento dona Emma colocou
“A Última Ceia” de Da Vinci na parede e partiu dos apóstolos
para falar dos signos. Enquanto a escutava, comecei a ver ca­
choeiras de luz saindo de suas metáforas inspiradas e originais. Eu,
que vinha de uma família cristã e desde criança convivera com
a Ceia de Leonardo na parede da sala de jantar, descobri haver
uma riqueza inimaginável de estudo do comportamento humano
nela. Crescido em uma casa com muitos irmãos e pródiga de
primos e agregados, eu me abismava com a facilidade, encanto,
precisão e generosidade com que ela descrevia meus parentes
arianos, taurinos, geminianos e assim por diante. Do meu signo,
Peixes, ela só falou na última aula, quando me vi radiografado
e entendendo e transcendendo comportamentos de uma vida
inteira, que nunca ninguém havia me traduzido com clareza.
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Eu me apaixonei instantaneamente pela astrologia e fiquei
com sede de mais. Na semana seguinte ela se foi, mas nos deixou
seus assistentes Bola e Carlos Asp dando aulas de cálculos astrológicos. Nessas aulas, fiz o meu mapa e, com desespero exis­
tencial, saí procurando todas as informações possíveis sobre os
planetas. A astrologia, desde aquele momento, passou a ser um
meio de entendimento precioso não apenas de mim mesmo, mas
de tudo o que me rodeava. Pude compreender os motivos de
pessoas íntimas minhas serem tão diferentes entre si e passei a
aceitá-las melhor tais como eram. Comecei a entender atitudes
de meus familiares em relação a mim, que vinham se traduzindo
em atritos até então.
Nesses dias, fiquei amigo de Carlos Asp, que me convidou
para ir ao Rio Grande do Sul aprofundar estudos com dona
Emma. Pouco tempo depois, eu estava em Porto Alegre, na
casa de Asp, que carinhosamente não apenas me acolheu, mas
também, em conversas noturnas descontraídas, me passava
informações — preciosas para mim até hoje — de astrologia.
No dia seguinte à minha chegada, Asp me levou à casa de
dona Emma, onde assisti a uma aula avançada. Me senti como a
menina-personagem de Clarice Lispector em Felicidade Clandestina,
quando consegue ter o primeiro e desejado “livro de verdade”
em suas mãos: transtornado. Eu entendi pouca coisa. Falava-se
de planetas em casas, de aspectos entre planetas e me faltava
cultura astrológica para acompanhar, mas eu ia vendo como as
palavras dela me encantavam sempre e como existia uma eletricidade, um magnetismo na maneira com que ela falava, no
timbre da voz.
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Em vez de desanimar fiquei ainda mais desejoso pela astrologia. No final da aula, todos os alunos se foram e eu e Asp
ficamos por último. Conversei alguns minutos com ela, que
depois me acompanhou até a rua. Fui descendo a ladeira de sua
casa aos poucos e depois de vinte passos olhei para trás e a percebi parada, no lugar onde havia me deixado, olhando, como que
cuidando de mim. Ela e o seu generoso sorriso. Dei mais três
passos, olhei para trás e ela ainda estava sorrindo, mais cinco
passos e ela lá sorrindo... Aquela noite foi inesquecível para
mim por muitas razões particulares. Nessa época eu era o típico
cabeludo que fazia artesanato e viajava o Brasil ven­dendo-o nas
ruas. No último ano, por opção existencial, eu vinha morando
em casas abandonadas e por vezes dormindo na rua, e me acostumara a ser marginalizado por pessoas mais velhas. Em plena
ditadura militar, era comum a polícia me parar e reter pelo
simples fato de eu ter cabelos compridos, assim como era comum
a polícia entrar em casas abandonadas, prender os hippies e soltá-los dali a dois dias após alguns maus-tratos e humilhações.
Não era o meu costume ser olhado sem preconceito e com compaixão e amor explícitos por uma pessoa de mais de cinquenta
anos, menos ainda por uma septuagenária.
Dona Emma significou para mim naquele momento um elo
de integração com a vida dos “normais”. Um lenço de trégua no
conflito entre gerações. Depois, a própria astrologia foi o instrumento de minha ressocialização.
Mais tarde, fui saber pela própria dona Emma que seu
marido, Albert Costet de Mascheville, havia escrito um artigo
sobre astrologia para a revista O Cruzeiro décadas antes, anunciando que o primeiro sinal importante da entrada da “Era de
Aquário” surgiria na Califórnia com uma geração de cabeludos
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que andaria de roupas coloridas e comportamento solto, comunicando-se através da música. Dona Emma me contou que, quando
apareceu o primeiro hippie em sua casa, ela abriu a porta e sentenciou: “Entre, filho, há quase cinquenta anos espero por você.”
Dona Emma foi um exemplo para mim de que a busca pelo
autoconhecimento podia ser profunda e doce ao mesmo tempo.
Ela era mãe de seus alunos. Embora eu tenha sido um aluno
breve, pude sentir — e gravar bem — a intensidade do afeto que
ela generosamente dedicava a todos os seus aprendizes.
Em 2004, Bola me chamou para organizar com ele um
evento em homenagem ao centenário de nascimento de dona
Emma. Sentamo-nos em um fim de tarde na beira da praia em
Copacabana e, entre sucos de laranja, desenhamos o evento sendo
aberto com a leitura astrológica de “A Última Ceia”, feita por
vários ex-alunos. No dia do evento fiquei impressionado como
foi difícil para todos falar — embora a maioria fosse composta
de palestrantes renomados — pela carga emocional que brotava nos olhos e vozes ao lembrar uma Mestra tão querida. Tão
Mestra. Alguns marejaram os olhos, outros chegaram a chorar
durante suas palestras e depoimentos. E até mesmo o sempre
seguro Bola foi traído pela voz embargada em meio aos olhos
úmidos e comovidos quando, ao falar, tocou no nome da Mestra.
A DESCOBERTA DA ASTROLOGIA
NA ÚLTIMA CEIA
Emma Costet de Mascheville foi — que se saiba — a primeira
pessoa nos tempos modernos a analisar os personagens da Ceia
de Da Vinci como representantes dos signos astrológicos.
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Nascida na Alemanha, em um lar incomum, frequentado por
pessoas como Herman Hesse e Carl Jung, Emma era filha de um
proeminente teólogo, participante de uma organização dedicada
a refugiados nos primórdios da primeira grande guerra. Ainda
adolescente, ela trabalhou como voluntária desse grupo, mostrando uma forte vocação humanitária.
Em 1925, aos vinte e dois anos de idade, ela migrou para o
Brasil com o pai. Apenas alguns dias após sua chegada, andando
pelas ruas de Curitiba, Emma conheceu aquele que viria a ser o
amor de sua vida e pai de seus primeiros filhos, Albert Costet de
Mascheville, um francês ligado a uma importante ordem esotérica e que havia se mudado para a América do Sul acreditando
que esta seria o teto espiritual da Nova Era e que precisava ser
preparada para tanto. Nesse dia ele passava por Curitiba para
fazer palestras divulgando a Ordem Martinista, da qual era uma
liderança.
O pai de Emma havia anunciado que nessa noite eles receberiam um convidado especial para o jantar. Ao chegar em casa,
ela disse ao pai: “Acho que conheci o seu amigo.” Independen­
temente de sua grande diferença de idade — ele tinha cinquenta
e três anos à época —, em poucos meses os dois estavam casados.
Albert naqueles dias procurava alguém jovem a quem pudesse
passar seus conhecimentos, incluindo os de astrologia, entendendo que eles seriam importantes para ajudar a preparar a passagem já próxima da Era de Peixes para a Era de Aquário na
virada do milênio.
Dona Emma foi a sua discípula escolhida. Ela dedicou o resto
de seus dias à astrologia e desenvolveu um conhecimento e linguagem astrológica próprios, em que uniu os doze signos em seis
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eixos complementares (algo revolucionário para a época). Por
várias décadas ela formou incansavelmente turmas e turmas de
novos astrólogos. E nunca cobrou por isso, o fez por amor incondicional.
Numa determinada tarde, um de seus filhos apontou para a
parede onde havia uma reprodução de “A Última Ceia” de Da
Vinci e alertou: “Mamãe, tudo o que você tem falado de astrologia por todos esses anos está neste quadro.”
Ela começou a pensar em quantas vezes havia meditado longamente sobre “A Última Ceia” sem perceber sua teoria astrológica de Luz e Sombra e a lei de harmonia entre os signos opostos
presentes, por inteiro, naquele quadro. Dona Emma chegou à
conclusão de que Da Vinci era um iniciado e que havia colocado
em “A Última Ceia” todo o conhecimento de astrologia.
AS ER AS ASTROLÓGICAS
Para entender o que levou um gênio como Da Vinci a camuflar
seu conhecimento astrológico em uma obra de arte é preciso
situá-lo historicamente, e para isso vamos recorrer à própria
astrologia.
A cada 2.160 anos mudamos de era astrológica. Por volta
de 8700 a.C., a humanidade entrou na Era de Câncer e inaugurou o processo civilizatório. Como Câncer é o signo que rege
o lar e a família, nesse período, após quatro milhões de anos
vagando errante atrás de caça e colheitas, o homem começou a
construir residência fixa, durável, e uma parte da humanidade
deixou de ser nômade. Em torno de 6550 a.C. entramos na Era
de Gêmeos, signo do comércio, e foi fortalecida a figura do mercador, que comerciava bens cultivados entre os diferentes grupos
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sociais emergentes. Nessa época foram estabelecidas e fixadas as
primeiras unidades de troca.
Por volta de 4400 a.C., entramos na Era de Touro, quando
se desenvolveram os embriões das grandes sociedades agrícolas
à beira de rios, como a da Mesopotâmia, Egito, Índia e China.
Touro é um signo diretamente ligado à agricultura e à maternidade. Nessa era, tanto no Egito quanto na Índia, se implantou e
popularizou o uso do arado puxado a boi e carro de boi para carregar a colheita. A vaca se tornou animal sagrado na Índia, Grécia
e no Egito. É dessa época o auge das sociedades matriarcais como
a de Creta e a do Xingu.
Por volta de 2250 a.C., começou a despontar a Era de Áries
— signo do guerreiro —, marcada pelo fim do matriarcado no
Xingu com o aparecimento de Jurupari, o Índio redentor que
em terras brasileiras liderou os homens em rebelião contra as
amazonas e instituiu sua religião baseada em flautas sagradas
(símbolo fálico, bem ao gosto de Áries) até hoje proibidas às
mulheres. O matriarcado despencou em Creta e em todo o
mundo. Foi marcante também para o início da nova era a expedição dos Argonautas à Cólquida para conquistar o “carneiro de
ouro” (carneiro = Áries) e inaugurar a “Era de Áries” depondo o
longo reinado de adoração ao Bezerro (Touro).
Por volta do ano 100 a.C., chegamos aos primórdios da Era de
Peixes, marcada pelo aparecimento em seguida do cristianismo,
a religião dos “pescadores de homens”. O peixe foi instituído
como principal símbolo da Igreja de Cristo. Desde discípulos
que ao se encontrarem se identificavam desenhando o peixe no
chão, até o chapéu do papa com o rabo de peixe estilizado, os
cristãos assumiram o peixe como símbolo principal.
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Durante a Era de Peixes, de forma geral, tudo que estivesse
ligado a seu signo oposto, Virgem, era desqualificado e marginalizado em detrimento do que estivesse sintonizado a Peixes.
Peixes está para a fé como Virgem, para a ciência e a natureza.
Os cientistas naturais, druidas, bruxas e curandeiros foram
barbaramente perseguidos, assim como todo o conhecimento
intelectual (Virgem) que se opusesse ou ao menos ameaçasse o
poder dos “donos da fé”. Enquanto ciência que estuda a natureza
— talvez a principal da antiguidade — a astrologia não escapou
a essa perseguição.
O R ENASCIMENTO
O Renascimento italiano foi a primeira reação significativa de
ruptura com a opressão cultural da Era de Peixes. A arte renascentista se baseou principalmente em premissas racionais e na
observação da natureza, questionando os cânones da arte devocional católica e resgatando valores práticos do signo de Virgem.
Essa nova atitude nem sempre pôde ser assumida e direta.
Peixes é um signo afeito a mistérios e linguagens herméticas.
Os últimos dois milênios foram pródigos em gerar sociedades
secretas, onde ensinamentos eram passados em enigmas, decifráveis apenas por iniciados. Em parte pelo espírito da época e
em parte para se salvaguardar de ânimos inquisitórios, muito
do conhecimento dos renascentistas foi registrado em forma de
códigos, símbolos e metáforas nas obras de arte da época.
Agora que estamos entrando na Era de Aquário, é natural
que todo o saber camuflado para sobreviver a perseguições na
Era de Peixes seja revelado e franqueado ao público. O propósito
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deste livro é jogar luz sobre mensagens cifradas por Da Vinci,
contribuindo para a disseminação das ideias e informações a
que ele se dedicou a registrar, talvez, para quando fosse possível
serem discutidas abertamente.
O HOMEM COMO CENTRO
O Renascimento se deu em uma época em que o mundo alargava suas fronteiras a cada dia. Isso se traduziu também em um
alargamento de fronteiras das ideias e concepções. No espaço e
no tempo. Foram dias de ebulição criativa e cultural possibilitada por uma vulnerabilidade momentânea do poder da Igreja,
com diminuição de seu potencial opressor, uma vez que havia
muitas coisas com que se preocupar, como a ameaça turca no
Mediterrâneo. A Igreja não tinha no momento força e aparato
repressor para impedir aquela efervescência cultural que ameaçava demolir quinze séculos de construção da hegemonia da cultura cristã.
Para atingir seus objetivos, o Renascimento alicerçou-se na
retomada de valores éticos, filosóficos e científicos da antiguidade, patrocinando o resgate de textos clássicos gregos e romanos
esquecidos, muitos dos quais conservados até então apenas em
árabe e graças ao zelo de sábios muçulmanos, outros, existentes
em cópia única em mosteiros cristãos longínquos.
Na Europa quatrocentista — principalmente na Itália —
houve uma febre crescente da elite cultural por essas obras, que
revelavam o quanto no mundo antigo, medicina, arte e religião
eram orientadas pela posição de estrelas e planetas. Aristóteles
afirmava haver uma espécie de “calor espiritual entre astros
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e matéria, semelhante ao que conecta o corpo à alma nos seres
humanos”, Platão falava de eras astrológicas e as relacionava com
o ritmo respiratório do homem; Homero, Hesíodo e outros destilavam uma astrologia afiada através da Mitologia; e Hipócrates
exibia sua medicina regida por uma astrologia sofisticada e inteligente. Não há uma única doença que ele não relacione a alguma
estrela como fonte de entendimento ou tratamento.
O fascínio exercido pelo estudo de livros gregos passou inevitavelmente pela redescoberta da íntima relação entre os corpos
celestes e vida cotidiana. Escritos místicos do neoplatonismo e
hermetismo do início da Era Cristã foram largamente republicados e apontaram ainda mais as atenções e debates para a
relação estreita entre os acontecimentos do céu e a condição
humana. Em consequência disso, o foco da produção cultural
migrou do divino para o humano.
A abertura para tudo o que significasse recuperar raízes perdidas, certamente, despertou também a curiosidade sobre a tradição etrusca. Florença foi originalmente um território etrusco.
Nessa região da Toscana foi registrada a maior resistência dessa
cultura, e seus conhecimentos sobreviveram ainda por séculos,
passados de pai para filho em pequenos núcleos familiares. Os
etruscos tornaram-se célebres pela maestria em artes divinatórias, destacando-se a astrologia e a leitura de sinais da natureza,
incluindo a interpretação de cantos e voos de pássaros. Eles serviram de base aos “augures”, sacerdotes romanos que anos depois
desenvolveram a arte de predizer o futuro a partir da observação
dos pássaros e que já situavam o ser humano como centro, um
milênio mesmo antes do Renascimento.
A retomada da essência cultural da antiguidade visava dar
substância e fundamentos à desejada passagem da escuridão da
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Idade Média para a luz de tempos modernos e promover a restauração do espírito liberal quase extinto em artes como poesia,
pintura, escultura, arquitetura e música.
No entanto, embora o conteúdo científico e filosófico das
obras clássicas tenha sido discutido e divulgado aberta e exaustivamente, a astrologia nelas contida permaneceu — e permanece
até hoje — desconhecida da maioria e discutida apenas veladamente em círculos de “entendidos” ou iniciados. Não era tarefa
fácil conciliar paganismo com cristandade. O Renascimento
surgiu logo após Dante condenar os escritores clássicos ao
inferno em sua Divina Comédia, alegando não serem batizados.
Dante tinha alcançado uma popularidade enorme e influenciado fortemente toda a cultura da península itálica.
A “Primavera” de Botticelli e a “A Última Ceia” de Da Vinci
foram obras exponenciais na ruptura com o pensamento de
Dante ao juntar — mesmo que de forma cifrada — o simbolismo cristão com a sabedoria das culturas pagã e clássica.
O Renascimento foi, antes de tudo, uma tentativa de síntese
entre essas culturas, usando o símbolo como elo entre elas.
Botticelli e Da Vinci — assim como os pensadores gregos clássicos — se valeram da astrologia como linguagem capaz de unir
e organizar os conteúdos simbólicos presentes na experiência
humana diária e na busca de evolução espiritual.
DA VINCI E A ASTROLOGIA
Da Vinci tinha a convicção de que a arte devia refletir as lições
aprendidas na observação da natureza. Se fosse verdadeira a premissa de etruscos e gregos antigos de que tudo o que acontecia
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na Terra estava ligado a algum fenômeno no céu, como representar plena e fielmente os apóstolos sem retratar a dimensão
celeste de seus comportamentos? Para isso, só estudando o
assunto. Estudar era a especialidade desse homem de saber enciclopédico.
Da Vinci foi discípulo e amigo de Paolo Toscanelli, o ilustre
“caçador de cometas” que detinha o cargo de astrólogo judicial de Florença, onde construiu o mais famoso relógio solar
da época. Toscanelli era destinado a influenciar decisivamente
aqueles com quem convivia. A ele se atribui a ideia de que a
China poderia ser alcançada navegando o Atlântico. Visionário,
ele chegou a fazer um mapa com a rota e, em 1474, contagiou
Cristóvão Colombo com suas convicções. Deu no que deu.
Embora o material deixado por Da Vinci sobre os seus conhecimentos em astrologia e astronomia não seja muito volumoso,
é significativo. As ilustrações de seus estudos sobre o eclipse
registram o interesse pelo entendimento da mecânica celeste e
do simbolismo presente nos diferentes ângulos formados pelas
posições dos astros. Sabendo-se que ele não gostava de fazer
nada malfeito e conhecendo a sua insaciável curiosidade pela
natureza humana, é fácil deduzir que seus estudos de astrologia
não foram superficiais.
Seus escritos sobre os quatro elementos evidenciam isso.
Partem do pensamento alquímico e astrológico da época para
insights próprios, que ainda hoje muito contribuem para astrólogos que tenham contato com eles.
Da Vinci desenvolveu suas habilidades criativas em um
momento histórico no qual se cultivava o ideal de conceber obras
artísticas que irradiassem influências benéficas ao ambiente.
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Era crença comum entre eruditos que um adepto da magia
fosse capaz de recorrer a forças celestiais através de encantos e
talismãs que catalisassem as energias correspondentes a planetas
e signos. Pintar temas astrológicos já era por si considerado um
ato de evocação de forças cósmicas.
O uso da arte como instrumento mágico era quase uma
obsessão para alguns dos mais talentosos artistas. O estudo de
geometria, números e símbolos enquanto elementos que eliciassem poderes, protegessem o ambiente e criassem um elo
entre homem e divino era objeto de pesquisa dos alquimistas e
influenciava boa parte da inteligentsia artística.
HER METISMO E ASTROLOGIA
R ENASCENTISTA
Durante muito tempo se ensinou nas escolas que, da antiguidade
até a Renascença, se pensou que a Terra era quadrada. Não foi
exatamente assim. Isso foi um fenômeno muito mais da Idade
Média, quando mentes estreitas se dedicaram a entender metáforas como se fossem metonímias. E essas mentes estreitas, infelizmente, foram as detentoras do poder. O quadrado era para as
escolas herméticas da antiguidade o símbolo do elemento terra.
Também não era precisamente verdade que eles entendessem a
Terra como centro do universo. Era comum, como o é até hoje
para as ciências herméticas e para a astrologia, colocar o homem
como centro para entender sua relação com o cosmos, mas não
que eles tivessem a ideia egoica de que o universo foi feito para
o homem.
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Na ótica da astrologia e também no Renascimento, qualquer
coisa a ser estudada se transformava em eixo do universo naquele
momento. Mesmo que se tratasse de objetos inanimados como
uma pedra, um edifício ou uma igreja a ser construída, olhava-se
o cosmos a partir dela com o fim de compor com harmonia
e entender as inúmeras relações e significados desse objeto.
O humanismo renascentista, no intuito de integrar individualidades ao todo, realçava o que cada indivíduo tinha de particular e de universal ao mesmo tempo e em seguida procurava os
pontos de convergência entre suas diferentes dimensões.
É até possível que Ptolomeu achasse que a Terra era o centro
do universo — embora haja registros que contestem isso —, mas
é questionável ser essa a visão de toda a inteligência da época. Os
antigos necessitaram entender o esquema do céu com precisão
para medir o movimento dos planetas a fim de estabelecer datas
precisas para suas previsões astrológicas ligadas à saúde pessoal,
ao plantio etc. Toda a medicina era baseada na astrologia.
É só ler Hipócrates para confirmar. Eles precisavam também de
exatidão no calendário para marcar suas festas sagradas como,
por exemplo, a páscoa dos hebreus, o sabat das bruxas, a saturnália dos romanos ou qualquer outro tipo de ritual que utilizasse os momentos mais eficientes das forças cósmicas.
Os astrólogos antigos deixaram evidências claras do seu
conhecimento de que o Sol se situava no coração do sistema
planetário. É muito ingênuo achar que inteligências como
Pitágoras e outros cientistas gregos não soubessem raciocinar o
suficiente para entender o movimento das estrelas no céu, com
toda a reflexão que possuíam sobre planetas retrógrados. Eles
não poderiam ter sido tão brilhantes astrônomos e astrólogos
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achando que o Sol girava em volta da Terra. Seria algo como
Einstein explicar a teoria da relatividade sem saber o que é uma
raiz quadrada. É uma equação muito simples perto do que eles
souberam decifrar. O próprio Copérnico mostra em sua obra
Elogio ao Sol sua influência neoplatônica e que vem dela o seu
embasamento para afirmar que o Sol era o eixo do sistema planetário no qual ele vivia.
Nossa leitura míope da literatura antiga foi muito mais
metonímica do que metafórica. É muito superficial e pueril a
discussão católica posterior de “se existe apenas um Deus ou
vários deuses”. Homero certamente tinha plena consciência de
descrever os movimentos da psique humana quando narrava as
façanhas dos deuses gregos. E esses tinham sempre um planeta
ou estrela que os representava no céu. É do homem moderno a
pequenez de entendimento de achar que o escrito é fato concreto e que os antigos eram uns ingênuos que acreditavam em
deuses fantasiosos. Quando há um olhar um pouco mais cuidadoso desses deuses, entende-se a leitura profunda da psique
humana que aquelas pessoas “ingênuas” possuíam. De fazer
inveja a muitos sábios contemporâneos.
Ainda não surgiu na Terra alguém capaz de descrever melhor
os arquétipos constituintes da psique e da existência humana
do que o fizeram os sábios gregos com o temperamento de seus
deuses.
A astrologia não estava presente apenas no ressurgimento da
mitologia grega. As obras de Hermes Trimegisto que também
viraram moda nesse período eram repletas de conhecimento
astrológico e alquímico. Até a música renascentista esteve extremamente ligada à astrologia, já que se acreditava que os planetas quando se moviam produziam música no céu e se tentava
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reproduzir em instrumentos a chamada “música das esferas”
(dos planetas). Música é ritmo, e se estudava o movimento dos
planetas como orientação para a escala musical. Há registros de
partituras mostrando o que seria a música de Saturno, de Júpiter,
de Mercúrio, de Vênus, de Marte, da Terra e do Sol. O próprio
Kepler, considerado o primeiro a descobrir as leis do movimento
planetário, ensina em seu Harmonia Mundi que os planetas produzem “música celestial” enquanto se movem. Ele chega a apresentar as partituras de cada planeta.
Na época do Renascimento intervenções médicas também
respeitavam a localização dos planetas. Se a pessoa estava doente
da cabeça, verificava-se por onde andava Marte e se a Lua passava por Áries naqueles dias. Se o problema fosse na perna, ia se
procurar onde andava Júpiter, se fosse no joelho, se investigaria
o comportamento de Saturno... E se receitava as plantas a serem
usadas em cura a partir de correlações entre vegetais e planetas.
A integração entre astrologia e as diversas ciências na época
era algo forte e natural. Ela acontecia na medicina, agricultura, arquitetura, pintura etc. Nada melhor para estabelecer a
inter-relação entre conhecimentos do que o símbolo. E o símbolo astrológico permite essa correlação de uma forma totalmente organizada, ordenada e orgânica.
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LEONAR DO E O
R ENASCIMENTO
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ALUNO DE VER ROCCHIO
Leonardo foi criado por seu avô com a liberdade típica de quem
é criado por avôs. A consequência disso foi uma infância livre de
castrações severas à sua criatividade e genialidade e plena de estímulos a um estilo próprio de vida. Aos quinze anos ele se tornou
discípulo de Verrocchio, dono de um dos dois mais importantes
ateliês de Florença e lá se tornou amigo de Botticelli, aluno mais
velho e experiente. É impossível entender “A Última Ceia” e
mesmo o resto de sua obra sem considerar a influência de seu
professor.
Verrocchio era considerado o “mestre da luz e sombra”. E por
ser mais escultor do que pintor, imprimia forte intensidade dramática em seus personagens como é evidente em quadros como
o “Batismo de Cristo”. Leonardo levaria mais tarde essa dramaticidade ao extremo na sua Ceia.
Ele herdou de Verrocchio também a obsessão pelo constante
aperfeiçoamento não apenas na pintura, escultura, artes técnicas e mecânica, mas também na busca de entendimento do
ser humano. Assim como o mestre ele aplicou o estudo de luz e
sombra não somente na confecção de seus quadros, mas para a
melhor compreensão da alma humana.
Verrocchio tinha necessidade de relacionar a forma externa
à dinâmica emocional de seus personagens. Mesmo em seus
cavalos. Foi com ele que Da Vinci aprendeu como fundir as
dimensões interna e externa dos personagens de suas pinturas.
Essa busca de integração perfeita entre interno e externo o
levou a pesquisas sem fronteiras para entender como os músculos
se contraíam ou não em determinadas posições ou expressões
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emocionais e desenhar com mais definição as intenções dos seus
personagens retratados.
MÚLTIPLOS TALENTOS
Da Vinci nasceu em 15 de abril de 1452, às três da madrugada,
pelo horário florentino, o que corresponderia mais ou menos às
vinte e duas horas do dia 23 de abril no horário e calendário que
usamos hoje. Era taurino com ascendente em Sagitário.
Nesse momento, a Lua estava em conjunção com Júpiter, o
planeta das sinfonias inacabadas. Isso o inclinou a ambicionar
grandes obras, mas a deixar muitas pela metade. Ele começava
uma, mas já tinha que começar outra e não possuía capacidade
de terminar a anterior. Taurinos com ascendente em Sagitário
costumam ser lentos e cuidadosos em suas obras. Mesmo suas
obras finalizadas foram consideravelmente atrasadas, em alguns
casos por mais de dez anos, o que o levou a pagar altas multas.
Como bom sagitariano ele produziu uma obra extremamente
elaborada e a dotou de excessivas informações filosóficas e difíceis de serem apreendidas num primeiro momento, ou mesmo
num segundo. São precisas muitas leituras para entendê-la.
Os sagitarianos são os guardiões do conhecimento e da cultura. Da Vinci deixou uma obra que somente agora está sendo
decifrada, no início da Era de Aquário. O signo de Aquário,
ligado ao porvir, regia a sua terceira casa, a da comunicação; ele se
comunicou com o futuro, com quem mais tarde pudesse entendê-lo, deixou a parte de seu conhecimento malvista pelo pensamento reinante das igrejas para que, quando fosse o momento
das grandes revelações, o conhecimento estivesse ali guardado,
não fosse perdido.
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O ascendente Sagitário o esculpiu como um homem adequado a um tempo no qual intelectuais desenvolviam múltiplas
faculdades e buscavam integrá-las todas num só conhecimento.
O Aquário na terceira casa — dos interesses intelectuais — o
levou a se interessar por assuntos variados e dispersos. Além de
pintor, escultor, músico, matemático e arquiteto, ele lidou com a
arte da guerra, com a hidráulica, a anatomia, estudou mecânica,
astrologia, quiromancia, filosofia, botânica, geologia, o voo dos
pássaros e muitos outros assuntos.
Ele considerava a pintura uma ciência e a situava em primeiro
lugar entre as ciências. E entendia que o bom pintor precisava
não apenas possuir uma multiplicidade de conhecimentos, mas
aplicá-los em sua obra. Em “A Última Ceia” ele tornou mais
sofisticado, explícito e evidente esse seu modo de ver, unindo
nela conhecimentos de psicologia, astrologia, geometria e anatomia aos seus incríveis conhecimentos de perspectiva, forma,
cor etc.
DISSECADOR DE CADÁVER ES
Dono de um talento investigativo sem fronteiras, Leonardo levou
às últimas consequências a máxima renascentista de in­tegrar
estudo científico à arte. Numa época em que era proibida a dissecação de cadáveres, ele usou sua influência para contornar a lei
e dissecou inúmeros corpos humanos para estudar sua anatomia
interna, com o intuito de melhor controlar a expressão de seus
personagens.
Leonardo era fã e admirador de Leon Alberti, o arquiteto e
excepcional teórico do pré-renascimento que escreveu: “Antes
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de se vestir um homem é preciso desenhá-lo nu, depois do que
o envolvemos com os trajes. Ao pintá-lo nu, registramos primeiro os ossos e os músculos e depois cobrimos com carne, de
tal forma que não será difícil compreender o lugar de cada músculo por baixo da carne.”
Da Vinci mais uma vez foi além de um antecessor seu e procurou entender como os músculos se comportam por baixo da
pele em um sorriso ou em um momento de angústia. Ele queria
entender como a tensão de cada músculo poderia dar verdade
à expressão emocional e psicológica de seus personagens. Para
isso, pensava primeiro no osso e no músculo e em seguida pintava a pele por cima. Daí ter conseguido realizar personagens
com gestos e expressões tão individualizadas, precisas e cheias de
força dramática. Já na “Adoração dos Magos” ele havia ensaiado
e em “A Última Ceia” chegou ao auge de sua expertise.
Na Ceia ele conseguiu uma inédita fusão entre o movimento
interior e o exterior de cada apóstolo. A correspondência entre o
movimento corporal e o movimento emocional e psicológico de
cada um impressiona até hoje.
OS ANOS DE MILÃO
Nos anos 80 do século XV, em um momento em que os dotes e a
obra de Leonardo se desenvolviam a todo vapor, houve um fenômeno interessante na península itálica. Após duzentos anos de
efervescência econômica, Florença se tornou a capital cultural
da Itália e quiçá da Europa, acolhendo os ateliês e artistas mais
importantes da época. No final dos anos 80, Lorenzo de Médici
passou a estimular a exportação da arte e artistas florentinos
para o resto da Itália, como forma de aumentar a sua influência
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sobre os ducados vizinhos. Uma expressiva onda de intelectuais
migrou de Florença, que nunca mais recobraria sua importância
como celeiro e morada de artistas, e o Renascimento italiano se
espalhou não apenas pela Itália, mas pelo mundo.
Como resultado adicional, Lourenzo conseguiu o que a política vinha tentando sem sucesso até então: criar uma identidade
única italiana que foi o germe do seu conceito de nação.
Foi nessa atmosfera que Da Vinci saiu para Milão, em 1482.
Quando lá chegou, encontrou um ambiente cultural e social
muito diferente do que se acostumara em Florença, o que possibilitou a ele uma posição de destaque na urbanização da cidade,
planejando desde esgotos até inventos bélicos poderosos, capazes
de transformar a minoria numérica do exército de seu novo protetor, Ludovico Sforza, em superioridade de poder de fogo.
Da Vinci encontrou em Milão uma mentalidade e uma realidade mais brutas, que encarou como um diamante virgem a
ser lapidado. Com novos tipos de problemas em seu cotidiano,
ele passou a buscar soluções novas não apenas para seu dia a dia,
mas sua atividade artística ganhou um novo curso também.
Foi lá que ele mais aprofundou seus conhecimentos espirituais. Freud afirmava que Da Vinci perdeu o entusiasmo de
pintar quando perdeu as facilidades que teve em Milão e por
isso se aproximou dos alquimistas. Ele defendia que por desencanto e falta de estímulo Da Vinci deixou de finalizar suas obras
ao ter perdido o patrocínio. No meu modo de ver, Da Vinci
deixou de finalizar muitas de suas obras porque, como acontece
frequentemente com grandes artistas, o que o mobilizava não
era o resultado final, mas o que se revelava a ele durante o processo de pintar. Uma vez acontecida a revelação, não havia por
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que continuar a obra. Da Vinci sempre foi muito incompreendido em seu processo de criação. Até por Freud. Um de seus
alunos deixou o depoimento de que ele parecia tremer o tempo
todo quando se punha a pintar, sugerindo existirem nele a insegurança e a vulnerabilidade de quem está mais aprendendo do
que ensinando enquanto faz.
A importância militar que Da Vinci alcançou em Milão lhe
garantiu uma proteção extra do estado para ousar colocar todos
os seus conhecimentos de ocultismo em sua mais elaborada e
complexa obra: “A Última Ceia”, pintada na parede do refeitório
do convento dominicano Santa Maria Delle Grazie, Foi essa
proteção que o fez menos cuidadoso em esconder suas ligações
com a alquimia. Porém, essa ligação era, como sabemos hoje,
bem anterior ao período pós-Milão.
UMA OBR A PER FECCIONISTA
“A Última Ceia” foi um acontecimento em muitos sentidos.
Durante o processo de pintura, verdadeiras caravanas iam lá
para admirar a obra ainda em andamento. Desde o primeiro
momento ela impressionou pela excepcional proximidade com a
realidade. A maneira tradicional de pintar foi questionada e apresentaram-se novos paradigmas para a pintura. Pessoas do povo
declaravam que se sentiam dentro do quadro quando entravam
no refeitório, e que os apóstolos pintados em tamanho natural
pareciam fazer parte da refeição de quem ali estivesse. Ela foi
um golpe na concepção dos pintores da época. Todos os registros
de seu tempo falam dela em tom de admiração. O rei da França
desejou transportá-la para seu país e só desistiu ao constatar
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a impossibilidade de derrubar as paredes do refeitório sem danificá-la gravemente ou até mesmo destruí-la. Imediatamente suas
cópias se multiplicaram pela Itália e França.
Ela foi o amadurecimento do processo artístico, humano e
existencial de Da Vinci, que começou com a “Adoração dos Magos”
quinze anos antes, na qual ele conferiu notável expressão dramática aos personagens, humanizando-os e personificando-os.
Segundo Jack Wasserman em seu livro Leonardo Da Vinci:
“Nenhuma composição poderia ser mais ordenada ou lógica e
se pode observar por toda parte os princípios da geometria e de
um processo artístico rigorosamente racional”, “antes do afresco
de Leonardo, essa narrativa nunca fora representada com tanta
clareza e com tanta preocupação pela unidade de tempo, lugar
e ação”, “a individualidade dos apóstolos nunca antes fora descrita com tanta exatidão ou seu comportamento tão sistematicamente caracterizado de acordo com a verdade psicológica
e bíblica”, “Judas com a sua atitude sinistra anunciando a sua
culpa, São Tiago Maior estendendo os braços num gesto impetuoso, São Pedro pedindo ao jovem São João para perguntar ao
Cristo a identidade do traidor, São Tomé com o dedo levantado
em dúvida... Nunca antes um controle geométrico tão rigoroso e
complexo fora aplicado a uma composição: o sistema de perspectiva global, a simetria, o arranjo rigoroso das figuras em grupos
de três, as formas geométricas de todas as partes e detalhes do
quadro, inclusive janelas, coisas penduradas nas paredes, cai­
xotões do teto e mesa”.
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ESCOLHEU O MOMENTO MAIS DR AMÁTICO
Antes de Da Vinci, muitos haviam pintado a ceia de Cristo,
mas quase sempre representando o momento em que Judas
Iscariotes era apontado como traidor. Da Vinci revolucionou
ao escolher o instante em que Cristo anuncia que “um de vocês
me traiu” sem especificar quem foi. Como na apresentação da
notícia todos ainda desconhecem que Iscariotes era o traidor,
não havia sentido em isolá-lo. Da Vinci trocou o clássico
momento de definição por outro de dúvidas, incertezas e inseguranças, aumentando com isso o potencial dramático da cena e
podendo explorar ao máximo seus conhecimentos sobre o comportamento humano e sobre suas técnicas de representação. Nas
ceias anteriores, Judas geralmente era posicionado isolado dos
outros apóstolos, ele à frente da mesa e os outros atrás, Judas
ganhava uma força diferenciada e os outros ficavam com menor
importância, chegando muitas vezes a serem apresentados como
meros figurantes.
O instante escolhido por Da Vinci é de drama e ritual ao
mesmo tempo, juntando traição, sacrifício e salvação, e confere igual força dramática aos doze apóstolos, possibilitando ao
pintor explorar a reação e o comportamento de cada diferente
personalidade frente ao susto, suspense e ameaça de ser acusado
ou até de perder o Mestre.
Nas ceias anteriores, era comum ver João recostado no peito
de Cristo, numa alusão ao Evangelho que o situa como discípulo amado do Mestre (João 13:23): “Ali estava aconchegado ao
peito de Jesus um de seus discípulos aquele a quem ele amava.”
Da Vinci no primeiro momento seguiu essa tradição, mas com
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o tempo, decidiu afastar João de Cristo, e agrupar os apóstolos
em grupos de três, o que possibilitou alcançar uma simetria precisa e formal de composição, com quatro grupos de apóstolos
ao mesmo tempo que formalizou uma organicidade astrológica.
Esses quatro grupos de apóstolos representam os quatro quadrantes clássicos da astrologia: o 1º. com Áries, Touro e Gêmeos;
o 2º. com Câncer, Leão e Virgem; o 3º. com Libra, Escorpião e
Sagitário; e o 4º. com Capricórnio, Aquário e Peixes.
Há quem defenda que Da Vinci teria lido no tratado de pintura de Alberti — de 1435 — a descrição da reação psicológica
dos apóstolos frente à caminhada de Cristo sobre as águas e teria
tirado dali a inspiração para explorar a reação psicológica em
outra situação, como a denúncia da traição por parte do Cristo.
A partir disso, Leonardo teria pensado em colocar as gesticu­
lações, expressões faciais e manuais dramáticas e explicativas da
personalidade dos apóstolos. O lado humanista do Leonardo lhe
conferiu uma vocação didática, os humanistas têm sempre essa
inclinação de serem didáticos em suas obras.
A escolha da ceia para guardar o conhecimento astrológico
se liga também ao fato de que a tradicional ceia judia era a celebração da primeira Lua cheia do mês de Nisan, o mês de Áries,
a abertura e o momento mais importante do ano astrológico.
A primeira Lua cheia do ano também é um momento no qual as
almas e os segredos estão mais expostos nas atitudes das pessoas,
no qual aquilo que elas escondem normalmente, ou pelo menos
disfarçam, fica mais evidente, quando não chega a assumir ares
dramáticos. É um dia especial para chacoalhar o que é velho e
acomodado e estimular o novo. É um dia propício a inquietar
almas preguiçosas.
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Um refeitório de convento é um lugar onde se imaginam
pessoas comendo imersas em tranquilidade. Da Vinci escolheu
fazer uma cena forte, intensa, arrebatada, de movimento apaixonado, desassossegando com isso o ambiente de refeição da
comunidade religiosa. Isso já mostra que a intenção de Da
Vinci era trazer a inquietude e não simplesmente decorar um
ambiente, era trazer questionamento onde podia haver descanso
de visão crítica, era lembrar que espiritualidade é estar alerta
e não sereno, anestesiado e adormecido. A serenidade muitas
vezes leva ao sono. Da Vinci, como todo buscador e investigador
espiritual legítimo, traz a inquietude para a cena ali com a sua
Ceia e o faz não apenas no momento em que lembra uma passagem incômoda do Evangelho de Cristo, mas ao elaborar um
tratado de uma ciência pagã como a astrologia dentro do território da Igreja.
O PROCESSO DE CR IAÇÃO DA CEIA
“A Última Ceia” foi o resultado de quinze anos de esboços progressivos antes de ser pintada. Nesses estudos, os personagens
foram mudando de lugar e de expressão, foram quinze anos pesquisando a caracterização de cada personagem. Num esboço de
1480, por exemplo, Da Vinci representou o Cristo apontando
o prato com um dedo da mão esquerda e levando a direita ao
próprio peito como quem diz: “Esta é a minha carne.” No final,
ele pintou um Cristo impassível, com as mãos estendidas sobre
a mesa. Igualmente, a decisão sobre a qual apóstolo caberia cada
lugar na mesa e cada signo foi uma meditação demorada e com
muitos vaivéns. Nada foi colocado gratuitamente em seu mural,
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tudo foi muito pensado e mesmo depois de quinze anos desenvolvendo o projeto, durante os dois anos de realização ele continuou repensando e revendo cada ideia sua, atualizando a obra
sempre conforme seus novos insights.
Para poder realizá-la assim, ele evitou a técnica tradicional de
afrescos, na qual se mistura o pigmento ao reboco ainda úmido,
esperando que sequem juntos depois de aplicados na parede. Um
especialista em pintura mural como Michelangelo planeja a obra
e a distribui e divide geograficamente, organizando com antecedência quando irá pintar as diferentes partes. A partir disso, ele
prepara a massa de parede de uma determinada cor e preenche
todas as partes do mural relativas a ela. Espera a secagem e, em
outro dia, preenche os espaços destinados a outra cor. Misturada
à massa, a cor tem durabilidade, mas a pintura é obrigada a obedecer ao plano original.
Para realizar sua Ceia como um processo criativo em vez
de um projeto pré-planejado, Da Vinci subverteu essa tradição
e decidiu pintá-la com a técnica de tinta a óleo sobre a parede.
Essa atitude possibilitou um processo meditativo com direito a
modificar a obra a seu bel-prazer e investigar novas possibilidades enquanto criava. Isso arruinou a durabilidade do mural,
que sofreu restaurações ainda com ele em vida, mas o possibilitou
ser coerente com sua filosofia de “fazer o caminho durante o
caminhar”. Ele ganhou o tempo necessário para se relacionar com
sua pintura de maneira dinâmica e foi esperando as ideias virem.
E elas não vieram todas ao mesmo tempo. A clareza de qual discípulo atribuir a cada signo foi surgindo com o tempo e a reflexão.
Matteo Bandello, autor do romance de Romeu e Julieta no
qual Shakespeare baseou sua peça, era aprendiz de Da Vinci
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e sobrinho do prior do convento, deixou o seguinte depoimento
sobre o mestre pintor: “Ele normalmente aparecia no refeitório
ao amanhecer, subindo depressa pelo andaime, e trabalhava
diligentemente até que as sombras do final da tarde o obrigassem a parar, jamais se lembrando de comer de tão absorvido
no trabalho. Em outras ocasiões, ele ficava três a quatro dias sem
mexer na pintura, aparecendo apenas por umas poucas horas
para ficar parado à sua frente de braços cruzados contemplando
as figuras como se as criticasse.”
Nesses instantes de reflexão ele meditava sobre a luminosidade, forma e cor, mas também sobre os detalhes simbólicos
contidos na obra. Contemplando-a sem pressa, ele descobria
como continuá-la e só então pegava o pincel de novo e voltava a
pintar. Cada expressão de cada apóstolo nasceu de muita meditação em sessões em que ele passava meio dia ensimesmado em
pensamentos com o pincel na mão, olhando, olhando, refletindo,
refletindo... até achar a solução estética e de expressão legítima
daquele personagem.
Ele chegou a gastar semanas com apenas um dos perso­nagens,
procurando as melhores nuanças e a mais honesta forma de
expressar a maneira como uma pessoa daquele signo se sentiria,
pensaria e agiria numa situação assim. Cada apóstolo ganhou
comportamento, vontade e sensibilidade coerentes com a reação
natural de um nativo daquele signo frente a uma situação de
impacto. Ele foi cuidadoso em cada expressão corporal, seja nos
olhos, rosto ou mãos. Entre expressões que vão do amor ao ódio,
da ternura à ansiedade, Da Vinci detalhou doze personalidades
completamente diferentes usando a base dos doze temperamentos astrológicos.
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Na ocasião da pintura da Ceia, Da Vinci recebeu uma assessoria astrológica de peso. Ludovico Sforza contratou em 1497 o
célebre matemático e astrólogo Luca Pacioli, que imediatamente
se mudou para Milão para assumir o posto de colaborador de
Da Vinci. Luca, que começou a aprender astrologia no cativeiro
árabe durante as cruzadas, era conhecido por impressionar em
reuniões sociais com suas afiadas análises astrológicas de convivas presentes.
PLANETAS GR AVITANDO EM TOR NO DO SOL
Coerentemente com o humanismo reinante em sua época, Da
Vinci em sua Ceia se ocupou mais em descrever as reações emocionais de seres humanos comuns do que em retratar a condição
divina do Cristo, que talvez seja o personagem mais inexpressivo
da pintura. Embora também o mais equilibrado.
Só o Cristo aparece sereno e com uma compreensão ampla
do que está acontecendo. Mesmo Bartolomeu, o apóstolo pisciano, que por sua posição à mesa tem direito a uma visão física
ampla dos acontecimentos, tem curiosidade no olhar e se a tem é
porque ainda está tomando consciência do que acontece por ali.
Os discípulos reagem humanamente à cena entendendo-a conforme o prisma de seu signo. É como se cada um tivesse óculos
escuros de uma cor diferente, um com lentes cor-de-rosa, outro
com vermelhas, outro amarelas... cada qual vendo o que se passa
de maneira diferente, com um matiz diferente.
É como se os doze fossem planetas gravitando em torno do
Sol do Cristo. Cristo parado no centro, calmo como o olho do
furacão, enquanto à sua volta toda a balbúrdia e movimento.
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Quanto mais próximo do Cristo, há mais movimento dos
apóstolos, conforme a cena vai se afastando, vai se acalmando.
Ou seja, existe um movimento centrípeto e centrífugo no quadro.
Há uma força de atração magnética no Cristo. Iscariotes e Tiago
Maior resistem a ela, mas têm que fazer força para se afastarem
do Mestre. Já Pedro e Filipe, se rendem a essa atratividade.
É interessante notar que Da Vinci pintou os apóstolos da
direita para a esquerda. Normalmente, representa-se os signos
da esquerda para a direita, mas da Vinci tinha o hábito e o
charme de escrever da direita para a esquerda, foi coerente com
seu estilo colocando os signos da direita para a esquerda.
A CEIA COMO MOMENTO DE ALIANÇA
PELO PÃO E PELO VINHO
Este é outro aspecto importante da ceia, ela também é o momento
em que Jesus sacramenta o símbolo, oficializa a relação com a
espiritualidade através do símbolo, quando fala que o pão é a sua
carne e o vinho o seu sangue.
Da Vinci escolheu como cenário ideal para codificar seus
conhecimentos simbólicos o momento em que Cristo faz para
todos a revelação — quase pagã — de que identifica seu corpo
com o pão e o sangue com o vinho. O pão para o cristão tem
o sentido de sacrifício, sacro-ofício, comer o pão se torna um
ofício sagrado. Ou seja, reconhece-se o que há de espiritualidade
no trigo em sua mão. O sacro-ofício é isso, transformar o ato
prosaico em um ritual de comunicação com o divino. Ao mesmo
tempo, beber o vinho ganha o sentido de remissão e lavagem
de pecados. O sangue simboliza aquele que passa por todos
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os órgãos. Se olharmos os doze signos como as diferentes partes
do corpo humano — como o faz a astrologia tradicional —, o
sangue é aquele que percorre e alimenta indiscriminadamente
e por igual os diferentes órgãos, distribui-se igualitariamente.
Cristo coloca o símbolo à disposição dos discípulos como um
caminho para a realização espiritual, um vínculo que possibilite “a salvação”. Em João 6:54, Cristo fala: “Aquele que come a
minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu o levarei
até o último dia.” Ele mostra para todos os que acham que viver no
corpo é estar preso ao corpo que lidar com o sentido simbólico
no relacionamento com o material é uma maneira de escapar das
limitações deste mesmo universo material.
Ao apresentar a sacramentação de um ofício cotidiano
simples como ritual de religação ao sagrado, ele cria a possibilidade de uma missa pessoal. Iscariotes entregou o corpo físico
do Cristo para os romanos, e Jesus está entregando seu corpo
aos devotos. A partir desse dia, ele não estará mais presente e
disponível no corpo, mas em qualquer cálice ou em qualquer pão
para quem quiser vê-lo com sinceridade. Sua energia não estará
mais limitada, mas dispersa por toda a existência e disponível a
qualquer um no ritual diário do pão e do vinho. Deixou de ser
privilégio de poucos discípulos escolhidos, mas de quem tiver
sensibilidade. Peixes está sintonizado com o contato incorpóreo
com a espiritualidade, dependendo totalmente da sensibilidade
para esse contato.
O sangue e o vinho são dois símbolos do signo de Peixes, a
Era que Cristo veio inaugurar; e o pão e o trigo são símbolos
de Virgem, o signo que tendia a ser esquecido nessa era. Cristo
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nesse momento atenta para a importância da complementariedade entre os opostos.
Interessante notar aqui que Da Vinci deixou um espaço entre
os apóstolos e o Cristo, um vazio que tem que ser atravessado
para se chegar à unidade que o Cristo representa. Qualquer que
seja o apóstolo, qualquer que sejam suas particularidades, ele tem
que atravessar o vazio para chegar ao centro, ao eixo, ao eixo do
universo. Peixes, em sua manifestação última, é a consciência
do vácuo a ser percorrido até o divino.
OS EIXOS DE SIGNOS COMPLEMENTAR ES
Da Vinci, de certa maneira, apontou em seu mural o que seria
mais tarde a base da astrologia humanista e o que seria a astrologia de dona Emma de Mascheville, que falaria de seis signos
em vez de doze, seis eixos compostos por dois signos complementares, ou seja, de que o Caranguejo e o Capricórnio são um
signo apenas, duas polaridades de uma mesma energia.
Jesus, ao final da ceia, diz: “Vou lhes dar um novo mandamento: amai-vos uns aos outros, como eu vos amei.” Para dona
Emma isso simbolizava o fato de que ali cada um ia ter que
aprender com quem representasse o seu oposto. Jesus, como
continha em si todos os opostos, facilmente dispunha de toda
a energia amorosa, e a irradiava para os doze, igualmente. Mas
na mesa são claras as diferenças de ego entre uns e outros. Daí
o novo mandamento de Jesus, que Da Vinci viabiliza desde o
momento em que a consciência do outro permite o verdadeiro
amor ao outro. Ele revela os signos opostos e os signos por quadrantes, para que possamos entender e melhor cumprir o pedido
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de “amar-nos uns aos outros”, quando você entende que o outro
é não apenas o oposto, mas o que falta a você, entende também
a sua própria natureza no espelho do outro. E pode se amar.
E quem se ama está pronto para amar o próximo.
Para dona Emma só entendemos o sentido de um signo entendendo o seu signo complementar. Tentei respeitar isso no livro
mostrando contrastes e semelhanças entre os signos opostos,
mas acrescentei outra ótica, na qual cada signo é em parte uma
continuidade do signo anterior e em outra metade uma ruptura
com ele. Cada signo herda metade das características do anterior
e nega a outra metade.
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