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DEFESA DAS AÇOES AFIRMATIVAS E DAS COTAS RACIAIS PARA
A POPULAÇAO NEGRA, POVOS INDIGENAS E ALUNOS
EGRESSOS DAS ESCOLAS PUBLICAS BRASILEIRAS
Exmo Senhor Ministro Enrique Ricardo Lewandowski
A nossa luta pelas ações afirmativas e por cotas raciais no Brasil tem
uma perspectiva de futuro. O racismo não escolhe tempo, nem espaço,
nem lugar. O racismo é mais que uma ideologia, é uma instituição em si,
constituído na História. O racismo se realimenta, cotidianamente, pois,
reforça-se no apoio incondicional das elites econômicas, movidas que
são pelos seus privilégios e pelo que o eurocentrismo legou à Ciência e
ao Mercado. As doutrinas eurocêntricas formaram parte significativa dos
intelectuais brasileiros e influenciaram as instituições do Estado e as
instituições privadas, entre essas, as instituições educacionais, de modo
que, o processo de exclusão racial na sociedade brasileira funcione sem
conflitos e na base de pseudos consensos.
Entretanto, sabemos que explicitar o racismo e, por ventura, os conflitos
étnicos e raciais, é necessário e fundamental para evidenciar a
desigualdade entre campos de Poder e romper com cristalização e a
naturalização das desigualdades raciais. Ao fazer isso, o Movimento
Negro Brasileiro revela, põe a nu, o quadro de violência física, material e
simbólica a que a população negra, está submetida. Por essa razão,
essa Audiência Pública sobre a constitucionalidade das políticas de
ações afirmativas para grupos sociais historicamente excluídos é
importantíssima pelos seus resultados no futuro, pelos impactos que
poderá produzir no processo histórico da luta pela redução da violência
que é o racismo e na promoção do desenvolvimento humano, porque o
que estamos falando aqui é da humanidade, da humanidade negroafricana que racismo busca a todo o momento negar.
Senhor Ministro, as ações promovidas na Justiça brasileira com o
objetivo de derrubar o sistema de cotas partem das mesmas alegações.
Argumenta-se que o sistema de cotas fere o princípio da isonomia, que
as Universidades não teriam autonomia para legislar sobre a matéria,
que o conceito de raças está superado com o avanço das Ciências
biológicas e da Genética, que os problemas da realidade social
brasileira restringe-se à dicotomia ricos e pobres, enfim, uma repetição
enfadonha da cantilena de gilbertofreyriana e dos seus seguidores,
inconformados com a emancipação e autonomia dos históricos sujeitos
sociais subalternos.
Todavia, toda decisão jurídica é um palco de lutas e de conflitos políticos
duros e polêmicos. Assim, entendemos que a discussão sobre as
políticas de ações afirmativas e as cotas raciais precisam ser pensadas
a partir do que representa o racismo na sociedade brasileira. Esse é o
centro do nosso debate.
Marcada pela hierarquização racial, a nossa sociedade moldou-se como
um modelo racista sui generis. Aqui, não se precisa de um instrumento
legal para excluir objetivamente a população negra das possibilidades
efetivas de emancipação econômica, política, acadêmica e social. A
partir do discurso da sociedade harmônica e pacífica articularam-se
fórmulas objetivas e eficazes que geram barreiras para a ascensão
social negra, de forma que, cotidianamente, negras e negros são postos
à prova tendo que demonstrar genialidade para aquilo que, em verdade,
bastaria algum esforço. É o racismo institucionalizado pela imprensa,
pelo judiciário, pelo senso comum, pela escola e sobretudo, pela
Academia.
A legitimação simbólica e política se dá pela reprodução de que somos
todos iguais, que vivemos numa sociedade multicultural e de que o
cruzamento racial se deu a partir de bases integradoras. Na realidade,
porém, vivemos num país de tamanha iniqüidade racial ao ponto de se
passar a responsabilizar os (as) negros (as) pela sua própria exclusão,
alegando que, se todos são iguais, com as mesmas oportunidades, os
que não "progridem" é porque são preguiçosos e incompetentes.
Ora, a afirmação de que com a aplicação de medidas como as ações
afirmativas e as cotas raciais, negros e negras estariam sendo
beneficiados por um sistema inconstitucional e discriminatório, reforça a
idéia em que as vítimas são postas como algozes que, com a política de
cotas raciais, estariam injustamente "tomando" as vagas dos jovens
brancos. Esta é uma operação social que faz uma inversão e justifica o
racismo de Estado, é a vitória da (falsa) neutralidade estatal.
Outra alegação é a de que não haveria nos Conselhos das
Universidades Públicas a prerrogativa para implementar a política de
cotas. Este argumento reforça a tentativa de controle externo nas
Instituições de Ensino Superior que fere, frontalmente, o princípio ético,
acadêmico, político e constitucional da autonomia universitária,
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sobretudo, neste momento em que a fúria neoliberal avança sobre as
Universidades Públicas, impondo-lhes formas de regulamentação e
controle.
É inequívoca, a prerrogativa dos Conselhos das Universidades Públicas
para estabelecer, segundo as suas próprias interpretações e em
consonância com os valores constitucionais, seus próprios sistemas e
critérios político-acadêmicos para seleção de estudantes. Há, apenas, o
exercício legítimo da prerrogativa constitucional exercido pela
Comunidade Universitária das Universidades públicas brasileiras, que
nos últimos anos vem adotando políticas de reserva de vagas.
Outro argumento é o da impertinência do critério raça/cor na definição
de políticas públicas. Que o fator de discriminação relativo à cor ou à
tonalidade da pele apenas resultará em casuísmos e arbitrariedades e
que a ciência contemporânea aponta de forma unânime que o ser
humano não é dividido em raças, não havendo critério preciso para
identificar alguém como negro ou branco.
Tal alegação é recorrente na discussão da política de cotas, e constituise como estrutura do discurso do racismo. São tentativas de negar a
realidade afirmando não haver um critério social e político que
especifique definitivamente quem são os negros e brancos na sociedade
brasileira.
Uma rápida análise dos números e dos indicadores sociais bastará para
que percebamos, objetivamente, que se construiu um conceito político e
social da raça que existe e funciona na definição de lugares e barreiras
sociais. Sabemos que a raça em sua concepção biológica do século XIX
já foi superada nos debates acadêmicos em todo o mundo. Entretanto,
sabemos também que, no Brasil, a categoria racial subsiste enquanto
construção política e social e que sujeitos com determinadas
características físicas, fenotípicas, morfológicas estão sujeitos à
determinados benefícios ou impeditivos reais na construção de sua
própria trajetória de vida e de cidadania.
Ao defender que a raça é uma categoria ultrapassada a sua
consideração para efeito da construção da política de ações afirmativas
- incorrem na maior iniqüidade da democracia brasileira: a presunção de
que todos somos iguais para eximir o Estado de suas responsabilidades.
A lógica neoliberal dessa argumentação conduz-nos à controvertidas
confusões como se as cotas fossem privilégios anti-republicanos e não
uma política séria e eficaz que contribui para a promoção da igualdade.
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Temos a convicção de que a República é incompatível com a existência
de privilégios de qualquer espécie, porém, pensar as cotas como um
privilégio, e não como um direito, é desconhecer o sentido, já
amplamente consagrado, da definição constitucional da igualdade em
que o Estado não tem papel meramente proibitivo, mas, o de indutor de
políticas que avancem no sentido da promoção, não meramente formal,
da igualdade.
Os opositores das cotas raciais manifestam seu incomodo com essas
medidas. Eles não apresentam suas verdadeiras razões, ocultam seu
preconceito. Muitos silenciam, tantos outros inventam os mais
enviesados argumentos para detratá-las, porém sabemos que o pano de
fundo é a existência do racismo revestido de novas roupagens. Sim, o
racismo muda.
Os opositores das ações afirmativas e das cotas raciais afirmam que
não somos 90 milhões de negros e negras e de que é difícil identificar
no mestiço o que é um negro. Agora, não nos furtemos em admitir que o
mais claro pode "pegar mais identidades no armário" do que o mais
preto. Portanto, negro, mestiço e pardos, são identidades funcionais que
se coadunam para a disputa política contra um time poderoso que quer
um mundo sem "identidade" e sem "diversidade".
Um dos maiores problemas da nossa sociedade é o racismo, que, desde
o fim do século passado, é construído com base em essencializações
sócio-culturais e históricas, e não mais necessariamente com base na
variante biológica ou na raça. Não se luta contra o racismo apenas com
retórica e leis repressivas, não somente com políticas universalistas,
mas também, e, sobretudo, com políticas focadas ou específicas em
benefício das vítimas do racismo numa sociedade onde este é ainda
vivo. É neste sentido que defendemos as políticas de ação afirmativa e
de cotas raciais para o acesso ao ensino superior e universitário. No
pensamento dos opositores das ações afirmativas, todos os que fazem
parte desse bloco querem racializar o Brasil.
Defendemos as cotas em busca da igualdade entre todos os brasileiros,
brancos, índios e negros, como medidas corretivas às perdas
acumuladas durante gerações e como políticas de inclusão numa
sociedade onde as práticas racistas cotidianas presentes no sistema
educativo e nas instituições aprofundam cada vez mais a fratura social.
Cerca de 80 universidades públicas estaduais e federais que aderiram à
política de cotas sem esperar a Lei entenderam a importância e a
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urgência dessa política. Acontece que essas universidades não são
dirigidas por negros, mas por brancos que entendem que não se trata do
problema do negro, mas sim do problema da sociedade, do seu
problema como cidadão brasileiro. Tudo não passa de maquinações dos
que gostariam de manter o status quo e que inventam argumentos que
horrorizam a sociedade. Quem está ganhando com as cotas? Apenas os
alunos negros ou a sociedade como um todo? Quem ingressou através
das cotas? Apenas os alunos negros e indígenas ou entraram também
estudantes brancos da escola pública?
Para o Mestre kabengele Munanga, este debate se resume a duas
abordagens dualistas. A primeira compreende todos aqueles que se
inscrevem na ótica essencialista, segundo a qual a humanidade é uma
natureza ou uma essência e como tal possui uma identidade genérica
que faz de todo ser humano um animal racional diferente dos demais
animais. Eles afirmam que existe uma natureza comum a todos os seres
humanos em virtude da qual todos têm os mesmos direitos,
independentemente de suas diferenças de idade, sexo, raça, etnias,
cultura, religião, etc. Trata-se de uma defesa clara do universalismo ou
do humanismo abstrato, concebido como democrático. Considerando a
categoria raça como uma ficção, eles advogam o abandono deste
conceito e sua substituição pelos conceitos mais cômodos, como o de
etnia. De fato, eles se opõem ao reconhecimento público das diferenças
entre brancos e não brancos. Aqui temos um antirracismo de igualdade
que defende os argumentos opostos ao antirracismo de diferença. As
melhores políticas públicas, capazes de resolver as mazelas e as
desigualdades da sociedade, deveriam ser somente universalistas.
Qualquer proposta de ação afirmativa vinda do Estado que introduza as
diferenças para lutar contra as desigualdades, é considerada, nessa
abordagem, como um reconhecimento oficial das raças e,
conseqüentemente, como uma racialização do Brasil, cuja característica
dominante é a mestiçagem. Ou, em outras palavras, as políticas de
reconhecimento das diferenças poderão incentivar os conflitos raciais
que, segundo dizem, nunca existiram. Assim sendo, a política de cotas é
uma ameaça à mistura racial, ao ideal da paz consolidada pelo mito de
democracia racial, etc. Perguntamos se alguém pode se tornar racista
pelo simples fato de assumir sua branquitude, amarelitude ou negritude?
A segunda abordagem reúne todos aqueles que se inscrevem na
postura nominalista ou construcionista, ou seja, os que se contrapõem
ao humanismo abstrato e ao universalismo, rejeitando uma única visão
do mundo em que não se integram as diferenças. Eles entendem o
racismo como produção do imaginário destinado a funcionar como uma
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realidade a partir de uma dupla visão do outro diferente, isto é, do seu
corpo mistificado e de sua cultura também mistificada. O outro existe
primeiramente por seu corpo antes de se tornar uma realidade social.
Neste sentido, se a raça não existe biologicamente, histórica e
socialmente ela é dada, pois no passado e no presente ela produz e
produziu vítimas. Apesar do racismo não ter mais fundamento científico,
tal como no século XIX, e não se amparar hoje em nenhuma
legitimidade racional, essa realidade social da raça que continua a
passar pelos corpos das pessoas não pode ser ignorada.
Poderão as duas abordagens se cruzar em algum ponto em vez de se
manter indefinidamente paralelas? Essa posição maniqueísta reflete a
própria estrutura opressora do racismo, na medida em que os cidadãos
se sentem forçados a escolher a todo o momento entre a negação e a
afirmação da diferença. A melhor abordagem seria aquela que combina
a aceitação da identidade humana genérica com a aceitação da
identidade da diferença. A cegueira para com a cor é uma estratégia
falha para se lidar com a luta antirracista, pois não permite a
autodefinição dos oprimidos e institui os valores do grupo dominante e,
conseqüentemente, ignora a realidade da discriminação cotidiana.
Muitos brasileiros ainda não acreditam na existência do racismo. Eles
acham que a questão é simplesmente económica, de classes, ou uma
questão social. Como se o machismo e a homofobia não fossem uma
questão social. Todas as questões que tocam a vida do colectivo são
sociais, mas o social não é algo abstracto, tem especificidade, tem
endereço, sexo, religião, cor, idade, classe social.
Muitos acham que o caminho para corrigir as desigualdades sociais
seria uma política universalista, baseada na melhoria da escola pública,
o que tornaria todos os cidadãos brasileiros capazes de competir. Mas
isso é um discurso para manter o status quo, porque enquanto se diz
isso nada é feito. Não se esqueça que quando as escolas públicas no
Brasil eram boas, os negros e pobres não tiveram acesso a ela. Havia
outros mecanismos que os excluíam. Então não adianta dizer que basta
melhorar o nível das escolas públicas. Mesmo porque isso significaria
acabar com a clientela das escolas particulares, que possuem um forte
lobby e não tem nenhum interesse em ver escolas públicas de boa
qualidade.
O que o Estado Democrático de Direito, a República, o interesse público
podem esperar quando se alinham, em uníssono à maneira de
campanha, os conglomerados de comunicação que, no Brasil, são os
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proprietários privados dos mais influentes veículos da imprensa
nacional? Uma única coisa: o abuso do direito constitucional à liberdade
de expressão e de opinião. A coação dos demais poderes institucionais.
O desrespeito ao princípio de igualdade de oportunidade, cerne da
democracia. Eles se consideram os donos da verdade e da opinião
pública e pensam que representam o real. Especialistas em relações
raciais na sociedade brasileira são ungidos por estes meios de
comunicação, e tornam se celebridades.
Assistimos a essa manipulação dos conglomerados midiáticos - donos
da TV aberta com suas filiadas em todo o território brasileiro,
controladores da TV por assinatura, de emissoras de rádio; jornais,
poderosos portais, das maiores revistas noticiosas semanais, e de
vários outros tentáculos midiáticos articulados entre si, no afã de
desqualificar a justa reivindicação por políticas de ações afirmativas e
por cotas raciais para ingresso nas universidades públicas federais,
mantidas com recursos públicos, pagas também com o nosso dinheiro
através dos impostos que pagamos.
Diz o jornalista Fernando Conceição que esse poderosíssimo Leviatã
apresenta-se na atual conjuntura como o sucedâneo do Leviatã
hobbesiano. O propósito do monstro é amedrontar a sociedade
repetindo insaciável, incontinenti e monocordiamente que o Inferno em
breve se instalará no Brasil se os projetos de Lei que tramitam no
Congresso Nacional – O estatuto da Igualdade Racial e a Lei de Cotas –
forem aprovados.
Ambos estabelecem, pela primeira vez no país, um sistema de políticas
sociais compensatórias, inclusive de acesso às universidades públicas
federais, como forma de corrigir as profundas desigualdades
repercutidas até hoje pelos mais de 300 anos de escravidão negra e
indígena que marcam a história socioeconômica brasileira. A grande
mídia simplifica as políticas compensatórias, desqualificando-as,
reduzindo a sua importância e a sua real proposição.
"Raça" sempre foi utilizada pelos "senhores da terra", desde o inicio da
colonização nas Américas, como traço distintivo. Aos africanos, trazidos
como escravos para todo tipo de trabalho, foi-lhes pregada a definição
de "negros" como marca de um tipo de animal racialmente inferior aos
demais humanos. Não importaram as suas diferenciações culturais, ou
étnicas, tampouco as suas tradições de origem. Todos são (ou eram) da
"raça" negra, conseqüentemente podendo ser escravos pelo estatuto do
ordenamento jurídico da Colônia e do Império. O racismo foi uma das
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ferramentas ideológicas de organização da exploração colonial. A
República não solucionou, até o presente, essa equação.
Como diria Nei Lopes, o tempo, ironicamente, se encarrega de clarear
muita gente, no entanto, o Movimento Negro antes de sentir-se chocado
com a afirmação de um jornalista, segundo a qual "os negros usam os
pardos para engordar os números da miséria, mas depois se
afastam dos benefícios", pelo contrário, ficamos profundamente
indignados. Como sempre, os opositores das ações afirmativas e das
cotas raciais, voltam ao passado mais obscurantista para justificar seus
argumentos supostamente modernos. No embate contra as políticas
públicas que buscam a igualdade entre negros e não negros no Brasil,
procuram jogar os negros de pele mais clara, os chamados "pardos"),
contra os mais pigmentados. Exatamente como ensinou Maquiavel;
como fizeram os europeus na África, do século 15 ao 20 “dividir para
reinar, para dominar. E alguns, tornam-se ”capitães do mato do século
XXI“, felizes em mais uma vez servir a Casa Grande, reproduzindo o
sofisticado discurso do racismo contemporâneo.
O reconhecimento de que a pobreza atinge preferencialmente a parcela
negra da população, como decorrência entre outros fatores do racismo
estrutural da sociedade brasileira e da omissão do poder público, aponta
a necessidade que o Estado incorpore nas políticas publicas
direcionadas à população de baixa renda a perspectiva de que há
diferenças de tratamento de oportunidades entre estes, em prejuízo para
homens e mulheres negras.
Embora há décadas o Movimento Negro denuncie o racismo e proponha
políticas para sua superação, somente uma política articulada e
contínua, será capaz de reduzir a imensa dívida histórica e social que a
sociedade brasileira têm para com a população negra, submetida à
exclusão social e econômica. Os negros e negras são os mais pobres
dentre os pobres, de modo que as políticas de caráter universal que
ignore tais diferenças de base entre os grupos raciais têm servido tão
somente para perpetuar e realimentar as atuais desigualdades.
Para tornar eficazes os direitos individuais e coletivos, os direitos
políticos e sociais, os direitos culturais e educacionais, o Estado tem que
redefinir o seu papel no que se refere à prestação de serviços públicos,
de forma a ampliar sua intervenção nos domínios das relações
intersubjetivas e privadas, buscando traduzir a igualdade formal em
igualdade de oportunidade e tratamento. Entre essas políticas,
defendemos a implementação das Ações Afirmativas e as Cotas Raciais
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como medida capaz de efetivar com mais equidade o acesso da
juventude negra, da juventude pobre e dos povos indígenas, nas
instituições federais e estaduais públicas do ensino superior e do ensino
de tecnológica.
Segundo o Antonio Sergio Guimarães, a democracia na Europa ou nos
Estados Unidos se estabeleceu pela negação das diferenças raciais e
étnicas não essenciais à cidadania, em países regidos por esta ideologia
democrática e universalista como o Brasil, que impede que tais
diferenças sejam nomeadas, mas onde subsistem privilégios materiais e
culturais associados à raça, à cor ou à classe, o primeiro passo para
uma democratização efetiva consiste justamente em nomear os
fundamentos destes privilégios: raça, cor, classe. Tal nomeação
racialista transforma estigmas em carismas. Para o Movimento Negro
Brasileiro, as ações afirmativas e as cotas raciais como medidas
necessários para o ingresso da juventude negras, da juventude pobre e
dos povos indígenas no ensino superior público tem um efeito agregador
sobre a nacionalidade, muito longe do efeito desagregador, como
querem os que temem o racialismo, ou um efeito político revolucionário,
como querem os que temem o não-racialismo. É por razão que os
negros e negras brasileiros encontram seus potenciais aliados no campo
das classes, e no plano da luta mais básica pelo respeito aos direitos
inalienáveis dos seres humanos, até porque a comunidade negra e
indígena apenas quer educação. As ações afirmativas e as cotas raciais
são uma importante política de inclusão social em curso no país. Por
essa nobre razão esperamos do STF uma manifestação positiva e
favorável a este pleito da juventude negra, dos jovens pobres e dos
povos indígenas. Aguardamos do STF um posicionamento que contribua
na redução das desigualdades raciais na educação. E, concluímos,
conclamando todos a continuar a luta junto conosco, no espírito do
poeta e líder do povo angolano, Agostinho Neto: “Não basta que seja
pura e justa a nossa causa, é necessário que a pureza e a justiça
existam dentro de nós”.
Marcos Antonio Cardoso
CONEN – Coordenação Nacional das Entidades Negras/Brasil.
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