A ESCOLA COMO AGENTE FORMADOR DE PROFESSORES DE FILOSOFIA: A EXPERIÊNCIA DO PIBID NO COLÉGIO SANTA GEMMA BARRA, Eduardo Salles de Oliveira1 - UFPR MENON Jr, Walter2 - UFPR GIACOMASSI, Rejane3 - SEED-PR CARVALHO, Paulla4 - SEED-PR MACHADO DA COSTA, Evandro Felipe5 - UFPR Grupo de Trabalho – Prática e Estágio nas Licenciaturas Agência Financiadora: CAPES Resumo Este é um relato do trabalho de formação inicial de professores desenvolvido pelo subprojeto de Filosofia do PIBID da UFPR, em parceria com o Colégio Estadual Santa Gemma Galgani, na cidade de Curitiba (PR). A experiência teve início em 2010, e tem como foco o desenvolvimento de material didático para as aulas de filosofia no ensino médio. Nosso relato tem início com uma discussão preliminar sobre as questões das publicações didáticas para as aulas de filosofia, explorando as análises de Thomas Kuhn (1962) sobre a função dos manuais na educação científica. O objetivo será contrastar aquilo que aqui chamaremos de “pedagogia dos manuais” com a proposta de utilização dos próprios textos filosóficos. Em seguida, passaremos a uma breve reconstrução dos precedentes dessa proposta, com destaque para os desdobramentos da publicação da Antologia de Textos Filosóficos (MARÇAL, 2010). Dentre esses desdobramentos, situaremos o próprio subprojeto de Filosofia do PIBID-UFPR, que consolidou o trabalho realizado nas Oficinas de Tradução e proporcionou o desenvolvimento 1 Doutor em Filosofia pela FFLCH/USP. Professor Associado do Departamento de Filosofia da UFPR. Coordenador Institucional do PIBID na UFPR. E-mail: [email protected] 2 Doutor em Filosofia pela Université Paris X. Professor Adjunto do Departamento de Filosofia da UFPR. Coordenador do subprojeto de Filosofia do PIBID na UFPR, Edital 2009. E-mail: [email protected] 3 Licenciada em Filosofia pela UFPR. Supervisora do subprojeto de Filosofia do PIBID na UFPR, Edital 2009. Professora de Filosofia do Colégio Estadual Santa Gemma Galgani, em Curitiba-PR. E-mail: [email protected] 4 Pedagoga e diretora-auxiliar do Colégio Estadual Santa Gemma Galgani, em Curitiba-PR. . E-mail: [email protected] 5 Licenciando do Curso de Graduação em Filosofia da UFPR. Bolsista do subprojeto de Filosofia do PIBID na UFPR, Edital 2009. E-mail: [email protected] 23134 do projeto pedagógico, editorial e de tradução hoje incorporado aos títulos da coleção Traduzindo. Pelo lado da escola, relataremos a mobilização que a presença desse projeto desencadeou entre gestores, professores e estudantes, e a sua participação na promoção na escola de outros programas congêneres, tais como o PIBIC_Ensino Médio, que, somados a outras ações, configuram o espaço escolar como um decisivo agente de formação de futuros professores de filosofia. Discutiremos o caráter formativo dessas ações, cujo núcleo se encontra mais no processo do que propriamente no produto final. O objetivo será destacar o papel unificador de forma e conteúdo que as práticas de formação podem assumir em ambientes marcados pela diversidade e pela disparidade de seus agentes. Palavras-chave: PIBID. Ensino de filosofia. Textos filosóficos. Introdução Depois da luta vitoriosa de estudantes, professores e comunidade ao longo dos últimos 30 anos pelo retorno da filosofia ao ensino médio – o que ocorreu, de modo oficial, em 2008 – , todos sabemos que ainda restam enormes desafios pela frente. Um deles é encontrar os meios adequados para promover a transposição para as salas de aula do acervo literário e reflexivo da filosofia, construído e inúmeras vezes revisado ao longo dos últimos 25 séculos da história ocidental. Priorizar o acesso dos estudantes a esse acervo é respeitar a própria natureza da filosofia. Todavia, esse acervo encontra-se materializado tão somente em textos de grande complexidade conceitual e, a contar pelas edições em língua portuguesa atualmente disponíveis no mercado editorial, incompatíveis com a apropriação conceitual possível a jovens estudantes do ensino médio. Este trabalho traz uma reflexão e um relato sobre a experiência de produzir e trabalhar com textos filosóficos adequados às condições do ensino médio. A produção desses textos foi realizada nas dependências do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba-PR, por uma equipe formada por estudantes do curso de licenciatura em filosofia, sob a coordenação de professores da UFPR e dos colégios estaduais Santa Gemma Galgani e Claúdio Morelli, ambos também sediados na mesma cidade, além de estudantes vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia (PPGFilos) e estagiários cedidos pelo Centro de Línguas e Interculturalidades (CELIN), ambos da mesma universidade. Essa equipe constituiu as Oficinas de Tradução (OTs), que iniciaram suas atividades em 2009, com dois objetivos contíguos e solidários: (1) formar professores de filosofia capacitados para estruturar o seu trabalho em leitura de textos filosóficos, mediante a compreensão e a execução assistida das tarefas de (2) escolher os textos, traduzi-los, desenvolver um aparato crítico e didático (notas, ilustrações, divisões internas, índices etc.) e (3) preparar um projeto 23135 editorial e gráfico ajustado ao público-alvo e às condições escolares. As primeiras utilizações dos resultados das OTs no ambiente escolar ocorreram do Colégio Santa Gemma, sob a coordenação da Profa. Rejane Giacomassi, que há oito anos atua como professora de filosofia nessa escola e, nos últimos três anos ali realiza parte do seu trabalho de supervisora do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). 6 No presente relato, todas as ações estão de algum modo relacionadas ao PIBID. Parte delas tiveram início antes do PIBID – tais como as OTs –, mas certamente elas foram profundamente impulsionadas e potencializadas com a incorporação ao plano de ações do subprojeto de Filosofia do PIBID, iniciado em 2010. Por esse aspecto, a meta central de ambas as frentes de ações – na universidade e na escola – passou a ser a qualificação da formação de professores de filosofia, mediante a diversificação de oportunidades de envolvimento com práticas formativas e experimentais. O texto a seguir traz, portanto, um relato de um conjunto de experiências em andamento. O fio condutor será, conforme antecipamos, a formação de professores, que é o foco do PIBID. Mas as mediações serão as mais diversas possíveis, passando pelas OTs, pelas ações na escola e pela disseminação dos resultados obtidos. Iniciamos o texto com uma breve reflexão sobre aquilo que chamamos “pedagogia do manual” sem nenhuma intenção de demonizar esse tipo de recurso didático, mas de escrutinar suas possibilidades e esclarecer sua inadequação às especificidades do ensino da filosofia. Logo em seguida relatamos o funcionamento e a dinâmica dos trabalhos das OTs e parte dos seus resultados mais recentes. O próximo passo será projetar a incorporação dos resultados das OTs ao cotidiano escolar. Aqui, destacaremos o trabalho conjunto realizado por bolsistas do PIBID e do PIBIC_Ensino Médio na organização de grupos de leitura e estudo de textos filosóficos. Por fim, dedicaremos algumas palavras ao que esperamos seja o futuro dessa experiência, com a inserção de outros recursos didáticos em benefício da consolidação de um ensino de filosofia com base nos textos filosóficos. 6 O Colégio Estadual Santa Gemma Galgani está localizado na Rua Assis Brasil, 983, no bairro Abranches, em Curitiba/PR. O colégio foi inaugurado no dia 12 de agosto de 1978. A diretora atual é a Profa. Rosane Maria Bobato e a diretora-auxiliar, a Profa. Paulla Helena Carvalho. O colégio atende alunos dos bairros Barreirinha e Abranches, além de bairros e municípios vizinhos, principalmente Almirante Tamandaré. A matriz curricular do colégio está organizada por séries e disciplinas, no ensino fundamental, e por séries, blocos e disciplinas, no ensino médio. Em 2013, no turno da manhã, estão matriculados 335 alunos, num total de 12 turmas de ensino médio (1ª à 3ª série). À noite, há quatro turmas de ensino médio regular, num total de 103 alunos. À tarde, o colégio oferece ensino fundamental (6º ao 9º ano) e conta com nove turmas, num total de 233 alunos. Ao todo, estão matriculados 671 alunos. 23136 A filosofia sitiada pela “pedagogia do manual” Diante das dificuldades enfrentadas pela filosofia na sua reaproximação ao ambiente escolar, seria natural que ela logo se convertesse em presa fácil da proliferação da “pedagogia do manual”. Recorrer a um manual surge como alternativa quase exclusiva diante da virtual impossibilidade de lidar com os próprios textos clássicos da filosofia na sala de aula. Ora, é bem verdade que mesmo o mais desqualificado manual didático de filosofia ostenta aqui e ali breve citações de textos filosóficos, seja para para ilustrar discussões conceituais seja para oferecer um argumento de autoridade em favor de qualquer tese que se deseja estabelecer. Nada disso, entretanto, pode ser considerado um substituto à altura do próprio texto filosófico. Logo, sem o equilíbrio com uma pedagogia do contato direto e da frequentação prolongada ao próprio texto filosófico, o ensino da filosofia aprisionada à pedagogia do manual corre um sério risco de também converter em mais um obstáculo do que propriamente em um aliado da melhoria da educação escolar brasileira. Mas, à parte a inadequação do ensino com base em meros excertos de textos, há algo de ainda mais estruturalmente problemático na tentativa de conformar o ensino da filosofia a um “pedagogia do manual”. Os manuais não são meros instrumentos de ensino, filosófica ou pedagogicamente neutros. Quem nos lembra disso é Thomas Kuhn (1962), ao analisar o papel dos manuais na estruturação não apenas do ensino de ciência, mas também das próprias comunidades científicas em torno de realizações mais ou menos estáveis, por eles chamadas de “paradigmas”. Na famosa passagem de abertura da sua obra, ele alerta para o fato de que os manuais “nos enganam em aspectos fundamentais” (KUHN, 1962, p. 19). Os manuais são pródigos em incorporar referências dispersas aos grandes heróis de uma época anterior, de tal modo que “tanto os estudantes como os profissionais sentem-se participando de uma longa tradição histórica. Contudo, a tradição derivada dos manuais, da qual os cientistas sentem-se participantes, jamais existiu.”(KUHN, 1962, p. 177) Difícil encontrar nessa atitude com respeito à história e nos seus antecedentes algo que minimamente nos lembre a filosofia e o modo como deveria ser ensinada. Tentemos resumir os pontos principais da análise de Kuhn (1962) e relacioná-lo à filosofia e ao seu ensino. Para que faça algum sentido a transposição da “pedagogia dos manuais” para o ensino da filosofia, a filosofia deveria: (1) ser uma pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações passadas (aglutinadoras e promissoras); (2) possuir um corpo teórico estável (problemas, dados, métodos e conceitos), (3) possuir um vocabulário e uma sintaxe estável; (4) ter alguma 23137 razão para manter “veículos pedagógicos destinados a perpetuar a ciência[filosofia] normal”; (4) conferir alguma função para a prática de dissimular “a revolução que os produziu”; (5) produzir sistematicamente uma “depreciação dos fatos históricos”. Seria, para dizer o mínimo, catastrófico se fosse essa a imagem da filosofia que o seu ensino pretendesse veicular e disseminar. No caso da ciência, há uma razão estrutural para que essa imagem faça sentido e seja minimamente defensável – afinal, uma “pedagogia dos manuais” é parte constitutiva das comunidades científicas e dos seus paradigmas. Mas a filosofia não dispõe de paradigmas no mesmo sentido. Portanto, o que ganha o ensino de filosofia ao sucumbir às aparentes facilidades proporcionadas por uma “pedagogia dos manuais”? A construção de uma pedagogia dos textos filosóficos na universidade Seja, então, por aquilo que positivamente se encontra nos textos filosóficos seja por aquilo que negativamente se omite ou se distorce nos manuais, o desafio para o ensino da filosofia torna-se, portanto, promover os nossos estudantes à condição de leitores de textos filosóficos. Não somente porque assim crescerão em erudição e ampliarão o espectro das suas modalidades de leituras. Mas também porque assim amadurecerão sua capacidade reflexiva e crítica, tornando-se cada vez mais protagonistas da sua cidadania e da sua formação como sujeitos. Ocorre que, para esses fins – ainda que da mais alta dignidade e relevância –, faltam inexoravelmente os meios. Foi pensando em construir esses meios que, em 2009, tiveram início as atividades das Oficinas de Tradução (OTs) no Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Paraná. A iniciativa foi inspirada na Antologia de Textos Filosóficos (MARÇAL, 2010), uma publicação didática da Secretaria de Estado da Educação do Estado do Paraná, que reuniu num único volume cerca de 20 textos filosóficos da mais alta relevância, textos traduzidos e acrescidos de um aparato crítico elaborado por destacados professores universitários. Foram publicados 60 mil exemplares dessa obra, todos eles distribuídos pelas escolas da rede pública estadual. Mas não se deve pensar que a Antologia surgiu sem qualquer precedente, de um vazio absoluto. Obviamente, isso não ocorreu. No início dos anos 80 do séc. XX, os professores do Departamento de Filosofia da USP haviam organizado e publicado uma obra de características muito semelhantes à Antologia. Trata-se do Primeira Filosofia: Lições introdutórias, cujos autores declaram logo de partida: 23138 “Partimos do princípio de que o contato com os textos originais dos filósofos deve ser a base do trabalho desenvolvido nas aulas de Filosofia. E este livro tem como característica básica – uma característica comum a quase todos os capítulos – a apresentação de textos, organizados segundo uma perspectiva histórica ou temática, exceção feita ao capítulo que trata da Lógica, para o qual consideramos preferível uma 'exposição'. (...) Este livro (...) não corresponde àquilo que em geral se espera de um manual. Além das características já apontadas, o presente livro não se constitui num instrumento de trabalho que se baste a si próprio. As bibliografias cintadas ao final de cada capítulo (...) são complementos indispensáveis à reflexão sobre os textos apresentados.” (CHAUÍ, 1984, p. 7 e 9)7 O tema ressurgiu nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) de 1999 e foi enfatizado nas Orientações Educacionais Complementares (PCN+EM) de 2002. Ambos documentos posicionam a leitura de textos filosóficos – nos seus termos, “ler textos filosóficos de modo significativo” – no primeiro plano das “competências específicas da Filosofia”, de tal modo que “utilizar a leitura de textos dos filósofos” (PCN+EM, 2002, p. 47) se converte num imperativo para a “tarefa de fazer o estudante aceder a uma competência discursivo-filosófica.” (PCNEM, 1999, p. 334) As OTs pretendem dar continuidade ao projeto pedagógico e editorial preconizado pela Antologia e por essa curta, mas meritória, tradição que a precedeu. Dar continuidade não significa, entretanto, não propor alternativas a aspectos que exijam melhorias. Primeiro, era preciso ter critérios mais restritivos para a escolha dos textos. Segundo, era preciso ter um projeto de tradução e editorial coerentes com a destinação da publicação e com o estágio de amadurecimento intelectual do seu público. Terceiro, era preciso desenvolver um projeto gráfico condizente com os objetivos da publicação e atraente para o público-alvo. Ao lado disso tudo, as OTs também deveriam suprir outra carência da mais alta relevância: formar professores de filosofia capacitados a converter a leitura de textos filosóficos em estratégias de ensino-aprendizagem. Para suprir essa carência, a opção metodológica que orientou a estruturação das OTs foi promover o futuro professor, desde o início da sua formação, à condição de autor e não meramente de usuário das publicações didáticas destinadas ao apoio 7 O próprio projeto editorial e pedagógico do Primeira Filosofia tem antecedentes óbvios na tradição na qual a maiores de seus autores foi formada. Jean Maugüé, professor da antiga Faculdade de Filosofia da USP e oriundo da missão francesa que aportou em São Paulo nos anos 30, inicia um artigo no qual no pretende “fixar as condições do ensino filosófico na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo” observando que “se, sem trair de modo grosseiro o seu objeto de estudo, podemos falar em ‘manuais’ de matemática ou de física, já o mesmo não podemos dizer da filosofia. O que dificulta o ensino da moral, da lógica ou da estética, é, como procuraremos demonstrar, que nestas delicadas disciplinas o ensino vale o que vale o pensamento daquele que as ensina. A Filosofia é o filósofo.” (MAUGÜÉ, 1955, p. 642) Na França, a tradição de ensino de filosofia com base na leitura de textos está consolidada desde os anos 60, quando o comentário de texto filosófico passou a ocupar um lugar de destaque nos exames de baccalauréat. Para uma visão geral do estado da discussão sobre o uso de textos nas aulas de filosofia na França, podem ser consultados Raffin (2002) e Asset (1999). 23139 do seu trabalho na sala de aula. Sob essas diretrizes, as equipes das OTs foram constituídas com a participação de vários segmentos da comunidade universitária. Em primeiro lugar, os estudantes do curso de licenciatura em filosofia da UFPR, que, em sua maioria, são bolsistas de programas nos quais as OTs foram incluídas entre as atividades previstas. Dentre esses programas, destacam-se o PIBID, mantido pela CAPES, e o programa de bolsa permanência (PROBEM), mantido pelo MEC. Reunindo os dois programas, são hoje oferecidas 50 bolsas aos estudantes participantes das OTs. Em segundo lugar, era preciso ter um corpo técnico que pudesse orientar a formulação e a implantação do projeto de tradução. Para isso, contribuiu a adesão do CELIN (Centro de Línguas e Interculturalidades) da UFPR ao projeto, colocando a disposição das OTs três estagiárias do curso graduação em Letras, modalidade estudos da tradução. Em terceiro lugar, as equipes das OTs foram sobejamente reforçadas pela participação de estudantes de mestrado e doutorado do PPGFilos da UFPR, sobretudo aqueles que são bolsistas e realizam nas OTs suas atividades obrigatórias de apoio ao ensino de graduação. Por fim, na coordenação das equipes, estão professores de filosofia da própria universidade e das escolas de educação básica, que na sua maioria são também participantes do PIBID, como coordenadores de área e supervisores, respectivamente. As equipes assim constituídas foram dividas segundo a língua de conhecimento ou de preferência de seus participantes. No início, em 2009, eram duas OTs, uma dedicada a textos em inglês e outra, a textos em francês. Hoje, quatro anos depois, são cinco OTs, duas dedicadas a textos em inglês, outras duas, a textos em francês e uma última, a textos em alemão. Até o momento, foram finalizados e publicados os seguintes textos: “Diálogos sobre a metafísica e a religião” de Nicolas Malebranche (BARRA, 2012), “Diálogos entre Hylas e Philonous” de George Berkeley (BARRA, 2013a), e “A função do dogma na investigação científica” de Thomas Kuhn (BARRA, 2013b), todos reunidos na Coleção Traduzindo: textos filosóficos na sala de aula. Essa coleção, além de responder pelo projeto pedagógico e de tradução acima esboçado, responde também por um projeto editorial que se pretende colocar à altura dos desafio colocados pelas duas finalidades anteriores. O projeto editorial começa por um projeto gráfico inovador concebido pela Júnior Design, empresa dos estudantes do curso de Design da UFPR. Esse projeto prima pela intensão de favorecer a comunicação direta e eficaz com o público-alvo. Incluem-se muitas ilustrações e elementos gráficos que permitam 23140 empregar cores e texturas variadas na publicação. O próprio formato de brochura, com cerca de 40 páginas em cada volume e amplos espaços em branco nas margens, permite uma relação de maior apropriação do material por parte do leitor, levando-o consigo a qualquer parte – inclusive, à sala de aula, local atualmente pouco frequentado pelos livros didáticos, em virtude incorporarem um cada vez maior de páginas – e registrando nas margens do texto as suas anotações. Além dos títulos já publicados, em breve farão parte da coleção Traduzindo outros títulos, tais como “Dos Coxos”, de Michel de Montaigne, “Dissertação sobre a liberdade”, de Condillac, “Introdução aos Ensaios sobre os poderes intelectuais do homem”, de Thomas Reid, “Sobre a antítese fundamental da filosofia”, de Willian Whewell, “Sobre a Lógica em geral”, de Arthur Schopenhauer, “Ensaio sobre a arte de rastejar”, de d'Holbach, “Das falácias em geral”, de Stuart Mill. Também encontra-se em fase final de tradução um manual para leitura de textos filosóficos na sala de aula de autoria de Évelyne Rogue e publicado na França sob o título Commentaire de texte de philosophie (ROGUE, 2010), com publicação já aprovada pelo Conselho Editorial da Editora da UFPR. A metodologia de trabalho das OTs visa basicamente assegurar o caráter formativo do trabalho de tradução e produção do aparato crítico e didático, privilegiando mais o processo do que o produto final. Todos os participantes são estimulados a agirem como protagonistas desse processo, sobretudo os estudantes de graduação que, na condição de futuros professores de filosofia, serão também usuários potenciais do resultado material das OTs. A rotina de trabalho nas sessões semanais das oficinas consiste na projeção do material a ser trabalhado por meio de um aparelho multimídia para que fique visível e acessível a todos, e uma intensa troca de ideias sobre a melhor forma de verter para o português o texto trabalhado, sempre pensando no público específico a que se destina o resultado final. Findo esse trabalho, assinam a autoria da tradução, da apresentação e das notas todos os participantes das sessões semanais daquela OT. A construção de uma pedagogia dos textos filosóficos na escola O material assim preparado segue, então, para uma avaliação preliminar nas escolas da rede pública do Estado do Paraná, no município de Curitiba, cujos professores de filosofia participam das OTs, como bolsistas do PIBID, e se encarregam de levar os materiais produzidos para testar a sua adequação em atividades regulares com seus estudantes. O 23141 Colégio Estadual Santa Gemma Galgani é uma dessas escolas. Ali, bolsistas do PIBID, estudantes e professora, reúnem-se semanalmente com um grupo de estudantes interessados em prosseguir seus estudos de filosofia no contraturno escolar. Com um expressivo envolvimento e apoio dos gestores da escola, diretores e pedagogos, essas atividades converteram-se no núcleo estruturador do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica do Ensino Médio (PIBIC_EM), mantido pelo CNPq, na escola. Passou a ser, então, tarefa dos quatro estudantes bolsistas do PIBIC_EM organizar grupos de estudos com seus colegas no contra turno escolar para leitura e estudo de textos filosóficos – em fase de elaboração nas OTs ou já publicados pela coleção Traduzindo – e retornam o resultado desses estudos na forma de relatórios onde sistematizam as virtudes e as deficiências constatadas nesses textos. O desafio maior é transpor todo esse trabalho para a sala de aula regular, em condições bastante distintas daquelas encontradas em pequenos grupos de estudo. Parte dessa transposição já está sendo realizada desde 2010, com a utilização dos textos da Antologia (MARÇAL, 2010) em sala de aula. Nesse contexto, as experiências tem sido realizadas com o auxílio da metodológica do Mapeamento Conceitual, nas três séries do Ensino Médio. A teoria dos Mapas Conceituais foi desenvolvida na década de 70 do séc. XX pelo pesquisador e educador norte-americano Joseph Novak a partir da teoria de aprendizagem significativa de David Ausubel. De acordo com essa perspectiva, a aprendizagem torna-se significativa quando um novo dado ou ideia encontra uma espécie de “ancoragem” na estrutura cognitiva, promovendo interação dinâmica entre o novo conhecimento e o já existente (MOREIRA, 2012). A ideia é aumentar profundidade e alcance cognitivo na leitura de textos mediante a utilização de mapas conceituais assim estruturados. Não é um trabalho isolado, mas uma das fases do processo de leitura e compreensão dos textos. Iniciamos com orientações de leitura de textos filosóficos fornecidas por Rogue (2010); em seguida, passamos à leitura propriamente dita de um texto filosófico, identificando e selecionando nele os principais conceitos envolvidos, além dos verbos mais significativos. Propomos, então, aos alunos a construção de um mapa individual que ligue os conceitos com verbos associados, organizando proposições e interligando-as. Esse primeiro mapa é avaliado pelo próprio aluno a partir de uma tabela proposta e só depois disso é socializado em grupos de cinco ou seis integrantes, sendo a última etapa a construção de um mapa do grupo de discussão. Estes mapas finais são comparados e cada educando, a partir deles, constrói um comentário do texto lido como 23142 finalização da atividade. Considerações finais: uma prática formativa em processo Toda experiência realizada em ambientes tão diversos, protagonizada por agentes tão dispares, tende a se dispersar e não ter mais que uma grande ideia para exibir como signo da sua unidade. A experiência aqui relatada, realizada na UFPR e no Colégio Santa Gemma, protagonizada por estudantes e professores, do ensino médio e da universidade, não foge a essa regra. Nesse caso, mais do que um fruto de um descuido, a dispersão é uma necessidade, a fim de explorar todas as potencialidades dos agentes envolvidos e permitir que todos usufruam dos resultados alcançados. A grande ideia – ou ideal regulador, no sentido kantiano (KANT, 1787) – é a utilização de textos filosóficos em sala de aula. Dela decorre a miríade de ações aqui relatada, todas elas em estado ainda muito inicial de realização, mas já com resultados suficientemente expressivos para projetar um desfecho exitoso e novos desdobramentos igualmente desafiadores. Entre os futuros desdobramentos das ações acima relatadas, destaca-se a necessidade de desenvolver mecanismos para promover de modo mais sistemático e representativo a “volta” do texto à universidade enriquecido da fortuna crítica adquirida da sua aclimatação à escola e a sala de aula. Por intermédio desse mesmo mecanismo projetado numa escala maior, poder-se-ia criar uma representativa rede de escolas e professores dispostos a utilizar o material produzido nas OTs nas suas aulas de filosofia e oferecer, em contrapartida, relatos pormenorizados das suas experiências com o material. Os benefícios dessa rede seriam tanto a constante revisão do projeto pedagógico, editorial e de tradução da coleção Traduzindo e outras iniciativas congêneres, quanto a disseminação de boas experiências que inspirem e estimulem outros professores a aderirem à pedagogia da leitura de textos filosóficos. Num estágio mais avançado, essa rede poderia alcançar também potenciais parceiros em outras instituições e programas. Os parceiros prioritários seriam os núcleos universitários dedicados à formação de professores e ao apoio ao ensino de filosofia. Já temos sinalizações positivas nesse sentido de outras universidades do PR e de SP. Mas também seriam muito bem-vindas parcerias com programas não-acadêmicos ou não-filosóficos. As práticas de leituras de textos filosóficos desenvolvidas nas escolas poderia ser transpostas a bibliotecas públicas e a outros espaços públicos, tais como os cafés filosóficos e iniciativas do gênero. Abrir-se-iam, desse modo, novas oportunidades para disseminar a cultura da leitura, diversificando os gêneros 23143 literários e, consequentemente, os apelos para uma imersão emancipadora no universo dos livros e das ideias. REFERÊNCIAS ASSET, Jean-Claude et alii (orgs.) Les textes dans l’enseignement Philosophique. Lille: CRDP du Nord Pas-de-Calais, 1999. BARRA, Eduardo Salles de Oliveira (org.). Diálogos sobre a metafísica e a religião, de Nicolas Malebranche. Curitiba: SCHLA-UFPR, 2012. BARRA, Eduardo Salles de Oliveira (org.). Três diálogos entre Hylas e Philonous, de George Berkeley. Curitiba: SCHLA-UFPR, 2013a. BARRA, Eduardo Salles de Oliveira (org.). A função do dogma na investigação científica, de Thomas Kuhn. Curitiba: SCHLA-UFPR, 2013b. Brasil, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília: Ministério da Educação,1999. Brasil, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. PCN+Ensino médio: Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: Ministério da Educação, 2002. CHAUÍ, Marilena et alii (org.) Primeira Filosofia: lições introdutórias. São Paulo: Brasiliense, 1984. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1989 [1787]. KUHN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. 8. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003 [1962]. MARÇAL, Jairo (org.) Antologia de Textos Filosóficos. Curitiba: Secretaria de Estado da Educação do Paraná, 2010. MAUGÜÉ, Jean. O ensino de filosofia: suas diretrizes. Revista Brasileira de Filosofia, São Paulo, v. V, fasc. 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