Por que meu paciente tem leucocitose?

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Por que meu paciente tem leucocitose?
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A leucocitose é uma das anormalidades mais frequentes na prática clínica. As etiologias são muitas e a sua correta interpretação
pode ser uma ferramenta muito importante para o diagnóstico de diversas condições patológicas ou não. No artigo que
será comentado a seguir os autores fazem uma revisão do assunto, abordando aspectos relacionados ao desenvolvimento
dos leucócitos e suas funções, avaliação e classificação das leucocitoses, as doenças malignas e benignas associadas com
a leucocitose e como o laboratório pode auxiliar no reconhecimento das anormalidades. As imagens de microscopia e
figuras não fazem parte do artigo original e foram acrescidas pelo comentarista (todas de arquivo pessoal).
Por que meu paciente tem leucocitose?
Jan Cerny & Alan G. Rosmarin. Hematol Oncol Clin N Am 26 (2012):303-319
1.
Desenvolvimento dos leucócitos
Dos 1.6 bilhões de leucócitos por kg de peso produzidos diariamente pela medula óssea (MO), somente 2 a 3%
circulam no sangue; 90% das células permanecem na medula óssea e de 7 a 8% ficam armazenados em outros
tecidos.
Fatores que influenciam a contagem de leucócitos no sangue:
1 - Tamanho do pool de estoque da MO
2 - Ritmo de liberação das células do pool de estoque
3 - Equilíbrio entre as células ativas versus as células reversivelmente aderidas aos vasos
4 - Ritmo de migração e consumo dos leucócitos nos tecidos periféricos.
a.
Desenvolvimento, maturação e sobrevida dos granulócitos
Granulócitos: classificados em três subgrupos dependendo da quantidade e coloração dos grânulos citoplasmáticos:
neutrófilos (50 a 60% dos leucócitos circulantes), com importante papel na morte bacteriana: eosinófilos, envolvidos
nas infecções parasitárias, e basófilos, que participam de infecções virais e reações imunes alérgicas.
A figura abaixo (Figura 1, arquivo pessoal) resume as diversas fases de produção, diferenciação e distribuição
dos granulócitos. Após a liberação dos neutrófilos pela MO, as células podem ocupar 3 posições: na circulação
sanguínea, aderidos aos vasos (marginalização) ou nos tecidos. Os neutrófilos aderem às paredes dos vasos pela
ação de moléculas de adesão e são liberados para a circulação quando estimulados por infecções, inflamação,
efeito de drogas ou toxinas.
mieloblasto, promielócito e mielócito
metamielócito, bastonete e segmentado
Figura 1: Desenvolvimento da série granulocítica mostrando os fatores envolvidos na proliferação, diferenciação e
quimiotaxia das células.
b.
Desenvolvimento dos monócitos
Os monócitos (Figura 2) tem o mesmo precursor da linhagem granulocítica e transformam-se em macrófagos
nos tecidos. Tem papel importante na fagocitose e na resposta imune.
Figura 2: Monócitos
c.
Desenvolvimento dos linfócitos
São 2 categorias principais de linfócitos: T e B; e uma população menor constituída das células “natural Killer” (NK).
Linfócitos B: originam-se na MO, adquirem a capacidade de produzir imunoglobulinas nos linfonodos,
aonde permanecem. Um subgrupo de linfócitos B amadurece como plasmócitos, localiza-se na MO e
produz uma grande quantidade de imunoglobulinas em resposta a infecções ou estímulos inflamatórios.
Linfócitos T: originam-se na MO, tornam-se maduros no timo e são encontrados no próprio timo, MO
e tecidos periféricos.
Subtipos de células T:
Células T citotóxicas: atacam células infectadas ou anormais, modulam atividade de células B.
Células T-helper: secretam citocinas.
Células T-supressoras ou reguladoras: secretam citocinas que podem enfraquecer a intensidade da
resposta imune depois que o agente infeccioso foi eliminado.
Células NK: os marcadores de superfície das células T e B estão ausentes. Células cancerígenas ou
microrganismos podem ser o alvo dessas células.
A figura abaixo (Figura 3, arquivo pessoal) ilustra a maturação e diferenciação da série linfóide.
2.
Avaliação da leucocitose
Leucocitose em adultos: leucócitos > 11 x 10⁹/L.
Considerar:
1 - Natureza das células envolvidas
2 - Duração da leucocitose (horas, dias, meses ou anos): curta duração
processo agudo, como infecção
ou leucemia aguda; longa duração
processo crônico ou hemopatias como leucemias crônicas ou
linfomas.
3 - Presença de achados clínicos associados.
3.
Classificação das leucocitoses
Definição de alguns conceitos:
1 - Desvio à esquerda: número elevado de formas imaturas da série granulocítica (metamielócitos ou
células mais jovens) em resposta a uma infecção grave, que pode exibir granulações tóxicas (grânulos
primários proeminentes) e corpúsculos de Döhle (grânulos secundários proeminentes). (Figura 4)
2 - Reação leucemóide: leucocitose exagerada (50 a 100 x 10⁹/L) composta de todos os representantes
da série granulocítica. Pode durar horas ou dias e pode ser causada por condições benignas ou malignas.
Exemplos: infecções pelo Clostridium diffcile ou tuberculose.
3 - Leucoeritroblastose: leucocitose + eritrócitos nucleados
indica alteração medular devido a infecção,
mielofibrose ou invasão da MO por células neoplásicas e pode estar associada com hematopoiese extramedular.
4 - Hiperleucocitose: leucócitos > 100 x 10⁹/L
leucemias e doenças mieloprofiferativas.
Figura 4:
Esfregaço de sangue mostrando
granulações tóxicas e microvacúolos
em células da linhagem granulocítica.
3.1 - Leucocitose primária ou leucocitose reacional?
3.1.1
Leucocitose secundária ou reacional: resposta normal da MO a uma infecção ou inflamação.
Leucocitose verdadeira versus pseudoleucocitose: vários mecanismos podem causar leucocitose verdadeira
ou pseudoleucocitose (quadro abaixo).
Produção
Mobilização de estoque
Adesão ao endotélio vascular
Migração para tecidos periféricos
da sobrevida das células
Combinação desses processos
LEUCOCITOSE
Pseudoneutrofilia: desmarginalização de granulócitos devido a exercícios, epinefrina ou anestesia.
O número de células circulantes voltará ao normal após cessar o estímulo.
Outras causas: asplenia; uso de corticóide, que promove a desmarginalização dos neutrófilos, além
de reduzir a liberação pela MO e a saída das células para os tecidos.
Causas de leucocitose secundária
A neutrofilia é a principal causa de leucocitose
Causas de neutrofilia
1.
Secundária a outras doenças
a.
Infecção:
Bacteriana aguda (11 a 30 x 10⁹/L), com desvio à esquerda, granulações tóxicas e corpúsculos
de Döhle.
Crônica, com aumento da mielopoiese (turbeculose, infecção fúngica, abcesso crônico, outras
infecções crônicas).
b.
Inflamação crônica:
Doenças reumáticas, doença inflamatória intestinal, doença granulomatosa, hepatite crônica
a leucocitose é mais modesta do que a observada nas infecções.
c.
Tabagismo
d.
Stress
Desmarginalização dos neutrófilos induzida por catecolaminas.
Exemplos: exercício físico, emocional, cirurgia. Revertem após algumas horas.
e.
Uso de drogas:
Corticóide, lítio, citocinas recombinantes (G-CSF, GM-CSF) usadas na mobilização de células
progenitoras hematopoiéticas em pacientes submetidos a transplante de MO, inibidores de
moléculas de adesão.
f.
Doenças malignas não hematológicas:
Tumores secretores de citocinas (G-CSF), como pulmão, língua, rim, uroteliais; metástases
medulares.
g.
Estimulação da medula:
Anemia hemolítica, trombocitopenia imune
Recuperação medular pós-supressão
Administração de citocinas recombinantes
h.
Pós-esplenectomia
2. Etiologia hematológica primária
a.
Neutrofilia congênita:
Neutrofilia hereditária, neutrofilia idiopática hereditária, síndrome de Down, deficiência de
adesão leucocitária.
b.
Neoplasias hematológicas adquiridas:
Leucemia mielóide aguda.
c.
Doenças mieloproliferativas:
Leucemia mielóide crônica, policitemia vera, trombocitose essencial, fibrose idiopática.
ATENÇÃO:
1.
Infecções como febre tifóide, brucelose, febre maculosa, ehrlichiosis, leishmaniose e algumas infecções por
Staphylococcus aureus podem estar associadas com leucopenia.
2.
Infecções virais em geral não causam neutrofilia, mas leucocitose pode ser observada nas fases mais precoces
da infecção.
Linfocitose: linfócitos > 4.0 x 10⁹/L, é a segunda causa mais comum de leucocitose.
Causas de linfocitose
1. Infecção
a.
Viral:
CoxsackievirusA ou B6, echovirus e adenovírus 12: raramente associadas com esplenomegalia ou
linfadenopatia, de 20 a 50 x 10⁹/L de pequenos linfócitos maduros - em geral em crianças.
Vírus Epstein-Barr
linfocitose atípica (linfócitos grandes e reativos, citoplasma basofílico abundante),
linfadenopatia (Figura 5).
Citomegalovirus, hepatite.
b. Bacteriana:
Pertussis, Bartonella, tuberculose, sífilis, rickettsia, babesia.
2. Reações de hipersensibilidade:
Doença do soro, hipersensibilidade a drogas.
3. Doenças hematológicas primária:
Leucemia linfocítica crônica.
Linfocitose monoclonal de células B.
Linfoma não-Hodgkin.
Figura 5: Linfócitos atípicos na
mononucleose infecciosa
ATENÇÃO:
Os linfócitos atípicos da mononucleose infecciosa (vírus Epstein-Barr) aparecem durante a segunda semana de infecção e correspondem
a linfócitos T ativados que atacam as células B infectadas pelos vírus. Podem ser vistos em outrasinfecções virais, como o CMV.
Monocitose: > 0.95 x 10⁹/L.
Causas de monocitose
1. Infecção:
a. Doença granulomatosa (Tuberculose, infecção fúngica)
b. Mononucleose infecciosa, infecção por protozoário e rickettsia
c. Endocardite
d. Sífilis
2. Doença autoimune:
a. Lupus, artrite reumatóide
b. Arterite de células gigantes
c. Vasculite
3. Doenças hematológicas intestinal:
4. Sarcoidose
5. Doenças malignas
a. Hematológicas 1
Leucemias mielomonocíticas crônica e aguda
Linfoma
b. Tumores sólidos
6. Neutropenia
a. Neutropenia crônica
b. Recuperação de supressão medular
7. Pós-esplenectomia
Eosinofilia: > 0.5 x 10⁹/L.
Causas de eosinofilia
1. Hipersensibilidade a drogas e condições alérgicas: asma, edema angioneurótico, urticária, dermatit eatópica
e eczema, esofagite eosinofílica e enterites.
2. Infecções parasitárias: parasitas que invadem tecidos, como Toxocara canis e Toxocara cati.
3. Recuperação de infecção viral
4. Infecção por clamídea (em geral sem leucocitose)
5. Doenças dermatológicas: dermatite herpetiforme, pênfigos e eritema multiforme
6. Leucemia mielóide crônica (junto com basofilia)
Basofilia: > 0.1 x 10⁹/L - não leva à leucocitose, mas pode ser observada em algumas condições alérgicas e infecções
parasitárias.
3.1.2 Leucocitoses primárias
Tem origem na MO devido a alteração em células precursoras, com distúrbios no ritmo de produção
e/ou anormalidade na maturação de uma ou mais linhagens celulares.
Exemplos: leucemias, doenças mieloproliferativas.
Doenças não Hematológicas
1 - Neutrofilia congênita: neutrofilia hereditária, leucócitos > 20.0 x 10⁹/L.
2 - Neutrofilia idiopática crônica: leucócitos de 11.0 a 40.0 x 10⁹/L.
3 - Doença Mieloproliferativa Transitória: é vista em cerca de 10% dos pacientes com Síndrome de Down e regride
espontaneamente na maior parte dos casos.
4 - Deficiência de adesão leucocitária: congênita, apresenta leucocitose persistente e defeito na ativação dos neutrófilos
Doenças Hematológicas Malignas com leucocitose
A leucocitose pode ser o achado laboratorial inicial sugestivo de uma doença hematológica primária, como uma leucemia
ou neoplasia mieloproliferativa. A análise cuidadosa do sangue periférico pode ajudar muito para que o diagnóstico
definitivo seja alcançado o mais rapidamente possível. Outros exames serão necessários para a definição diagnóstica,
como a avaliação da MO, citometria de fluxo, análise molecular e citogenética.
Leucemia Mielóide Aguda (LMA):
Origina-se de uma transformação maligna de uma célula progenitora hematopoiética, que leva à produção de um clone
de células que proliferam de modo incontrolado ou sobrevivem demasiadamente porque não sofrem o processo de
apoptose (morte programada das células).
Dados laboratoriais:
Presença de blastos no sangue
ATENÇÃO:
podem não aparecer no sangue nas chamadas leucemias aleucêmicas, ou podem ser abundantes. Exames subsidiários
(citoquímica, hibridização in situ - FISH) são necessários para definir o tipo de blasto (mielóide ou linfoide).
Graus variados de anemia e trombocitopenia
Bastonetes de Auer podem ser observados no citoplasma das células blásticas
ATENÇÃO:
o achado dos bastonetes de Auer é patognomônico de LMA, mas sua ausência não exclui o diagnóstico de LMA.
Diagnóstico definitivo: aspirado e biópsia de MO, que em geral é hipercelular e com pelo menos 20% de blastos.
A classificação do tipo de LMA (de M1 a M7) será feito com os dados da MO.
Leucemia Linfoblástica Aguda (LLA):
Mais comum na infância, em geral origina-se de uma célula B. Como na LMA, o diagnóstico definitivo será feito com o
material da MO e com o auxílio de outros exames subsidiários que identificarão o tipo de célula acometida. Em geral
na análise do sangue podem ser observados blastos, associados com anemia e plaquetopenia. A leucocitose não é obrigatória.
Leucemias mielóide e linfóide crônicas (LMC e LLC):
LMC: neoplasia mieloproliferativa marcada pela expansão clonal de células precursoras mielóides da MO e um
aumento de células mielóides maduras e imaturas na circulação, que causam grandes leucocitoses, além da presença
de basofilia, eosinofilia, anemia e trombocitose.
LLC: resulta do acúmulo de linfócitos aparentemente maduros no sangue periférico, MO, linfonodos, baço e outros
órgãos. Um defeito no processo da apoptose causa o acúmulo das células. Esses linfócitos são frágeis, o que leva
ao aparecimento das manchas de Gumprecht.
Doença mieloproliferativas: Leucemia mielomonocítica crônica, policitemia vera, mielofibrose e trombocitemia
essencial: todas podem apresentar leucocitose e o diagnóstico diferencial requer testes laboratorial específicos
e análise da MO.
3. O hemograma na investigação das leucocitoses
1 - Contagem total e diferencial de leucócitos, para verificar qual a natureza da célula que está causando
a leucocitose.
2 - Observar: presença de formas imaturas de granulócitos que pode sugerir presença de infecção bacteriana,
acrescida de granulações tóxicas, vacuolização e corpos de Döhle.
3 - Formas imaturas como promielócitos e mielócitos deve-se considerar a possibilidade de leucemia.
4 - Anormalidades nas outras séries podem fornecer informações importantes sobre o diagnóstico.
NOTA DO COMENTARISTA:
A presença do desvio à esquerda da série granulocítica é considerada um indicador precoce e útil em várias condições
infecciosas, especialmente na detecção da sepsis.
Tem como um dos fatores limitantes a dificuldade no reconhecimento e na quantificação das células quando usado
o método manual (microscopia).
Os equipamentos da Sysmex (XT-1800, XT-2000i, XT-4000i, XE-2100, XE-5000 e mais recentemente os da Série-XN
podem identificar e quantificar os granulócitos imaturos (IG) em números percentuais e absolutos.
Nessa categoria de células estão incluídos os metamielócitos, mielócitos e promielócitos. A contagem é muito mais
precisa do que a contagem por microscopia porque um número muito grande de células é avaliado. Dessa forma, o
parâmetro IG pode fornecer informações revelantes sobre a possível presença de um processo inflamatório infeccioso
ou mesmo uma hemopatia maligna de maneira rápida e eficiente, agilizando assim o diagnóstico e a adoção da
terapêutica adequada.
Profa. Dra. Helena Z. W. Grotto
Consultora médica
Sysmex América Latina e Caribe
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We Believe the Possibilities
Publicado por
Sysmex América Latina e Caribe
Rua do Paraíso, 148 - Paraíso/SP - 04103-000, Brasil
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