1 AVALIAÇÃO LABORATORIAL DAS ALTERAÇÕES LEUCOCITÁRIAS PARTE II Paulo César Ciarlini Doutor em Clínica Veterinária pela Universidade Estadual Paulista Professor Adjunto de Laboratório Clínico Veterinário – UNESP – Araçatuba Contato: Rua Clóvis Pestana, 793 CEP: 16050-680 – Araçatuba, SP Tel.: 018-36361413 – e-mail: [email protected] 2 3.4 Investigando as alterações leucocitárias não inflamatórias. Além das doenças inflamatórias, diversas outras causam alterações leucocitárias. As alterações quantitativas e/ou qualitativas (morfológicas) dos leucócitos, quando associadas a outras alterações clínicas e laboratoriais, são fundamentais para o diagnóstico de diversas doenças. 3.4.1. Aumento da contagem total de leucócitos (leucocitose) Além da lneutrofilia causada por inflamações, por excitação (descarga de adrenalina) e por estresse (aumento de glicocorticóide), a leucocitose pode também ocorrer por outras causas. Leucocitose por aumento de neutrófilos (neutrofilia) Em anemias hemolíticas e hemorrágicas ocorre leucocitose por neutrofilia. Nas anemias hemolíticas a leucocitose com devio à esquerda pode ser marcante (> 50 x109/l). Nos processos hemorrágicos agudos (3 horas após o insulto), ocorre também uma neutrofilia de células maduras, porém sem desvio à esquerda. Uma intensa leucocitose por neutrofilia com marcante desvio à esquerda ocorre nas leucemias granulociticas crônicas. Esta condição deve ser diferenciada dos quadros leucemóides causados por inflamações crônicas como a piometra fechada canina. A leucemia granulócitica se diferencia do quadro leucemóide da piometra por apresentar um “hiatus leucemicus”, isto é, um desvio à esquerda desordenado e não escalonado. Nas leucemias granulocíticas ocorre também com freqüência anemia não regenerativa acentuada e trombocitopenia. Uma vez descartadas todas as demais causas de leucocitose por neutrofilia, o clínico deve direcionar seu diagnóstico para distúrbios hereditários dos neutrófilos como a neutrofilia cíclica de cães da raça Collie e doenças de adesão leucocitária descrita em bovinos e cães. Leucocitose por aumento de linfócitos (linfocitose) A linfocitose pode ocorrer devido à excitação apenas em gatos. Processos inflamatórios associados à forte estimulação antigênica é a causa mais comum de leucocitose por linfocitose. O clínico deve levar em conta que a linfocitose também pode ocorrer na fase de cura dos processos inflamatórios (presença de imunócitos sem leucocitose) e de uma a duas semanas após vacinações (presença de imunócitos com leucocitose). Os imunócitos são linfócitos estimulados por antígenos que também são conhecidos como linfócitos reativos (citoplasma intensamente basofílico, às vezes grande, com nucléolo visível e com zona perinuclear clara). Durante o hipoadrenocorticismo, 25% dos cães podem apresentar linfocitose. Outras causa mais rara de leucocitose por linfocitose ocorre nas neoplasias linfáticas. Nas neoplasias linfóides (linfoma, linfossarcomas e leucemias linfáticas), a 3 linfocitose geralmente é um achado tardio, que pode ter ou não células atípicas circulantes (células grandes, basofílicas ou não, com formas anormais de núcleo, cromatina frouxa e nucléolos evidentes). Em caso de linfocitose persistente em bovinos e em felinos, recomenda-se realizar uma investigação sorológica para confirmar uma possível infecção por vírus da leucose bovina e vírus da leucemia felina, respectivamente. Leucocitose por aumento de eosinófilos (eosinofilia) A leucocitose por eosinofília é rara, ocorre na síndrome hipereosinofílica e na leucemia eosinofílica. Na síndrome hipereosinofílica dos cães e gatos, a taxa de eosinófilos pode superar a 100 x109/l e apresentar formas imaturas, tornando difícil a sua diferenciação da leucemia eosinofílica. No exame de medula óssea verifica-se que na leucemia eosinofílica, diferentemente da síndrome eosinofílica, ocorre um desordenamento na produção dos eosinófilos. Processos alérgicos, parasitas ou doenças inflamatórias que acometem tecidos ricos em mastócitos (pele, pulmão, trato gastrintestinal e genital feminino) causam eosinofilia, porém não o suficiente para provocar uma leucocitose por eosinofilia. Ainda existe um falso conceito entre os clínicos de que eosinofilia é um importante achado do parasitismo gastrintestinal. Na realidade a eosinofilia não ocorre em todos os tipos de parasitoses, sendo mais comum na fase de migração larvar de parasitos que mantém um íntimo contato com tecido do hospedeiro. A imunodeficiência e o estresse comumente presentes nas parasitoses têm efeito eosinopênico, de modo que a eosinofilia na maioria das vezes não ocorre em animais com alta carga parasitária. Leucocitose por aumento de basófilos (basofilia) A basofilia por leucemia basofílica é extremamente rara em animais domésticos. Processos alérgicos, parasitários e inflamatórios que causam basofilia ocorrem em concomitância com a eosinofilia, porém não são suficientes para provocar isoladamente uma leucocitose. A basofilia não associada à eosinofilia ocorre em doenças que causam hiperlipemias como o hipotiroidismo, hipoadrenocorticismo e diabete melitus. Leucocitose por aumento de monócitos (monocitose) As leucemias monocítica e mielomonocítica, raras em animais domésticos, podem causar uma leucocitose por monocitose marcante. As monocitoses comuns nas inflamações crônicas e doenças com grande destruição tecidual variam de suave a moderado, acompanhando sempre o grau de neutrofillia. Um aumento de monócitos marcante, desproporcional a neutrofilia é sugestivo de neoplasia. 4 3.5.2. Diminuição da contagem total de leucócitos (leucopenia) Em bovinos, a leucopenia é um achado comum na resposta inflamatória inicial (primeiras 48 horas) e ocorre em infecções bacterianas agudas graves que consomem rapidamente as reservas de neutrófilos. As leucopenias devem ser bem investigadas, pois ocorrem em diversas outras condições não inflamatórias. Leucopenia por diminução de neutrófilo (neutropenia) A neutropenia é um achado comum em doenças virais como a parvovirose felina e canina, imunodeficiência felina (VIF). Anafilaxia e as endotoxinas bacterianas (Clostridium perfringens) e fúngicas (Aspergillus nigrans) encontradas em alimentos podem causar uma neutropenia rápida e transitória devido à mobilização dos neutrófilos para o compartimento marginal. As doenças autoimunes, além de causarem anemia não regenerativa e trombocitopenia, podem ser neutropênicas. Quadro panleucopênico ocorre também nas doenças mielotísicas, na erliquiose e após alguns tratamentos medicamentosos (estrógenos, fenilbutazona, cloranfenicol, griseofulvina, sulfa trimetoprima etc). Leucopenia por diminuição de linfócitos (linfopenia) A leucopenia por linfopenia ocorre na coronavirose e hepatite infecciosa canina, em 1/3 dos casos de gatos portadores do vírus da imunodeficiência felina e nos primeiros quatro meses da leucemia viral felina. A leucopenia por linfopenia oriundas de doenças virais imunossupressivas como a cinomose, geralmente é rapidamente substituída por uma leucocitose por neutrofilia causada por infecções bacterianas oportunistas e secundárias. Nas doenças virais, o prognóstico é pior quanto menor for a taxa de linfócitos. Em cães, uma linfopenia moderada (0,75 a 1 x 109 linfócitos/l), associada a leucocitose por neutrofilia, ocorre no hiperadrenocorticismo, doenças estressantes e após o tratamento com glicocorticóides. Leucopenias por linfopenias mais acentuadas e associadas a hipoproteinemias podem ocorrer em casos de neoplasias linfáticas e em rupturas de ductos linfáticos (quilotórax e linfangiectasia). Leucopenia por diminuição de eosinófilos (eosinopenia) Níveis elevados de corticóides devido à terapia, hiperadrenocorticismo e estresse causam eosinopenia, entretanto, esta alteração isoladamente não é suficiente para causar uma leucopenia. Pelo contrário, as condições eosinopênicas estão geralmente associadas à leucocitose devido ao efeito neutrofílico dos glicocorticóides. 5 3.6 Saiba mais sobre avaliação laboratorial da resposta leucocitária. BUSH, B.M. Haematology. Withe blood cells. In:___ Interpretation of laboratory results for small animal clinicans, Blackwell scientific publications, London, 1994, p.132-195. DUNCAN, J.R. & PRASSE, K.W. Leucócitos. In:____Patologia Clínica Veterinária.Guanabara Koogan, Rio de Janeiro.1982, p.27-50. ERIK, T. Leukocytes - Limphocytes. 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