Células Tronco (Caldini)

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CÉLULAS-TRONCO:
ESPERANÇA PARA O
FUTURO DA MEDICINA
O que são células-tronco?
Uma célula-tronco (em inglês, stem cell) é,
portanto, uma célula não especializada, ou seja, que
ainda não se diferenciou em nenhum tipo celular
específico. Nesse sentido, o termo tronco (ou “haste”,
que é o significado da palavra stem na língua inglesa)
é muito adequado. Imagine uma árvore na qual o
tronco principal, único, se ramifica em vários galhos, e
cada galho em outros ainda mais delgados, e assim
por diante até chegarmos às folhas. Essa árvore
representaria então o desenvolvimento embrionário de
um animal: desde o zigoto até a efetiva formação de
todos os diferentes tipos celulares presentes no corpo
do adulto.
O corpo humano é formado por cerca de 200 tipos
distintos de células, que se juntam de diversas
maneiras a fim de constituir nossos tecidos. Assim,
temos células tão diferentes como as células
musculares, com a capacidade de se contraírem e de
realizar trabalhos mecânicos; as células nervosas, que
geram e transmitem os impulsos nervosos; as células
do fígado, responsáveis pela
desintoxicação do organismo; certas
célula
células do pâncreas, que produzem
célula
dos túbulos
muscular
renais
insulina; e outras.
lisa
célula muscular
estriada
Todas essas células, em última
célula da
análise, provêm de uma única
cartilagem
célula
célula sensorial
célula do
nervosa
da retina
epitélio
célula inicial, resultante da
da bexiga
célula do
fecundação de um óvulo por um
fígado
espermatozóide, a chamada célulacélula da
célula
parede de
pigmentada
um vaso
ovo ou zigoto. Ao longo do
da pele
desenvolvimento embrionário, essa
célula do
revestimento
célula se divide e, em seguida, as
da traquéia
célula
células-filhas fazem o mesmo e
secretora de
célula da
uma glândula
parede do
assim por diante. À medida que
estômago
ocorre essa multiplicação celular, as
células-filhas vão tomando
célula
epitelial de
diferentes “decisões”, adquirem
revestimento
uma morfologia própria e se
especializam numa função
BLASTOCISTO
específica, participando dessa
forma da construção do organismo.
Somos então levados à
surpreendente conclusão de que o
zigoto deve conter, em suas
instruções genéticas, todas as
informações necessárias à
ZIGOTO
formação de todas essas células.
E de fato, o zigoto pode ser
considerado a célula-tronco
prototípica, isto é, uma célula
totipotente, capaz de dar origem a
Surgidas a partir do desenvolvimento do zigoto, as células-tronco embrionárias têm a capacidade
todos os tipos celulares existentes
de gerar todos os tipos celulares existentes no organismo adulto.
num organismo adulto.
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células-tronco
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células-tronco
Características das
células-tronco
As células-tronco mostram três propriedades
fundamentais: auto-renovação, proliferação e
diferenciação.
Na auto-renovação, que ocorre por mitoses, as
células-tronco geram cópias idênticas de si mesmas. O
importante, nesse caso, é que a população dessas
células pode manter seu número mais ou menos
constante, mesmo quando parte delas segue o caminho
da diferenciação (ou seja, o organismo mantém um
“estoque” permanente daquelas células-tronco).
A proliferação, também por mitoses, garante um
número adequado de células-tronco num dado local do
organismo, em um determinado momento de seu
desenvolvimento.
A diferenciação permite o surgimento de tipos
celulares distintos, em termos morfológicos e
funcionais e, por extensão, de tecidos e órgãos
especializados. O processo de diferenciação é
regulado pela expressão preferencial de genes
específicos nas células-tronco, mas ainda não se sabe
em detalhes como ocorre. Certamente, isso depende
também do microambiente em que a célula-tronco
está inserida — ou seja, pela influência exercida
pelas células da vizinhança e pela presença (ou
ausência) de variados fatores de diferenciação celular.
Algumas células do nosso corpo, como os neurônios
e as hemácias, atingem um estado diferenciado e
maduro e a partir de então não mais se dividem. Já
algumas outras células, embora usualmente não se
dividam, podem fazê-lo rapidamente quando expostas
aos sinais apropriados. Um exemplo disso são as
células-tronco adultas, presentes em várias partes do
corpo humano, que passam a se dividir quando ocorre
uma lesão naquele tecido, a fim de compensar as
células perdidas.
Nem todas as células-tronco
têm o mesmo potencial para
a diferenciação
Já dissemos que a célula-tronco por excelência é o
zigoto, porque ela é uma célula totipotente, isto é,
capaz de formar tanto o embrião (e, portanto, todo o
organismo adulto) como também uma estrutura extraembrionária, a placenta. O processo de clivagem (ou
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segmentação) do zigoto produz então, por volta do
terceiro ou quarto dia após a fecundação, uma
estrutura chamada mórula, composta por 16-32 células
num arranjo compacto, que lembra uma amora. Nesta
etapa as células que compõem o embrião ainda são
totipotentes.
2 células
4 células
8 células
mórula
massa
celular
interna
trofoblasto
blastocisto
(inicial)
blastocisto
Etapas iniciais no desenvolvimento embrionário humano.
Por volta do quinto dia, o embrião humano encontrase na fase de blastocisto, um estágio de 32-64 células
com a forma de uma esfera oca. A camada mais externa
de células dessa esfera, chamada trofoblasto, dará
origem aos tecidos extra-embrionários (placenta). No
interior da esfera, um agrupamento de células localizado
em um dos lados da cavidade (a massa celular interna )
dará origem ao embrião propriamente dito.
As células da massa celular interna já não
apresentam um potencial tão completo de diferenciação
quanto o das células anteriores: são capazes de dar
origem a todas as estruturas do embrião, mas não aos
tecidos placentários. Essas células são então
consideradas células-tronco pluripotentes.
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Blastocisto humano de cinco
dias, mostrando o trofoblasto
e a massa celular interna (ou
embrioblasto).
À medida que o embrião se desenvolve, as células
que o compõem mostram um potencial para
diferenciação cada vez menor. Passamos então de
células pluripotentes para células multipotentes (isto
é, capazes de dar origem a um número menor de
células especializadas) e destas para as células
progenitoras (ou precursoras). As células
progenitoras já não podem ser consideradas como
células-tronco, pois ao se dividir não produzem outras
células progenitoras similares. Ao contrário, as células
resultantes da divisão adquirem uma morfologia e
fisiologia próprias, especializando-se no desempenho
de uma tarefa específica no organismo (células
diferenciadas). (Ver o boxe: Os diferentes potenciais
para a diferenciação celular.)
Retomando a imagem da “árvore” que fizemos
anteriormente, representando o desenvolvimento
embrionário até a formação de um organismo adulto,
veríamos que, a partir dos galhos mais grossos
(células-tronco pluripotentes), os ramos vão se
bifurcando (células-tronco multipotentes) e ficando
cada vez mais finos (células progenitoras), até
chegarem às folhas (que representam os tipos
celulares já completamente diferenciados).
Células-tronco embrionárias
e células-tronco adultas
Até aqui, fizemos referência ao fato de que,
durante o desenvolvimento embrionário, encontramos
células-tronco com diferentes potenciais de
diferenciação celular. Mas isso não significa que, uma
vez formado o indivíduo, todas as suas células sejam
células plenamente diferenciadas. Mesmo num
organismo adulto, existem tecidos e órgãos que
precisam ser continuamente renovados; dessa forma,
as células-tronco são fundamentais na manutenção
dessas populações celulares. Como exemplos,
podemos lembrar a produção constante do sangue, o
Os diferentes potenciais para a diferenciação celular
ORIGEM
POTENCIAL PARA
DIFERENCIÇÃO
TIPO DE
CÉLULA
Zigoto
TOTIPOTENTE
célula-ovo
Blastocisto
PLURIPOTENTE;
AUTO-RENOVÁVEL
celula-tronco
embrionária
Embrião e
adulto
MULTIPOTENTE;
AUTO-RENOVÁVEL
célula-tronco
adulta
Embrião e
adulto
POTENCIAL LIMITADO;
AUTO-RENOVAÇÃO
LIMITADA
célula progenitora
Embrião e
adulto
MONOPOTENTE;
NÃO AUTO-RENOVÁVEL;
MULTIPLICA-SE POR MITOSE
célula precursora
Embrião e
adulto
NÃO SE MULTIPLICA;
FUNCIONAL
célula diferenciada
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células-tronco
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crescimento contínuo dos pelos, a renovação das
células da pele e também das células da mucosa do
tubo digestório.
Classicamente se admite que as células-tronco
adultas diferem das células-tronco embrionárias, pois
apresentam um potencial mais limitado de
diferenciação. Embora somente algumas sejam
consideradas pluripotentes (na medula óssea, por
exemplo), em sua maioria são células multipotentes e
células progenitoras, capazes de dar origem apenas a
um determinado tipo celular ou, no máximo, a poucos
tipos celulares relacionados.
Há tempos já se sabia da presença de células
indiferenciadas em meio às demais células do epitélio
gastrointestinal. Esse é um tipo de epitélio que se
renova totalmente a cada sete dias, e essa renovação
se faz à custa, exatamente, dessas células-tronco (ou
células-fonte, como são às vezes chamadas), que se
dividem continuamente por mitose. Em tecidos
epiteliais estratificados (com várias camadas) — como
a epiderme, por exemplo — as mitoses ocorrem
continuamente na camada mais basal do epitélio (a
chamada camada germinativa).
Atualmente já foi estabelecida, com segurança, a
presença de células-tronco em locais tão diversos do
corpo humano como o cérebro, retina, córnea, músculos,
coração, medula óssea, sangue, parede dos vasos
sanguíneos, pâncreas, tecido adiposo e polpa dentária.
Mais recentemente, pesquisas feitas com célulastronco adultas do corpo humano indicaram uma certa
capacidade de transformação de um tipo celular em
outros, quando a célula-tronco é submetida a
procedimentos diversos. Assim, por exemplo,
demonstraram-se, entre outras, as seguintes
transformações:
• de células-tronco neurais em músculo;
• de células-tronco do tecido adiposo em
cartilagem, osso e músculo;
• de células-tronco da medula óssea em músculo,
células nervosas, fígado, osso, cartilagem e
gordura.
Células-tronco também foram identificadas no
cordão umbilical e na placenta. Ora, essas células
não são exatamente um exemplo de células-tronco
embrionárias porque não pertencem a um embrião,
mas, sim, a estruturas extra-embrionárias, e também
porque apresentam uma capacidade de diferenciação
celular limitada. Assim, são consideradas — por
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comodidade, já que provêm de estruturas que não
pertencem ao corpo de um ser humano adulto —
como células-tronco adultas. Ou, se quisermos utilizar
um termo mais adequado e mais abrangente, que
possa referir-se tanto às células-tronco do cordão e da
placenta como àquelas presentes no organismo adulto,
podemos falar em células-tronco pós-natais. (Ver o
boxe: Células-tronco no cordão umbilical e na
placenta.)
Células-tronco no cordão umbilical
e na placenta
No Brasil existem atualmente cerca de uma dezena
de Bancos de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário (BSCUP). Nesses locais, o sangue coletado do cordão umbilical e da placenta de doadores é armazenado
para utilização futura em pesquisa e terapias. Esse sangue contém células-tronco hemocitopoéticas (isto é,
que dão origem a todos os tipos de células sanguíneas),
extremamente úteis no tratamento de moléstias hematológicas graves, como leucemias, anemia falciforme e
talassemia, entre outras.
Segundo alguns pesquisadores, essas células, por
serem provenientes dos estágios iniciais da vida, apresentam um potencial para diferenciação celular mais
amplo do que aquele das células-tronco hemocitopoéticas adultas.
Quando se faz referência à existência de célulastronco no cordão umbilical e na placenta, usualmente
só se pensa nas células precursoras de células sanguíneas. Mas é bom lembrar que em meio ao tecido de
preenchimento do cordão umbilical também é encontrado um outro tipo de célula-tronco, as células mesenquimais, antecessoras das células dos tecidos adiposo, conjuntivo, cartilaginoso e ósseo.
Um exemplo de renovação
natural dos tecidos por
meio de células-tronco:
a hemocitopoese
Há 40 anos já se reconhece a existência de célulastronco na medula óssea. No interior de muitos ossos
do corpo pode ser encontrado um tecido especial,
chamado tecido hemocitopoético, responsável pela
produção das células sanguíneas. Dentre as células aí
presentes encontram-se as células-tronco
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hemocitopoéticas pluripotentes, capazes de
originar toda as diferentes linhagens de células
sanguíneas. Acompanhe a descrição desse processo
por meio da figura abaixo.
Ao se dividirem, as células-tronco hemocitopoéticas
pluripotentes renovam seu próprio estoque e também
dão origem a duas linhagens de células tronco
distintas:
• as células-tronco mielóides multipotentes,
que permanecem na medula óssea e irão
originar os monócitos, os leucócitos granulócitos
(neutrófilos, eosinófilos e basófilos), os glóbulos
vermelhos e as plaquetas;
• as células-tronco linfóides multipotentes
que saem da medula através da corrente
sanguínea e migram para os órgãos linfáticos,
onde dão origem aos linfócitos.
A proliferação dessas células-tronco multipotentes
permite, mais uma vez, a contínua renovação de sua
própria população e, ao mesmo tempo, origina célulasfilhas com potencialidade menor (bi ou monopotentes).
São as células progenitoras e auto-renováveis.
Finalmente, à medida que as células progenitoras
proliferam, dão origem a células que tomam o caminho
irreversível da diferenciação (células precursoras),
originando enfim os vários elementos componentes do
sangue. Esses elementos são células — ou
fragmentos de células, no caso das plaquetas —
completamente diferenciadas e incapazes de se
multiplicar.
Estima-se que apenas cerca de 1 em cada 10 mil
células da medula óssea seja uma célula-tronco
hemocitopoética pluripotente. Dessa maneira, é
admirável a capacidade de produção desse sistema,
pois é muito grande a quantidade de células
diferenciadas maduras produzidas: cerca de 3 bilhões
de hemácias e 850 milhões de granulócitos/kg/dia na
medula óssea humana normal! Evidentemente, um
processo desse porte exige mecanismos regulatórios
muito complexos, ainda não totalmente desvendados
ou compreendidos.
Quando ocorre uma disfunção regulatória da
hemocitopoese (por exemplo, pelo aumento ou
diminuição da produção de células-tronco) há, em
conseqüência, uma superprodução ou uma produção
insuficiente de determinadas células sanguíneas. É o
que ocorre, por exemplo, nas leucemias (produção
excessiva de glóbulos brancos, com anomalias
morfológicas e funcionais).
CÉLULA-TRONCO
HEMOCITOPOÉTICA
PLURIPOTENTE
CÉLULA-TRONCO
MIELÓIDE
MULTIPOTENTE
CÉLULA-TRONCO
LINFÓIDE
MULTIPOTENTE
34241
CÉLULAS
PROGENITORAS
(MONO- OU BIPOTENTES)
CÉLULAS
PRECURSORAS
(EM DIFERENCIAÇÃO)
34241
CÉLULAS
MADURAS
(DIFERENCIADAS)
34241
MACRÓFAGO
NEUTRÓFILO
EOSINÓFILO
BASÓFILO
ERITRÓCITOS
PLAQUETAS
LINFÓCITO
B
LINFÓCITO
T
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células-tronco
A terapia com células-tronco
Conforme já foi dito, pesquisas realizadas com
células tronco nas últimas décadas foram capazes de
demonstrar que células-tronco embrionárias se
diferenciam, em laboratório, em tipos celulares diversos.
Tais resultados permitem supor que a ciência se
aproxima, atualmente, de um maior conhecimento a
respeito dos mecanismos que levam à diferenciação de
uma célula, ao controle da multiplicação celular e,
portanto, da formação de estruturas mais complexas,
multicelulares (tecidos e órgãos).
Esses experimentos abriram novas perspectivas
para a Medicina, trazendo esperança de tratamento e
cura para várias doenças. À medida que conseguirmos
direcionar o processo de diferenciação e proliferação
celular de células-tronco embrionárias, talvez
possamos cultivar controladamente os mais diferentes
tipos celulares, abrindo a possibilidade de construir
tecidos e órgãos em laboratório.
No entanto, a aplicação mais imediata da terapia
com células-tronco — e que já vem sendo explorada
em termos experimentais no mundo todo — é seu uso
na regeneração de órgãos lesados. Basicamente, essa
modalidade de terapia implica a injeção de células-
célula
nervosa
célula da
parede do
estômago
célula
epitelial de
revestimento
célula
secretora de
uma glândula
célula
pigmentada
da pele
célula do
epitélio da bexiga
célula da
cartilagem
Células-tronco embrionárias se diferenciam, em laboratório, em
tipos celulares diversos, o que sugere seu uso potencial na
Medicina. Isso vai depender, no entanto, da identificação e
obtenção dos vários fatores de diferenciação e do entendimento
do papel do microambiente na diferenciação celular.
tronco em meio ao tecido danificado (como, por
exemplo, um miocárdio lesado por um infarto ou pela
infestação por Trypanosoma cruzi), na expectativa de
que as células-tronco proliferem e se diferenciem em
células sadias, típicas daquele tipo de tecido. De fato,
os resultados obtidos até aqui têm sido muito
animadores. (Ver o boxe: Resultados promissores na
terapia com células-tronco.)
Resultados promissores na terapia com células-tronco
Em 1998, cientistas italianos relataram um experimento, em que utilizaram camundongos, no qual células-tronco derivadas da medula óssea, quando injetadas num músculo esquelético (lesado quimicamente) do animal, promoveram sua regeneração. Um resultado surpreendente, que demonstra que uma célula-tronco pode sofrer alterações no seu potencial para a
diferenciação, gerando tipos celulares distintos daqueles para os quais estava programada.
Num outro experimento, camundongos geneticamente imunodeficientes, com um músculo esquelético também lesado
quimicamente, receberam um transplante de medula óssea, em vez da injeção de células medulares diretamente na lesão. Os
pesquisadores verificaram então que as células-tronco (marcadas geneticamente e por isso identificáveis como células do
animal doador) foram encontradas em meio à região lesada na musculatura do animal. Com isso ficou demonstrado que, ao
menos nesse caso, células-tronco medulares adultas foram capazes de migrar até a região lesada e se diferenciar em células
musculares esqueléticas.
No final de 1999, cientistas japoneses observaram, em cultura de células in vitro, a diferenciação de células-tronco hemocitopoéticas em células de músculo cardíaco. Desde então, laboratórios e hospitais do mundo inteiro têm se dedicado a aprimorar técnicas que permitam esse tipo de intervenção em seres humanos. O Brasil, particularmente, tem se destacado com
pioneirismo nessa área.
Entre dezembro de 2001 e dezembro de 2002, um estudo feito por médicos e pesquisadores do Rio de Janeiro, com 21
pacientes que sofriam de cardiopatias crônicas graves, proporcionou excelentes resultados. Utilizando-se células-tronco
retiradas da medula óssea do próprio doente e injetadas em áreas lesadas da musculatura cardíaca, a performance cardíaca
e o estado de saúde desses pacientes melhoraram significativamente.
Desde o mês de junho deste ano, médicos da Bahia, do Rio de Janeiro e de São Paulo vêm trabalhando de modo coordenado num projeto denominado “Estudo Multicêntrico Randomizado de Terapia Celular em Cardiopatias”. Dessa vez, serão
1.200 pacientes participantes, que sofreram infarto agudo ou são portadores do mal de Chagas, cardiopatia isquêmica crônica
e cardiopatia dilatada, respectivamente. Utilizando-se da mesma técnica de implante de células-tronco na musculatura cardíaca lesada, espera-se repetir o sucesso obtido no estudo anterior.
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Também parece promissora a idéia de se utilizar
células-tronco no tratamento de pacientes com
enfermidades crônico-degenerativas, como leucemias,
mal de Parkinson, Alzheimer, esclerose múltipla,
diabetes do tipo I, distrofia muscular, artrite
reumatóide e outras. É ainda favorável a possibilidade
de reparo em lesões provocadas por traumas, como,
por exemplo, danos à medula nervosa num acidente
automobilístico ou, então, danos graves ocorridos nas
articulações durante a prática esportiva.
A polêmica das células-tronco
embrionárias: aspectos
éticos, médicos e legais
A utilização de células-tronco embrionárias — seja
para o propósito terapêutico ou de pesquisa — trouxe
à baila complexas questões de ordem ética e legal, já
que a obtenção dessas células implica a destruição de
um embrião que poderia presumivelmente originar um
indivíduo adulto (se tivesse a oportunidade de se
desenvolver no interior do corpo humano). (Ver o boxe:
Quando tem início a vida de um ser humano?)
Quando tem início a vida de um ser humano?
Em termos legais, a dignidade e a vida da pessoa humana são consideradas bens jurídicos passíveis de proteção. No
entanto, a natureza jurídica do embrião humano não foi ainda contemplada com limites legais precisos, ou seja, é necessário
definir a partir de que momento o embrião passa a ser considerado um ser vivo. E isso é particularmente importante, em termos jurídicos, ao se considerar duas situações distintas: a) a possibilidade, sob o amparo da lei, de se interromper uma gravidez por motivos médicos; e b) a utilização de embriões (ou de células embrionárias) na pesquisa e terapia médica.
Grupos religiosos têm se manifestado contrários à utilização de células-tronco embrionárias de seres humanos, baseando-se
na inviolabilidade do direito à vida do embrião, que supostamente deveria ser considerado como pessoa desde o momento
da fecundação.
Para que possamos responder a essa questão com um enfoque científico, é necessário estabelecer um determinado ponto
de vista, com base no qual estabeleceremos o que significa “estar vivo”. De modo geral, as principais considerações que podem
ser feitas são as que seguem.
Do ponto de vista metabólico, não há um momento determinado para o início da vida de um indivíduo. Uma única célula,
como o zigoto, já está viva.
Do ponto de vista genético, um novo indivíduo passa a existir no momento da fertilização, pois é nesse instante que os
genes dos dois progenitores se combinam para formar um ser com características únicas.
Do ponto de vista embriológico, até o 12-º dia pós-concepção pode ocorrer a bipartição e separação de um embrião em
duas massas celulares distintas, dando origem a um par de gêmeos. Dessa forma, não há a possibilidade de assegurarmos
uma individualidade ao embrião antes do 12-º dia de gestação.
Do ponto de vista neurológico, uma vida humana só se inicia quando há registro de atividade neuronal encefálica (ou seja,
quando se torna possível obter-se um eletroencefalograma do embrião), o que ocorre por volta da 27-ª semana de gestação.
Do ponto de vista da tecnologia médica, a vida humana começa quando um feto for capaz de sobreviver separado de seu
ambiente biológico materno. O limite natural de viabilidade para tanto é dado pela maturação dos pulmões, mas os avanços
tecnológicos mais recentes permitem, hoje em dia, que um feto prematuro sobreviva quando tem aproximadamente 25
semanas de tempo gestacional.
O atual Código Civil Brasileiro, datado de 2002, diz em seu Artigo 2-º : “A personalidade civil da pessoa começa do
nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” Ora, no entendimento de muitos
juristas, o conceito de “nascituro” está ligado ao feto concebido no ventre materno. Os embriões que se pretende utilizar,
para fins de pesquisa e terapia, são embriões criados em laboratório (em clínicas de fertilização), para fins de reprodução in
vitro; e que, — vale lembrar — quando não utilizados, são rotineiramente eliminados como material biológico descartável.
Cabe à sociedade, enfim, e em última instância a cada um de nós, refletir sobre as profundas implicações científicas,
médicas, religiosas, políticas, sociais, éticas e morais provenientes do uso de células-tronco embrionárias e decidir aquilo que
nos pareça o melhor para a sociedade brasileira como um todo.
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Em todo o mundo, os laboratórios de pesquisa com
células-tronco embrionárias têm obtido essas células a
partir de embriões existentes nas clínicas de fertilização
assistida. Quando um casal tem dificuldade para ter
filhos e, para isso, busca uma dessas clínicas, recorre-se
à técnica de fertilização in vitro a fim de se obter alguns
embriões. Como o procedimento de implantação do
embrião no útero materno poderá falhar, costuma-se
preparar mais de um embrião para ser colocado no
interior do útero, a cada tentativa. Estamos nos referindo,
aqui, a embriões com cerca de 14 dias de gestação,
formados por um aglomerado de 100-200 células.
pelo receptor do transplante, anulando qualquer
benefício advindo da terapia. No entanto, essas
dificuldades poderiam ser contornadas com o uso de
células-tronco embrionárias, obtidas por meio da
clonagem terapêutica de células do indivíduo que se
pretende tratar.
Clonagem terapêutica ×
clonagem reprodutiva
A clonagem terapêutica é uma técnica de
manipulação genética que consiste na transferência do
núcleo de uma célula já diferenciada (proveniente de
um indivíduo adulto) para o interior de um óvulo
enucleado. Forma-se assim o equivalente a um zigoto
e, uma vez iniciado o processo de divisão celular
(clivagem), será constituído um embrião que é um
clone daquele indivíduo (uma cópia geneticamente
idêntica). Pode-se então, na fase de blastocisto, fazer
a retirada de células-tronco embrionárias para uma
posterior diferenciação, in vitro, dos tecidos que se
pretende produzir.
A principal limitação da clonagem terapêutica é
que, se a doença que se pretende tratar tiver origem
genética, o doador não poderá ser o próprio doente,
porque todas as suas células têm o mesmo defeito
genético. É importante ressaltar ainda que a clonagem
terapêutica é diferente da clonagem reprodutiva.
O resultado é que existem, hoje em dia, nesses
“bancos de embriões”, centenas de milhares de
embriões congelados (à espera de uma decisão de uso
que nunca veio) e igual quantidade de embriões que
serão descartados (por serem inviáveis à implantação).
A permissão para utilização ou não desses embriões tem
gerado diferentes respostas em diferentes países. O
assunto é complexo e depende de considerações de
natureza biológica, religiosa, política e social, nem
sempre facilmente conciliáveis.
Até agora, o tratamento experimental de doenças
ou lesões em seres humanos utilizando células-tronco
manipuladas em laboratório foi feito exclusivamente
com células-tronco adultas. Além das considerações
de caráter ético e jurídico que, como vimos, fazem com
que esse uso seja restrito, há
também razões médicas para
transplante
tanto.
Foi verificado (em modelos
obtenção de
animais) que células-tronco
células maduras,
diferenciadas
adulto
embrionárias, quando injetadas
em animais adultos, podem
desenvolver um tumor
célula
somática
denominado teratoma (ou
teratocarcinoma), caracterizado
proliferação
e diferenciação
por uma massa celular, na qual
celular
se constata a presença de vários
núcleo
tecidos diferenciados, sem que
transplantado
para um óvulo que
foi enucleado
mostrem, no entanto, qualquer
grau de organização.
células embrionárias
mórula
pluripotentes em
Além disso, há o problema da
(células totipotentes)
meio de cultura
blastocisto
rejeição imunológica: células-tronco
com massa celular
interna
embrionárias utilizadas em terapia
celular poderiam ser identificadas Por meio da clonagem terapêutica, podem ser obtidas células-tronco embrionárias geneticamente
idênticas ao indivíduo que deve receber o tratamento (por exemplo, um transplante). No laboracomo antigênicas e sofrerem o
tório, promove-se então a diferenciação dessas células em tecidos ou órgãos específicos de acorataque de anticorpos produzidos
do com a necessidade do paciente.
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Na clonagem reprodutiva, o que se busca é a produção
de um clone, para posteriormente implantar esse
embrião no corpo de uma fêmea, resultando no
nascimento de um indivíduo que é a cópia de um
outro, pré-existente.
Com essa técnica já se obtiveram, nesta última
década, clones aparentemente sadios de várias
espécies de mamíferos (a começar pela ovelha Dolly,
em 1997). No entanto, é consenso geral que a
clonagem reprodutiva de um ser humano ultrapassaria
as barreiras do aceitável em termos morais, éticos ou
religiosos, mesmo que essa clonagem fosse feita com
os mais louváveis e elevados propósitos médicos. (Ver
o boxe: LEI Nº- 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005.)
De qualquer maneira, temos pela frente um novo
mundo de possibilidades terapêuticas, disso não há
dúvida. Apenas por meio da informação é que
poderemos nos posicionar a respeito da validade, da
necessidade e da conveniência dessas novas técnicas
de terapia e seu uso em larga escala, num futuro não
muito longínquo.
LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005
(“Nova Lei de Biossegurança”)
(...)
Art. 5-º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões
humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na
data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.
§ 1-º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
§ 2-º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias
humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.
§ 3-º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.
Art. 6-º Fica proibido:
I – implementação de projeto relativo a OGM [organismo geneticamente modificado] sem a manutenção de registro de
seu acompanhamento individual;
II – engenharia genética em organismo vivo ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizado em
desacordo com as normas previstas nesta Lei;
III – engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano;
IV – clonagem humana.
(...)
Obs.: Ficou previsto que essa lei passaria pelo processo de regulamentação no final do mês de agosto de 2005.
ANGLO VESTIBULARES • CÉLULAS TRONCO 11
células-tronco
Celulas_2006
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