"Clássico"? - Histórias Interativas

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Afinal, o que é "Clássico"? Geometria e Status
A arte simétrica e estilizada, segundo Arnold Hauser (1998), denota espiritualização e
religiosidade e uma necessidade premente de organizar e hierarquizar a sociedade, função
atribuída à aristocracia. As civilizações que tiveram aristocracias fortes, como a Mesopotâmia e
o Egito, tendiam à rigidez simétrica, monumental, enfatizando a soberania religiosa e militar
das suas classes dominantes. O naturalismo cretense e posteriormente grego demonstrou
uma apreciação sensualista e materialista da natureza, uma natureza dominada que agora
podia ser comercializada. A aristocracia cretense saiu da ilha para fazer comércio, assumindo
aos poucos uma mentalidade burguesa, relativizada. A arte cretense, além da estilização
elegante de uma aristocracia urbana, ganhou um sentido naturalista burguês, que chegou a
influenciar o Egito. As paisagens cretenses são talvez o primeiro momento da história em que
a arte é puro prazer de fazer arte e admirar e aproveitar a vida e a natureza. A religião e o
naturalismo da arte cretense são parte do legado que esta civilização deixou para os gregos.
Quando os dórios destruíram a civilização micênica, em 1100 a.C., as culturas locais
foram mergulhadas praticamente no neolítico. É preciso novamente dominar a natureza e
reestruturar a sociedade, utilizando-se a forma de comunicação mais direta com os deuses: a
arte. A cerâmica geométrica (Período Geométrico) dórica refletiu uma sociedade agrária
conservadora, sem escrita, cuja classe dominante lentamente se urbanizou e se legitimou
através de mitos heróicos e épicos (Idades Heróica, 1100 a 900 a.C. e Homérica, 900 a 700
a.C.), com o retorno às atividades comerciais. A arte que se seguiu foi uma síntese dos estilos
de dórios agrícolas e jônios urbanizados, uma arte ainda rígida, porém tendendo ao
naturalismo, representando uma nobreza ainda com soberania política, mas começando a
sofrer ameaças econômicas de uma crescente burguesia (Período Arcaico, 700 a 500/480
a.C.). O homem novamente domestica a natureza, criando um mundo perfeito e ideal, onde
tudo está em seu devido lugar: o mundo dos deuses. Da mesma forma que o xamã
paleoeolítico entregava, através da arte, o bisão ao caçador, o grego tenta, através da arte,
alcançar o mundo perfeito dos deuses.
O Estilo Severo (480 a 460 a.C.) alongou as formas, espiritualizando-as, conferindolhes um lirismo que condizia mais com interesses de uma aristocracia mercantil, que precisava
afirmar sua posição através de virtudes especiais, uma vez que o poder monetário deixara de
ser exclusivamente seu. Neste momento de ameaça, se assentaram os alicerces da ética da
nobreza. A partir desse momento, também, a arte assumiu um caráter propagandístico do
ideal aristocrático de beleza espiritual e corporal.
Atenas repeliu os persas em 479 a.C.; a seguir, subiram ao poder Temístocles (479 a
459 a.C.) e depois Péricles (459 a.C.). Esse foi o auge da produção clássica grega, de
“harmonia”, “equilíbrio” e “pureza” (Período Clássico, 460 a 420 a.C.).
O naturalismo
aperfeiçoado e corrigido (reinterpretado) através de medidas matemáticas foi a base do
Classicismo grego. O natural representado de forma racional e idealizada, sutilmente
expressiva, aproximava o homem dos deuses e legitimava os ideais e a soberania militar e
social da aristocracia grega. O escultor Policleto foi considerado o primeiro a estabelecer num
1
tratado escrito o cânone de sete cabeças e meia. Seu Doryphoros (figura 2), um jovem
caminhando segurando uma lança, representa o padrão clássico de proporções humanas
(Ocvirk, 1994).
As obras clássicas são resumidas: um único ponto de vista permite deduzir todo o
restante. A racionalidade e o ritmo unitário da composição, o retângulo áureo, as linhas
paralelas, proporcionam clareza de sentido e objetividade. A marcante presença da trindade,
do triângulo como a primeira forma perfeita estável confere às obras clássicas uma unicidade
de caminhos nos quais é impossível se perder. A economia de elementos e a contenção de
emoções pretendem alcançar um patamar ideal de pureza, harmonia e estabilidade.
Segundo Hauser, a formalização de valores começa a partir do momento que as
faculdades criativas do ser humano ganham autonomia, ou seja, deixam de servir a um
propósito meramente prático de sobrevivência para se constituírem em formas lúdicas de
conhecimento. Nesse momento, a sabedoria prática se desliga de funções espirituais e se
fragmenta em esferas ético-religiosas, científicas e artísticas17.
A civilização grega parece ter sido a criadora do conceito de classicismo na história da
arte. O naturalismo idealizado e racionalizado matematicamente permaneceu vivo ao longo
dos vários momentos da história. A aristocracia grega parece ter sido a primeira a cristalizar o
conceito do naturalismo idealizado, racional e matematicamente aperfeiçoado. As gerações
seguintes subverteram, distorceram, recortaram e resgataram este conceito que parece
profundamente enraizado na psique do ocidental, a eterna busca pelo “mundo dos deuses”,
ideal, puro, clássico. Por isso também essa forma de expressão foi a que melhor representou
os valores da aristocracia, na sua tentativa de legitimar uma soberania militar e social “inata”
sobre as outras classes: os reis estão mais perto dos deuses.
No Período Arcaico, vencida a oposição da aristocracia rural dórica, contrária ao
individualismo, a aristocracia mercantil tinha agora que competir com o crescente poder
monetário da burguesia. Isso tornou necessário o surgimento de um conjunto de valores que
legitimassem e lhe garantissem a posição, tal e qual os usurpadores do poder do
Renascimento, oferecendo
vantagens
e exibições de pompa,
refreada pelo espírito
18
racionalista da época .
Apesar da democracia favorecedora do liberalismo e do individualismo, que nivelaria
as diferenças de classe, abolindo privilégios de nascimento, a influência da nobreza
permaneceu intacta, criando uma convivência de ideais opostos: naturalismo e estilização. A
Atenas do século V era governada em nome do povo, mas no espírito da nobreza.
A
aristocracia procurava disfarçar essa supremacia fazendo concessões formais à burguesia,
mas se sustentava no trabalho da escravidão. A democracia política não conduziu à
democracia econômica; o que houve foi a substituição de uma nobreza de nascimento por
uma nobreza monetária. As concessões formais à burguesia e ao individualismo se refletiram
na representação progressista (naturalista, caracteristicamente burguesa) da forma, porém
restringida por uma série de regras de proporção e de aperfeiçoamento (ou seja, de
“purificação”) essencialmente aristocráticas e conservadoras, refletindo diretamente o conjunto
ético e moral da classe dominante. Esse impulso de representação naturalista tão forte quanto
2
o desejo de proporção e ordem foi o que distinguiu o classicismo grego dos estilos clássicos
dele derivados. Foi provavelmente o ponto de partida para os momentos seguintes da arte
ocidental19.
Segundo Pierre Francastel, as “artes figurativas” possuem uma atração coercitiva
mesmo sobre aqueles que as ignoram, funcionando, junto com as literaturas, como
instrumento das classes dominantes para divulgar e impor crenças20.
No período moderno, a “paradisíaca” natureza do novo mundo e seus “diabólicos”
habitantes são representados, por exemplo, por Eckhout, dentro das proporções áureas do
conceito clássico.
O homem tem 7 cabeças e fisionomia ameríndia, talvez uma concessão realista, mas a mulher
tem 7,5 cabeças e traços que lembram vagamente uma escultura grega; ambos obedecem às
leis de frontalidade e simetria.
A exuberância da natureza (em muitos momentos cientificamente realista, em outros
fantasiosa) é meticulosamente organizada, constituindo-se num cenário artificializado: a
civilização (no caso, holandesa) dominará a natureza,
construindo
cenografias.
Essa
ordenação clássica (“nós temos condições de, com ajuda de Deus e da Ciência, ordenar o
caos desta terra”) condiz com a necessidade de imposição de crenças - por exemplo, a
dominação européia nas Américas - por uma classe dominante, que enfatiza, pela ciência, seu
distanciamento intelectual e sua capacidade de soberania sobre as outras classes e sobre as
classes dominantes católicas, na sua maioria analfabetas e enfraquecidas pela disputa entre
os poderes leigo e religioso.
A saga continua, pois ainda hoje, falamos em "composições clássicas". Ainda que com
motivações completamente diferentes, as classes dominantes contemporâneas ainda buscam
se representar em "estilo clássico". Partindo das definições do texto e da tabela de Donis
3
Dondis, procure identificar produtos configurados segundo tais normas, estabelecendo uma
relação entre os "tipos" de usuário a quem se destinam.
Conjuntos de técnicas segundo escolhas estilísticas (Dondis, 2000:171-181).
“Primitivas”
“Expressionistas”
“Clássicas”
Atividade
Complexidade
Agudeza
Distorção
Distorção
Estabilidade
Colorismo
Espontaneidade
Estase
Espontaneidade
Exagero
Exatidão
Exagero
Irregularidade
Harmonia
Irregularidade Planura
Justaposição
Monocromatismo
Rotundidade
Ousadia
Profundidade
Simplicidade
Rotundidade
Simetria
Variação
Unidade
Verticalidade
“Ornamentais”
Atividade
Brilho
Colorismo
Complexidade
Exagero
Fragmentação
Ousadia
Profusão
Rotundidade
Variação
“Funcionais”
Agudeza
Angularidade
Economia
Estabilidade
Mecanicidade
Monocromatismo
Planura
Previsibilidade
Regularidade
Repetição
Seqüencialidade
Simetria
Simplicidade
Sutileza
Unidade
Bibliografia:
DONDIS, Donis A. A Sintaxe da Linguagem Visual. Tradução Jefferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 2000.
HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
FRANCASTEL, Pierre. A Realidade Figurativa. São Paulo: Perspectiva, 1973, p. 3
OCVIRK, Otto G. et alli. Art Fundamentals, Theory and Practice. Londres: Brown &
Benchmark Publishers, 1994, p. 52.
PANOFSKY, Erwin. Significado nas Artes Visuais. Tradução de Maria Clara F. Kneese et J.
Ginsburg. São Paulo: Perspectiva, (1955) 1991, 3ª ed., pp. 11-87.
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