Igreja e sentimento religioso na Inglaterra do sculo XIV

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ISSN 1981-1225
Dossiê Religião
N.4 – abril 2007/julho 2007
Organização: Karina K. Bellotti e Mairon Escorsi Valério
Igreja Católica e sentimento religioso na Inglaterra do
século XIV
Catholic Church and Religiousness in Fourteenth
Century England
Monica Selvatici
UFPel
Correio eletrônico: [email protected]
Resumo: Este artigo tem por objetivo apresentar os resultados de um estudo de caso da
instituição da Igreja Católica e do sentimento religioso no contexto da Inglaterra do século XIV.
As especificidades do contexto histórico analisado, aliadas a eventos no interior da própria
instituição eclesiástica, incidem de forma extremamente negativa sobre a imagem da Igreja
junto a seus fiéis ingleses.
Palavras-chave: Igreja Católica – religiosidade – Inglaterra – século XIV – anticlericalismo.
Abstract: The purpose of this paper is to present the results of a case study of religiousness
and the Catholic Church in fourteenth century England. The particularities of the focused
historical context and facts related the history of the Church itself create an environment of great
questioning of the purpose of the Church among its English believers.
Key-words: Catholic Church – religiousness – England – fourteenth century – anticlericalism.
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Introdução
O século XIV europeu recebe a alcunha ‘Era das Calamidades’ não por acaso.
A fenda que se produziu no tecido social da Cristandade neste período é a
prova mais contundente dos resultados nefastos, principalmente em termos
humanos, de tais calamidades. Nesta época, “como implica [o poeta] Langland
em seu poema The Vision of Piers the Plowman [A visão de Piers, o lavrador],
sentia-se próximo o fim do mundo” (Briggs, 1994: 122). O sentimento de
desproteção é geral e leva os homens a questionarem a ordem vigente.
De uma forma mais específica, ao nos centrarmos na Baixa Idade Média
inglesa (e, neste caso, podemos compará-la à francesa) observamos ter ela
abrigado, praticamente ao mesmo tempo, os desastres provocados por uma
grande fome, por uma grande peste e por uma infindável seqüência de guerras,
mais tarde agrupadas no que hoje denominamos a Guerra dos Cem Anos
(1337-1453).
Já no início do século, através de uma conjunção de fatores climáticos,
como uma queda anormal de temperatura na Europa e grandes inundações
ocorridas entre os anos de 1315 a 1317, as colheitas são perdidas. Com isso,
ocorre na Cristandade o fenômeno conhecido como a ‘grande fome’. Nas Ilhas
Britânicas, as conseqüências também são desastrosas e, por isso, alguns
historiadores consideram-na a maior crise da agricultura inglesa desde a
invasão normanda. O cronista dos Anais de Bermondsey “conta que os pobres
comiam cachorros e gatos, o excremento das pombas e inclusive seus próprios
filhos” (apud Briggs, 1994: 122-23).
Na Inglaterra, a grande fome recai sobre o reinado de Eduardo II (13071327) 1 . Ela vem agravar severamente a inflação dos preços do gado e dos
cereais, já duplicados entre 1305 e 1310, em razão, dentre outros fatores, da
crescente demanda de impostos que o escasso êxito das campanhas bélicas
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As datas entre parênteses relativas aos reis referem-se ao tempo de seus reinados.
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contra a Escócia impusera à Coroa inglesa. Esta carestia viria a se manter até
1338, quando finalmente se inicia uma baixa dos preços.
O reinado de Eduardo II foi caracterizado por uma política tão desastrosa
quanto a economia. Enquanto os barões o forçavam a reformar a
administração de leis e finanças, os escoceses – que já haviam formado
aliança com a França de modo a derrotar os ingleses, durante o reinado de seu
pai, Eduardo I –, finalmente sob a liderança de Robert Bruce, venceriam o
exército inglês na batalha de Bannockburn (1314). “Após outras frustradas
tentativas a Inglaterra desistiu de sua pretensão de dominar a Escócia em
1328” (McDowall, 1997: 43).
Por último, Eduardo II seria capturado por um exército de senhores
insatisfeitos e, com isso, também por influência da rainha Isabel e o amante
dela, Mortimer, seria deposto pelo Parlamento – que, por meio deste ato,
recebia o direito de renunciar à fidelidade a um rei indigno. Três anos após sua
deposição, Eduardo II é cruelmente assassinado.
A Eduardo II sucedeu seu filho Eduardo III (1327-1377), então com
apenas onze anos. Durante os três primeiros anos de seu reinado, a
administração do reino coube a uma regência. Entretanto, de forma a assumir
rapidamente a coroa, o jovem rei derrubou sua mãe e Mortimer. Por fim,
ordenou que executassem-no de maneira a evitar qualquer tipo de revanche.
O reinado de Eduardo III também foi caracterizado por uma série de
problemas, desde o início de uma infindável guerra contra a França até as
sucessivas epidemias subseqüentes ao primeiro e pior ataque da Peste Negra.
Ainda assim, as atitudes do rei durante seu governo não pareciam condizer
com o estado de coisas instaurado pela presença da guerra, da peste e da
destruição causada por ambas.
Eduardo III precipitou a guerra contra a França ao manifestar suas
pretensões ao trono francês em 1337, após negar sua homenagem e
obediência ao rei francês, na condição de Duque de Aquitânia em razão de
suas terras no sudoeste francês. Tal possessão inglesa de terras em território
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francês advinha ainda do período da invasão normanda no século XI. Essa
possessão foi bastante ampliada no século XII com a ascensão ao trono inglês
de Henrique Plantageneta, conde de Anjou, e a formação daquilo que na
historiografia se convencionou denominar ‘Império Angevino’ (que abrangia,
além da ilha, aproximadamente três quartos do reino francês). No entanto, os
sucessores de Henrique não foram hábeis o bastante a ponto de assegurar
suas possessões francesas: no início do século XIII boa parte dos feudos
angevinos foi tomada pelo monarca francês Filipe Augusto, permanecendo sob
domínio inglês apenas a já mencionada região de Aquitânia (ver Mello, 1997:
19-20).
Eduardo III se baseava em sua descendência direta (era neto por
linhagem feminina) do falecido rei da França, Felipe IV, o Belo, que morrera
sem herdeiros homens (Holmes, 1984: 23). A nobreza francesa, entretanto,
havia escolhido um sucessor, colocando no trono Felipe de Valois, sobrinho de
Felipe, o Belo. Deste modo, Eduardo III desafiou “Felipe de Valois, que se diz
rei da França, (...) [acabando por provocar] uma sucessão de guerras [em] que
[a Inglaterra] começou vitoriosamente para terminar com uma série de várias
adversidades (...) largamente lamentadas” (Briggs, 1994: 125).
As aspirações de Eduardo III ao trono francês, no entanto, não se
calcavam em sua descendência direta de Felipe, o Belo. Esta era, na realidade,
mais uma justificativa do que propriamente um motivo. Havia razões
econômicas envolvidas nesta questão. A Inglaterra, por essa época, mantinha
um lucrativo comércio com a Gasconha (uma região dentro de sua possessão
na França, a Aquitânia). Vendia lã e milho em troca do famoso vinho ali
produzido. Entretanto, este comércio vinha sofrendo interferências do rei
francês, que desejava, assim, fortalecer sua posição perante os nobres que lhe
deviam obediência enquanto seus vassalos, mas que não reconheciam sua
autoridade. Entre estes, encontravam-se o soberano inglês como Duque de
Aquitânia, e o Duque da Borgonha. A Borgonha detinha também enorme
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importância dentro do mapa das rotas de comércio da lã inglesa,
principalmente através da sua província de Flandres.
Ainda no reinado de Eduardo II, em 1324, o rei francês apoderou-se de
parte da Gasconha de modo a desestabilizar o comércio inglês. Mais tarde,
tentou fazer com que o Duque da Borgonha aceitasse sua autoridade. A saída
encontrada pela Inglaterra para que isso não acontecesse foi a ameaça de
levar a Borgonha ao colapso econômico, paralisando suas exportações de lã
para a província de Flandres. Esta ameaça rapidamente levou o Duque
burgúndio a estabelecer aliança com Eduardo III contra os franceses.
Na realidade, o comércio da lã (em forma natural ou transformada em
tecido) era a principal fonte de riquezas da Coroa britânica. Uma prova desta
próspera produção e comércio é o fato de que as primeiras guildas de ofício 2
estabelecidas na Inglaterra foram as dos tecelões em Londres e Oxford no
século XIV. Pode-se perceber, assim, não ter sido difícil para Eduardo III
persuadir os grandes comerciantes a arcarem com os gastos de uma guerra
contra a França. Afinal, estes não poderiam suportar a perda dos negócios com
a província de Flandres, tendo já sido cortadas as lucrativas trocas com a
Gasconha. Já aos senhores de terras e cavaleiros, a guerra seria lucrativa,
“não só como via de evasão das terríveis circunstâncias econômicas e sociais
em que se viam” (Briggs, 1994: 125), mas também através da possibilidade da
apreensão de terras e riquezas, principalmente por meio da pilhagem. E este
confronto, obviamente, seria ainda mais frutífero do que as guerras,
anteriormente empreendidas, contra Gales (em fins do século XIII) e a Escócia,
uma vez que se tratavam, agora, de saques em território francês.
Além de todo o cerco francês ao comércio britânico, importante se faz
lembrar a aliança francesa com a Escócia, ainda no período em que esta lutava
por sua independência em relação ao domínio inglês. Em suma, pode-se
concluir, por meio da seqüência de episódios entre ambos reinos, que uma
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As guildas eram irmandades de artesãos especializados num ofício particular que
administravam todas as operações relacionadas a ele, fixando preços e salários. Elas
controlavam também as oficinas nas quais os jovens artesãos aprendiam sua arte.
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guerra em grandes proporções se tornara iminente. Neste sentido, em 1337,
Eduardo III declara guerra à França.
A participação nas guerras contra Gales e a Escócia rendeu ao exército
inglês, a princípio, um melhor preparo do que ao francês. A conseqüência
desta experiência adquirida em guerras anteriores foi a seqüência de êxitos
bélicos da Inglaterra até 1360. Na batalha de Poitiers em 1356, o próprio rei
Felipe de Valois é feito prisioneiro, e mais tarde libertado em troca da quantia
de 500.000 libras, um valor altíssimo para a época.
As vitórias e as riquezas apreendidas estimulavam o sentimento
nacionalista na Inglaterra, e Eduardo III soube aproveitar e fomentar este
sentimento da melhor maneira possível. O sentido de lealdade, de honra e de
valor ganhava nova força na Inglaterra do século XIV devido ao estado de
guerra, mas principalmente em razão da política de valorização do protocolo e
da hierarquia de títulos, empreendida pelo rei. Assim, após a invasão da
França, ele confere título a seis novos condes. E, em 1348, no mesmo ano em
que a peste atacava, “Eduardo III decidiu criar uma nova ordem de cavalaria, a
dos cavaleiros da Jarreteira, entre os quais estava o próprio soberano” (Briggs,
1994: 125). Desta forma, o rei reunia em torno de si os ricos homens dos quais
dependia para dar continuidade à guerra.
Notável se mostra o fato de que a nobreza de títulos passa a deter (na
terminologia do sociólogo Pierre Bourdieu) maior ‘capital simbólico’ no reinado
de Eduardo III, e que a aspiração a esta nobreza irá nortear todo um certo
conjunto de práticas dentro da sociedade inglesa do século XIV. “A sociedade
se fazia paulatinamente mais hierárquica e se divulgava a fascinação pela
linhagem” afirma Asa Briggs (1994: 125).
Em 1348, chega a Pesta Negra à Europa, abatendo-se sobre populações
já sofridas pela fome. Ela vem da Ásia, trazida pelos navios italianos que a
permitem se alastrar pela Europa a partir do Mediterrâneo. Estende-se por todo
o continente, atacando a Itália e a Península Ibérica primeiramente, sobe até as
diversas regiões da França, e em julho do mesmo ano, chega à Inglaterra, a
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qual devasta no ano seguinte. Neste mesmo período, ataca a Picardia, a
Flandres Galicana, a Alemanha e a Áustria. Por fim, em 1350, a peste atinge a
Escócia e a Escandinávia.
Diz-se da peste que ela devastou entre um quarto e um terço da
população européia, sendo que na Inglaterra os números se mostraram ainda
mais alarmantes, estimando-se que a população possa ter sido reduzida em
até 40%, um índice maior que aquele do continente.
As cidades foram particularmente afetadas em razão da promiscuidade e
da falta de higiene, enfim, devido à maior aglomeração de pessoas.
Configurou-se uma nova situação, através das perdas demográficas, que viria
a afetar toda a sociedade. A diminuição da mão-de-obra campesina permitia
agora uma barganha maior por parte dos trabalhadores rurais (servos ou
homens livres) em relação aos senhores. Através da menor oferta de mão-deobra, os trabalhadores podiam exigir melhores pagamentos por sua jornada de
trabalho diária. Tais pagamentos se faziam na forma de provisões de comida
ou vestimentas, salário ou recompensas de outra ordem.
Essa mudança de forças no pêndulo social leva o rei a tentar controlar a
situação. Eduardo III lança, então, o Decreto dos Trabalhadores (Ordinance of
Labourers), em 1349, de modo a impedir o aumento do valor das jornas pagas
pelos senhores, e a resguardá-los, enfim. Entretanto, os esforços do rei não
têm o resultado esperado, na medida em que outro estatuto é lançado (Statute
of Labourers, 1351) concernindo à mesma questão, ou seja, a tentativa de
congelamento das jornas dos trabalhadores rurais e a manutenção destas em
seu valor anterior ao ano da Peste. Eduardo III, nos dois documentos, decreta
que os pagamentos devem ser os mesmos daqueles efetuados em 1347, ou
cinco ou seis anos anteriores a esta data.
Segundo Asa Briggs, a posição econômica relativa dos segmentos
inferiores melhorou após a Peste, tendo podido alguns vilões e homens livres
prosperar através da compra e venda de terras, em pequenas parcelas. Tais
pedaços de terra eram adquiridos de seus senhores ou de seus iguais. Este
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processo acabou por produzir diferenças notáveis de riqueza entre os
trabalhadores do campo, diferentemente de como havia ocorrido no período em
que reinava uma organização basicamente feudal.
A situação de um maior poder de barganha também chegou àqueles que
exerciam ofícios especializados como tecelões, sapateiros, seladores, ferreiros,
etc. E os donos de seus próprios estabelecimentos, como açougueiros,
padeiros e taverneiros também prosperaram na medida em que podiam cobrar
mais por seus produtos e serviços. Em sentido contrário, os senhores de terras
(leigos e eclesiásticos) perderam muitos de seus benefícios, vendo-se
obrigados a aceitar as cobranças por melhores pagamentos e condições de
trabalho, como a inclusão de refeição ou bebida ou outros tipos de cortesia,
feitas pelos vilões e trabalhadores rurais livres.
A peste deixou efeitos demográficos que não foram reparados devido às
novas ondas de epidemias menores que incorreram sobre a Cristandade nos
anos subseqüentes à primeira, em intervalos de dez a quinze anos,
aproximadamente.
Michel Le Mené tem outra visão a respeito das condições sociais, no
quadro geral da Europa, no período posterior à peste até o século XV. Segundo
ele (1979: 38), convém não exagerar a idéia de uma melhoria generalizada das
condições de vida (para o autor, apenas umas poucas famílias, a longo prazo,
se beneficiaram com esta situação), porque apesar da diminuição da
população, a pobreza aumentou e a diferença social também, tendo a
concentração trabalhado sobretudo em favor dos ricos.
Entretanto, na Inglaterra, nos anos que se seguem à Peste, percebe-se o
aparecimento de novos grupos sociais no sentido de uma maior estratificação
da hierarquia social provocada pela maior distribuição da riqueza entre os
diversos
segmentos.
A
quebra
na
‘sociedade
trifuncional’
(imagem
desenvolvida pela Igreja no período feudal para explicar a realidade social dos
clérigos, senhores/cavaleiros e camponeses), provocada pelo aparecimento do
elemento burguês no século XII evoluía agora para uma estratificação social
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ainda maior. Uma prova cabal deste processo é a preocupação em se criar
uma legislação suntuária em 1363 que se ocupasse de estabelecer a
indumentária adequada para os distintos grupos sociais. A crescente
preocupação com a questão do status social se propaga ao longo de toda a
hierarquia social, a partir dos segmentos mais altos através da generalização e
diversificação dos títulos hereditários, e destes até a base. Desta forma,
condes e barões se diferenciavam dos cavaleiros, e estes dos gentlemen. Tais
“homens bons” mantinham sua posição superior à dos yeomen. Já estes
últimos, por sua vez, não se equiparavam aos lavradores (husbandmen).
Outro fato que vem corroborar a hipótese de que houve uma maior
estratificação da sociedade inglesa é o de que no ano anterior ao
estabelecimento da legislação suntuária, em 1362, o parlamento ordenara a
substituição do latim pelo inglês no seguimento de todos os pleitos judiciais.
Esta medida reflete a tentativa de manter a ordem e o controle da situação por
meio de uma comunicação mais eficaz (Briggs, 1994: 129), visto que o inglês
era já a língua partilhada por todos os habitantes do reino.
Alheia a este contexto, a guerra ainda se fazia. De fato, como afirma G. G.
Coulton (1946: 505), “a Peste Negra parece ter tido muito pouco efeito sobre a
Guerra dos Cem Anos; aparentemente foi sempre possível encontrar
soldados”. Em 1360, pelo tratado de Brétigny, declara-se a paz entre os dois
reinos e a Inglaterra encontra-se em situação de infinita vantagem em relação à
sua adversária. Eduardo III já podia respirar aliviado uma vez que havia
restabelecido controle sobre áreas anteriormente mantidas pela Coroa
Britânica. Por esse tratado, a França reconhecia a autoridade inglesa sobre a
região da Aquitânia, sobre partes da Normandia e Bretanha, e sob o recém
capturado porto de Calais.
Entretanto, a guerra logo se reinicia. Nestes novos anos, ela passa a ser
desvantajosa à Coroa Inglesa e muito dispendiosa; a França tem êxitos nas
batalhas e, com isso, em quinze anos, a Inglaterra perde todas suas
aquisições, com exceção dos portos de Calais, Cherbourg, Brest, Boudeaux e
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Bayonne. Somando-se a isso, o filho primogênito de Eduardo III, conhecido
pela alcunha de Príncipe Negro (Black Prince), e admirado por seus dotes de
cavaleiro e seu desempenho durante as batalhas contra a França, morre em
1376. O sucessor ao trono passa a ser Ricardo, o filho mais novo. No mesmo
ano, os franceses fazem incursões nas costas do Sul da Inglaterra, o que abate
ainda mais os ânimos ingleses.
Em 1377, os representantes da Igreja no Parlamento reclamam ao rei
acerca da recusa dos vilões em cumprir suas tarefas servis, e de sua nova
prática de se reunir e fazer protestos. Segundo G. G. Coulton (1946: 504-5),
eles clamavam que “se as medidas necessárias não forem tomadas pelo
Parlamento, um grande descontrole (que Deus nos livre!) irá tomar lugar”. 3 Na
realidade, havia por parte dos senhores uma tentativa de restituição de antigos
deveres feudais aos camponeses, que já não eram mais aceitos por estes em
face à nova configuração social.
John Gower, poeta inglês desse período, nos oferece um excelente testemunho da apatia – muito
em razão do temor de uma invasão francesa – dos senhores de terras em relação ao crescente estado de
inquietude dos camponeses. O poeta expõe sua veia conservadora ao alertar para a necessidade de
medidas que coibissem a proliferação de “sentimentos de natureza demasiado violenta” (apud Briggs,
1994: 131).
De fato, tais ‘sentimentos de natureza violenta’ tornaram-se atos no ano
de 1381, com a Revolta dos Camponeses que, a princípio, não teve esse
nome. Na realidade, o fato que fez eclodir a revolta, a partir do
descontentamento geral que já existia, foi o intento do Parlamento em cobrar
um novo imposto universal, per capita, igual para todos os habitantes do reino,
e não proporcional ao nível social. Era já o terceiro imposto deste tipo desde
1377, e o seu valor havia sido triplicado.
A revolta se iniciou em Essex, Kent, Norfolk, Suffolk e Hertfordshire,
através de uma série de levantes populares. Em Kent, os revoltosos
encontraram um líder carismático para seu movimento. Chamava-se Wat Tyler.
3
“if due remedy be not provided by Parliament, greater mischief (which may God prohibit!) will
ensue”.
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Os rebeldes marcharam desde o campo até Londres, o que ameaçou a Corte.
Tomando tais proporções, a revolta organizada passava a reivindicar o fim dos
vínculos legais de vassalagem. E no desenrolar das lutas, havia, até mesmo,
membros da gentry que aceitavam apoiar os revoltosos. Isto se explica pelo
fato de que eles não eram o objetivo direto da hostilidade camponesa. Por fim,
morreram o próprio Arcebispo de Canterbury e o Tesoureiro do reino, mas a
revolta foi reprimida à força, tendo os rebeldes ainda vivos, sido severamente
castigados.
Ainda assim, os objetivos dos rebelados foram, em sua parcialidade,
atingidos, uma vez que, apesar de não abolida, a vassalagem sofreu um forte
golpe, perdendo adeptos; assim como o último imposto universal nunca chegou
a ser cobrado. Já nas cidades, em Londres principalmente, os pequenos
artesãos sofriam a aplicação da regulamentação das guildas, às quais todos
eram sujeitos. Estas controlavam, cada uma, as operações de seu próprio
ofício, e também fixavam os salários e preços. Pouco a pouco, as guildas
conquistaram o controle completo do governo municipal nas cidades inglesas.
O próprio Conselho Municipal de Londres era, em sua maior parte, composto
dos líderes dessas companhias. Tais homens se tornavam, por vezes, mais
úteis ao rei que os próprios senhores feudais uma vez que o soberano se
dirigia a eles para pedir ajuda monetária para seus grandes empreendimentos.
De fato, o início da guerra contra a França só foi possível através de seu
financiamento
pelos
grandes
comerciantes
de
Londres,
como
vimos
anteriormente.
Paralelamente à redefinição das relações no campo e na cidade, a
Inglaterra viu crescer, não somente um antipapismo, mas também um
anticlericalismo geral, na segunda metade do século XIV. Este teve abundantes
partidários no Parlamento, que chegaram a debater a conveniência de se
cobrar impostos aos clérigos e, mesmo, confiscar certas terras à Igreja, após a
deposição do influente bispo William de Wykeham de seu cargo de Chanceler,
em 1371. O anticlericalismo tomou proporções ainda maiores quando, em
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1378, se produziu o Cisma do Ocidente e a Cristandade se viu diante de dois
papas, um em Roma, e outro em Avignon – cidade da inimiga França.
A descrença nos membros da Igreja se personificou em movimentos de
protesto religioso, dentre os quais o mais organizado foi o dos Lolardos, que
tinha à sua frente o teólogo de Oxford, John Wycliffe. Suas idéias anticlericais
se transformaram, com o advento do Cisma, em reivindicações de profundas
reformas na doutrina ortodoxa da Igreja. Este pastor era aliado do Duque de
Lancaster, John de Gaunt, que era, por sua vez, o nobre mais influente em
todo o reino inglês. Em razão desse fato e também de sua popularidade
pessoal, todas as tentativas de prisão e condenação de Wycliffe por parte dos
bispos, e mesmo do papa, foram inoperantes. Suas pregações defensoras,
dentre outros pontos, da Bíblia como única base sólida para as crenças cristãs,
acabaram por se difundir no século XV, criando toda uma tradição lolarda que,
considerada uma heresia, não foi facilmente reprimida pela Igreja.
A instituição eclesiástica e o sentimento anticlerical no século XIV inglês
A Igreja na Inglaterra, assim como no resto das Ilhas Britânicas, em fins do
Medievo, passava pelo período de enraizamento das práticas, valores e das
estruturas que haviam se estabelecido nos séculos XII e XIII. Existia já uma
ecclesia anglicana instaurada e assim chamada desde o século XII. Entretanto,
segundo Philippe Contamine (1990: 658. Grifo nosso), esta “designou
primeiramente a Igreja na Inglaterra antes de designar a Igreja da Inglaterra”.
O quadro humano da Igreja, no século XIV, compreendia os bispos e os
padres de paróquia (normalmente homens simples, de pouca educação), os
religiosos dos mosteiros (os monges), e também, os freis, que se diferenciavam
dos monges por se manterem em caminhada. Estes freis pertenciam às ordens
mendicantes que haviam, no século XIII, se inspirado no exemplo dado por São
Francisco. Iam de lugarejo em lugarejo, nos quais pregavam e pediam esmola.
Em príncipio, o dinheiro arrecadado era destinado aos desvalidos, e não a eles
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próprios, uma vez que estes freis faziam voto de pobreza. Finalmente, a
proteção da Igreja estendia-se a um grande número de clérigos, que não
administrando paróquias e nem sendo sujeitos à disciplina religiosa, exerciam
apenas a função de secretários e escrivãos nos assuntos legais da instituição.
Como afirmado anteriormente, a Peste Negra criara uma fenda no tecido
social da Cristandade e, a partir disso, abrira espaço para uma série de
transformações que viriam a afetar praticamente todas as instâncias da vida
social. A Igreja não deixou de sentir os efeitos sociais e morais trazidos pela
peste. Na Inglaterra, ela perdeu 55% de seus membros, tendo seu corpo
encolhido de dezoito mil para, somente, oito mil religiosos (o que revela uma
taxa de mortalidade maior do que a do povo em geral). A taxa de mortalidade
entre o clero paroquial foi de 40%, enquanto entre os bispos, esta foi abaixo de
18%. Tais números revelam evidentemente a maior proximidade do baixo clero
em relação à comunidade e, desta forma, as conseqüências de tal
proximidade. Em função de tal situação de calamidade, muitos padres e
capelães se recusavam a fazer o serviço religioso sem o pagamento de um
salário maior ao que costumavam receber em épocas normais.
G. G. Coulton (1946: 497) nos mostra a situação de convulsão provocada
entre os religiosos pela epidemia, através da menção à existência de um
mandado do bispo de Rochester, datado de 27 de junho de 1349, dirigido ao
arquidiácono de Rochester, no qual ele ordena o serviço dos clérigos desta
paróquia ante os mesmos salários, “sob ameaça de suspensão e interdito”
caso fizessem o contrário. Entretanto, muitos padres, ao verem que o número
de seus paroquianos diminuía consideravelmente, desertavam de suas
funções. Coulton (1946: 497) acrescenta: “Contra estes desertores o bispo
decretou medidas que tinham pouca probabilidade de ser efetivas”. Em razão
deste processo, na diocese de York, o número de padres ordenados em 1349 é
três vezes maior do que aquele em 1345. André Vauchez, juntamente com
Michel Mollat (1990: 664), afirma sobre isso: “Não somente o contrôle de
entrada deve ter sido muito menos rigoroso, mas também é preciso admitir que
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um número considerável de leigos e de simples noviços ou colegas
responderam de pleno agrado ao apelo”.
Na realidade, os padres e freiras que fugiam da proximidade dos doentes
o faziam tanto quanto os médicos e notários. Eram, em verdade, homens
simples, dotados dos mesmos medos e angústias que afligiam as pessoas
comuns. Entretanto, o julgamento da comunidade a seu respeito foi incisivo na
medida em que a peste mostrara, a seu ver, o clero como um corpo composto
de homens e mulheres indignos do ofício sagrado (Coulton, 1946: 500). Esta
conclusão geral é ainda reforçada pelo fato de ter sido o clero atingido da
mesma forma, ou até mais intensamente (observa-se a perda de 55% do
quadro total da Igreja), pelo flagelo.
Apesar de as autoridades eclesiásticas terem expedido decretos e
adotado medidas no sentido de manter algum tipo de liderança espiritual sobre
seu rebanho, quando da ausência dos padres, este rebanho já começava a
responder à situação de desespero criada pela peste à sua própria maneira –
principalmente, por meio do misticismo –, não mais parecendo necessitar de
seus mediadores espirituais. Tal processo se devia em muito a esta carência
de acolhida religiosa, e também à ausência de explicações plausíveis para a
catástrofe sofrida pela Cristandade.
Neste momento, vê-se freqüentemente a prática dos Flagelantes. Há, na
realidade, desde o século anterior um desenvolvimento de movimentos
místicos entre os leigos, dentre os quais as mulheres têm preponderância. As
beguinas
eram
o
melhor
exemplo
deste
processo
uma
vez
que,
compreendendo um grupo de mulheres leigas, saídas do povo e sem instrução,
tinham a permissão para levar suas mensagens proféticas aos reis e, inclusive,
ao papa (cf. Vauchez, 1995: 150-58).
Percebe-se um sentimento de procura por uma união com Deus,
intimamente ligado à necessidade de purificação da Igreja. E, nas diferentes
correntes místicas, vê-se uma imitação voluntária dos sofrimentos de Cristo,
cuja humildade e pobreza já haviam sido pregadas por São Francisco.
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Entretanto, estas se diferem da Sequela Christi franciscana na medida em que,
por vezes, procuram a dor e “os excessos estranhos de mortificação”, nas
palavras de Michel Mollat. Segundo o autor (1980: 299), a inovação do século
XIV é que
tudo se passa como se a validade de uma missão profética não resulte
somente de um poder confiado pelos chefes hierárquicos da Igreja, mas
possa proceder de uma inspiração e de uma impulsão, pessoal e direta, do
Espírito Santo.
Aliada à crise de seu papel como guia espiritual da Cristandade, a Igreja
Católica tem sua posição hegemônica ameaçada com o desenvolvimento do
sentimento nacional nos diversos reinos. Na Inglaterra, a conseqüência deste
processo foi a proibição, em meados do século XIV, da apelação ao tribunal
papal nos processos judiciais em curso no país e envio de taxas eclesiásticas
para o exterior. A instituição na Inglaterra começava a criar autonomia em
relação ao papado.
O Cisma do Ocidente, iniciado em 1378, veio contribuir para a crise por
que passava a instituição eclesiástica. Ele teve seu início com a tentativa do
papa Gregório XI de restituição do papado a Roma, apesar dos esforços da
monarquia francesa dos Valois em mantê-lo, a qualquer custo, na cidade de
Avignon. Ele se estabelecera em Avignon em 1309, para desgosto dos
romanos que, por se tratar de uma Igreja Romana, e também por razões
econômicas, o queriam de volta. Segundo E. Delaruelle (1962: 5), a cidade de
Roma não conhecia outro comércio que não a exploração dos peregrinos.
Após o restabelecimento do papado em Roma, Gregório XI morre, o que cria o
impasse a respeito de sua sucessão. Os romanos desejam que o novo papa
seja romano e a população pressiona o Sacro Colégio neste sentido. O eleito
deve obter dois terços dos votos dos cardeais. A pressão da população e o
clima de revolta em Roma apressam a eleição. Assim, apenas dezesseis dos
vinte e dois cardeais chegam a votar.
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Bartolomeu Prignano, arcebispo de Bari, é o escolhido, adotando o nome
de Urbano VI. Segundo Delaruelle (1962: 9), esta era uma escolha prudente,
uma vez que o novo papa possuía duas qualidades: era italiano de nascença
(mas não romano) e avignonês de carreira. Após assumir o posto, Urbano VI
modifica sua atitude em relação aos prelados que o haviam elegido. Passa a
atacar o luxo deles, o seu gosto pela pompa e o fato de que pouco fazem em
conformidade com o ideal evangélico. Tal comportamento obviamente
desagrada os cardeais. A resolução dos prelados ante a insubordinação de
Urbano é a de tentar anular sua eleição. Eles procuram nas coleções jurídicas
argumentos que justifiquem sua medida, no entanto nenhum documento
estabelece de forma peremptória a ilegalidade desta eleição. Assim mesmo,
eles a desfazem apoiando-se em certos detalhes irregulares do processo de
eleição e declaram vago o trono papal romano. Uma segunda eleição
estabelece Clemente VII em Avignon. Estava desencadeado o Cisma: a
existência simultânea de dois papas, um residindo em Roma, outro na cidade
francesa.
Para as autoridades inglesas em Roma, a eleição de Urbano era legítima,
o que suscitava nos cronistas ingleses um sentimento marcadamente
antifrancês. Além disso, motivos claramente políticos referentes à questão da
guerra constante entre França e Inglaterra influenciaram a opinião destes
cronistas. Thomas Walsingham, no documento Responsio episcoporum,
acusava os cardeais de dividirem a Igreja por motivos de ambição. De acordo
com Margaret Harvey (1980: 550), três foram os motivos pelos quais os
cardeais abandonaram Urbano VI: ele apoiara o rei da Inglaterra contra o rei
francês, desejara que eles reformassem suas igrejas titulares, e também
tentara reformar suas vidas, condenando as riquezas que mantinham.
Na Inglaterra, a atmosfera era de rejeição ao clero, considerado devasso
por alguns mais radicais, como exposto no poema, de autor anônimo, The
Complaint of the Ploughman [A queixa do Lavrador],
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Da Santa Igreja fazem uma prostituta/ e enchem-lhe a tripa de vinho e
cerveja (apud BRIGGS, 1994: 133).
Com efeito, o protesto contra a riqueza e os privilégios da Igreja era
generalizado. O ideal de vida religiosa havia se desvirtuado e tanto bispos
quanto padres, monges e freis eram criticados por este progressivo
desvirtuamento
do
ideal
para
a
prática
mundana
e
pecadora.
Tal
anticlericalismo se refletia nos movimentos de protesto religioso, dentre os
quais, o mais forte e organizado foi o Lolardo, fundado por John Wycliffe,
teólogo formado em Oxford que estudara com eruditos marcadamente críticos
da doutrina ortodoxa. Ele só começou a difusão de suas idéias em 1378 por
ocasião do Cisma do Ocidente. Em relação ao evento, ele demonstrava grande
hostilidade em relação aos prelados e se posicionava claramente a favor de
Urbano VI, considerando-o um homem verdadeiramente evangélico – opinião
veiculada na ‘Carta ao Papa Urbano’ escrita, provavelmente, logo após a
eleição deste último.
Os textos de Wycliffe reivindicavam, primeiramente, a Bíblia como única
base sólida para as crenças cristãs. Além disso, os textos sagrados deveriam
ser divulgados em inglês e colocados ao alcance de todos. Ele condenava a
vida monástica e a manutenção pela Igreja de suas riquezas – questão em
relação à qual a maioria dos movimentos anticlericais estava de acordo – e
defendia, ao contrário, o casamento aos clérigos. Suas idéias, consideradas
heréticas, incomodavam o arcebispo de Canterbury. Por diversas vezes,
escapou da condenação enquanto herege, graças a suas relações com os
nobres do período, dentre eles o duque de Lancaster e a viúva do Príncipe
Negro. Além disso, com o passar do tempo sua popularidade cresceu em meio
aos habitantes de Londres. Suas pregações se difundiram no século XIV e
criaram toda uma tradição lolarda deixando marcas profundas na prática da
crença religiosa na Inglaterra, que havia tido como referencial, até então,
apenas os princípios impostos pela Igreja.
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Percebe-se, a título de conclusão, no caso específico da Inglaterra no
século XIV reações muito próximas daquelas adotadas por parte da população
no continente em relação às práticas mundanas do clero, práticas consideradas
discordantes do ideal evangélico. O sentimento anticlerical generalizado neste
período se transformava, assim, no início de um processo de questionamento
da instituição eclesiástica que, pouco mais de um século mais tarde, se
afirmaria com as idéias de Lutero (acerca da venda de indulgências por parte
da Igreja) e o advento da Reforma Protestante.
Agradecimentos:
Meus sinceros agradecimentos à colega Gracilda Alves pelas conversas sobre o tema
desenvolvido e pelas sugestões de aprimoramento dadas a uma prévia deste texto. A
responsabilidade por quaisquer faltas cometidas e, obviamente, pelas idéias aqui
apresentadas recai, no entanto, sobre a autora.
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Recebido em abril/2007.
Aprovado em junho/2007.
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