O T R ATA M E N T O A L O N G O P R A Z O C O M A Z AT I O P R I N A A U M E N TA O R I S C O DE NEOPLASIAS E O RISCO DE MORTE EM DOENTES COM LÚPUS E R I T E M AT O S O S I S T É M I C O ? P. Nero, A. Rahman, D. Isenberg Hospital de Egas Moniz, Lisboa University College of London, London, United Kingdom RESUMO Introdução: O risco de neoplasia associado ao tratamento com azatioprina nos doentes com Lúpus Eritematoso Sistémico (LES) não foi ainda avaliado. Objectivo: Verificar se o tratamento com azatioprina em doentes com LES aumenta os riscos de neoplasia e de morte. Métodos: Foram revistos os processos de 358 doentes com LES seguidos na Consulta de Lúpus da University College London (UCL), entre 1978 e 2002. O teste Qui-quadrado foi utilizado para verificar se existia alguma correlação estatisticamente significativa entre o tratamento com azatioprina e os riscos de neoplasia e morte neste grupo de doentes. Resultados: Foram seguidos 358 doentes, 326 (91,1%) do sexo feminino e 32 (8,9%) do sexo masculino. Os doentes alguma vez tratados com azatioprina foram 148 (41,3%). Quarenta e nove doentes (13,7%) morreram, dos quais 27 fizeram medicação com azatioprina e 22 não. Oito doentes medicados com este fármaco desenvolveram uma neoplasia versus 14 doentes não medicados com azatioprina. Na tabela 1 são apresentados os números de neoplasias e de mortes nos doentes com LES tratados com azatioprina, de acordo com a duração do tratamento: Não existe relação estatisticamente significativa entre o tratamento com azatioprina e o risco de neoplasia ou morte nos doentes com LES. Conclusão: Esta parece ser, Azatioprina Número Mortes Neoplasia quer utilizada a curto quer a longo prazo, uma terapêutica segura < 1 ano 38 5 (15,8%) 0 no tratamento destes doentes. 1-4 anos 55 10 (18,2%) 5 (9,3%) 5-9 anos ≥10 anos 40 15 11 (27,5%) 1 (6,7%) 3 (7,5%) 0 ABSTRACT Background:There are no data concerning azathioprine related complications in the treatment of patients with SLE. We have assessed the risk that azathioprine treatment predisposes to the development of malignancies and death in patients with SLE. Methods: We reviewed the case notes of 358 patients with SLE under long term follow up in the Lupus Clinic at University College London (UCL), between 1978 and 2002. Results: 326 (91.1%) patients were female and 32 (8.9%) male. 148 (41.3%) were treated at anytime with azathioprine while 210 (58.7%) never used this second line agent. Fourty-nine (13.7%) of our patients have died. Twenty-seven (18.2%) had received azathioprine, 22 (10.5%) had not. Eight of our patients prescribed azathioprine developed a malignancy, whereas 14 not given azathioprine have done so. These differences are not statistically significant (Chi square test). Table 1 shows the number of malignancies and death in SLE patients treated with azathioprine, according to the duration of treatment: Conclusions: We conclude that Azathioprine Number Died Malignancy although azathioprine seems to be a safe second line agent for the < 1 year 38 5 (15,8%) 0 treatment of patients with SLE 1-4 years 55 10 (18,2%) 5 (9,3%) larger and even more long-term 5-9 years 40 11 (27,5%) 3 (7,5%) studies are needed to confirm ≥10 years 15 1 (6,7%) 0 these findings. Ó R G Ã O O F I C I A L D A S O C I E D A D E P O R T U G U E S A D E R E U M AT O L O G I A 72 - A C TA R E U M P O R T . 2 0 0 3 ; 2 8 : 7 1 - 7 4 ARTIGOS O T R AT A M E N T O A Z AT I O P R I N A NEOPLASIAS COM E O LÚPUS A ORIGINAL LONGO A U M E N TA RISCO DE PRAZO O RISCO MORTE E R I T E M AT O S O EM COM DE DOENTES SISTÉMICO ? P. Nero*, A. Rahman**, D. Isenberg** Introdução Material e Métodos Os fármacos imunossupressores foram inicialmente utilizados no tratamento de neoplasias, situações associadas a um mau prognóstico e que por isso tornava aceitáveis os seus potenciais efeitos secundários. Nas últimas três décadas as suas indicações terapêuticas abrangeram o tratamento de algumas doenças reumáticas1. A azatioprina é um anti-metabolito que interfere na síntese das purinas, o que lhe confere uma acção imunossupressora. Tem sido utilizada no tratamento de doentes com Lúpus Eritematoso Sistémico (LES) com envolvimento renal, ou como agente poupador de corticóides. Os seus principais efeitos adversos são a mielossupressão, a intolerância gastrointestinal e o aumento da susceptibilidade para infecções e neoplasias2,3. O aumento do risco de neoplasias no LES é um tema controverso. Alguns trabalhos demonstram um aumento da sua incidência associado a esta patologia4-8 enquanto outros não9-11, incluindo um trabalho anteriormente publicado referente à nossa população12. O risco de neoplasias associado ao tratamento com azatioprina nos doentes com LES não foi ainda avaliado. Foram cuidadosamente revistos os processos de 358 doentes com o diagnóstico de LES seguidos prospectivamente na Consulta de Lúpus da University College London (UCL), entre 1978 e 2002. Para além do sexo, foram registados num protocolo elaborado para o efeito, todos os doentes que fizeram tratamento com azatioprina no decorrer da doença, a duração do mesmo, a ocorrência de neoplasias e o número de mortes. O teste Qui-quadrado foi utilizado para verificar se existia alguma correlação estatisticamente significativa entre o tratamento com azatioprina e os riscos de neoplasia e morte neste grupo de doentes. Resultados Foram seguidos 358 doentes na Consulta de Lúpus na UCL, 326 (91,1%) do sexo feminino e 32 (8,9%) do sexo masculino. Os doentes alguma vez tratados com azatioprina foram 148 (41,3%) e 210 (58,7%) nunca utilizaram este fármaco. A maioria dos doentes, 83,2%, são ainda seguidos, tendo apenas 3,1% abandonado a Consulta de Lúpus. Na tabela 1 são apresentados os números de neoplasias e de mortes nos dois grupos de doentes. Na tabela 2 são apresentados os números de neoplasias e de mortes nos doentes com LES tratados com azatioprina, de acordo com a duração do tratamento. Usando o teste Qui-quadrado, não encontrámos nenhuma relação estatisticamente significativa entre o tratamento com azatioprina e o risco de neoplasia ou morte nos doentes com LES, como representado na tabela 3. Objectivo O nosso objectivo foi verificar se o tratamento com azatioprina em doentes com Lúpus Eritematoso Sistémico (LES) aumenta os riscos de neoplasia e de morte. * Unidade de Reumatologia, Hospital de Egas Moniz, Lisboa ** Centre for Rheumatology, Department of Medicine, University College of London, London, United Kingdom Ó R G Ã O O F I C I A L D A S O C I E D A D E P O R T U G U E S A D E R E U M AT O L O G I A 73 - A C TA R E U M P O R T . 2 0 0 3 ; 2 8 : 7 1 - 7 4 T R ATA M E N T O A L O N G O P R A Z O C O M A Z AT I O P R I N A Não encontrámos, numa revisão da literatura publicada, nenhum trabalho que relacione o Mortes Abandonos Neoplasia tratamento com azatioprina nos Azatioprina 27 (18,2%) 2 (1,4%) 8 (5,4%) doentes com LES e o risco de neoSem azatioprina 22 (10,5%) 9 (4,3%) 14 (6,7%) plasia e de morte, como constatado anteriormente num trabalho de J. Cibere e colaboraTabela 2. Números de neoplasias e de mortes em doentes com LES dores.7 tratados com azatioprina Em 1988 A. Silman, J. Petrie, B. Hazleman e S. Evans publicaram Azatioprina Número Mortes Abandonos Neoplasia um trabalho de 20 anos de segui< 1 ano 38 5 (15,8%) 0 0 mento de doentes com artrite 1-4 anos 55 10 (18,2%) 2 (3,8%) 5 (9,3%) reumatóide tratados com azatio5-9 anos 40 11 (27,5%) 0 3 (7,5%) prina. Concluem que este trata≥10 anos 15 1 (6,7%) 0 0 mento duplica o risco de doença linfoproliferativa em relação à doença por si só, mas não podem Tabela 3. Relação entre o tratamento com azatioprina e o tirar conclusões quanto ao aumento das risco de neoplasia e de morte em doentes com LES neoplasias em geral.13 Matteson e colaboradores descreveNeoplasia Morte ram em 1991 um aumento significativo Tratamento com azatioprina p=0,575 p=0,06 do risco de neoplasias hematológicas em doentes com artrite reumatóide tratados com azatioprina.14 Não encontrámos nenhuma referência ao O p foi considerado estatisticamente significaaumento da incidência de neoplasias em geral, tivo quando inferior a 0,05. Foram excluídos da em doentes com artrite reumatóide tratados com análise estatística os doentes que abandonaram a azatioprina. consulta. Tabela 1. Número de neoplasias e de mortes em doentes com LES Discussão Conclusão Analisámos uma população de 358 doentes com LES no Reino Unido, dos quais 148 (41,3%) fizeram tratamento com azatioprina no decorrer da doença. Destes, 27 (18,2%) morreram, 8 (5,4%) desenvolveram neoplasias e 2 (3,8%) abandonaram a consulta. Cinco doentes falecidos foram tratados com azatioprina por menos de 1 ano, 10 entre 1 e 4 anos, 11 entre 5 e 9 anos e 1 durante mais de 10 anos. Cinco doentes que desenvolveram neoplasias fizeram terapêutica com azatioprina entre 1 e 4 anos e 3 entre 5 e 9 anos. Os doentes que abandonaram a consulta estavam medicados com azatioprina há 3 anos. A revisão dos tipos de neoplasia desenvolvida está fora do âmbito deste trabalho e foi revisto anteriormente12. Verificámos que não existe qualquer relação entre o tratamento com azatioprina e o risco de neoplasia (p=0,575) ou o risco de morte (p=0,06). Não encontrámos relação entre o tratamento com azatioprina e os riscos de neoplasia e de morte na nossa população de doentes com LES. Esta parece ser, quer utilizada a curto quer a longo prazo, uma terapêutica segura no tratamento destes doentes. No entanto, são necessários mais estudos com um número ainda maior de doentes e com maior tempo de seguimento. Endereço para correspondência: Patrícia Nero Alameda Roentgen, 4-10 B 1600-503 Lisboa Tel: 966131386 • Fax: 213627296 e.mail: [email protected] Referências Bibliográficas 1. B. Hazleman. Incidence of neoplasms in patients with rheumatoid arthritis exposed to different treat(Continua na página 113) Ó R G Ã O O F I C I A L D A S O C I E D A D E P O R T U G U E S A D E R E U M AT O L O G I A 74 - A C TA R E U M P O R T . 2 0 0 3 ; 2 8 : 7 1 - 7 4