CONSIDERAÇÕES E REFLEXÕES SOBRE O SABER FILOSÓFICO E A DOCÊNCIA EM FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO GONÇALVES, Hegildo Holanda1- IFPB LIMA, Maria Socorro Lucena2- UECE ARAÚJO, Regiane Rodrigues3- UECE CAPRINI, Aldieris Braz Amorim4- IFES/PUCSP COSTA, Elisangela André da Silva5- UFC / FCRS Grupo de Trabalho - Cultura, Currículo e Saberes Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo O presente artigo faz uma reflexão sobre o saber filosófico e a docência no âmbito da Filosofia. A problemática motivadora dessa investigação surgiu a partir das seguintes indagações: o que é o saber filosófico? Como situar o ensino de Filosofia no curso de licenciatura? Como se consolida a prática do docente de Filosofia? Com base nas teorias de Rios (2001), Kant (1983), Ghedin (2009), Gallo (2007), Deleuze e Guattari (2010), entre outros, é tecido um diálogo com os estudos desses autores sobre o ensino de Filosofia, o saber filosófico e a formação do docente que leciona Filosofia. As reflexões apresentadas no texto pretendem aprofundar teoricamente elementos conceituais que possibilitem a compreensão das atividades do professor no seu desempenho de atividades. Através de análise bibliográfica, o presente texto traz à tona os desafios da operacionalização do ensino de Filosofia no Ensino Médio e a problemática de que o professor de Filosofia para o Ensino Médio precisa criar acontecimentos através dos quais se estabeleça o diálogo filosófico em sua multiplicidade de conceitos. Nesse sentido, o presente texto está estruturado na seguinte 1 Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), professor de Filosofia no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB) e Pesquisador do Grupo de Estudos em Ciência, Educação e Cultura (GECEC-IFPB). E-mail: [email protected] 2 Pós Doutora em Educação pela Universidade do Minho (Portugal) professora adjunta da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e líder do GEPEFE- Ceará. E-mail: [email protected] 3 Graduanda em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) bolsista de iniciação cientifica: PIBICCNPq e membro do GEPEFE-Ceará. E-mail: [email protected] 4 Doutorando em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bolsista CAPES. Diretor Geral do Instituto Federal do Espírito Santos-Campus Piúma E-mail: [email protected] 5 Doutoranda em Educação (UFC). Professora da Faculdade Católica Rainha do Sertão (FCRS). Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Educadores (GEPEFE - UECE) e do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos - História e Memória (NEJAHM-UFC). E-mail: [email protected] 5902 ordem: num primeiro momento são feitas, para uma melhor compreensão da temática, algumas considerações sobre a Legislação da educação e o ensino de Filosofia, ressaltando, primordialmente, que é preciso uma análise atenta e reflexiva dos textos oficiais; em segundo, é feita uma discussão sobre o saber filosófico e o ensino de Filosofia, destacando a constante reflexão em torno da Filosofia e da educação; e, por último, é apresentado o Conceito de Filosofia em Deleuze e Guattari, destacando a importância de se proporcionar um ensino de Filosofia voltado para as experiências vividas cotidianamente. Palavras-chave: Saber filosófico. Docência. Ensino Médio. Introdução O ensino de Filosofia é o caminho para a consolidação e expressão da prática filosófica. Nessa direção, o que se tem em vista não é a formação de filósofos nos moldes tradicionais, mas a oportunidade de se criar reflexões que privilegiem a sala de aula como lócus de uma cultura do pensamento. É nesse sentido que o presente artigo faz uma reflexão sobre o saber filosófico e a docência no âmbito da Filosofia. A Filosofia constitui-se uma tentativa do espírito humano de alcançar uma visão de mundo, mediante a autorreflexão sobre as funções valorativas teóricas e práticas6. Nesse sentido, ainda é pertinente a questão hegelo-kantiana no âmbito da nossa reflexão: é possível ensinar Filosofia? Como propôs Hegel. Ou somente é possível ensinar a filosofar? Como afirmou Kant. O filósofo alemão assim se refere ao processo do filosofar: “Entre todas as ciências racionais (a priori) só é possível, por conseguinte, aprender a matemática, mas nunca a Filosofia (a não ser historicamente): quanto ao que respeita à razão, apenas se pode, no máximo, aprender a filosofar” (KANT, 1983, p. 660). O presente trabalho teve origem nas seguintes questões: o que é o saber filosófico? Como situar o ensino de Filosofia no curso de licenciatura? Como se consolida a prática do docente de Filosofia? Norteados teoricamente pelas análises de Rios (2001); Kant (1983); Ghedin (2009); Gallo (2007); Deleuze e Guattari (2010), procuramos estabelecer um diálogo entre os autores que nos possibilite compreender as questões supramencionadas, fazendo as devidas conexões entre Filosofia e Educação. Pretendemos, portanto, analisar teoricamente os elementos que nos possibilitem compreender os saberes filosóficos, bem como reforçar e contextualizar a problemática em 6 Cf. Hessen (1999, p. 9). 5903 torno do ensino de Filosofia no Brasil e na atualidade, além de trazer a dimensão conceitual da Filosofia na aprendizagem. Algumas considerações sobre a Legislação da Educação e o ensino de Filosofia Durante muito tempo discutiu-se a obrigatoriedade do ensino de Filosofia no ensino médio. Todavia não podemos negar aos educandos o direito de filosofar, tendo em vista que o saber filosófico proporciona aos sujeitos condições intelectuais para debater acerca de temas transversais inerentes à Filosofia. O filósofo de nosso tempo é aquele que estabelece vínculos com a educação, em decorrência disso surge mais um motivo que nos leva a pensar em uma Filosofia que está passando por um processo de consolidação institucional. Em primeiro lugar, não podemos deixar de mencionar o fato de que o ensino de Filosofia no Ensino Médio não é algo novo e inédito. Na verdade, este ensino está gradativamente sendo reincluído nas escolas. Entretanto essa reinclusão vem acontecendo ao longo de vinte anos. Todavia, para iniciar o nosso estudo sobre o ensino de Filosofia no Ensino Médio, trazemos para esta discussão as finalidades deste ensino, expressas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, no At. 35: O Ensino Médio, etapa final da Educação Básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidade: I - a consolidação e aprofundamentos dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; III - a compreensão dos fundamentos científicos-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. Dessa forma o professor de Filosofia, também designado por Alves (2011) como filósofo educador, precisa compreender que dentro das suas finalidades, o Ensino Médio já aponta para os princípios direcionados para a cidadania, o que inclui o pensamento crítico e a ética, que integram o pensamento. Observamos, que mesmo não citando diretamente para o ensino de Filosofia, o texto da legislação aponta para temas filosóficos tais como: a educação como processo contínuo, a ética e o pensamento crítico. Verificamos ainda que no Inciso II, do referido artigo, é feita alusão à “preparação básica para o trabalho e a cidadania”. Neste sentido, percebemos que as 5904 disciplinas estão mais atreladas a questões ligadas ao técnico- cientifico do que a cidadania. É preciso deixar claro o conceito de cidadão que se deseja formar, não somente para exercer uma profissão e assumir um papel perante a sociedade. Nas orientações Curriculares para o Ensino Médio, volume 03 (2006), intitulado: Ciências Humanas e suas Tecnologias encontramos o elenco de conhecimentos e atividades de Filosofia para este nível de ensino, que são: Identidade da Filosofia; Objetivos da Filosofia no ensino médio; Competências e habilidades em Filosofia; Conteúdos de Filosofia; Metodologia; na sequência dos cincos pontos que apresentamos. Na introdução do citado documento é apresentado o objetivo de estudo e localização curricular da disciplina em estudo, Brasil (2006, p. 15): A Filosofia deve ser trada como disciplina obrigatória no ensino médio, pois isso é condição para que ela possa integrar com sucesso projetos transversais e, nesse nível de ensino, com as outras disciplinas, contribuir para o pleno desenvolvimento do educando. Apresentando os desafios da operacionalização do ensino de Filosofia, ressaltando as indefinições da área no contato da história e da educação, o texto defende uma formação filosófica para os educadores ministrantes dessa disciplina. Para tanto, há a recomendação de uma cautela filosófica dos seus professores bem como a orientação para que o currículo de Filosofia não sufoque a possibilidade de diálogo, assumindo um caráter doutrinário. Tais considerações estão postas no relatório das Discussões sobre as Orientações Curriculares do Ensino Médio e mais especificamente no que diz respeito à Filosofia (BRASIL, 2006, p.19). O documento em Estudo aborda ainda sobre a formação em Filosofia em nível de licenciatura e seu estágio: Ao lado disso, tomam corpo em todo o país as discussões acerca da formação do professor de Filosofia no ensino médio, especialmente em função dos impactos causados nos cursos de graduação pela nova legislação para as licenciaturas (CNE. Resolução CNE/CP 2/2002. Diário Oficial da União, Brasília, 4 de março de 2002. Seção 1, p. 9). A nova legislação estabelece, em seu Artigo 1º, 400 horas de prática como componente curricular e 400 horas de estágio curricular supervisionado (BRASIL, 2006, p. 20). Além de recomendar que os professores resgatem a história da Filosofia, o documento propõe o que espera do professor de Filosofia para o Ensino Médio, que é o desenvolvimento de competências e habilidades detalhadas em três grupos: 5905 1º) Representação e comunicação: • Ler textos filosóficos de modo significativo; • Ler de modo filosófico textos de diferentes estruturas e registros; • Elaborar por escrito o que foi apropriado de modo reflexivo; • Debater, tomando uma posição, defendendo-a argumentativamente e mudando de posição em face de argumentos mais consistentes. 2º) Investigação e compreensão: • articular conhecimentos filosóficos e diferentes conteúdos e modos discursivos nas ciências naturais e humanas, nas artes e em outras produções culturais. 3º) Contextualização sociocultural: • contextualizar conhecimentos filosóficos, tanto no plano de sua origem especifica quanto em outros planos: o pessoal- biográfico; o entorno sóciopolitico, histórico e cultural; o horizonte da sociedade cientifico- tecnológico. Concluindo suas recomendações, o documento afirma que está se abrindo um novo tempo e um novo contexto para o ensino de Filosofia, reconhecendo a necessidade da formação contínua para os docentes deste campo de conhecimento e suas metodologias. É preciso, no entanto, que analisemos os textos oficiais com o olhar reflexivo, verificando o que existe entre o escrito e o vivido, o dito e o feito. Concordamos com Alves (2011), quando lembra que o desenvolvimento filosófico do educando precisa que o texto filosófico se relacione com os problemas do cotidiano dos estudantes a partir da própria realidade dos mesmos. A preocupação com a formação do professor de Filosofia começa a se efetivar com a obrigatoriedade do ensino de Filosofia e Sociologia no ensino médio como disciplinas obrigatórias, tendo em vista o cumprimento da Lei 11. 684/2008, que legitima o ensino de Filosofia nas escolas brasileiras. Sobre o saber filosófico e o ensino de Filosofia No contexto institucional das escolas, muitas vezes a Filosofia esteve reduzida a uma fragmentação disciplinar se distanciando da sua real função, que é a busca do saber inteiro. Diante desta realidade, a Filosofia não é compreendida como uma forma de pensar e atuar na sociedade e dessa forma ser considerada uma atividade interminável na educação. A respeito das características da Filosofia, Rios (2001, p. 44) nos ensina que: A Filosofia se caracteriza como busca amorosa de um saber inteiro. Ver com clareza, abrangência e profundidade a realidade, assumindo diante dela uma atitude crítica, é a tarefa constante do filosofo, que além do mais, orienta-se num esforço de compreensão, isto é, de desvelamento da significação, do sentido, do valor dos objetos sobre os quais se volta. 5906 É no cotidiano das aulas de Filosofia que os educandos vão descobrindo a dimensão intelectual do saber filosófico. Entretanto, com todas essas dificuldades de reconhecimento da Filosofia como prática educativa, a mesma ainda assume um caráter problematizador nas relações entre os indivíduos, no sentido de que alguns professores em suas aulas realizam debates filosóficos sobre assuntos que são vistos pela sociedade como tabus. Tais debates realizados em sala de aula na maioria das vezes não têm o intuito de chegar-se a um consenso, mas sim, a uma problematização e análise crítica acerca dos problemas sociais e existenciais dos alunos e da sociedade. O saber filosófico é um direito de todos, mas para garantir tal direito é preciso conhecê-lo. Não amamos ou gostamos do desconhecido. É necessário que a educação brasileira dê esse direito aos jovens, o direito de filosofar, mas um filosofar repleto de conceitos e esclarecimentos sobre as condições do ser no seu devir. Há um equívoco quanto ao ensino de Filosofia, pois para Kant (1983) não é possível ensinar a Filosofia, mas sim a filosofar. Portanto, acreditamos no filosofar em sala de aula, na problematização das questões sociais tratadas pela Filosofia. Além disso, o filosofar acontece em meio a debates em sala de aula sobre questões sociais e filosóficas. Essa questão sobre ensinar Filosofia ou a filosofar traz consigo o viés dialético, no sentido de que ao falarmos e discutirmos sobre Filosofia ou o seu ensino, já estamos filosofando, debatendo, ou seja, estamos construindo um filosofar a respeito de algo, no caso em questão sobre o ensino de Filosofia. Com o intuito de reforçar nossas ideias acerca do saber filosófico e do filosofar Ghedin (2009, p. 57) afirma que: Filosofar é o ato de retomar, reconsiderar os dados disponíveis, revisar, vasculhar, numa busca constante de significado. É examinar detidamente, prestar atenção, analisar com cuidado. É uma espécie de entrega interpretativa que teoriza a prática e pratica a teorização como possibilidade de compreensão e superação dos limites de nosso ser, lançado no horizonte de sentido. O principal instrumento de conhecimento utilizado pela Filosofia da Educação é a prática docente. Contudo, questionamo-nos quais as condições e possibilidades que viabilizam o exercício de uma prática docente de qualidade? Nessa direção, enfatizaremos a prática, na tentativa de demonstrar o outro lado da Filosofia que não seja somente o teórico. Por outro lado, é preciso que os licenciandos em Filosofia compreendam que o melhor filósofo não será necessariamente o bom professor de Filosofia, no sentido de que é 5907 fundamental que esse futuro professor tenha clareza da relevância do ensino de Filosofia para o desenvolvimento educacional e social dos seus alunos, bem como conhecer o valor da prática procedente de uma teoria pautada na Filosofia da Educação. Em termos gerais, a licenciatura em Filosofia está voltada para a formação do professor. Entretanto, observa-se que muitos alunos dessa modalidade não privilegiam a prática de ensinar. Nesse sentido, alguns alunos do curso de Filosofia prendem-se à ideia de que o filósofo é somente um pensador e não um educador, todavia é preciso olhar a Filosofia da Educação e consequentemente a disciplina de Prática de Ensino em Filosofia, como prática e não somente como teoria de conceitos. Contrapondo-se a essa ideia de filósofo da educação puramente teórico, Gallo (2007, p. 281) afirma que: “O filósofo da Educação, portanto, não é um filósofo qualquer, mas alguém que habita o território educacional, que experimenta e vive seus problemas, e cria conceitos para enfrentá-los”. A Filosofia da Educação se constitui como um ramo do pensamento que se dedica a refletir acerca dos processos educativos, ou seja, direciona-se a análise dos sistemas educativos. Em suma, o processo reflexivo sobre a Filosofia da Educação a prática docente é fundamental para a compreensão da identidade do professor, pois observamos que cada vez mais essa identidade se fragmenta frente às transformações e reformas educacionais. Em consequência disso, a participação da Filosofia da Educação nos processos educativos está na tentativa de compreender as relações entre o fenômeno educação e as esferas da sociedade bem como o ser existencial e o ser social. O plano normativo e prescritivo que rege o ensinar tem características complexas e marcantes, pois o ensinar está ligado a uma prática social repleta de propósitos e valores que envolvem todos os sujeitos que aceitam o desafio de ensinar, buscando assim a sua autonomia intelectual dentro da docência, bem como a capacidade individual de criar e recriar ações educativas. Antes de falarmos na formação do professor de Filosofia para o ensino médio é preciso que saibamos a importância da mesma no currículo escolar, ou seja, qual a justificativa da obrigatoriedade da disciplina no Ensino Médio. Contudo, sobre essa justificativa Gallo (2007, p. 21) comenta que: 5908 Ora, nossos currículos de ensino médio são absolutamente científicos. Na mesma medida em que possibilitam o exercício dessa potência (quando o possibilitam, pois na maioria das vezes temos um ensino instrumentalizado e conteudista da ciência) acabam por desprezar as potências da arte e da Filosofia. Penso que esta seja uma justificativa pertinente para a presença da Filosofia nos currículos da educação média como expressão de um equilíbrio entre as potências da arte, da ciência, da Filosofia, de modo que os jovens possam ter acesso a essas várias possibilidades de exercício do pensamento criativo, aprendendo a pensar por funções (ciência), mas também por perceptos e afectos (arte) e por conceitos (Filosofia). Todavia, nos últimos anos, tem se intensificado as reflexões sobre a avaliação curricular, pois o mesmo tem produzido críticas devido a sua natureza classificatória e excludente. As críticas, porém, têm sido acompanhadas de propostas que dizem respeito às mudanças nos currículos escolares e transformações no sistema avaliativo. Diante disso, podemos dizer que o homem sempre busca concretizar de suas ações através ações movidas pelo pensamento, pela necessidade de algo, pela ideia e é nesse contexto que Marx (1985, p. 202) afirma que: Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é mister a vontade adequada que se manifesta através da atenção durante todo o curso do trabalho. E isto é tanto mais necessário quanto menos se sinta o trabalhador atraído pelo conteúdo e pelo método de execução de sua tarefa, que lhe oferece por isso menos possibilidade de fluir da aplicação da suas próprias forças físicas e espirituais. Nesta passagem, Marx elabora de uma maneira primorosa a ideia de que o homem só consegue se realizar enquanto humano quanto antecipa seus atos pelo pensamento. Ou seja, o homem precisa exteriorizar a sua subjetividade objetivamente. Assim, o homem produz uma cultura e uma história genuinamente humana. Ou ainda, como diria Vásquez (1968) a objetivação aparece como uma necessidade para que o homem se realize e se autoproduza pelo trabalho pela educação e pela arte. O Conceito de Filosofia em Deleuze e Guattari 5909 Sobre essa questão do professor problematizador, estaremos atentos para as propostas dos filósofos da Filosofia da Educação, bem como, atenuarmos para a ideia de conceito em Filosofia proposto por Deleuze e Guattari. Além disso, buscaremos compreender como a Filosofia da Educação pensa e discute acerca dos problemas que afetam a escola. Ainda nessa direção, queremos demonstrar que o licenciando em Filosofia precisa participar desse conceito de teoria e prática que permeia sua formação docente. Para alguns filósofos clássicos a Filosofia é contemplativa. Aristóteles, por exemplo, acreditava na separação entre a vida política e a vida contemplativa, esta última se refere à Filosofia. O mesmo identificava a vida boa como sendo aquela que unia a vida ativa (política) com a vida contemplativa (Filosofia). Porém Deleuze e Guattari nos dizem que não há uma separação dentro do conceito filosófico, pois a Filosofia é criação de conceitos e a própria Filosofia é a vida ativa. Nessa direção Deleuze e Guattari (2010, p. 23), comentam sobre o sentido da palavra conceito: Não há conceito simples. Todo conceito tem componentes, e se define por eles. Tem, portanto uma cifra. É uma multiplicidade, embora nem toda multiplicidade seja conceitual. Não há conceito de um só componente: mesmo o primeiro conceito, pelo qual uma Filosofia “começa”, possui vários componentes, já que não é evidente que a Filosofia deva ter um começo e que, se ela determina um, deve acrescentar-lhe um ponto de vista ou uma razão. [...] Todo conceito tem um contorno irregular, definido pela cifra de seus componentes. É por isso que, de Platão a Bergson, encontramos a ideia de que o conceito é questão de articulação, corte e superposição. É um todo, porque totaliza seus componentes, mas um todo fragmentário. É apenas sob essa condição que pode sair do caos mental, que não cessa de espreitá-lo, de aderir a ele, para reabsorvê-lo. Contudo, o autor afirma que o conceito não é somente uma definição das coisas, pois essa visão de conceito definitivo é feita do ponto de vista do senso comum, pois o conceito é imanente. Na perspectiva do filósofo, produzir uma definição, um significado de conceito propriamente dito, seria o mesmo que destruir a capacidade criativa de pensar o próprio conceito. Em se tratando do termo imanência e ainda sobre conceitos filosóficos, Deleuze e Guattari (2010, p. 45) apontam que: Os conceitos filosóficos são totalidades fragmentárias que não se ajustam umas as outras, já que suas bordas não coincidem. Eles nascem de lances de dados não compõem um quebra- cabeças. [...] O plano de imanência não é um conceito, nem o conceito de todos os conceitos. Se estes fossem confundíveis, nada impediria os conceitos de se unificarem, ou de tornarem- se universais e de perderem sua 5910 singularidade, mas também nada impediria o plano de perder sua abertura. A Filosofia é um construtivismo, e o construtivismo tem dois aspectos complementares, que diferem em natureza: criar conceitos e traçar um plano. Ao explicitarmos o ensino de Filosofia como uma atividade prática, é que buscaremos investigar os limites e possibilidades de identificação do futuro professor de Filosofia com essa prática, portanto em se tratando da aula de Filosofia como oficina de conceitos, trouxemos para essa discussão Gallo (2007, p. 25) ao comentar que: Ao propor a aula de Filosofia como oficina de conceitos, quero justamente enfatizar seu caráter prático, para além de uma mera transmissão de conteúdos da história da Filosofia ou de um mero treinamento de competências e habilidades supostamente identificadas com o pensamento filosófico. Em suma, nos indagamos, será que esse docente está se preparando para fazer o movimento de pensamento com seus alunos? No sentido de ser criativo, inovador e problematizador. Todavia defendemos a valorização da Filosofia como prática educativa e que adquira a experiência docente dentro da universidade, ou seja, que a identidade docente seja construída através do exercício da prática nos estágios. Em se tratando das etapas metodológicas que regem as aulas de Filosofia, nos voltemos para aquelas citadas por Gallo (2007, p. 28) que são: “Sensibilização, Problematização, Investigação e Conceituação”. A primeira etapa consiste na sensibilização do problema, já que Deleuze afirma que o problema é sensível, o mesmo é sentido antes de ser construído racionalmente; a segunda está contida na criação dos problemas, ou seja, “o problema não pode ser um falso problema”, algo alheio aos alunos, porém ao sentirmos e criarmos o problemas, através dessa sensibilidade nos movimentamos para pensar esse problema e a partir desse pensamento somos levados a investigá-lo; daí a terceira etapa, que é a investigação, após a investigação criamos o conceito que está contido na quarta etapa. Acreditamos, portanto, que através dessas etapas poderemos proporcionar um ensino de Filosofia voltado para as experiências vividas cotidianamente. Ainda na direção do raciocínio do autor supracitado, as aulas de Filosofia não podem cair em um mero conteudismo teórico, portanto, os professores devem saber na prática problematizar a Filosofia. Considerações Finais Ao longo dessa análise algumas questões são pertinentes realçar: 5911 Primeiro, os desafios da operacionalização do ensino de Filosofia no Ensino Médio, visto que há muitas indefinições da área no contato com a história e com a educação. Nesse sentido, chamamos a atenção para a necessidade de se analisar os textos oficiais com o olhar reflexivo, verificando o que existe entre o escrito e o vivido, o dito e o feito; Segundo, o professor de Filosofia, que também é filósofo, ou pelo menos se pressupõe que o seja, e também como educador, precisa compreender que dentro das suas finalidades, o Ensino Médio já aponta para os princípios direcionados para a cidadania, o que inclui o pensamento crítico e a ética, que integram o pensamento. Terceiro, o fato de que o filósofo não pensa apenas o acontecido e muito menos o problema já existente, nessa perspectiva, o professor de Filosofia para o Ensino Médio precisa criar acontecimentos e a partir dessa criação buscar a solução para esse problema dentro da multiplicidade do mundo de conceitos filosóficos; Quarto, acreditamos que a má formação de alguns professores de Filosofia está na falta de participação deste no processo de sua formação. Ou seja, muitas vezes o educador só trabalha o problema que já foi criado e solucionado por outro professor, agindo dessa forma ele estará negando aquilo que é primordial para a Filosofia que consiste em “pensar e criar”; Portanto, só compreenderemos a importância da prática de ensinar Filosofia se entendermos que a mesma proporciona ao sujeito a reflexão sobre sua prática a partir da teoria que permeia a própria formação. Assim, podemos dizer que as atividades formativas que ora discutimos, precisarão ser mediadas pela problematização e pela reflexão sobre as práticas individuais e institucionais. Esse processo constante de refletir e investigar a docência permite o alcance de resultados que vão além da compreensão de conceito e teorias educacionais. REFERÊNCIAS ALVES, Luis Carlos Ribeiro. PCN’s e ensino de Filosofia na escola pública: desafios e perspectivas. Intuitio. V. 4, n. 2, p. 215-223. Nov. 2011. Porto Alegre. Disponível em: http://www.scholar.google.com.br. Acesso em 14 de Março de 2013. BRASIL. Lei 11. 684/2008. Altera o art. 36 da lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir a filosofia e a sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino médio. Brasília, 2008. _______. Ciências Humanas e suas Tecnologias. Brasília: MEC/SEB, 2006. (Orientações Curriculares para o Ensino Médio, V. 3). 5912 _____ . 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