trabalho

Propaganda
PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO NA EJA: UM OLHAR SOBRE AS
CONCEPÇÕES DE ENSINO DO SISTEMA DE ESCRITA ALFABÉTICA
Dayse Cabral de Moura - SEDUC
O objetivo desse artigo é apresentar os resultados de uma pesquisa que teve o
objetivo de analisar o ensino – concepções e práticas dos docentes – relativo ao sistema
de notação alfabética na Educação de Jovens e Adultos (EJA), a fim de compreender
que fatores influenciam a aquisição e sistematização dos encaminhamentos didáticos
adotados pelas professoras em relação àquele objeto de conhecimento.
Desenvolvemos nossa investigação com o objetivo de contribuir para a
transposição didática nas salas de aula onde se alfabetizam jovens e adultos, tendo como
base as mudanças decorrentes da evolução nas concepções de escrita e leitura, a fim de
contribuir para o avanço do processo de formação inicial e continuada dos professores
de jovens e adultos não alfabetizados.
No desenvolvimento deste artigo trataremos de como é notável a urgência de se
ampliar as políticas de atendimento e o universo de pesquisas que orientam a EJA. A
pouca valorização social que os programas de educação de jovens e adultos possuem
influencia na construção e na análise dos mesmos, realizadas pelas instituições
encarregadas da produção do conhecimento, que acabam às vezes por marginalizá-los.
Em decorrência do reduzido aparato teórico da EJA, muitos educadores
recorrem aos universos teórico-metodológicos da Educação Infantil e do Ensino
Fundamental, buscando adaptá-los ao seu segmento de ensino, o que pode repercutir
seriamente no processo de ensino-aprendizagem.
Os índices de analfabetismo no Brasil são alarmantes. E nos revelam que os
problemas em relação ao ensino da língua portuguesa não são de origem apenas
pedagógica, pois implicam em questões de ordem econômica, política e socioculturais.
Observa-se que uma grande parcela da população brasileira está sendo excluída
de exercer plenamente sua cidadania por não ter o acesso ao ensino fundamental e,
quando o tem, não desenvolve uma permanência com sucesso. São pessoas furtadas do
direito à escolaridade, do domínio do sistema de escrita e das práticas sociais que
envolvem o ato de ler e escrever.
Em relação ao processo pedagógico, percebe-se que mesmo o professor
2
comprometido, que se preocupa com sua forma de atuação pedagógica e reconhece a
necessidade de se avançar na perspectiva da formação do aluno leitor / produtor de
textos, apresenta dificuldades no processo de ensino da língua portuguesa, sobretudo no
processo de ensino-aprendizagem do sistema de escrita alfabética.
Alguns sujeitos pareciam compreender o processo de aprendizagem do sistema
de escrita alfabética , de forma linear, mecânica, empirista. Podendo ser trabalhado
através de uma síntese de seqüências, na qual partia-se em muitos casos da unidade da
palavra e da centralização em exercícios de memorização e de discriminação
perceptomotora.
Para Ferreiro (1995), essa concepção compreende a escrita como um código de
transcrição, cuja aprendizagem dar-se-ia como uma aquisição de uma técnica,
implicando na pré-determinação do conhecimento - já supostamente disponível para o
aprendiz - dos elementos e das relações do sistema notacional.
Uma outra concepção de escrita, para a autora, parte do princípio que, para ler,
não basta saber falar adequadamente, desenhar os símbolos e fazer as discriminações
perceptivas necessárias. Ler implica numa aquisição conceitual, através de um processo
de construção individual do sujeito que reelabora as informações apreendidas sobre as
propriedades/especificidades do sistema de escrita alfabética, procurando compreender
os elementos do mesmo como elementos de um sistema, suas regras de produção e
funcionamento.
A escola precisa realizar com competência o seu papel de proporcionar aos
cidadãos condições de apropriar-se da leitura e da escrita. E deve partir de uma
concepção de ensino que conceba o aprendiz como um sujeito pensante que vai em
busca de significados, elabora suas hipóteses num processo contínuo. E que, sendo
capaz de se colocar conflitos, elabora o que sente, vê e ouve, fazendo-se necessário
proporcionar a esse sujeito momentos de reflexão e questionamentos sobre o objeto de
conhecimento, em nosso caso particular, o sistema notacional alfabético, para apreensão
e domínio do mesmo.
A recente evolução nas concepções sobre a escrita, e sobre o ensino da língua
portuguesa, lança-nos o desafio de apontarmos soluções alternativas para problemas
historicamente determinados como o fracasso escolar e o analfabetismo.
Partindo de uma nova perspectiva didática que busca o que há de específico em
cada objeto do conhecimento, na ênfase de ajudar o aluno na reconstrução progressiva
de sua aprendizagem, o educador deve procurar acompanhar as mudanças referentes à
3
transposição didática. Mudanças essas que interferem no saber ensinado efetivamente
na escola, nas competências do especialista, nas mudanças dos textos do saber didático
e nas propostas curriculares (Marinho,1998).
É necessário aprofundar e discutir informações que dêem conta: “... do objeto a
ser ensinado (como está estruturado? Que elementos ou partes o compõem? Que
relações existem entre esses elementos?) e sobre o modo como o aprendiz concebe,
progressivamente, esse objeto a ser ensinado” (Morais, 1998). Observando as hipóteses
que o sujeito elabora e as dificuldades que deverá superar, para que sua concepção do
objeto aproxime-se da do adulto escolarizado.
Cabe a nós educadores e à sociedade como um todo refletirmos sobre qual é o
projeto político de nossas elites para a educação popular. E quem lucra com a forjação
do analfabetismo, a negação da participação dos cidadãos nas decisões políticas e o seu
não-acesso aos bens culturais.
Desenvolvemos nossa investigação com o objetivo de contribuir para a
transposição didática nas salas de aula onde se alfabetizam jovens e adultos, tendo como
base as mudanças decorrentes da evolução nas concepções de escrita e leitura, a fim de
contribuir para o avanço do processo de formação inicial e continuada dos professores
de jovens e adultos não alfabetizados.
Nessa perspectiva apontaremos algumas características gerais dos jovens e
adultos da EJA e de como se apropriam do sistema de escrita alfabética, segundo
Ferreiro, et al (1983).
A EVOLUÇÃO DA APRENDIZAGEM DO SISTEMA DE ESCRITA ALFABÉTICA
POR ADULTOS
Características Gerais dos Jovens e Adultos Analfabetos
Quem são essas pessoas genericamente chamadas de analfabetos? Que
características têm em comum? E no que diferem em relação à compreensão do sistema
de notação alfabética? Essas são algumas das questões que enfocaremos ao longo dessa
seção.
Segundo Oliveira (1992), as diversas situações de pesquisa apontam o analfabeto
como pertencente a um grupo social homogêneo, cujas características não são difíceis
de serem identificadas, dadas as suas condições sócio-econômicas. Os analfabetos
brasileiros representam uma parcela da população excluída dos bens de consumo,
4
desempenham funções pouco qualificadas, recebem os menores salários e, em sua
maioria são nordestinos, oriundos das zonas rurais. Tiveram algum acesso ao saber
escolarizado quando criança, mas de forma descontínua e sem sucesso. Quanto a seus
pais, geralmente as experiências escolares foram as mesmas, também não tiveram
acesso ao sistema de escrita, eram trabalhadores da lavoura ou desempenhavam outras
ocupações braçais.
Em relação aos aspectos socioculturais e econômicos, o quadro acima apresenta
as características homogêneas, que geralmente, os sujeitos analfabetos têm entre si.
Porém, vivendo esses sujeitos numa sociedade letrada, são expostos a diversos desafios,
que os pressionam a buscar estratégias para superá-los, apresentando diferentes
desempenhos no desenvolvimento dessa tarefa.
Para Oliveira (1992), raramente são encontradas pessoas totalmente analfabetas,
pois os adultos “genericamente designados de analfabetos”, estando imersos numa
sociedade contemporânea saturada de escrita, recebem informações desse meio. As
informações que absorvem do ambiente letrado proporcionam a esses sujeitos produzir
e acumular conhecimentos, entre outras coisas, sobre as regras e o funcionamento do
sistema de escrita.
Esse aluno sendo adulto, já foi exposto a vários desafios da sociedade letrada.
Por isso, como veremos, tende a ser um sujeito que possui uma maior compreensão das
funções sociais da língua, sendo capaz de considerar “os contextos dos textos” e
apresentar antecipações significativas sobre os mesmos, o que facilita sua compreensão
sobre o que é neles tratado.
Concepções de adultos analfabetos sobre o Sistema de Escrita Alfabética
A investigação de Ferreiro et al. (1983), sobre as concepções dos adultos nãoalfabetizados acerca do sistema alfabético, buscou compreender como estes constroem a
lógica interna de organização e desenvolvimento desse sistema notacional, analisando
as relações entre: língua oral e língua escrita, condições de interpretação de um texto
(observando as possibilidades no nível da palavra e no nível da oração), bem como a
distinção que faziam entre “grafias-letras” e “grafias-números”. Num estado de
profunda carência de investigação Ferreiro et al (1983) nos apresentam um rico
material, que muito contribui para a superação da visão simplista, a qual concebe o
adulto como ignorante das regras e do funcionamento do SNA.
A pesquisa citada foi realizada no México, reunindo uma amostra inicial de 60
5
adultos analfabetos, metade homens e metade mulheres. Porém, a amostra final foi de
58 sujeitos, dos quais, 31 eram homens e 27 eram mulheres, cuja faixa etária estava
entre os 17 e 60 anos.
Em referência ao lugar de origem dos sujeitos, 31% era do meio urbano, 66% do
meio rural e 3%não identificados. Outro dado ressaltado é que 21 dos sujeitos da
amostra nunca tinham recebido instrução formal, enquanto outros, em igual quantidade,
haviam recebido alguma instrução formal quando criança, 14 receberam alguma
instrução formal sendo adultos, e apenas 2, não apresentaram esses dados.
A pesquisa revela que os adultos, mesmo sem a vivência de uma prática
alfabetizadora, sem o conhecimento escolarizado, possuíam conhecimentos sobre a
escrita e sua funcionalidade. As produções escritas dos adultos não-alfabetizados eram
semelhantes às das crianças, no que se refere à passagem pelos mesmos níveis
psicogenéticos: escrita pré-silábica, escrita silábica, escrita silábico-alfabética e escrita
alfabética. Porém, os adultos com concepções mais primitivas apresentavam
características do nível superior e do nível intermediário dentro do nível pré-silábico,
revelando-nos certa fluidez no modo como enfrentavam a tarefa de explorar diversas
alternativas no processo de construção da escrita.
Em relação aos atos de leitura e de escrita, constatou-se que os adultos sem
escolaridade concebiam a possibilidade da leitura sem voz. A leitura silenciosa era
entendida como uma atividade mental. E, nesse ponto, os adultos diferiam das crianças
pré-escolares, que, inicialmente, não são capazes de considerá-la como um ato de
leitura. Quanto à leitura em voz alta, todos não duvidavam de que fosse um ato de
leitura real.
Os adultos, em sua maioria, apresentavam clara distinção entre desenhar e
escrever e recorriam muito pouco às justificações figurativas. Concebiam que o
figurativo, o desenho, representava a forma, a figura dos objetos. Eles distinguiam as
letras das figuras geométricas e eram capazes de identificar os caracteres que não são
possíveis de ler, e não o faziam simplesmente, dizendo que são caracteres raros;
buscavam classificá-los, utilizando-se de uma linguagem elaborada como: “São letras
dos chineses ou dos japoneses”, “São signos zodiacais”, “São símbolos musicais”
(Ferreiro, et al. , 1983, p.75).
Esses adultos partiam do pressuposto que as letras notam algo relacionado com o
enunciado. E, apesar de repetirem literalmente a oração original, eles não realizavam
uma correspondência exaustiva entre “o que se diz” e “o que está escrito”. Contudo,
6
eram sensíveis aos fragmentos do texto e procuravam relacionar as partes do enunciado
com os fragmentos da escrita. Esta tarefa, porém lhes parecia muito difícil.
Ferreiro et al (1983), constataram, em sua pesquisa, que os adultos concebem o
caráter simbólico da escrita: “Os adultos analfabetos concebem a escrita como um
sistema de marcas para representar algo que também pode ser expressado
lingüisticamente” (p. 92).
O conhecimento de mundo daqueles adultos possibilitava-lhes dar respostas
mais adequadas em relação às interpretações dos textos presentes no ambiente urbano.
As pressões do meio, principalmente do ambiente de trabalho, levariam os sujeitos a
desenvolverem estratégias pessoais para enfrentarem os desafios constantes da
sociedade letrada, que lhes exige novas competências acerca desse objeto de
conhecimento. As informações que absorvem do ambiente letrado proporcionariam a
esses sujeitos produzir e acumular conhecimentos sobre as regras e o funcionamento do
sistema de escrita.
Essa informação possui uma relevância pedagógica, no sentido que evidencia a
importância do contexto como uma fonte de significado, não direcionando às letras toda
carga significativa.
QUAL SERIA O PAPEL DO(A) PROFESSOR(A) NO PROCESSO DE ENSINOAPRENDIZAGEM DO SISTEMA DE ESCRITA ALFABÉTICA?
Acreditamos que ajudar os jovens e adultos não alfabetizados a compreenderem
o funcionamento do sistema de notação alfabética e se apropriarem da linguagem
escrita, inserindo-se nas práticas sociais de leitura e de escrita, é uma tarefa que tem um
caráter de urgência e implica na valorização do conhecimento que esses sujeitos já
construíram, ou seja, “partir do seu saber efetivo, e não de sua ignorância” (Ferreiro et
al, 1983).
O(a) professor(a), ao compreender as propriedades e limitações desse objeto do
conhecimento,
o
sistema
de
notação
alfabética,
será
capaz
de
contribuir
consideravelmente na busca da aquisição desse conhecimento, percebendo o processo
de desenvolvimento do aluno, identificando os seus avanços, apontando alternativas que
o auxiliem na superação de suas dificuldades.
Essa não é uma tarefa fácil. exige do(a) professor(a) o domínio sobre o objeto de
estudo, pois deverá ser capaz de compreender as especificidades desse objeto do
7
conhecimento, compreender o processo de apreensão dos alunos e, a partir de um olhar
clínico, desenvolver estratégias que lhes facilitem a aquisição desse saber.
A redefinição dos elementos que podem ser facilitadores dessa aprendizagem é
um fator determinante para uma nova abordagem pedagógica, que compreenda a
aprendizagem do sistema de notação alfabética como uma aprendizagem conceitual,
desenvolvida de forma processual e dinâmica, num movimento de recriação e
reelaboração, próprio de cada indivíduo.
A compreensão da antecipação significativa como um componente essencial no
processo de leitura, apresenta subsídios que favorecem um repensar da prática
alfabetizadora. Se, antes, o processo de ensino-aprendizagem centrava-se nos aspectos
grafofônicos, enfatizando a visualização e a memorização; as contribuições da pesquisa
sobre a psicogênese da escrita e dos estudos sobre letramento indicam a necessidade de
redefinir a prática pedagógica, partindo do fato que o sujeito da aprendizagem
reconstrói seu objeto de conhecimento, reelabora suas hipóteses, na tentativa de
apreendê-lo. E desenvolve uma participação ativa no processo de aquisição do objeto de
conhecimento específico aqui enfocado: o sistema de notação alfabética.
Para Soares (1998), o processo de alfabetização ideal seria aquele que unisse a
alfabetização – compreendida pela ação de ensinar/aprender o indivíduo a ler e escrever
com o sistema de escrita alfabética - ao letramento – “estado ou condição de quem não
apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais de leitura e de
escrita”.
A autora agora citada ressalta que o nível de letramento dos grupos sociais está
intrinsicamente relacionado com as suas condições sociais, culturais e econômicas,
sendo necessário que se ofereça as condições para o letramento, compreendidas pelo
“acesso à escolarização real e efetiva da população e disponibilidade de material de
leitura”.
Soares (1998), afirma que o fracasso das Campanhas de alfabetização no Brasil
deve-se, também, à ausência de condições para que os alfabetizados possam ficar
imersos num ambiente de letramento, tendo acesso à leitura e à escrita, aos livros,
jornais e revistas, livrarias e bibliotecas, aos locais onde a leitura e a escrita têm uma
função para as pessoas, tornando-se uma forma de lazer, uma necessidade.
Concebemos, assim, que o aprendizado do sistema de escrita alfabética pode e
deve ser simultâneo à aprendizagem que permite escrever/compreender textos. O
conhecimento de natureza notacional que se refere à escrita alfabética não garante ao
8
aluno a possibilidade de compreender e produzir textos em linguagem escrita. Ambas as
aprendizagens, a aprendizagem do sistema notacional alfabético e a aprendizagem da
linguagem escrita e interpretação de textos, exigem um trabalho pedagógico sistemático,
que não deve ser desenvolvido, partindo da ótica de uma aprendizagem linear,
mecânica, centrada nos aspectos mnemônicos e grafofônicos. Essa ótica distorcida leva
a escola a utilizar textos elaborados para ensinar a ler, textos cartilhados,
descontextualizados, que só são lidos na escola, muitos dos quais nem são considerados
textos, pois não passam de agregados de frases (MEC, 1997).
ALGUMAS ATIVIDADES UTILIZADAS PELAS PROFESSORAS PARA O
ENSINO DO SISTEMA DE ESCRITA ALFABÉTICA
Enfocaremos, agora, as principais atividades apontadas pelas professoras como
estratégias para o ensino do sistema de escrita alfabética. É interessante ressaltar que as
professoras tinham a preocupação de tornar a aprendizagem dos seus alunos mais
atraente e significativa, e para isso procuravam desenvolver também atividades
diversificadas.
As atividades mais citadas foram: preenchimento de palavras cruzadas, recortes
e colagens de letras e sílabas de jornais ou revistas, construção de listas de palavras por
semelhanças dos significados, relações de nomes próprios, ditados e autoditados através
de figuras, jogos de palavras começadas com determinadas letras para escrita de nomes
(de um objeto, lugar, nome próprio com aquela letra) e montar palavras com abecedário.
Ao lado dessas tarefas, que explicitamente levavam o aluno a operar sobre letras e
palavras, encontramos também menções a levar o texto para sala de aula (“textos
diversificados” ) e trabalhar com poemas que contivessem rimas.
Eu trago assim, por exemplo, na montagem de palavras, elas têm o alfabeto,
elas tentam montar palavras. Eu dou um joguinho para elas e elas montam
palavras... (Sujeito 02 / PCR).
De uma maneira geral, observamos que os ditados, a seleção de palavras para
trabalhar os padrões silábicos, a construção de listas e a exploração de textos
diversificados para a seleção de palavras foram as atividades mais utilizadas pelas
professoras. Apenas uma professora da rede municipal citou que desenvolvia tarefas de
“ligar o desenho à letra inicial do seu nome” e “circular vogais”.
Eu tento trabalhar as construções das palavras, a leitura das palavras, da
9
sílaba completa, fazendo ditados... (Sujeito 10 / SEEPE).
... Tinha alguns que eu colocava atividades: escrevam palavras que façam
parte do mesmo grupo pelo significado, por exemplo: trabalho, ferramenta,
horário, marmita, coisas desse tipo (Sujeito 03 / PCR).
...Quando eu trabalho com listagens, eu mando listar diversas coisas,
principalmente, assim... Vamos dizer... Palavras de utensílios de casa, que
tenham essas dificuldades, que nós estávamos trabalhando... Também tem
uma coisa que eu trabalho com eles, que é a construção de histórias e ouvir
literatura infantil com eles...
Notamos que não foram citadas, pelas professoras, atividades que levassem os
alunos a refletir sobre as propriedades do Sistema de escrita Alfabética. Percebe-se que
as professoras tinham o interesse e o compromisso de alfabetizarem seus alunos.
Preocupavam-se também em motivá-los à aprendizagem do sistema de escrita
alfabética, pesquisando textos para uma aprendizagem significativa. Todavia,
desenvolviam tarefas cuja ênfase era nos aspectos de memorização, e discriminação
viso-motora dos caracteres, implicitamente pautadas em concepções de codificação/
decodificação do sistema de escrita alfabética.
Em sua maioria, sem distinção de rede de ensino e do processo de capacitação
continuada a que eram submetidas, apresentavam uma concepção de escrita enquanto
um código fonográfico. Não nos pareceu que tivessem consciência das conseqüências
dessa concepção para o processo de ensino-aprendizagem.
Em relação ao nosso estudo, identificamos que, com exceção de um sujeito da
PCR, todas as outras professoras que fizeram referência à produção individual de texto
(seis), apresentaram uma preocupação de trabalhar com textos pragmáticos,
relacionados com a vida dos alunos.
“Eu parto sempre de uma leitura do texto. Eu trago um texto para a sala de
aula e faço sempre uma leitura diversificada. Eu trago jornal, um dia eu
trago literatura. Aí, elas fazem assim: - O que a senhora está trazendo hoje?
Como eu hoje: trouxe um texto falando sobre o álcool e do fumo. Aí eu faço
a leitura, a gente discute...” (Sujeito 04 / PCR).
Para Angela Kleiman (2000, p. 226), a escrita teria poucas funções sociais para
os não-escolarizados, os jovens e adultos analfabetos. As funções habituais seriam de
caráter basicamente “utilitário, dificilmente estético ou prazeroso”. A autora coloca que
10
a escrita para aquele grupo teria uma função emancipadora. Permitiria aos seus usuários
um certo acesso a empregos melhores, assim como lidarem com a burocracia dos
centros urbanos: a escola, o posto de saúde, a previdência.
Acreditamos que a concepção da escrita com uma função emancipadora
justifique algumas das dificuldades iniciais dos alunos da EJA diante do texto literário,
assim como a preocupação de muitos professores de trabalhar com textos relacionados à
vida, ao ambiente de trabalho, como estratégia para motivá-los à leitura e à escrita de
textos.
CONCLUSÕES
Observamos que não havia grandes diferenças na forma de conceber o ensino e o
aprendizado do Sistema de Escrita Alfabética entre as professoras da Rede Municipal de
ensino do Recife e as professoras da Rede Estadual de ensino de Pernambuco. Ambos
os grupos pareciam ter uma concepção daquele objeto do conhecimento como um
código de correspondência grafo-fônicas, tendo o método silábico como centro do
processo de ensino-aprendizagem.
Nesse sentido, identificamos, nos depoimentos das professoras sobre seu ensino,
a ausência de um trabalho de reflexão fonológica ou consciência metalingüística. Essas
expressões sequer foram citadas pelas professoras. Pareceu-nos que o trabalho de
análise das relações letra-som das palavras era reduzido a associações das letras, através
da leitura e da escrita das famílias silábicas. Contudo, percebemos que as docentes
assim procediam por não disporem de subsídios teóricos e práticos que lhes indicassem
como poderia ser o trabalho de análise fonológica e sua importância para o sucesso dos
aprendizes na alfabetização. Esse seria, portanto, um dos aspectos que merece ser
melhor tratado no processo de formação inicial e contínua das professoras.
Percebemos que, para muitas das professoras, o trabalho de alfabetização se
realizava apenas no momento de decomposição de sílabas, a partir das palavras
extraídas, ou não, dos textos trabalhados em sala. A aquisição do SNA era vista como
um pré-requisito indispensável para toda e qualquer atividade de leitura.
Constatamos que as professoras reconheciam a importância de apresentarem aos
alunos uma diversidade de gêneros textuais, porém, a maioria delas procurava
selecionar aqueles textos que tivessem um caráter mais pragmático, mais utilitário, com
o objetivo de motivá-las à leitura.
Ao conceberem a aprendizagem do Sistema de Escrita como um código de
transcrição fonográfico, as docentes apresentaram dificuldades em desenvolverem um
11
processo de alfabetização numa perspectiva de letramento. Observamos que o texto
ocupava um lugar deslocado, sendo, geralmente, utilizado como pretexto para o ensino
de outras aprendizagens.
Para Soares (1999), não devemos nos contentar em ensinar a ler e a escrever.
Devemos inserir nossos alunos em um ambiente de letramento, para que tenham acesso
e atribuam uma função à leitura e à escrita, tornando-as uma necessidade e uma forma
de lazer.
Destacamos a importância da organização de uma proposta de trabalho capaz de
proporcionar aos alunos a vivência de atividades ricas de significados. Observamos que
as docentes expressaram ter uma preocupação de organizarem, previamente, as
atividades de Língua Portuguesa que iriam realizar com seus alunos, porém, muitas
vezes, selecionavam exercícios de codificação/decodificação extraídos das cartilhas e
livros didáticos para alfabetizar crianças.
Percebemos que a rotina diária de muitas professoras era um elemento que
contribuía para que sacrificassem o planejamento das aulas de português na EJA ou
fizessem-no sem a devida dedicação que gostariam de ter. Sendo a EJA o local de seu
terceiro expediente, o desempenho daquelas docentes estaria comprometido, também,
por suas condições físicas. Entre os diversos fatores, apontados como impedimento às
condições favoráveis ao planejamento das aulas, destacamos, também, as questões
referentes à falta de recursos e materiais adequados e a ausência de referenciais teóricos
que dessem subsídios para o tratamento didático na EJA.
O não-planejamento adequado das aulas de português comprometeria a
possibilidade de elas tornarem-se um espaço onde se vivenciem situações capazes de
mobilizar as dimensões cognitivas e afetivas dos alunos, através de uma prática que lhes
oportunize atos significativos de leitura e escrita de textos reais. Propostas essas que,
dificilmente, serão encontradas nas cartilhas e nos livros didáticos infantis, sem falar na
inadequação de sua linguagem aos alunos da EJA. A ausência do planejamento
adequado das aulas favoreceria, por outro lado, uma má utilização do tempo pedagógico
na escola. .
Observamos que todas as docentes apresentaram uma preocupação com sua
prática e buscavam mudanças capazes de motivarem seus alunos à leitura e à escrita. De
modo semelhante, reconheciam a importância de um atendimento individualizado aos
sujeitos e do desenvolvimento de uma avaliação processual.
Na busca de inovações da prática pedagógica, identificamos que elas buscavam
12
trabalhar com palavras e textos significativos para seus alunos e procuravam
desenvolver atividades consideradas lúdicas. Muitas delas apontaram identificar-se com
os seus alunos, declarando estarem aprendendo a lidar com as especificidades da EJA,
na medida em que trocavam experiências com seus alunos.
Evidenciaram uma preocupação com as dimensões políticas, técnicas e humanas,
imbricadas no processo de ensino-aprendizagem da EJA. Percebemos, também, que elas
tinham consciência das limitações dos seus trabalhos e expressavam desejos de
mudança. Quanto à ênfase no método silábico, identificamos que elas faziam assim
porque era a forma como se sentiam seguras, e algumas, porque, também, desconheciam
outras alternativas para alfabetizar.
Entendemos, assim como Oliveira (1997), que as concepções que as docentes
apresentaram sobre o SNA, sobre a leitura e a aprendizagem dos alunos, não eram
devidas, meramente, a uma questão reprodutiva das práticas docentes vivenciadas no
seu contexto social, ou seja, as professoras não “reproduziam simplesmente a forma
como foram alfabetizadas”. Estariam envolvidos uma série de fatores de ordem pessoal,
social e material, nos quais as condições reais de formação e os instrumentos para o
trabalho, também, tinham forte influência. A reconstrução da prática pedagógica das
professoras dependeria tanto dos conhecimentos que elas tinham internalizado como das
reais circunstâncias em que estariam envolvidas no seu cotidiano e das condições para
refletirem sobre suas práticas, junto com seus pares.
Nessa perspectiva, é necessário o oferecimento de condições dignas de trabalho
e o desenvolvimento de um processo de formação permanente das professoras, os quais
possibilitem às mestras refletir sobre sua prática identificar e avaliar a teoria e os valores
que a sustentam. Nesse aspecto, também acreditamos ser fundamental o papel da
universidade, no sentido de garantir e ampliar os espaços para discussão da EJA e dos
aportes teóricos que dêem conta de propostas didáticas para esse segmento,
particularmente na área de língua portuguesa.
O
processo
de
formação
das
alfabetizadoras
deve
proporcionar-lhes
oportunidades para compreenderem a natureza do Sistema de Notação Alfabética e suas
especificidades, identificando os elementos de ordem morfológica, sintática e semântica
subjacentes às propriedades daquele sistema notacional. Tais elementos são
imprescindíveis de serem trabalhados com os seus alunos, para que esses possam se
apropriar daquele objeto de conhecimento, conciliando o desenvolvimento de um
trabalho de alfabetização – que respeite e atenda às particularidades da educação de
13
jovens e adultos – com o estudo dos diversos gêneros textuais presentes na sociedade,
para que consigam inserir os jovens e os adultos em práticas sociais de leitura e escrita
de textos.
14
BIBLIOGRAFIA
FERREIRO, Emilia. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1995.
FERREIRO, Emilia et al. Los adultos no-alfabetizados Y sus conceptualizaciones del
sistema de escritura. Cadernos Investigaciones Educativas, nº 10, México, 1983.
KLEIMAN, Angela B. e SIGNORINI, Inês. O ensino e a formação do professor:
Alfabetização de jovens e adultos. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
MARINHO, Marildes. “A língua portuguesa nos Currículos de final de século”. In:
BARRETO, Elba Siqueira (Org.). Os currículos do ensino fundamental para as escolas
brasileiras. Campinas: Fundação Carlos Chagas, 1998.
MORAIS, A. Gomes. Ortografia: ensinar e aprender. São Paulo: Ática, 1998.
OLIVEIRA, Anne Marie M. “A formação de professores alfabetizadores: lições da
prática”. In: Leite, R. G. (Org.). Alfabetização dos alunos das classes populares, ainda
um desafio. São Paulo: Cortez, 1997.
OLIVEIRA, M. Kohl. “Analfabetos na sociedade letrada: diferenças culturais e
modos de pensamento”. In: Educação de jovens e adultos. Parâmetros curriculares em
ação. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1992.
SOARES, M. B. Letramento: um estudo em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica,
1999.
Download