Ofício ABSPV 38/07

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Associação Brasileira de Saúde Pública Veterinária
Ofício nº 62-07/ABSPV
Brasília, 13 de novembro de 2007
Ao Senhor
Dr. Luis Fernando Rolim Sampaio
Diretor do Departamento de Atenção Básica
Secretaria de Atenção Básica – Ministério da Saúde
Brasília-DF
Senhor Diretor,
Em continuidade à correspondência que vimos mantendo com
V.Sa. relativamente à integração e aproveitamento da profissão de Médico Veterinário
junto aos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), estamos enviando o perfil de
atuação do Médico Veterinário na saúde pública, que justifica sua inserção profissional
no NASF.
O Médico Veterinário possui um espectro de atuação profissional
em saúde pública muito amplo, inserindo-se em diferentes atividades que podem
contemplar a gestão e o planejamento em saúde, econometria, administração técnica de
biotérios, e, mais tradicionalmente, a vigilância epidemiológica, sanitária e ambiental,
entre outras atividades. No entanto, esta correspondência tem por finalidade abordar às
doenças e agravos dos quais se ocupa o Médico Veterinário, particularmente
evidenciados quanto a interfaces com a saúde da família.
Das doenças infecto-contagiosas emergentes e reemergentes no
mundo, hoje, aproximadamente, 75% das enfermidades são de origem animal, sendo
que a maioria delas são classificadas como zoonóticas.
Esperava-se que a evolução industrial e tecnológica, juntamente
com aumentos de produtividade agrícola e a globalização, trouxessem como
conseqüência natural à distribuição de riquezas e aumento da qualidade de vida para as
populações. De fato, alterações importantes se processaram, no sentido da transição
epidemiológica e demográfica. Em grande parte dos países, a população “envelheceu”,
diminuiu taxas de nascimento e, ao mesmo tempo, registrou significativas baixas no
campo da mortalidade infantil. Efetivamente, com o “envelhecimento” das populações,
os serviços de saúde passaram a registrar prevalências importantes para doenças e
agravos não transmissíveis. Entretanto, contrariando as expectativas e previsões globais,
o mundo foi surpreendido pelo aparecimento de novas doenças infecto-contagiosas e
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pela reemergência de outras tantas que, ou encontravam-se controladas ou haviam sido
eliminadas.
A evolução da Dengue no Brasil, é um exemplo de reemergência de uma
doença transmissível que se encontrava eliminada no país. Como exemplo de doenças
emergentes, isso é, de caráter inusitado, citamos a ameaça global representada pela
Gripe Aviária e, em menor escala o risco de disseminação da Febre do Nilo Ocidental
na América Latina. Para além do exposto, cabe registrar que, apesar do Brasil ter
experimentado importantes mudanças no seu perfil de morbi-mortalidade, as doenças
infecciosas continuam a representar um importante fator de morbidade. Exemplos são a
Leptospirose, Leishmaniose, Malária, Hantavirose, Doenças de Chagas, Toxi-infecções
Alimentares, entre outras.
É inquestionável o processo de democratização do sistema de saúde e os avanços
sanitários brasileiros, conseguidos, ao longo dos anos, desde a criação do SUS. Ainda
assim, sem risco de falsear a verdade, há uma dívida histórica relativamente às
populações tradicionalmente excluídas. Deste modo, registra-se, em certas regiões do
país insuficiências e desigualdades que refletem as particularidades de cada
região/território, principalmente no que toca a acessos a serviços e organização da vida
das famílias.
Em 2006, o Brasil registrava uma população de 186.770.613 habitantes,
distribuída
em aproximadamente 8.500.000 km². Do conjunto de municípios
brasileiros, 72% do total destes possuíam até 20 mil habitantes, e somente 4,5% tinham
mais de 100 mil. Atualmente, o país possui 5.564 municípios e essa realidade não sofreu
alterações significativas. As dimensões continentais do país, como se poderia esperar,
refletem heterogeneidade institucional, cultural, social, econômica e, por conseqüência,
diferentes perfis epidemiológicos. Os serviços de saúde pública, por decorrência, são
dessemelhantes, ocorrendo do mesmo modo o que concerne a oferta de serviços
médico-veterinários em saúde pública. Na maioria das localidades, tais serviços são,
inclusive, negligenciados ou inexistentes.
Sabidamente, o exercício da saúde pública possui caráter interdisciplinar e, nesse
contexto está, igualmente, incluído o Médico Veterinário por seu conhecimento
particular referente às zoonoses e agravos transmitidos por animais - vertebrados ou
invertebrados - e alimentos, em todos os seus determinantes e multicausalidade.
Antes de identificar doenças e agravos de competência exclusiva, ou não, do
Médico Veterinário, é oportuno registrar que, além de ocupar atividades tradicionais da
organização da saúde pública brasileira, há a necessidade de criar a concretização
histórica de sua aproximação com as famílias, territórios e a ocupação, e manejo que
deles fazem. Portanto, mais do que se ocupar da saúde das famílias, a proposição de
integrar a Medicina Veterinária ao NASF, transcende o aspecto individual da atenção
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básica, por si só, e abrange todo o contexto individual, coletivo e ambiental como
gerador de doença.
Dentre as doenças de etiologia alimentar, cabe citar, as decorrentes de surtos
familiares, principalmente no tocante a preparação de alimentos caseiros, como:
conservas de palmitos, picles, pequi, e produtos de origem animal como pescados ,
carnes e queijos, entre outros, em relação ao Botulismo. Igualmente, e pela mesma
razão, as tradicionais toxi-infecções alimentares, são de cunho familiar e causadas por
Salmonela sp, coliformes e outros. As toxi-infecções alimentares constituem objeto de
vigilância das doenças diarréicas do Ministério da Saúde. Assim, a prevenção destas
enfermidades passa, necessariamente pela difusão das boas práticas de manipulação
(higiene), preparação e conservação de alimentos, conhecimento este acumulado pela
Medicina Veterinária.
Na seqüência, dentre as doenças transmitidas por vetores, estar-se-á
identificando algumas de inegável importância epidemiológica atual: Dengue e Febre
Amarela: relativamente a Dengue, pode ser dito que esta doença está caracterizada por
sua origem domiciliar, além do manejo inadequado do ambiente peridomiciliar. Assim,
evitar a Dengue, caracteriza claramente a necessidade de tratamento dos espaços, a
partir do estabelecimento de vínculos entre o profissional de Medicina Veterinária e as
famílias ocupantes dos territórios de risco, no que toca a alteração de hábitos de vida e
ocupação dos domicílios, quanto a eliminação do inseto vetor e seus criatórios.
Igualmente, chama atenção o fato do mosquito vetor da Dengue ser o mesmo da Febre
Amarela urbana. Assim, os cuidados em relação à prevenção da Dengue se revestem de
dupla importância, como potenciais fatores de risco para a reurbanização da Febre
Amarela, que, quando de sua ocorrência, apresenta altas taxas de letalidade.
A Doença de Chagas, é, primitivamente, uma zoonose que passou a constituir
problema de patologia humana, ou seja, uma antropozoonose, a partir da domiciliação
dos vetores, deslocados de seus ecótopos silvestres originais pela ação do homem sobre
o ambiente. Uma vez mais, estamos diante de um problema sanitário de origem animal,
de localização domiciliar. Mais recentemente, a possibilidade de manifestação aguda da
doença foi atribuída a alimentos preparados sem a observação higiênica adequada.
Registre-se que, apesar do Brasil estar eliminando a transmissão intradomiciliar do
agente da doença pelo Triatoma infestans, outros barbeiros estão se domiciliando em
função do mau manejo ambiental, dos espaços situados ao redor dos domicílios.
A Febre do Nilo Ocidental se caracteriza por ser uma doença emergente que
passa a ameaçar vários continentes, incluindo a América Latina. O vírus pode infectar
humanos, aves, cavalos e outros mamíferos. Seu principal reservatório e amplificador,
são algumas espécies de aves. O principal gênero de mosquito identificado como vetor
do vírus da Febre do Nilo Ocidental é o Culex, sabidamente um mosquito de fácil
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urbanização. Esta doença, de urbanização recente, foi responsável por significativo
número de óbitos nos Estados Unidos da América, e passou a constituir objeto de
vigilância no Brasil. As famílias são fundamentais na notificação súbita de óbitos de
aves e eqüinos.
Outra inquietação sanitária atual, diz respeito a Gripe Aviária. Os vírus
influenza do tipo “A” são encontrados em várias espécies de animais, além dos seres
humanos, tais como suínos, cavalos, mamíferos marinhos e aves. As aves migratórias
desempenham importante papel na disseminação natural da doença, entre distintos
pontos do globo terrestre. Apesar da transmissão inter-humana ser a mais comum, já foi
documentada a transmissão direta do vírus para o homem, a partir de aves e suínos.
Atualmente, destaca-se a ocorrência de transmissão direta do vírus da influenza de
origem aviária de alta patogenicidade (H5N1) ao homem, gerando surtos de elevada
letalidade em alguns países. Esse fenômeno preocupa as autoridades sanitárias
internacionais pela possibilidade de disseminação rápida, como efetivamente ocorreu, a
partir dos casos iniciais do Sudeste Asiático, até os registros da África e Europa. Neste
caso, a parceria com os produtores de aves, incluindo as pequenas criações domésticas,
é fundamental para o fortalecimento das ações de vigilância e prevenção da doença.
A Hantavirose é uma doença viral emergente, de origem animal, que se
manifesta sob diferentes apresentações e possui alta letalidade. Sua ocorrência no Brasil
,está vinculada a roedores silvestres, que são os reservatórios do hantavírus. No roedor,
a infecção pelo hantavírus não é letal. Tais reservatórios, o eliminam no meio ambiente
por toda a vida, através da urina, saliva e fezes. As pessoas, fundamentalmente, se
contaminam quando de suas atividades rurais, ou quando adentram a locais onde se
armazenam cereais e alimentos, que, por tal atração, teve a presença de roedores. Deste
modo, a Hantavirose pode ser caracterizada como uma doença de famílias,
eminentemente rurais.
A Leptospirose é uma zoonose bacteriana altamente incidente no país e tem
franca relação com o trabalho, ciclos de chuva e, principalmente, com aglomeração
urbana e em estado de pobreza. Trata-se de uma doença de grande importância social e
econômica, por apresentar elevada incidência em determinadas áreas, alto custo
hospitalar e perdas de dias de trabalho, bem como por sua letalidade, que pode chegar a
até 40%, nos casos mais graves. A alta infestação de roedores infectados, costuma ser a
principal fonte de transmissão da doença, na medida em que contaminam as áreas
domiciliares e peridomicialiares. As inundações, igualmente, propiciam a disseminação
e a persistência do agente causal no ambiente, facilitando a eclosão de surtos. Este fato
evidencia a importância da atenção preventiva do Médico Veterinário quando de
desastres naturais por inundações.
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A Raiva é uma zoonose por excelência, sendo um dos programas mais antigos
do Ministério da Saúde, atualmente descentralizado, em todos os municípios do país. É
uma doença viral aguda, transmitida por mamíferos, que apresenta dois ciclos principais
de transmissão: urbano e silvestre. Reveste-se da maior importância epidemiológica por
apresentar letalidade de 100% dos casos. Nos serviços de atenção à saúde registram-se
cerca de 400.000 atendimentos/ano. O ciclo urbano da doença é o responsável pela
maioria dos casos de atendimento médico-hospitalar profilático, principalmente devido
a agressões de animais domésticos (cão e gato). No Brasil, a raiva é endêmica, em grau
diferenciado, de acordo com a região geopolítica. A redução dos casos de raiva humana
e canina no Brasil deve-se, sobremaneira, ao envolvimento das comunidades na sua
prevenção e controle. A profilaxia da raiva humana não pode prescindir da interelação
entre médico e médico veterinário. Sem dúvida, um caso de raiva humana representa
uma falência do sistema de saúde local, e é um indicador para avaliação da qualidade
dos serviços de atenção básica.
O homem é o principal reservatório da Esquistossomose. Os roedores
selvagens, primatas, marsupiais, são experimentalmente infectados pelo S. mansoni.
Ainda não está bem definida a participação desses animais na transmissão da doença.
Na medida em que os fluxos migratórios de pessoas oriundas de áreas endêmicas podem
disseminar o agente da doença, é fundamental que a atenção básica, transcenda o ato
clínico, e auxilie a identificar a incidência da doença onde, até então, era ausente.
A Febre Maculosa Brasileira (FMB), é uma doença infecciosa febril aguda, de
gravidade variável, podendo cursar desde formas assintomáticas, até formas graves,
com elevada letalidade. No Brasil, o principal reservatório do agente é um carrapato.
Entretanto, qualquer espécie de carrapato pode ser potencialmente reservatório da
Rickettsia, causadora da doença. Os carrapatos infectados são possíveis transmissores da
doença para os cães. A participação dos eqüídeos no ciclo de transmissão é discutível,
havendo evidências de que, além de transportadores de carrapatos, potencialmente
infectados, podem atuar como sentinelas, semelhantemente ao cão. Supõe-se que a
capivara poderia também estar envolvida neste ciclo. A exceção da capivara, os demais
animais domésticos, na medida em que estão próximos dos ambientes familiares,
representam risco considerável.
A Leishmaniose Tegumentar Americana e Leishmaniose Visceral, são
doenças causadas por distintas espécies de Leishmania, transmitidas por várias espécies
de flebotomíneos. A Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA), apresenta-se em
expansão geográfica. Inicialmente considerada zoonose de animais silvestres que
acometia ocasionalmente pessoas em contato com florestas, a LTA começou ocorrer em
zonas rurais, sob efeito de desmatamento e em regiões periurbanas. A leishmaniose
visceral (LV) foi primariamente uma zoonose, caracterizada como doença de caráter
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eminentemente rural, recentemente, vem se expandindo para áreas urbanas de médio e
grande porte, e se tornou crescente problema de saúde pública no país. É uma endemia
em franca expansão territorial. Na área urbana, o cão (Canis familiaris), é a principal
fonte de infecção. A enzootia canina tem precedido a ocorrência de casos humanos, e a
infecção em cães tem sido mais prevalente que no homem. É igualmente patente, que a
prevenção da doença passa pela consciência da necessidade de adoção de cuidados com
o espaço habitado, e a boa interelação entre a família e os animais domésticos.
A Malária, doença parasitária, das principais causadoras de óbito no mundo e
tem o homem como seu reservatório, sendo transmitida por mosquitos. É reconhecida
como grave problema de saúde pública mundial, ocorrendo em mais de 40% da
população, de mais de 100 países. Sua estimativa é de 300 a 500 milhões de novos
casos e 1 milhão de mortes por ano no planeta. No Brasil, aproximadamente 99% dos
casos de malária se concentram na Região Amazônica, sendo a maioria dos casos
concentrada em áreas rurais, nas quais o manejo ambiental inadequado é um dos
determinantes da doença pela proliferação dos insetos vetores. O Médico Veterinário,
por seus conhecimentos de entomologia é, mais uma vez, um profissional indicado para
o estabelecimento de relação familiar, na prevenção e controle da doença.
A Peste, doença infecciosa aguda, transmitida principalmente por picada de
pulgas infectadas, contrariamente ao que se poderia pensar, é um problema sanitário,
que não se esgotou na Idade Média. Na atualidade, esta zoonose, ainda que limitada à
produção de alguns casos humanos em área rurais empobrecidas, constitui risco
potencial para a população de algumas regiões brasileiras, devido à persistência da
infecção em roedores silvestres, e ao seu importante potencial epidêmico. A extensão da
doença pode atingir outros animais silvestres e domésticos (cães, gatos...), o que a faz
caracterizar-se com um problema epidemiológico, que alcança o domicílio e o
peridomícilio.
A Tuberculose humana no Brasil, assim como em outros tantos países, é um
problema de saúde da maior relevância. O Brasil apresenta aproximadamente 85 mil
casos novos por ano, e cerca de 5-6 mil mortes pela doença. O reservatório principal é o
homem, e o agente responsável é o Mycobacterium tuberculosis. Nos animais,
mormente os bovinos, podem adoecer por tuberculose e, em raras ocasiões, os primatas,
aves e outros mamíferos também. Em humanos, a doença pode, igualmente, ser
determinada por outras micobactérias. Dentre elas, cabe citar o M. bovis.
Particularmente, para os casos de doença humana causada pelo M. bovis, a enfermidade
deve ser caracterizada como doença de trabalhadores rurais e de seus familiares,
principalmente pelo consumo de leite e produtos lácteos frescais, que fazem parte da
dieta das famílias rurais. Lamentavelmente, não existem estimativas da proporção de
pacientes com tuberculose causada pelo M. Bovis, no entanto, é importante que o
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sistema de saúde esteja atento à possibilidade desta ocorrência. Para tanto, é
fundamental que sejam procedidos diagnósticos diferenciais, principalmente no tocante
à pacientes de origem rural e trabalhadores de frigoríficos. Tal proceder não é executado
na rotina dos serviços de saúde. Chama atenção o fato de ser necessária a diferenciação
etiológica estabelecida, quando de pacientes Médicos Veterinários, ordenhadores,
magarefes, etc... porque, na medida em que os protocolos oficiais de tratamento da
doença não tomam em consideração a tipificação da micobactéria, este tipo de
abordagem clínica predispõem a permanência da fonte de infecção, mantendo-se o
risco de reinfecção do paciente e dos demais componentes da família. O Médico
Veterinário ,neste caso, é fundamental para o cruzamento das investigações entre
mundo animal e humano, para o delineamento e adoção de medidas sanitárias
adequadas.
A Toxoplasmose é uma doença causada por um protozoário, que tem por fonte
de infecção os felinos, entre eles o gato doméstico. Doença oportunista que pode se
manifestar em pacientes imunodeprimidos ou imunossuprimidos. Por não ser um agravo
de notificação compulsória, os dados disponíveis no país certamente não refletem a
prevalência da doença. Entretanto, sabe-se da ocorrência de índices percentuais maiores
de 80% de toxoplasmose ocular em crianças, em idade escolar, no delta do Rio Taquari,
no Rio Grande do Sul, por exemplo. Cabe citar que a possibilidade da fonte de infecção
ser domiciliar, está associada à presença de gatos, assim como tem direta relação com
preparação de alimentos de origem doméstica, como embutidos caseiros, carnes mal
cozidas, e verduras de hortas mal lavadas.
A Febre da Arranhadura do Gato, grosso modo é uma bacteriose
caracterizada como agravo autolimitado, apesar de ser um processo bastante doloroso.
A ocorrência de casos está associada, principalmente, a países/regiões de clima
temperado e possui caráter sazonal. Registre-se, entretanto, a baixa notificação da
doença. Os surtos costumam ter origem familiar, em épocas frias, posto, que nestes
períodos o gato está mais recolhido ao interior do domicilio. De fato, tanto a Febre da
Arranhadura do Gato como a Toxoplasmose, vinculam sobremaneira o Médico
Veterinário à prevenção dessas doenças.
A Teníase-Cisticercose caracteriza um complexo zoonótico que tem a
peculiaridade de ter a espécie humana como hospedeiro definitivo, na forma de tênia..
Sua forma larvária, comumente encontrada nos animais (suínos, bovinos...) pode incidir
no homem, assumindo maior gravidade em função no número de cistos larvários, e suas
localizações: muscular, renal, hepática, ocular, cerebral, entre outros. O parasito,
enquanto neurocisticerco, pode assumir proporções de alta gravidade, podendo levar a
morte. Dentre as formas de transmissão, merece destaque seu caráter alimentar, no que
diz respeito à utilização de alimentos cárneos, não inspecionados/fiscalizados, ou ainda,
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quando de sua manipulação/preparação, não foram observados aspectos higiênicosanitários e cocção adequadas. Igualmente, a higiene dos vegetais deve sofrer rígida
observação higiênica, principalmente quanto consumidos não cozidos. O complexo
teníase-cisticercose, está vinculado à baixas condições de saneamento domiciliar e
hábitos de falta de higiene.
Relativamente ao trabalhador rural e seus familiares, cabe citar os riscos
representados pela Brucelose, Encefalites Eqüinas, Hidatidose, Arboviroses, Doença
de Lyme, dentre outras enfermidades de origem animal transmitidas ao homem.
Destaca-se que são zoonoses importantes que merecem implementação de vigilância
epidemiológica e ambiental.
Transcendendo às questões individuais relativas a atenção básica,
principalmente no tocante ao adoecimento e tratamentos, cabe fortalecer a necessidade
de abordar a multicausalidade na determinação dos fatores de risco das famílias. Para
tanto, entende-se como fundamental, os processos de intervenção que dizem respeito a
aspectos arquitetônicos das moradias, ocupação dos espaços, hábitos e costumes. Neste
contexto, cabe citar o domicílio como fator predisponente para Histoplasmose,
Criptococose, Doença de Chagas, Leptospirose e Raiva Humana transmitida por
morcegos, entre outras.
Outros agravos de considerável magnitude, alguns de alta letalidade, também
dizem respeito à ocupação dos territórios. Para tanto, cumpre citar os riscos
representados por acidentes provocados por animais peçonhentos. No Brasil, registra-se
quatro tipos de Acidentes Ofídicos, de maior relevância: botrópico, crotálico, laquético
e elapídico. A distribuição dos acidentes ao longo do ano não ocorre de maneira
uniforme, e o incremento do número de casos ocorre nas épocas de calor e chuvas,
atingindo, principalmente o trabalhador rural e seus familiares. O Escorpionismo, no
Brasil, manifesta-se no decorrer do ano sem grande variação, ainda que se observe
algum incremento no número de casos nas épocas de calor e chuvas. Os escorpiões são
animais carnívoros e alimentam-se principalmente de insetos, como grilos e baratas, o
que os faz buscar abrigo nas áreas urbanas, infestando pátios de casas, acessando,
inclusive, o interior dos domicílios. Para estes acidentes, uma vez mais, é reportada a
necessidade do adequado manejo ambiental no que toca ao saneamento e organização
do pátio, principalmente no que diz respeito a entulhos e material de construção, mal
distribuído na área. O envenenamento determinado pelo Araneísmo tem importância
variada, do ponto de vista epidemiológico. Embora seja registrado no Brasil, grande
número de espécies de aranhas, as de interesse médico são representadas pelos gêneros
Loxosceles (aranha-marrom), Phoneutria (armadeira) e Latrodectus (viúva-negra), que
apresentam aspectos biológicos e distribuição geográfica bastante distintos. Destes
gêneros, certamente o Loxoceles é o de maior relevância pela toxidade de sua peçonha,
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e pelo fato de dividir o mesmo espaço com as pessoas, dentro de suas moradias. Além
de serem encontradas em barrancos, sob cascas de árvores, telhas e tijolos, são
comumente localizadas atrás de quadros, móveis e em vestimentas, geralmente em
locais de baixa luminosidade. Os acidentes com Lonomia e outras lagartas são
igualmente relevantes no país. Acidentes com lagartas do gênero Lonomia , nos últimos
anos, vêm adquirindo maior relevância em função do aumento da população de insetos,
com duas espécies descritas: L. obliqua e L. achelous. Considere-se ainda que tais
acidentes são cada vez mais registrados , inclusive, no peridomicílio.
Concluindo, entende-se que o anteriormente citado, constitui um elenco de
justificativas que apontam para a necessidade de inserção do Médico Veterinário no
NASF. Certamente, a interdisciplinaridade, no NASF, incluindo o Médico Veterinário,
qualifica o tratamento dos espaços na promoção da saúde, prevenção e controle das
doenças, na perspectiva da atenção básica, possibilitando, mais uma vez, a aproximação
do profissional de Medicina Veterinária das famílias, que em última análise, são os
atores identificados como sujeitos das ações sanitárias. Definitivamente, não é possível
realizar vigilância epidemiológica, intervenções e transformações de consciência social
e ambiental, quando o exercício de ações de saúde se encontram distantes de seu alvo:
núcleos familiares e o espaço que ocupam. É igualmente importante, ressaltar o
aproveitamento que pode ser feito pelo Programa de Saúde da Família, da variável
agregadora, da Medicina Veterinária.
Confiantes na sensibilidade da direção da Secretaria de Atenção
Básica/Departamento de Atenção Básica, quanto à argumentação apresentada,
solicitamos deferimento quanto à integração do Médico Veterinário no PSF/NASF.
Atenciosamente,
Celso Bittencourt dos Anjos
Presidente da ABSPV
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