Com os nervos à flor da pele

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DOENÇAS
NEUROLÓGICAS
Com os nervos à fl
65%
não seguem
o tratamento
à risca
queixam-se de
falta de informação
suficiente
22%
têm má
qualidade
de vida
39%
38%
sofrem
de dor
crónica
sentem que
a sua vida
profissional é
muito afetada
25%
dizem ter falta
de apoios
29%
Qualidade de vida de doentes neurológicos pode melhorar
com mais orientação e mais disponibilidade dos profissionais
de saúde, diz o nosso estudo
O NOSSO ESTUDO
teste saúde 108 abril/maio 2014
Experiência de 275 pacientes
22
• Realizámos um inquérito para saber como os pacientes
e seus familiares lidam com as doenças neurológicas,
como avaliam os cuidados de saúde recebidos, o acesso
aos serviços médicos e apoios prestados. Indagámos sobre os custos da doença e eventuais entraves encontrados. Procurámos ainda saber até que ponto estão bem
informados, se seguem corretamente os tratamentos e
em que medida a doença afeta a sua qualidade de vida.
• As respostas, anónimas, foram recolhidas entre maio e
setembro de 2013, junto dos associados. No total, obtivemos 275 questionários. Não é uma amostra representativa da população nem dos doentes neurológicos em
geral, mas uma recolha de experiências de quem sofre
ou lida com este tipo de patologias.
As doenças neurológicas, como
Parkinson, Alzheimer e esclerose múltipla, e respetivas sequelas
afetam mil milhões de pessoas
em todo o mundo, segundo estimativas da Organização Mundial
de Saúde (OMS). Matam por ano
6,8 milhões de pessoas (o equivalente a 12% dos óbitos), sendo
muitas delas altamente incapacitantes, com custos elevados em
termos médicos e sociais. Alguns
estudos sugerem que estes números venham a duplicar a cada 20
anos, em parte, devido a melhores técnicas de diagnóstico, mas
sobretudo ao envelhecimento das
populações, como realça Rosa Encarnação, responsável pelo servi-
ço de psicogeriatria do Hospital
Magalhães Lemos, que a teste
saúde entrevistou (ver página 24):
“Com o envelhecimento geral da
população, o número de doentes
com demência tem aumentado.
A nossa população conta com cerca de 2 milhões de pessoas com
mais de 65 anos. Há um número
significativo de doentes com demência e temos de cuidar deles.”
O nosso inquérito revela que os
pacientes neurológicos se sentem
pouco informados sobre a doença,
sua evolução e formas de controlar
os sintomas. A falta de apoio, nomeadamente médico, é frequente
e as dificuldades financeiras constituem um entrave à gestão da do-
flor da pele
Dores, medo
e frustração
■ Para mais de um terço dos inquiridos, as doenças neurológicas
têm um sério impacto na vida social, atividades de lazer e profissão, e quase metade admite sentir
limitações na realização das tarefas domésticas. Num quarto dos
casos, as dores fortes são constantes. Estes doentes sofrem também
ao nível psicológico. Desânimo,
medo da evolução da doença e
frustração são queixas frequentes.
A maioria dos pacientes acumula
outros problemas crónicos, como
dores nas costas, hipertensão arterial e depressão.
■ Mais de metade diz não saber
controlar sintomas como cansaço extremo, dor ou desconforto e
alterações de humor, e uma boa
parte admite sentir falta de apoio
familiar e médico (29 e 38% dos
pacientes, respetivamente).
■ Dois terços dos inquiridos referem que a situação financeira
os limita na gestão da doença,
condicionando a escolha dos serviços médicos, profissionais de
saúde e outros tratamentos que
não a medicação (fisioterapia, por
exemplo). Metade dos inquiridos
gasta, pelo menos, 130 euros por
mês com a doença. A maior fatia
da despesa é canalizada para cuidados no dia-a-dia: metade gasta,
só em apoio domiciliário, um mínimo de 100 euros por mês.
Os doentes
que cuidam
ativamente
da sua saúde
têm melhor
qualidade
de vida
>
viver mais
e melhor
Sinais de alerta
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■ Os inquiridos que sofrem de
uma doença neurológica referiram ser seguidos, sobretudo, por
neurologistas ou médicos de família (44 e 27%, respetivamente).
Quase 10% da amostra têm sin-
20% dos pacientes com razões
para estarem insatisfeitos com médico
Top 6 das medidas adotadas pelos
doentes para controlar a doença
48%
81%
Não dão conselhos
suficientes sobre
alimentação e exercícios
adequados
Não discutem opções
de tratamento
Não facilitam a antecipação
da consulta
São difíceis de contactar
Não dão tempo suficiente
à consulta
Não explicam claramente
a situação clínica
tomas há mais de 10 anos, mas o
diagnóstico data de há menos de
cinco. Tal revela que suportaram
durante muito tempo as dores,
disfunções ou desconforto sem
saberem do que padeciam e sem
o acompanhamento nem a medicação adequados para retardar a
evolução da doença.
■ Na verdade, numa fase inicial,
sintomas como cansaço, dores
nos ossos e nas articulações, alterações de humor, tremores e falhas
de memória são pouco específicos, o que pode atrasar o diagnóstico. Contudo, é importante
conhecer os sinais de alerta para
informar o médico, sobretudo se
41%
33%
31%
29%
20%
Respeitam dose e
horário da medicação
55%
Descansam
Fazem exercício físico
regular
49%
Não fumam
40%
Seguem uma alimentação
equilibrada
39%
Fazem treinos de memória
e de concentração
39%
teste saúde 108 abril/maio 2014
ença. Segundo Rosa Encarnação,
“as necessidades de um doente
vão aumentando. É um crescendo
de encargos ao longo do tempo,
que podem ser anos. Embora
sem cura, é possível prestar cuidados, mantendo
a dignidade e a qualidade de vida a que todos
temos direito.”
23
DOENÇAS NEUROLÓGICAS
ENTREVISTA
Apoios sociais precários
“O ideal será que os doentes tenham acesso aos
cuidados e possam viver com dignidade e qualidade
de vida, seja no Norte, Centro ou Sul. Será utopia?”
Que serviços disponibilizam para doentes neurológicos?
O serviço de psicogeriatria, criado
há 16 anos no Hospital de Magalhães
Lemos (HML), dá resposta a doentes
mais velhos com patologia psiquiátrica.
Presta cuidados a doentes com diferentes quadros demenciais, numa perspetiva multidimensional, com uma equipa multidisciplinar, delineando um
plano de intervenção personalizado e
avaliado sistematicamente, de modo a
ir ao encontro das necessidades do doente e do cuidador. Este serviço inclui
internamento completo, área de dia,
consulta externa e visitas domiciliárias.
teste saúde 108 abril/maio 2014
Quem procura os vossos serviços?
O nosso serviço está enquadrado num
Hospital Psiquiátrico do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Assim, os doentes
com suspeita ou diagnóstico de quadro
demencial são referenciados pelos médicos de medicina geral da área assistencial do HML ou oriundos do serviço
de urgência psiquiátrica da área metropolitana do Porto, para internamento.
24
Quem é o cuidador-tipo?
O cuidador-tipo é normalmente o cônjuge do doente (regra geral, também
um idoso), muitas vezes, com várias
patologias, e que vive só com o doente.
O segundo tipo é o filho ou a filha do
doente, que deixou a sua atividade para
cuidar do pai ou da mãe, ou dos dois.
Como lidar melhor com as doenças
degenerativas?
É importante estar bem informado sobre a doença, quebrando o estigma as-
sociado e o combate a falsos conceitos
sobre envelhecimento. A maior parte
dos quadros demenciais são crónicos,
progressivos e irreversíveis, em que
os doentes se tornam cada vez mais
dependentes. No evoluir da doença, e
consoante o tipo de demência, também
apresentam alterações de comportamento que, muitas vezes, se tornam
difíceis de aceitar e controlar, como
alteração do padrão de sono, apatia ou
agressividade, delírios e alucinações,
etc. Tudo isto é necessário ser do conhecimento do cuidador e, antes disso, de todos os técnicos de saúde que
têm a seu cargo estes doentes e as suas
famílias. Uma boa rede de apoio ajuda
a combater o isolamento, a ultrapassar
situações de crise e a superar e aceitar
a evolução da doença.
Dois terços dos nossos inquiridos
sentem dificuldade em gerir a doença devido a problemas financeiros.
As dificuldades financeiras constituem um entrave na gestão da doença.
A maior parte destes doentes são cuidados na sua família, que tem de se
organizar para que um dos elementos
se torne cuidador, ou contratar alguém,
pelo menos, durante um período do
dia, para dar assistência ao familiar.
Ou então, se possível, colocam-no num
centro de dia ou contratam apoio para
higiene ou alimentação, por exemplo.
Os medicamentos para tratar os sintomas destas doenças e, nalguns casos,
retardar a sua progressão, tendem a ser
menos dispendiosos desde que surgiram os genéricos. Contudo, o cuidado
dos doentes não se esgota nos medica-
Rosa Encarnação Responsável
pelo serviço de psicogeriatria
do Hospital Magalhães Lemos, Porto
mentos. As intervenções não farmacológicas, como técnicos especializados
e espaços organizados para estes doentes, são muito dispendiosas. Atualmente, os apoios sociais para este tipo
de situações são muito precários.
Como pode o Serviço Nacional de
Saúde dar resposta ao número crescente de doentes neurológicos?
É preciso informar a população sobre
estas patologias (não posso deixar de
referir o papel fundamental que a Alzheimer Portugal tem tido), com campanhas de sensibilização. É também
necessário formar técnicos de saúde
e da rede social (centros de dia, lares)
para darem as respostas adequadas a
estes doentes, e otimizar a rede de cuidados continuados na comunidade.
Será importante também o desenvolvimento de consultas e serviços especializados para o diagnóstico e tratamento
de situações mais complicadas e criar
grupos de apoio para os cuidadores.
O ideal será que quem padeça desta
patologia tenha acesso aos cuidados e
possa viver com dignidade e qualidade
de vida, seja no Norte, Centro ou Sul,
Litoral ou Interior. Será utopia?
Mais de metade não controla sintomas
Muitos doentes mal informados
58%
27%
Cansaço
Sobre a evolução da doença
Dor ou desconforto
52%
Sobre os serviços de saúde
a que podem recorrer
Alterações de humor e mal-estar
51%
Sobre como controlar
sintomas da doença
26%
22%
>
>
outras informações
Alzheimer Portugal
http://alzheimerportugal.org
Associação Nacional de Esclerose
Múltipla
www.anem.org.pt
Associação Portuguesa de Doentes
de Parkinson
www.parkinson.pt
Associação Todos com a Esclerose
Múltipla
www.tem.com.pt
Sociedade Portuguesa de Esclerose
Múltipla
www.spem.org
Alzheimer, parkinson e esclerose múltipla
adiar o inevitável com dieta sã e exercício
Nenhuma das doenças tem cura, mas os seus efeitos podem ser retardados com
medicamentos e um estilo de vida mais saudável.
´
Alzheimer. Doença neurológica mais frequente. Caracteriza-se por uma deterioração
progressiva e irreversível das células cerebrais, afetando as funções cognitivas, como
a memória, a concentração, a linguagem, etc.
Em fases avançadas, acaba por comprometer as funções vitais.
Os primeiros sinais surgem geralmente
após os 60 anos. Além da componente hereditária, poderão estar envolvidos fatores
ambientais, perturbações bioquímicas e
processos imunitários. Alguns medicamentos podem retardar a evolução e controlar
os sintomas, como ansiedade e depressão.
Um estilo de vida saudável, com exercício físico e mental e dieta equilibrada, melhora a
qualidade de vida do doente.
´
Parkinson. Resulta da morte de células
neuronais no cérebro. Há uma componente hereditária e surge sobretudo após os
60 anos. Causa problemas motores, como
tremor, agitação e desequilíbrio. Em fases
mais avançadas, conduz à dificuldade em
planear ou controlar impulsos e à depressão.
Os medicamentos e, em casos graves, a
cirurgia ajudam a retardar a evolução e a
controlar os sintomas. Manter um estilo
de vida saudável, com atividade física regular, é útil no controlo da doença.
´
Esclerose múltipla. Doença que destrói
a mielina, a qual intervém na transmissão
doenças neurológicas:
mortes duplicam numa década
1990
2010
594 500
1 273 800
Fonte: Lancet, 2010
de informações entre neurónios.
Os primeiros sinais surgem entre os 20 e
os 50 anos, sendo mais frequentes por volta dos 30 e em mulheres. Desconhece-se
a causa exata da doença, mas pode estar
relacionada com infeções virais, exposição
solar, tabagismo ou stresse. É possível reduzir as complicações físicas (geralmente,
com cortisona) e psicológicas. Uma dieta
equilibrada e atividade física ajudam a
manter a qualidade de vida.
teste saúde 108 abril/maio 2014
existirem casos de doenças degenerativas na família. De facto, há
uma forte componente hereditária
em muitas doenças neurológicas
como Alzheimer ou Parkinson.
■ Regra geral, não é possível identificar uma causa exata para estas
doenças. No entanto, vários estudos sugerem que fatores ambientais (exposição prolongada a pesticidas, por exemplo) ou genéticos,
infeções virais, danos cerebrais ou
no sistema nervoso central poderão estar na origem de algumas,
como a esclerose múltipla.
■ O diagnóstico baseia-se inicialmente nos sintomas e nas queixas
do paciente, sendo confirmado
por exames complementares,
como análises e ressonância magnética, para avaliar eventuais danos cerebrais ou noutras partes
do sistema nervoso. O diagnóstico
precoce é essencial para retardar a
evolução da doença.
25
DOENÇAS NEUROLÓGICAS
>
teste saúde 108 abril/maio 2014
Medicação à risca
26
■ Um terço dos doentes revela
ter ido a mais de 10 consultas no
último ano e metade indicou ter
recorrido às urgências. Estes números alertam para dificuldades
no controlo ou na autogestão da
doença. Aliás, um quarto dos inquiridos diz ter dificuldade em
perceber quando um sintoma justifica uma ida ao médico e a mesma percentagem admite não saber
a que serviços recorrer em fases de
crise. São indícios claros de que
existe um défice de informação e
de orientação.
■ Além de medicação para controlar os distúrbios do sistema
nervoso central, está provado que
seguir um estilo de vida saudável,
com uma alimentação equilibrada
e exercício físico regular, melhora
a qualidade de vida dos doentes.
Aliás, o nosso estudo prova-o: os
pacientes que afirmaram cuidar
ativamente da sua saúde revelam
melhores níveis de qualidade de
vida. No lado oposto, quase metade dos inquiridos reconhece ter
uma vida sedentária e 13% confessam não seguir uma dieta saudável. Igualmente preocupante: 65%
admitem esquecer-se de tomar
a medicação de vez em quando,
dizem saltar doses quando se sentem melhor e não respeitar sempre o horário de toma dos medicamentos.
■ Em grande parte, tal pode dever-se a falta de orientação dos
profissionais de saúde que acompanham estes doentes. Quase
metade dos inquiridos revela que
o médico não lhes dá conselhos
suficientes sobre alimentação e
exercício físico adequados à sua
condição. A falta de disponibilidade e de tempo para discutir os
tratamentos nas consultas são outras das falhas apontadas. Tal poderá explicar a insatisfação de 20%
dos inquiridos com o seu médico.
Implicar o doente na gestão da doença, discutir com ele as opções e
preferências são aspetos que melhoram a adesão ao tratamento.
gestão da doença
CONSELHOS PARA DOENTES E CUIDADORES
´
Respeite o horário da medicação, não
abandone o tratamento nem salte doses
sem consultar o médico.
´
Faça 30 minutos diários de caminhadas
em passo rápido ou corrida moderada, ciclismo ou natação. Pode reparti-los ao longo do dia. Em alternativa, opte por sessões
de fisioterapia ou hidroginástica.
´
Não hesite em pedir ao médico para
lhe explicar o que não entende e discutir
opções de tratamento, formas de aliviar
sintomas e conselhos sobre alimentação e
exercício físico adequados.
´
Quem cuida do doente deve informar-se
sobre os sintomas, os comportamentos típicos e a evolução da doença. Enquanto for
possível, incentive a autonomia do doente
e implique-o nas tarefas diárias. Discuta
com ele os seus desejos em fim de vida.
Quase
metade dos
médicos não
dá conselhos
suficientes
sobre dieta
e exercício
adequados
Familiares, associações e lares devem
ser uma ajuda para os cuidadores
´
O cuidador deve também partilhar tarefas com outros familiares e obter apoio
domiciliário, para descansar e manter o
ções de doentes e, numa fase avançada da
doença, os lares especializados são boas
fontes de informação e ajuda.
consumidores exigem
Mais apoios e informação
´
Perante o aumento de casos de doenças neurológicas, é
fundamental que prossiga o desenvolvimento da rede de cuidados continuados: por um lado, aprofundando a capacidade de
apoio a cuidadores e doentes, através dos cuidados domiciliários; por outro, reforçando a capacidade da rede para receber os
doentes que não tenham o apoio ou a autonomia necessários
para se manterem não institucionalizados.
´
Embora se reforce a importância da comunicação entre
médico e doente e cuidadores, os nossos inquéritos têm demonstrado que esta não é efetiva. É imprescindível o reforço
da comunicação, para garantir a adesão aos tratamentos e a
qualidade de vida dos doentes. Importa também capacitar os
pacientes para a autogestão da doença, dando-lhes informação
útil sobre as suas características e formas de a controlar.
´
Profissionais especializados, empresas e organizações que
prestam apoio a doentes e cuidadores também têm um papel
importante. O Ministério da Saúde deve dar um caráter formal
a essa rede, criando um modelo que sirva de referência a outras
doenças.
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