Correio Braziliense/BR, 06 de março de 2011 Colunas e editoriais Cai ou não cai Kadafi OPINIÃO Opinião - Artigo MAURÍCIO CORRÊA ADVOGADO As crises políticas em curso nos países árabes dão sinais de que seus povos não aceitam mais governos impostos. Sofreram no curso de séculos o domínio de gregos e romanos. Com a morte de Alexandre Magno em 323 a.C., a Grécia e os territórios por ele conquistados foram divididos entre quatro de seus principais generais. A partilha foi feita em acirrada disputa ainda quando o general macedônio agonizava no leito de morte. Compreendia o Egito e a Cirenaica, na África, e países da Ásia, que iam da fronteira oeste da Índia até a Mesopotâmia, estendendo-se pela Turquia, Síria e Palestina. Terminado o ciclo de poder dos gregos sobre esses territórios, foram os romanos quem os substituíram no controle político da região. Incluíam o Oriente Médio e toda a extensa área do que é a África do Norte. Mantiveram o governo sobre os países dominados até a queda de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453. O domínio dos otomanos sobre esses territórios e, ademais, sobre outros que lhes foram acrescentados, durou até o desfecho da Primeira Guerra Mundial. A Alemanha, principal personagem no teatro do conflito, foi derrotada. Os turcos, seus aliados, acabaram pagando elevado preço pela derrota. Sobrou-lhes apenas a Turquia do que era o vasto Império Otomano. A França e a Inglaterra, vitoriosas na guerra, firmaram um acordo secreto para a distribuição entre eles dos países do Oriente Médio. Deu-se a esse ajuste o nome de Sykes-Picot, em homenagem à dupla dos agentes que o negociaram. A Síria e o Líbano couberam à França. O restante do rateio seria da Inglaterra, com algumas exceções. A Palestina, sob proteção inglesa, constituía um problema à parte. Em STF.empauta.com carta de 2 de maio de 1917, firmada por lorde Arthur Balfour, então ministro dos Estrangeiros daquele país, se reconheceu o empenho do governo inglês na localização de um espaço territorial para abrigar os judeus. Nascia, assim, Israel, país cuja existência é contestada até hoje por segmentos árabes. Sua fundação tem causado guerras e discórdias, com onerosos sacrifícios materiais e humanos para ambos os lados. A Inglaterra e a Arábia Saudita tinham interesses a preservar na região. O petróleo estava por trás dos interesses ingleses. Hussein, xerife de Meca, negociou com os representantes britânicos a criação na Mesopotâmia de um novo Estado para o Iraque. Fizeram do país uma monarquia, que, todavia, teve vida efêmera, sendo, em seguida, desconstituída. Igual solução foi encontrada para outro filho de Hussein, que também seria feito rei. Reservou-se espaço territorial nos desertos do além Jordão e instituíram outro reinado, como era do feitio dos britânicos organizá-los. A Jordânia deveria ser uma monarquia, sistema de governo que ainda hoje se conserva. Não só os países do Oriente Médio submeteram-se a sacrifícios por causa do petróleo, mas também os países da África do Norte. Os maiores interessados no controle político dessas áreas eram os ingleses e franceses. Mais tarde, também os americanos se beneficiaram da exploração de seu petróleo. De resto, quase todos os demais países da África padeceram de algum tipo de colonialismo imposto por nações europeias. Há pouco tempo é que se libertaram e se tornaram Estados independentes. Vivem, em regra, com dificuldades financeiras e são castigados pelo atraso social. Essa tem sido a sina dos países árabes do Oriente Médio e da África do Norte. Foram sempre vítimas de Estados ocidentais que lucravam com suas riquezas. Livres dos colonizadores europeus que os exploravam, tornaram-se presas de ditadores que alcançam o poder e nele se eternizam. Sugam os copg.1 Correio Braziliense/BR, 06 de março de 2011 Colunas e editoriais Continuação: Cai ou não cai Kadafi fres públicos e levam a pilhagem para contas secretas que mantêm em bancos estrangeiros ou em paraísos fiscais. Os levantes contra as ditaduras devem prosseguir. Abastecidas de informações fornecidas pelas redes de comunicação eletrônica mundiais, as populações dos países em regimes de ditadura não devem cessar de reagir. Podem adiar os seus planos, mas não os devem abandonar. A transformação política buscada pelos levantes árabes contra as ditaduras tomou conta da consciência de seus povos. A reação que invadiu o sentimento deles pela democracia se põe agora em compasso de espera, a aguardar o que vai acontecer com a Líbia daqui para frente. Se as forças de Kadafi saírem vitoriosas na refrega que travam com o povo, os levantes nos demais países árabes deverão sofrer prejuízos cíclicos. Se, STF.empauta.com ao contrário, Kadafi cair, amanhã ou depois, os movimentos contra os ditadores nos demais países árabes deverão crescer e aí, nesse caso, ninguém os conterá mais. O que resultar da revolução instaurada na Líbia será o divisor de águas dos levantes árabes nos demais países. Não se sabe até onde chegará Kadafi em meio à luta armada deflagrada. Ele é capaz de fazer qualquer coisa para se manter no poder. Será refrigério para as ditaduras sobreviventes se acaso ganhar a luta interna; se perdê-la, poderá ser o fim, mais cedo do que se pensa, das ditaduras árabes remanescentes. Opinião/ Pág.17 pg.2