Laços históricos: Brasil e Oriente Médio

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Laços históricos: Brasil e Oriente Médio
A dimensão comercial das relações exteriores do Brasil com o Oriente Médio
evidencia uma intensificação de negócios na região a partir do governo Lula
Prof. Danny Zahreddine1
A política externa, entendida como o “conjunto de atividades políticas, mediante as
quais cada Estado promove seus interesses perante os outros Estados” (Wilhelmy,
1988), possui um papel cada vez mais importante nas relações internacionais, haja vista
o processo de maior interdependência entre os países, fruto dos avanços dos transportes,
comunicações e expansão de uma economia global. Tais transformações,
principalmente a partir do século 20, permitiram o aumento dos fluxos de capital, de
pessoas e de ideias, gerando um impacto cada vez maior da dinâmica internacional em
nossas vidas, bem como dos problemas locais na política internacional.
Para entendermos a inserção do Brasil no sistema internacional, em especial com o
Oriente Médio, é necessário que saibamos que as relações externas se concentram em
três principais dimensões: político-diplomática, estratégico-militar e econômica (Russel,
1990). Em determinados países, devido aos seus interesses particulares, uma dessas
dimensões se destaca mais que as outras.
O Oriente Médio sempre foi foco das atenções das grandes potências mundiais,
sobretudo a partir de 1920, quando as jazidas de petróleo da região foram descobertas.
Essa região do mundo, ocupada majoritariamente por árabes, mas também por turcos,
iranianos e israelenses, além de uma série de outras minorias, como os curdos e
armênios, sempre desempenhou um papel de destaque para a geopolítica mundial, seja
pela sua complexidade étnico-religiosa; pela presença abundante de petróleo de
qualidade; por sua posição geográfica única, conectando Europa, África e Ásia, ou por
ser o berço das principais religiões monoteístas da humanidade: cristianismo, islamismo
e judaísmo.
Esses fatores fizeram com que a presença das grandes potências na região se
manifestasse nas três dimensões acima citadas, isto é, seja para a promoção do comércio
e manutenção dos estoques energéticos; para a disseminação de valores morais e
ideologias; ou pelo controle físico de determinadas áreas, por meio do poder militar.
O Brasil, desde a sua independência, manteve relações com essa região geopolítica,
variando em densidade e importância, seja no comércio, na diplomacia ou na presença
militar como força de paz da Organização das Nações Unidas (ONU). Em todos esses
momentos, a opção de aumentar os laços políticos, comerciais ou estratégicos foi fruto
de uma avaliação de cada governante brasileiro, a partir da análise dos potenciais
ganhos e perdas da aproximação com a região.
1
Prof. Danny Zahreddine é chefe do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas, membro
do Grupo de Pesquisa sobre Oriente Médio e Magreb do CNPq e diretor-secretário da Câmara de
Comércio Líbano-Brasileira de Minas Gerais.
In: ESTADO DE MINAS. PENSAR BRASIL. Sábado, 9 de abril de 2011. p. 14-16.
Neste caso, destacaremos as relações comerciais recentes do Brasil com o Oriente
Médio, em especial durante os últimos 15 anos, observando com maior atenção as
possibilidades futuras no governo da presidente Dilma Rousseff e do atual ministro das
Relações Exteriores, o embaixador Antônio Patriota. É importante ressaltar que, por se
tratar de um período muito recente, as avaliações acerca da provável política externa
mantida pelo governo Dilma com o Oriente Médio levarão em consideração a tendência
herdada do governo anterior.
Podemos dizer que tanto o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, como o
do presidente Lula dedicaram certa atenção à região, seja pela grande presença da
diáspora libanesa, síria e judaica no Brasil, que gerou laços culturais, ou pela
necessidade de estreitar interesses estratégicos advindos da necessidade energética e
comercial.
Universalista Entretanto, uma característica marcante deixada pelo governo Lula, e que
nos parece permanecer no atual, é o caráter universalista da política externa brasileira,
isto é, o aumento dos contatos internacionais, principalmente no âmbito comercial e
político, em detrimento de uma política voltada para uma única região ou um grupo
menor de atores internacionais. Esse tipo de ação resultou no aumento dos parceiros
comerciais nas mais diversas regiões do mundo, inclusive com os países árabes e os
demais países do Oriente Médio. Nas palavras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
isto representaria uma “nova geografia comercial” para o Brasil.
Em 1995, início do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique, os principais
parceiros comerciais do Brasil pertenciam ao hemisfério norte, sendo a União Europeia
a principal compradora (US$ 13,3 bilhões), seguida pelos Estados Unidos (US$ 8,7
bilhões), Ásia (US$ 8,1 bilhões), Mercosul (US$ 6,1 bilhões) e países árabes (1,6 US$
bilhão).
Já em 2003, no término do segundo mandato do presidente Fernando Henrique, esse
quadro manteve-se quase inalterado, mas com um aumento nos valores das exportações.
Outro fato interessante observado nos dados do Ministério da Indústria,
Desenvolvimento e Comércio Exterior do Brasil foi o crescimento das relações
comerciais com os Estados Unidos, quando comparado ao ano de 1995, bem como a
diminuição das relações comerciais com os países árabes. Os dados das exportações do
Brasil em 2003 eram os seguintes: União Européia (US 18,8 bilhões), Estados Unidos
(US$ 16,9 bilhões), Ásia (US$ 11,6 bilhões), Mercosul (US$ 5,6 bilhões), África (US
2,8 bilhões) e países árabes (US$ 2,7 bilhões).
Quando nos deparamos com os dados das exportações em 2010, término do segundo
mandato do presidente Lula, o quadro mudou razoavelmente, o que sinalizou a
transformação da política comercial do Brasil no período de 2003 a 2010, em direção a
uma política externa universalista. A maior parte das exportações brasileiras se
concentrou na Ásia, totalizando mais de US$ 56,2 bilhões de dólares, ultrapassando a
União Européia e os Estados Unidos. Isso ocorreu principalmente em função do grande
aumento das exportações para a China, o maior comprador brasileiro. O segundo
colocado foi a União Européia, com US$ 43,1 bilhões. Outra transformação importante
a ser destacada foi o aumento das exportações brasileiras neste período para o Mercosul,
com um montante de US$ 22,6 bilhões de dólares, ultrapassando os EUA, com US$
19,4 bilhões de dólares. É importante destacar o papel da crise financeira de 2008 na
diminuição das exportações para os Estados Unidos, porém, já se observava um
aumento vigoroso das exportações para o Mercosul, se comparado aos Estados Unidos,
desde 2005. Já os países árabes aumentaram suas importações do Brasil, totalizando
US$ 12,5 bilhões, e ultrapassaram novamente o continente africano, com US$ 9,2
bilhões.
Como nosso objetivo é observar as possibilidades de convergência da política externa
brasileira, principalmente em seu caráter comercial, com o Oriente Médio (sendo que a
maior parte desta região é formada por países árabes), iremos destacar as características
das relações comerciais do Brasil com esta região.
Em 1995, os principais compradores do Brasil na região eram Egito (US 369 milhões),
Arábia Saudita (US$ 360 milhões) e Irã (US$ 256 milhões). Já em 2003, o Irã se tornou
o maior importador (US$ 869 milhões), seguido pela Arábia Saudita (US$ 672 milhões)
e Emirados Árabes Unidos (US$ 551 milhões). Por fim, em 2010, a Arábia Saudita
reassume o posto de maior importador do Brasil na região (US$ 3 bilhões de dólares),
seguido pelo Irã (US$ 2,1 bilhões) e Egito (US$ 1,9 bilhão). Nota-se no ano de 2010 um
forte aumento das exportações brasileiras para estes países, o que sinalizou o
aprofundamento das relações comerciais.
Petroquímica
Nas comparações dos saldos da balança comercial, observamos, nos períodos de 1995,
2003 e 2010, que Argélia, Israel e Iraque, foram os países que obtiveram saldo
favorável em suas balanças comerciais. Tanto Arábia Saudita quanto a Líbia possuíam
historicamente saldos positivos com relação ao Brasil, porém, nos últimos três anos,
tiveram a tendência invertida, tornando-se países com balanças comerciais deficitárias.
Estes dois países invertem a tendência de suas balanças comerciais muito em função do
aumento da produção de petróleo no Brasil, que diminuiu a importação de produtos
petroquímicos desses países. No caso dos países árabes, que mantêm balança comercial
superavitária com relação ao Brasil, os principais itens de importação são subprodutos
de petróleo e fertilizantes, enquanto Israel exporta matéria-prima para fertilizantes,
peças para aeronaves e produtos com componentes tecnológicos.
Dessa forma, podemos dizer que em 2010 a atenção do governo brasileiro em expandir
seus negócios no Oriente Médio aumentou consideravelmente. A Cúpula América do
Sul e Países Árabes (Aspa), criada em 2005 em Brasília, é um instrumento importante
de cooperação comercial e política, o que sinaliza a maior importância da região para a
política externa brasileira. As visitas oficiais do presidente Lula à Síria, Líbano,
Emirados Árabes Unidos, Egito e Líbia em 2003 (primeira visita oficial de um
presidente brasileiro a esta região desde dom Pedro II), à Argélia, em 2006, bem como
as visitas ao Irã, Israel e territórios palestinos, em 2010, indicam o fortalecimento da
política externa do Brasil com o Oriente Médio e países árabes a partir de 2003. Assim,
a expansão dos contatos internacionais do Brasil resgatou em certa medida a herança
deixada pela Política Externa Independente (PEI) dos governos Jânio Quadros e João
Goulart, bem como o pragmatismo responsável do presidente Ernesto Geisel em
meados da década de 1970. Entretanto, entre os principais interesses deste novo
momento das relações com os árabes e o Oriente Médio, o caráter comercial é
predominante.
Tendo como pano de fundo os últimos oito anos de nossa política externa e a provável
continuação das ações internacionais do atual governo, parece-nos que as linhas gerais
de atuação na região irão continuar. A presença do ministro Antônio Patriota à frente da
chancelaria brasileira e sua atuação histórica mais próxima do ex-chanceler Celso
Amorin, responsável pelos oito anos da gestão do Itamaraty no período Lula, reforçam a
tese da continuidade dessa política universalista e de aproximação com o Oriente Médio
e os países árabes.
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