Imunidade contra carrapatos - R1

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IMUNIDADE CONTRA CARRAPATOS
Cleber Oliveira Soares1 Carlos Luiz Massard2 Adivaldo Henrique da Fonseca 3
INTRODUÇÃO
As respostas imunes contra os artrópodes hematófagos são dirigidas, essencialmente, contra
os antígenos presentes na saliva, os quais são inoculados no hospedeiro durante o repasto alimentar.
Essas respostas podem ser de três tipos:
1. alguns antígenos salivares com baixo peso molecular (haptenos) associam-se às proteínas da
pele do hospedeiro para estimular uma resposta imune celular. Numa exposição
subseqüente, esses haptenos estimulam uma reação de hipersensibilidade tardia. A dermatite
alérgica a picadas de pulgas, no cão, é caracterizada por este tipo de resposta;
2. os antígenos salivares podem se ligar às células de Langerhans presentes na epiderme e
induzir uma hipersensibilidade cutânea do tipo basofílica, associada à produção de
imunoglobulina da classe G (IgG) e com a infiltração basofílica;
3. os antígenos salivares estimulam a produção de IgE, desencadeando uma reação de
hipersensibilidade do tipo I. Essa resposta induz uma severa inflamação na pele, ocorrendo o
prurido e a dor.
Tais mecanismos imunológicos podem modificar a pele do hospedeiro e, desta forma, o
repasto do artrópode é prejudicado. Entretanto, os artrópodes são hábeis em evadir ao sistema
imune dos hospedeiros. As respostas imunes contra antígenos salivares são pouco eficientes, pois
não determinam danos consideráveis ao artrópode e são de curta duração. Além disso, a saliva dos
artrópodes possui efeito imunossupressor (Ribeiro et al., 1985; Wikel, 1996). Os mecanismos de
resposta imune aos artrópodes são similares entre os diferentes grupos desses parasitas.
Os carrapatos são artrópodes ectoparasitos de diferentes grupos de animais. Estes possuem
grande importância por determinarem injúrias aos hospedeiros, pelo hematofagismo, inoculação de
toxinas, determinação de lesões e são responsáveis por transmitir, biológica e/ou mecanicamente,
grande diversidade de agentes patogênicos. Conseqüentemente, esses parasitas têm sido alvo de
estudos elucidativos para a inter-relação hospedeiro/ectoparasito.
A expressão da resposta imune a esses parasitas é reconhecida desde o início do século, com
estudos sobre a imunidade natural a Boophilus microplus (Canestrini, 1887), segundo Johnston &
Bancroft (1918). A resistência imunológica natural aos carrapatos é expressa, principalmente, sobre
o estádio larval e pela participação de células da inflamação e substâncias por elas produzidas. Na
resistência induzida, a expressão ocorre sobre o estádio adulto do ixodídeo, sendo esse tipo de
imunidade determinado por inoculação de antígenos brutos ou particulados (Willadsen, 1980).
Uma variedade de imunógenos foi testada visando ao controle de carrapatos e outros
artrópodes: desde extratos brutos derivados de órgãos do ixodídeo, antígenos "ocultos"
recombinantes, a partir de proteínas de células digestivas, até peptídeos sintéticos. Na imunidade
natural pouco se conhece sobre o mecanismo que determina a interrupção do repasto sangüíneo do
carrapato. Entretanto, na imunidade induzida, o principal mecanismo decorre da atuação dos
anticorpos específicos, bloqueando a atividade endocítica das células digestivas (Kemp et al., 1986;
Wikel, 1996; Massard et al., 1999).
Baseadas nos conhecimentos de expressão da imunidade dos animais aos ixodídeos, duas
alternativas no controle imunológico foram propostas: uma, pela seleção de indivíduos
imunocompetentes e, outra, pelo uso de antígenos purificados, como indutor da resistência por meio
da imunização direta.
1
Méd.-Vet., Ph.D., CRMV-RJ No 5.344, Pesquisador Embrapa Gado de Corte: Campo Grande, MS. [email protected]
Méd.-Vet., Ph.D., CRMV-RJ No
Professor-Titular, Departamento de Parasitologia Animal
3
Méd.-Vet., Ph.D., CRMV-RJ No 1.687 Professor-Titular, Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública, UFRRJ. instituto de
Veterinária da UFRRJ, Rodovia BR 465 Km 7 Seropédica, RJ.
2
HIPERSENSIBILIDADE
A resposta imune humoral dos vertebrados às repetidas infestações por artrópodes é
constatada com a elevação dos níveis de IgM, IgG e IgE, sendo as duas últimas imunoglobulinas
envolvidas na reação de hipersensibilidade. Durante as infestações, há uma dinâmica celular, na
pele, e a relação entre linfócitos T CD4+ para T CD8+ aumenta após sucessivas infestações (Mbow
et al., 1994).
A hipersensibilidade tipo I é um mecanismo associado à resistência ao carrapato, pois se
observa aumento de mastócitos degranulados e imunoglobulinas da classe E; aumento de infiltrado
eosinofílico na pele e aumento da concentração de IgM e IgG. Ainda na hipersensibilidade, os
antígenos salivares ativam a fração C5 do complemento, que tem a função de anafilatoxina e
quimiotaxia, importantes na reação inflamatória (Gordon & Allen, 1991).
IMUNIDADE NATURAL
O fenômeno de resistência imune natural a carrapatos tem como manifestação primária o
decréscimo do número da população infestante que completa o ciclo após novos desafios (Roberts,
1968). O estádio de larva é o mais afetado por esse tipo de imunidade (Willadsen, 1987). Os
carrapatos encontram dificuldades ao realizarem o repasto em bovinos previamente infestados. Ao
completarem o ciclo parasitário, esses artrópodes apresentam peso corporal inferior em relação
àqueles alimentados em animais sem contato prévio (Kemp et al., 1976). A fixação dos carrapatos
nos hospedeiros previamente infestados induz uma acentuada reação de hipersensibilidade local,
fenômeno importante na mediação da resistência (Willadsen, 1987).
Nos sítios de alimentação dos carrapatos, em animais resistentes, desenvolvem-se reações
cutâneas celulares, constituídas de basófilos e eosinófilos (Allen, 1973). A degranulação de
basófilos ocorre durante repetidas infestações, na presença de antígenos salivares. Os basófilos
possuem um papel importante na limitação do repasto sangüíneo do artrópode. A expressão da
resistência natural pode ser reduzida pela administração de anticorpos antibasófilos (Brown et al.,
1982). Outros tipos celulares degranulam durante a exposição primária e subseqüente, quando da
formação do sítio alimentar (Brossard & Fivaz, 1982). Enzimas salivares do carrapato podem
hidrolisar a membrana celular causando a liberação de substâncias vasoativas (Sauer et al., 1995).
Antígenos salivares, imunoglobulinas e complemento foram localizados na junção dermoepidermal
de animais resistentes (Allen et al., 1979), e a salivação contínua do carrapato permite a formação
de complexos antígeno-anticorpos circulantes que se depositam no sítio alimentar.
Moléculas biorreativas, oriundas de células da inflamação, influenciam na biologia dos
carrapatos, causando-lhes injúrias e alterações comportamentais. Histamina, leucotrienos,
prostaglandinas, proteínas eosinofílicas, enzimas, complemento e outros mediadores da resposta
imune e inflamatória contribuem para a formação da lesão nos sítios de fixação, afetando o
ingurgitamento do carrapato (Wikel, 1996). No entanto, elevados níveis de substâncias vasoativas,
induzidas pela salivação, aumentam a permeabilidade vascular, além de outras alterações
endoteliais.
As células de Langerhans são importantes na resistência adaptativa dos animais aos
carrapatos, porque decrescem de número durante a infestação primária e aumentam na fase inicial
da infestação secundária. Atuam, ainda, como células acessórias, apresentadoras de antígeno, na
expressão da resistência adaptativa (Nithivthai & Allen, 1984). Os anticorpos contra os antígenos
salivares não garantem imunidade sólida, além de possuírem reações cruzadas interespecíficas
(Wheeler et al., 1991).
Os bovinos Bos taurus, infestados com adultos de Dermacentor andersoni, apresentaram, no
sangue periférico, linfócitos reativos in vitro ao extrato de glândula salivar da mesma espécie de
carrapatos (Wikel & Osburn, 1982). Enquanto que Bos indicus, infestados com Amblyomma
americanum, desenvolveram linfócitos menos responsivos, in vitro, ao extrato salivar desse
carrapato (George et al., 1985). A capacidade de desenvolver resistência natural, pelo bovino, a B.
microplus, até certo grau, é hereditária, o que justifica a seleção de indivíduos menos suscetíveis
(Hewetson, 1978).
Constituí-se em um erro o uso de anticorpos anti-saliva para detectar a imunidade a
carrapatos quanto à resistência adaptativa, pois estes apenas contribuem na expressão da resistência
e muitos não são reativos com moléculas envolvidas nos processos biológicos do artrópode (Wikel,
1996). A saliva dos carrapatos possui substâncias farmacologicamente ativas com propriedades
antiinflamatória, anti-hemostática e imunossupressiva, o que reduz a defesa do hospedeiro (Ribeiro
et al., 1985). A imunossupressão mediada por carrapatos contribui para o sucesso no
estabelecimento de infecção por hematozoários transmitidos por esses ixodídeos (Urioste et al.,
1994).
A intensidade de fixação das larvas de B. microplus sobre animais resistentes está
relacionada com a hipersensibilidade e a prolongada irritação, além da existência da imunidade
humoral, o que foi comprovado pela transfusão de soro de animais resistentes para animais
suscetíveis (Oberen, 1984). Willadsen & Williams (1976) identificaram na saliva de B. microplus as
enzimas esterase hidrolítica, proteolítica e as de inibição da coagulação sangüínea e de fixação do
complemento. Todas elas contribuem para a reação de hipersensibilidade imediata em diferentes
níveis, de acordo com a resistência individual (Willadsen, 1980). Pouco se conhece sobre o
mecanismo da interrupção no repasto sangüíneo do carrapato, prejudicando a produção de ovos e a
viabilidade destes. As substâncias biologicamente ativas liberadas por basófilos, eosinófilos e
outros tipos celulares são apenas fatores que podem contribuir para o fenômeno da resistência.
IMUNIDADE INDUZIDA
Os primeiros avanços no conhecimento da imunidade induzida aos carrapatos foram
reportados por Trager (1939), imunizando cobaios e coelhos com extratos brutos de Dermacentor
variabilis. Esse autor observou que larvas e ninfas submetidas ao desafio em animais imunizados
com extratos apresentavam menores índices de ingurgitamento. A partir da década de 1940, muitos
estudos foram desenvolvidos sobre a resistência induzida aos ixodídeos. A redução no número de
adultos de Hyalomma anatolicum excavatum foi observada em coelhos após inoculação com extrato
de glândula salivar (Wikel, 1996). Garin & Grabarev (1972) obtiveram sucesso na imunização de
coelhos e cobaios com extrato de glândula salivar de Rhipicephalus sanguineus. Em teste com
cobaios imunizados com 1 miligrama (mg) a 4 mg de extrato de larva de Ixodes holocyclus,
verificou-se, após três semanas, o percentual de rejeição das larvas de 29% a 68% (Bagnall, 1978).
O extrato de glândula salivar de B. microplus inoculado em bovinos é capaz de induzir
resistência (Brossard, 1976). A purificação do alérgeno 2 (inibidor da enzima proteolítica e da
coagulação sangüínea), a partir de larvas de B. microplus, quando inoculado em bovinos,
demonstrou sucesso parcial na indução de resposta imune, caracterizada pela reação de
hipersensibilidade. Assim, Willadsen et al. (1978) sugeriram a necessidade do encontro de
antígenos internos que induzissem resposta imune satisfatória. Bovinos mestiços (B. indicus x B.
taurus) foram imunizados com a combinação de antígenos solúveis e particulados, preparados de B.
microplus, observando-se uma redução altamente significativa na carga parasitária (Johnston et al.,
1986).
Os melhores resultados na imunização contra os ixodídeos têm sido obtidos por inoculação,
nos animais, de antígenos derivados de porções dos carrapatos que não estão diretamente expostas
no momento do repasto sangüíneo. Para esses antígenos, foi proposta a denominação de "antígenos
ocultos" ou "antígenos escondidos" (Ackerman et al., 1980). Diferente da imunidade adquirida por
carrapato, a induzida por antígenos particulados, principalmente os “ocultos”, não apresenta reações
de hipersensibilidade; atua, principalmente, sobre o estádio adulto do carrapato. Os carrapatos
sobreviventes são pequenos e apresentam sinais de lesões internas, com cor avermelhada e ao
exame histológico observam-se severas lesões no trato digestivo (Agbede & Kemp, 1986; Mora
Hernandez et al., 1997), acompanhadas de redução no peso e postura das fêmeas que ingurgitam
(Kemp et al., 1986; Massard et al., 1995; Mora Hernandez et al., 1999). Assim, essa imunidade
expressa seus efeitos diretamente sobre o sistema digestivo e indiretamente sobre o sistema
reprodutivo do carrapato (Tabela 2).
TABELA 2. Comparação entre a imunidade adquirida e a induzida de bovinos ao carrapato
Boophilus microplus (Canestrini, 1887).
Efeitos
Estádio mais afetado
Efeitos da imunidade:
1 - Número de carrapatos ingurgitados
2 - Peso dos carrapatos ingurgitados
3 - Peso da postura
4 - Viabilidade da postura
Expressão da imunidade
Mecanismo imunológico
Tipo de imunidade
Adquirida
Larva
Variável
Pouco efeito
Não afeta
Não afeta
Rejeição das larvas pouco afetadas
Primordialmente por hipersensibilidade
imediata
Induzida
Adultos
Usualmente grande redução
Grande efeito
Grande efeito
Algum efeito
Severos danos e morte dos adultos
Principalmente por anticorpos
Adaptado de Willadsen (1987).
Os antígenos derivados do intestino médio de B. microplus são os que induziram melhores
níveis de imunidade à infestação por esses carrapatos. Opdebeeck et al. (1988a) observaram uma
redução de 87% da carga parasitária de B. microplus em bezerros Hereford submetidos ao desafio
com antígenos intestinais. Posteriormente, o intestino de B. microplus foi processado e fracionado
em uma parte insolúvel (membranas) e outra solúvel, e observou-se que a insolúvel conferiu 91%
de proteção e, a mistura de ambas, 82%. A fração solúvel não induziu proteção significativa
(Opdebeeck et al., 1988b).
Alguns fatores podem interferir na resposta do hospedeiro à resistência ao carrapato, e
dentre eles destacam-se:
fatores externos que induzem estresse: de origem nutricional e ambiental;
condição reprodutiva do hospedeiro e imunossupressão por drogas;
infecção por hemoparasitos, como Babesia sp., Anaplasma sp. e Trypanosoma sp., que podem
aumentar a susceptibilidade aos carrapatos (Heller-Haupt et al., 1983; Oberen, 1984).
Os estudos na imunidade induzida passaram pela utilização de extratos brutos dos diferentes
estádios dos carrapatos, extratos de glândulas salivares, extratos purificados, extratos de ovos
embrionados e antígenos particulados a partir de diferentes tecidos, sendo o derivado do trato
digestivo aquele que induziu melhor proteção (Wikel, 1996; Toro-Ortiz et al., 1997). Duas
alternativas no controle imunológico de carrapatos foram resumidas e propostas por Willadsen
(1987): uma, por meio da seleção de indivíduos imunocompetentes e, outra, pelo uso de antígenos
purificados como indutor da resistência pela imunização direta.
Outras proteínas de B. microplus foram isoladas e caracterizadas, como a Bm 91, porém não
conferiram imunidade satisfatória quando usadas isoladamente (Wikel, 1996). Antígenos obtidos a
partir do cultivo de células de A. americanum induziram significativo nível de imunidade às
infestações por adultos de A. americanum e D. variabilis (Wikel, 1985); no entanto, pouco se sabe
sobre esses tipos antigênicos.
Clones de cDNA da glicoproteína Bm 86 foram isolados, purificados, homogeneizados,
sendo determinada a seqüência de fragmentos peptídicos. A recombinação gênica (rBm 86) foi
expressa inicialmente em Escherichia coli (Rand et al., 1989). Posteriormente, a Bm 86 foi também
recombinada aos fungos Aspergillus nidulans e A. niger (Turnbull et al., 1990) e em baculovírus
(Richardson et al., 1993). Esse antígeno recombinante induziu proteção ao mesmo nível que a rBm
86 em E. coli (Opdebeeck, 1994). Rodriguez et al. (1994) isolaram e amplificaram o gene que
codifica a Bm 86, expressando-o em vários sistemas, incluindo a levedura metilotrófica Pichia
pastoris. Essa expressão induziu um aumento no potencial imunogênico, por ser secretada na forma
glicosilada, originando partículas de 20 m a 36 m. Tais recombinações gênicas possuem a
vantagem de apresentarem cadeias regulares de polipeptídeos do antígeno, as quais se dobram
homogeneamente.
Quanto à importância dos antígenos recombinantes, estes, potencialmente, diferem dos
nativos tanto pela configuração como pelos padrões no processo de glicosilação (Willadsen &
Mckenna, 1991). O principal mecanismo de atuação dos anticorpos contra os antígenos rBm 86 dáse pelo bloqueio da atividade endocítica das células digestivas do carrapato, associada, por
conseguinte, às lesões (Kemp et al., 1986; Mora Hernandez et al., 1997). Os antígenos rBm 86 têm
sido utilizados como imunógenos em alguns países da América Latina, como Cuba, Brasil,
Argentina, Colômbia, México e Nicarágua, e na Austrália, apresentando resultados satisfatórios (De
La Fuente, 1995; Massard et al., 1995; 1999; Willadsen et al., 1995).
A glicoproteína Bm 86 mantém-se conservada em diferentes cepas de B. microplus. Os
anticorpos de bovinos imunizados com a rBm 86 protegem e atuam contra distintas cepas de B.
microplus, mesmo aquelas resistentes a acaricidas, como os organofosforados (Penichet et al.,
1994).
Outro modelo de imunógenos considerado eficaz contra carrapatos é o dos peptídeos
sintéticos, inicialmente testados por Sharp et al. (1990). Estes foram sintetizados, purificando
oligopeptídeos a partir de cálculos preditivos da seqüência de aminoácidos da glicoproteína Bm 86.
Ao avaliar os peptídeos em coelhos e bovinos, os anticorpos produzidos reconheceram as proteínas
Bm 86 e rBm 86 pelo ensaio immunoblotting.
Níveis de anticorpos contra carrapatos
Os níveis de anticorpos contra a Bm 86, recombinada em P. pastoris, foram avaliados em
bovinos, por meio de um ensaio imunoenzimático (ELISA) (Rodríguez et al., 1994). Esses
pesquisadores procederam ao controle de B. microplus em populações de bovinos, em campo, em
Cuba, vacinados com a rBm 86, acompanhando sorologicamente durante 33 semanas. Observaram
que os anticorpos surgem entre a primeira e segunda semanas após a vacinação e atingem pico
máximo por volta da décima semana, permanecendo detectáveis, com títulos consideráveis, até a
32a semana (Rodríguez et al., 1995a). O mesmo modelo foi utilizado no Brasil, ao avaliar a
imunidade de bovinos B. taurus puros e mestiços com B. indicus, perante a rBm 86. Os animais
apresentaram perfis de anticorpos similares ao observado em Cuba (Rodríguez et al., 1995b).
Na Argentina, Lamberti et al. (1995) observaram, por meio de ELISA, em bovinos mestiços
imunizados com a rBm 86, uma curva de anticorpos próxima à relatada por Rodríguez et al. (1995a,
b). Anticorpos monoclonais contra B. microplus foram analisados quanto a seus efeitos na
eficiência reprodutiva do carrapato, pelo teste ELISA e immunoblotting (Toro-Ortiz et al., 1997).
Modelos matemáticos por computador foram propostos e utilizados para avaliação da
dinâmica populacional de B. microplus em campo, empregando acaricidas e imunógenos. Os dados
de estudos sorológicos foram utilizados para a determinação das épocas ideais de vacinação (Floyd
et al., 1995; Lodos et al., 1995).
Uma metodologia prática foi desenvolvida por Machado & Santizo (1995) para avaliar os
níveis de anticorpos em bovinos imunizados com a proteína rBm 86, em campo. Essa técnica utiliza
placas de poliestireno branco com escavações circulares sensibilizadas com o antígeno rBm 86. A
análise sorológica está baseada em um imunoensaio indireto em fase sólida. O conjugado
adicionado contém proteína A (recombinante) marcada com ouro coloidal, para a detecção de
complexos imunes formados. A reação é amplificada pela adição de sondas de ouro coloidal com
reveladores físicos, à base de íons de prata, produzindo reações in situ, insolúveis, de cor marrom,
cuja intensidade é proporcional à concentração de anticorpos presentes na amostra.
EFEITO DOS IMUNÓGENOS SOBRE OS CARRAPATOS
Na relação hospedeiro-parasito hematófago, em especial nos carrapatos, é conhecido que o
mecanismo que leva ao desenvolvimento de resistência adquirida está acompanhado de reações de
hipersensibilidade (Koudstaal et al., 1978). Um fato importante da diferenciação entre a imunidade
adquirida e a induzida é que, a primeira age, principalmente, contra o estádio larvar, enquanto a
segunda, sobre o estádio adulto (Tabela 2).
O antígeno rBm 86 induz a formação de altos níveis de anticorpos e de outros componentes
séricos, como o complemento, que mediam a resposta imune dos bovinos. Os anticorpos específicos
fixam-se ao antígeno, in situ, e, nesse caso, à superfície de membrana das células digestivas de B.
microplus, ocasionando severos danos morfofisiológicos quando o sangue do animal vacinado é
ingerido pelos carrapatos adultos (Agbede & Kemp, 1986; Kemp et al., 1986). Tais danos
manifestam-se, principalmente, pela redução: do número e tamanho das fêmeas alimentadas; da
ovoposição; da fertilidade dos ovos; do potencial reprodutivo dos carrapatos em gerações
sucessivas, o que leva ao decréscimo das populações nas pastagens.
Efeito sobre a biologia do carrapato
Poucos são os estudos referentes à influência de anticorpos anti-rBm 86 nos parâmetros
biológicos dos carrapatos. Na fase parasitária tem-se observado, em diversas pesquisas, que as
fêmeas na sua maioria encontram-se semi-ingurgitadas, mortas, aderidas à pele do hospedeiro,
apresentando aspecto "seco". As fêmeas sobreviventes possuem colorações anormais, que variam
do róseo ao azul escuro (Willadsen, 1987; Massard et al., 1995; Rodríguez et al., 1995b).
Para a fase não parasitária, as avaliações sobre o efeito dos anticorpos anti-rBm 86 podem
ser determinadas pelo período de pré-postura, de ovoposição, produção e incubação dos ovos,
viabilidade da postura, peso das teleóginas, percentual de fêmeas que ovopositaram, índices
nutricionais, reprodutivos e sobrevivência e viabilidade das larvas. Os resultados obtidos, para essas
análises por vários pesquisadores, são variados, porém todos concordam em buscar a eficiência do
imunógeno, baseando-se na redução desses índices e parâmetros.
Poucos são, no entanto, os registros sobre a sobrevivência e longevidade das larvas
provenientes de fêmeas de carrapatos alimentadas em bovinos imunizados com diferentes antígenos
de B. microplus (Bm 86 ou rBm 86). Observações originais foram realizadas no Brasil, no que se
refere à menor sobrevivência e longevidade das larvas, oriundas de fêmeas de B. microplus
sobreviventes de animais imunizados (Mora Hernandez, 1996; Mora Hernandez et al., 1999)
Aproximadamente, 5% a 10% da partícula heme ingerida pelas fêmeas do carrapato passa
para o desenvolvimento dos oócitos. O complexo heme dos ovos é uma proteína diferente da
hemoglobina do hospedeiro. Após a quebra desta, pela digestão, algumas partes da molécula de
ferro e do heme passam à hemolinfa, ligando-se a proteínas específicas do carrapato (Kitaoka,
1961). Esse novo tipo de composto, ferro-proteína, é denominado hemixodovina (Bremner, 1959).
Esta tem a função de reserva protéica, durante a embriogênese, e de reserva energética nas larvas
em jejum (Balashov, 1972).
Outra possibilidade reside ao fato de, após o desprendimento das fêmeas ingurgitadas, o
retículo endoplasmático rugoso das células intestinais começa a se reorganizar, sintetizando
grânulos, o que corrobora o efeito dos componentes séricos sobre as células digestivas das
teleóginas e o conseqüente efeito sobre a ovoposição (Coons et al., 1982; Agbede & Kemp, 1986).
O material secretado por essas células de B. microplus ocorre nos espaços extracelulares das dobras
basais, as quais estão em contato com a hemolinfa (Agbede & Kemp, 1987). Desta forma, pode ser
relacionado com o período de sobrevivência das larvas, descendentes de fêmeas que realizaram o
repasto sangüíneo em bovinos imunizados com o antígeno rBm 86 (Mora Hernandez, et al., 1999).
A redução na população de carrapato é decorrente da alteração dos processos biológicos,
especialmente os metabólicos da digestão, afetando as gerações que se sucedem. Assim, a
reprodução torna-se menos eficiente e a capacidade de sobrevivência e o poder de fixação das
larvas diminuem substancialmente. As alterações nos parâmetros biológicos de B. microplus
contribuem para a redução das populações deste carrapato nas pastagens.
Alterações histológicas do trato intestinal
A estrutura histológica do intestino dos carrapatos está composta de uma membrana basal
coberta de fibras musculares longitudinais e circulares, formando várias camadas (Balashov, 1972).
Três tipos celulares para o epitélio intestinal de Hyalomma asiaticum foram descritos por Balashov
(1972), os quais foram denominados como células de reserva, digestivas e secretoras, sugerindo que
estas originam-se de uma única célula fonte. Entretanto, Tatchell (1964) e Chinery (1964)
afirmaram que a parede do intestino desses artrópodes é constituída, essencialmente, por células
epiteliais e suas estruturas e funções variam de acordo com o ingurgitamento e com as fases do
ciclo biológico dos carrapatos.
Agbede & Kemp (1985) concordaram com o critério de Balashov (1972) quanto à origem
dos tipos celulares, acrescentando, no entanto, que as células basais se encontram em todos os
instares. Esses autores classificaram as células intestinais de B. microplus em cinco tipos celulares:
célula basal, digestiva, secretora (S1), secretora (S2) e célula basofílica (Figura 1). A última persiste
até a morte das fêmeas.
O mecanismo de ação dos anticorpos anti-rBm 86 dá-se pela fixação destes à membrana das
células digestivas (Kemp et al., 1986). Os anticorpos, com o complemento e outros componentes
séricos, provocam severos danos na ausência de leucócitos (Agbede & Kemp, 1986; Willadsen et
al., 1989). O complemento pode ou não ser essencial, uma vez que foi demonstrado que o soro de
bovinos imunizados reage com a superfície das células intestinais, e que a intervenção de anticorpos
contra as células digestivas resulta em uma marcante inibição de suas atividades endocíticas,
precedendo lesões celulares detectáveis (Willadsen & Kemp, 1988). Severas alterações
morfológicas no intestino de carrapatos alimentados, in vitro e in vivo, foram registradas três
semanas após a terceira dose do imunógeno Bm 86, quando os níveis de anticorpos circulantes
encontravam-se no pico máximo. Em B. microplus coletados doze horas depois de iniciada a
alimentação, verificou-se que ocorre um bloqueio das atividades endocíticas nas células digestivas
(Agbede & Kemp, 1986; 1987).
Estudos histológicos foram realizados no trato digestivo de B. microplus alimentados em
bovinos imunizados com a rBm 86, de fêmeas coletadas 30, 40, 50, 60 e 70 dias pós-vacinação. Foi
observada a destruição de células digestivas, das secretoras (S 1 e S2) e, em casos mais severos, das
células basofílicas, permanecendo apenas a lâmina basal. Verificaram-se, ainda, erosão e ruptura da
parede intestinal e extravasamento do conteúdo digestivo para a cavidade celomática (Mora
Hernandez et al., 1997). Tais lesões incompatibilizam o processo de oogênese nesse carrapato e
interrompe seu ciclo vital . As alterações no intestino de B. microplus, pela ação dos anticorpos
anti-rBm 86, justificam as observações macroscópicas encontradas em fêmeas mortas, ou
parcialmente ingurgitadas aderidas à pele do hospedeiro (Massard et al., 1995; Mora Hernandez,
1996; Mora Hernandez et al., 1997). As lesões intestinais podem afetar a ovoposição, por
interrupção da digestão ou por bloqueio da síntese de vitelogenina nas células intestinais (Agbede &
Kemp, 1986). O motivo das larvas não serem afetadas pelos anticorpos anti-rBm 86 deve-se ao fato
de os componentes celulares do intestino desse instar serem constituídos apenas por células basais
(Balashov, 1972; Agbede & Kemp, 1985). Também é conhecida a existência de enzimas inibidoras
da proteólise presentes apenas no estádio larvar (Willadsen et al., 1989).
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