Dermatite e lesão ocular de contato irritante por Óxido de Cálcio (cal virgem) em Suínos Silva, W. S., Reis, S. D. S., Azevedo, Z. F. T., Silva, R. M. M., Lopes, A. C., Pimentel, L. A., Macêdo, J. T. S. A., Pedroso, P. M. O. Autor correspondente: [email protected] (Pedroso, P. M. O.). Laboratório de Patologia Veterinária, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Rua Rui Barbosa n. 710, Campus Universitário. CEP 44380-000 Cruz das Almas, Bahia. PALAVRAS CHAVES: Queimadura, óxido de cálcio, suíno. INTRODUÇÂO: A agressão química à pele pode resultar da aplicação local diretamente sobre a pele (primária) ou de uma absorção de substâncias por meio do trato gastrointestinal e de sua subsequente distribuição para a pele (secundária) resultando em uma dermatite de contato. Esta pode ser subdividida em dermatite de contato irritante e alérgica [4]. A dermatite de contato irritante é mais comum, sendo definida como reação cutânea a uma concentração irritante do agente agressor [10]. A maioria dos casos de dermatite de contato é causada por contato direto por substâncias, como secreções corpóreas ou de feridas, aplicação de drogas ou exposição a ácidos, álcalis, sabões, detergentes ou plantas irritantes [4]. Os ácidos e bases fortes produzem lesão imediatamente após o contato, induzindo queimaduras químicas [2]. O óxido de cálcio (CaO), conhecido como cal virgem ou cal queimado, é um composto químico utilizado para diversas finalidades; entre as quais, na pecuária é utilizado com intuito de promover a desinfecção das instalações dos animais. O CaO ao entrar em contato com água ou suor é convertido em hidróxido de cálcio (Ca(OH)2), um alcaloide, que quando entra em contato com a pele produz irritação local [9]. As lesões clínicas incluem eritema, edema e formação de vesículas, que progridem para erosões, úlceras, formação de crosta e por fim liquenificação e hiperpigmentação [10]. Em humanos dentre os agentes químicos causadores de queimaduras oculares, as substâncias alcalinas são as mais frequentes e são responsáveis por graves sequelas à saúde ocular [6,7]. As lesões por álcalis têm como agentes mais frequentes: amônia (NH3), soda cáustica (NaOH), cal (Ca(OH)2) e hidróxido de potássio (KOH) [8]. O objetivo do presente trabalho é descrever um surto de dermatite e lesão ocular de contato irritante por cal virgem em suínos. MATERIAL E MÉTODOS: O surto ocorreu em uma propriedade rural localizada no município de Iuiu, região Oeste da Bahia em dezembro de 2013, durante o transporte de 60 suínos de uma granja de recria para uma granja de engorda. O histórico clínico e dados epidemiológicos foram obtidos com o médico veterinário que atendeu o caso. Os suínos foram abatidos in stremis pelo serviço de inspeção do frigorífico local. Durante o abate foram coletados fragmentos de pele de 30 animais, uma língua, um globo ocular, fixados em formol 10%, processados de forma rotineira para histologia, emblocados em parafina, cortados a 5 µm de espessura e corados pela hematoxilina e eosina. RESULTADOS: Segundo informações do médico veterinário, antes do embarque dos suínos a carroceria do caminhão havia sido lavada e polvilhada com cal virgem para a desinfecção. Devido à alta temperatura do dia, o motorista procedeu com a aspersão de água sobre os animais que estavam embarcados, supondo que amenizaria o calor. Imediatamente após este procedimento, todos os animais apresentaram comportamento agitado, com vários se debatendo. A pele de todos os animais apresentava-se avermelhada com vesículas e alguns com desprendimento da mesma. Segundo o médico veterinário todos os animais apresentaram cegueira. Na macroscopia, foi evidenciado que na pele dos suínos de forma difusa em todo o corpo exceto axilas havia pontos eritematosos, formação de pápulas, vesículas, e em alguns casos com formação de placas elevadas amarronzadas de consistência dura e em outros casos com perda da pele. Os olhos estavam opacos. Na microscopia da pele observaram-se áreas de necrose focalmente intensas da epiderme, por vezes se estendendo à derme, ambas delimitadas por restos celulares e raros neutrófilos. No olho observou-se necrose da córnea com formação de úlcera perfurada, necrose do epitélio superficial, edema e infiltrado inflamatório de neutrófilos na área adjacente à úlcera. DISCUSSÃO/CONCLUSÃO: O diagnóstico de dermatite e úlcera de córnea de contato irritante por CaO em suínos foi estabelecido pelo histórico e alterações clínico-patológicas observados. Não há relatos de queimaduras químicas associadas ao CaO em animais. Em humanos estes acidentes são frequentes e ocorrem no ambiente de trabalho ou doméstico. As vítimas geralmente são do sexo masculino e jovens [1]. A necrose epitelial ocorre, pois o ânion hidróxido saponifica os ácidos gordurosos das membranas celulares, com resultante ruptura e morte celular. O cátion é responsável pelo álcali livre [3,5], reagindo com os grupos carboxílicos do colágeno estromal e dos glicosaminoglicanos e a hidratação destes, resultando em perda da transparência do estroma corneano [11]. A irritação ocular causada por inseticidas e desinfetantes inadvertidamente aplicados no olho não é incomum em fazendas. As queimaduras químicas na córnea e anexos podem ter graves consequências, sendo que as causadas por álcalis são mais graves que as causadas por ácidos. As queimaduras corneanas por ácidos tendem a ser agudamente delimitadas e não-progressivas, enquanto que as queimaduras por álcalis causam coagulação progressiva, dissolução e desprendimento do estroma corneano [10], assim como se observou neste estudo. O cal é muito utilizado na limpeza e desinfecção das instalações rurais; todavia, para sua melhor utilização deve-se ter o conhecimento adequado na manipulação do mesmo para evitar acidentes em humanos e nos animais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 1. Castellano, A.G.D. et al. Avaliação epidemiológica dos pacientes vítimas de queimadura ocular pelo agente químico cal no Serviço de Oftalmologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba. Arq. Bras. Oftalmol. 65:311-314, 2002. 2. Conceição, L.G., Santos, R.L. Sistema Tegumentar. In: Santos, R.L., Alessi, A.C. Patologia Veterinária. 1. Ed. São Paulo: Roca, 2010. p.423-524. 3. Freitas, D. Queimadura ocular. In: Moreira Júnior, C.A. et al. Trauma ocular. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1997. 4. Hargis, A.M., Ginn, P.E. O tegumento. In: McGavin, M.D., Zachary, J.F. Bases da Patologia em Veterinária. 4. Ed. Rio de Janeiro: Mosby Elsevier, 2009. p.1107-1261. 5. Mc Culley, J.P. Chemical injuries. In: Smolin, G., Thoft, R.A. The cornea: Scientific Foundation an Clinical Practice. 2. Ed. Boston: Little, Brown, 1987. p.527-542. 6. Makino, M.C.A. et al. Perfil das queimaduras oculares na Santa Casa de São Paulo. Arq. Bras. Oftalmo. 62(4): 472, 1999. 7. Moon, M.E., Robertson, I.F. Retrospective study of alkali burns of the eye. Aust. J. Ophthalmol. 11(4):281286, 1983. 8. Morgan, S.J. Chemical burns of the eyes: cause and management. Br. J. Ophthalmol. 71:854-857, 1987. 9. Ng, W.T., Koh, D. Occupational contact dermatitis in manual cloud seeding operations. Singapore Med. J. 52(5):85-87, 2011. 10. Smith, B.P. Medicina Interna de Grandes Animais. 3. Ed. Barueri: Malone, 2006. 1728p. 11. Wagoner, M.D. Chemical injuries of the eye: current concepts in pathophysiology and therapy. Surv. Ophthamol. 41(4):275-313, 1997.