AS COMUNIDADES DE MARCA COMO SUPORTES À

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Artigo Original – Original Article
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AS COMUNIDADES DE MARCA COMO SUPORTES À SOCIALIDADE
TRIBAL: esboço de ensaio teórico
THE BRAND COMMUNITIES AS SUPPORTS TO TRIBAL SOCIALITY:
theoretical test outline
Felipe Ribeiro Pinto
Mestrando em Administração de Empresas pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio, Brasil
Especialista em Gerenciamento de Projeto pela Fundação Getúlio Vargas, RJ
Professor Visitante da Universidade Federal Fluminense, Niterói, Brasil
[email protected]
RESUMO
O ponto focal deste ensaio é a contribuição das “comunidades de marcas” no suporte e
evolução das tribos pós-modernas, procurando refletir sobre a contribuição das comunidades
de marcas para a construção da socialidade de massas. O ensaio teórico presente baseia-se em
pesquisa exploratória bibliográfica, atentando para a sua clara delimitação objetiva, apoiado
por uma nova forma de ver, baseada na redução antropofágica. Conclui-se que a tribo se
sustenta enquanto se revelar aderente à história de vida e aspirações de seus membros,
cabendo aos pesquisadores e praticantes do campo, investigar suas implicações no
depuramento das identidades manifestas das marcas vinculadas.
Palavras–chave: Comunidades de marca; marketing tribal; Sociedade de consumo (CCT).
ABSTRACT
The focal point of this essay is the contribution of brand communities for sustain the
progress of pos modern tribal groups. This essay search think about the effect of brand
communities for the build up a new consumer culture society. Afterall, the present essay based
sysitematic bibliographic review attempt to main goals of the research, that is, the new
framework antropofagic redution model. Finally, this essay sugest that the global trib sustain
since the the adere for the life history of their members. So, this mean that brand community
should attemp to reforce the strong identitity under theirs members.
Keywords: Brand communities; Tribal marketing; Consumer society (CCT).
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1. INTRODUÇÃO
Vive-se em tempos pós-modernos? Ou seria apenas tempo de crise, cíclica ou
estrutural do capitalismo, dentro da modernidade? Alguns autores argumentam que a utopia
modernista foi superada e que a pós-modernidade seria o prenúncio da sociedade do porvir,
prefigurada numa “socialidade” que lhe serviria de sustentação radical (MAFFESOLI, 2014).
Os pessimistas na análise, apontam que apenas uma manifestação daquela utopia se esgotou,
exortando por sua renovação pela superação do capitalismo, sem a qual a humanidade estaria
condenada ao niilismo e a barbárie (HABERMAS, 2012).
Responder estas questões não é trivial e tampouco o objetivo deste ensaio. Pretendese, por outra, principia-lo admitindo temporariamente sua impossibilidade, ou possibilidade
em paralaxe, destacando ser esta incerteza uma das características fundamentais de nosso
tempo (HOBSBAWN, 1999). Certo, quando se discute a ambivalência entre o marketing
individualizado e o associativo, o esgotamento das perspectivas funcionalistas em marketing e
a emergência de uma nova ciência do consumidor, a consumer culture theory (CCT), coletiva
e comunicativa (CASOTTI, 2004), está-se manifestando no campo uma discussão que
perpassa a sociedade contemporânea (TENORIO, 2009).
Ainda que Casotti (2004) tenha destacado as contribuições de perspectivas
interpretativistas para a atualização do campo, uma revisão dos artigos publicados nos
encontros da ANPAD entre 2010 e 2014, permite concluir que a academia brasileira mantevese aquém desta relevante discussão, apresentando poucos estudos diretamente relacionados
com o tema do marketing tribal, distinguindo-se a taxonomia da tribo de corredores de rua
(SILVIA & HALPERN, 2013), e a análise da cultura de consumo da tribo do Surf
(SEGABINAZZI, MIKE & PINTO, 2011), que comparou o consumo dos “simpatizantes” e o
caráter da tribo, revelado nos ideais e estilos de vida dos “praticantes” e mercadólogos.
Outrossim, a abordagem qualitativa multi-métodos realizada por Segabinazzi, Mike &
Pinto (2011), incentivam uma maior investigação da contribuição das “comunidades de
marca” para suportar a evolução da tribo, haja vista que a aproximação entre simpatizantes e
praticantes, dá-se pelo consumo de símbolos aderentes ao estilo de vida da tribo, interação
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proeminente em tribos formadas em torno de marcas como a Harley Davidson ( SHOUTEN
& MACALEXANDER, 2005) ou Star Wars (KOZINETZ, 2001).
Dito isto, cumpre reforçar que o ponto focal deste ensaio é a contribuição das
“comunidades de marcas” (MCALEXANDER, SCHOUTEN KOENIG, 2002,) no suporte e
evolução das tribos pós-modernas (MAFFESOLI, 2014), requerendo que se delimite cada
conceito para viabilizar o enfoque em sua articulação, diferenciando comunidades de marca
(SCHAU, MUNIZ, ARNOULD, 2009) e comunidades virtuais (KOZINETS, 1999), tribos
pós-modernas e arcaicas (COVA, 2001), procurando refletir sobre a contribuição das
comunidades de marcas para a construção da socialidade de massas.
Finalmente, pretende-se investigar esta relação em sua contribuição às transformações
no marketing (COVA, 2001), condignas para alinhá-lo à sociedade do porvir (MAFFESOLI,
2014). Espera-se que a consecução deste objetivo de pesquisa estimule a disseminação do
tema e seus objetos de estudo no Brasil, contribuindo para o avanço do conhecimento pela
atualização ontológica, epistemológica e metodológica do campo (CASOTTI, 2004). Esperase afetar, ainda, a transformação das práticas de marketing, aumentando a relevância e
competitividade das organizações brasileiras, criando as condições para que se analise a cocriação de produto como capacidade distintiva empresarial (VARGO & LUSCH, 2004).
2. FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DO ENSAIO
O ensaio teórico presente baseia-se em pesquisa exploratória bibliográfica
(VERGARA, 2010, p.43), onde se realizou o “estudo sistemático” conveniente para
investigar, de maneira não exaustiva, seu questionamento central, atentando para a sua clara
delimitação objetiva, critério - chave para sua validade:
O ensaio não requer um sistema ou modelo específico, pois seu princípio
está nas reflexões em relação aos próprios sistemas ou modelos. Permite a
busca por novos enfoques e interação permanente com os próprios princípios
da forma. No ensaio, busca-se a construção da forma adequada, mesmo que
esta não exista a princípio. Nele, o objeto exerce primazia, mas a
subjetividade do ensaísta está permanentemente em interação com ele.
(MENEGUETTI, 2011, p. 323)
Segundo Roesch (1990, p.107-110), existem duas etapas iterativas na pesquisa
bibliográfica: “leitura eficiente” e “leitura analítica”. No primeiro caso, indagou-se a
relevância da obra em sua contribuição aos objetivos da pesquisa, atentando aos artigos postos
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em discussão nos congressos da ANPAD entre 2010 e 2014, e pela pesquisa de livros e
artigos de referência indicados no curso de marketing do mestrado acadêmico da PUC – Rio,
no ano de 2015. Sucedaneamente, articulou-se a “análise textual”, “temática” e
“interpretativa”, para suportar sua conversão dialética em novo conhecimento.
Por conversão dialética, deve-se entender o esforço para a efetivação de discussão
teórica tal como proposto por Meneguetti (2011), que condenaria aquelas limitadas à
compilação de conteúdos presentes na bibliografia analisada, promovendo a emergência de
ensaios teóricos em administração orientados pelo “princípio da não-identidade”, revelando o
desalinhamento subjetivo como ímpeto para a construção de modelos, racionalidades ou
métodos, originais, haja vista que “conversas entre epistemologias diferentes encontram no
ensaio um campo fértil, sobretudo pela natureza de experimentação” (MENEGUETTI, 2011).
Segundo Tenório (2009), o ensaio encontra-se no limiar entre a ciência e a literatura,
requerendo uma base empírica e atenuando o apelo à verdade factual; abrindo-se à
imaginação subjetiva sem que se descole das evidências observadas. Disto decorre que o mais
relevante no ensaio não são as respostas apresentadas, mas sua capacidade de evocar novas
questões ou uma nova forma de ver os velhos desafios (MENEGUETTI, 2011):
Assim, respeitando a concepção original do que é ensaio, este necessita de
leitores preparados para compreender a sua importância para a formação do
conhecimento na atualidade. Basta lembrar que o empirismo, o racionalismo,
o positivismo e tantos outros conhecimentos que sustentam a base da ciência
tradicional de hoje surgiram por meio de vários ensaios de pensadores e
intelectuais. Logo, as perguntas fundamentais que orientam este ensaio são:
que é e quais as características, como se dá a construção, quais os elementos
presentes no movimento de construção, quais as relações entre o ensaio e a
administração de um ensaio? (MENEGUETTI, 2011, p. 321).
Logo, assume-se que o ensaio só pode sê-lo se apoiado por uma nova forma de ver.
Segundo Morgan (2005), a percepção dos pesquisadores orienta-se por paradigmas,
conscientes ou não, caracterizados por três faces: (i) cosmovisão onto-teleológica, (ii)
perspectiva epistemológica, e (iii) metodologias. Por conseguinte, apresentar-se-á, em
seguida, a perspectiva da redução antropofágica (RIBEIRO, 2014), ponto de partida para a
assimilação da cosmovisão pós-moderna, tal como configurada por Mafesoli (2014),
suportando a reflexão sobre a contribuição das comunidades de marcas para a
construção da socialidade de massas.
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3. DA PERSPECTIVA DA REDUÇÃO ANTROPOFÁGICA
Segundo Ribeiro (2014), a redução antropofágica compartilha a saga pelo
desenvolvimento de uma perspectiva baseada na compreensão da epistemologia, substância e
valores próprios da estética antropofágica, seguindo o proposto por Carvalho, Collares e Faria
(2001), pela “redução sociológica da poética oswaldiana em seu desenvolvimento histórico”
(RIBEIRO, 2014). Partindo da análise radical da redução sociológica, ou seja, da descoberta
de seus fundamentos na estética de Maritan, construiu-se uma perspectiva composta por uma
banda poética e outra banda filosófica, que reúnem a redução sociológica das contribuições da
face poética e filosófica da obra de Oswald de Andrade (RIBEIRO, 2014).
A metáfora assume as leis da redução sociológica (RAMOS, 1996, p.71-137) como
fundamentos válidos para a construção de uma perspectiva capaz de alocar a prática num
objeto integrado ao espirito épocal (lei das fases), distinguindo o essencial de suas
idiossincrasias (lei da universalidade dos enunciados gerais da ciência), acarretando numa
produção científica capaz de suportar um projeto de existência que articule o ser no tempo (lei
do comprometimento), consciente da circunstância que o permeia (caráter subsidiário da
produção estrangeira).
A relação entre a redução sociológica e a estética de O. Andrade deu-se pela
constatação de que o senso estético de Guerreiro Ramos conteria “um dos substratos em que
se firma a noção de redução sociológica”: a apologia do saber engajado que principia a lei do
comprometimento, parte mais relevante da perspectiva sociológica do autor (AZEVEDO,
2006a). A estética destinar-se-ia à liberdade humana na medida em que o “resgataria de si
mesmo”, personalizando-o:
Este engajamento cria as condições para o diálogo entre a antropofagia e a
redução sociológica, assumindo que ambos se compatibilizam como
“instrumento de autodeterminação”, podendo-se reduzir a primeira a modelo
para atingir a objetividade, a saber, uma visão integrada do fenômeno social
em sua estrutura e tendências históricas, distinguindo seu simulacro
ideológico e superando os vícios da produção intelectual consular
(RIBEIRO, 2014).
A redução sociológica da poética de O. Andrade resultou numa metáfora dividida em
duas partes. Na primeira, estão as referências elaboradas a partir da poesia Pau Brasil,
substância da estética oswaldiana e sua maior contribuição poética: equilíbrio, vanguardismo
e devoração crítica. Na segunda, incluem-se os elementos elaborados a partir do manifesto
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antropófago e seu desenvolvimento em utopia antropofágica: matriarcado, revolução dos
gerentes e a ideia de retrocesso (RIBEIRO, 2014):
Figura 1: Representação do modelo de redução antropofágica.
Fonte: RIBEIRO, 2014
4. O MARKETING NO TEMPO DAS TRIBOS
Há que se delimitar, antes de tudo, o que é tribo. Não basta apontar a pretensa filiação
da redução antropofágica ao que se chamou de “estudos tribais”. Não seria a primeira vez que
um simpatizante da tribo seria rejeitado por seus praticantes (Carvalho, Collares & Faria,
2001). A elucidação deste ponto, no entanto, requer a delimitação do conceito de tribo,
principiando pelo reconhecimento de que não são um fenômeno gestado na pós-modernidade,
mas que se tornou ressonante no momento histórico marcado pelo interstício entre o
esgotamento de uma ordem social supostamente decadente, a modernidade capitalista, e a
construção de uma nova ordem centrada na “socialidade das massas”:
Parece que a cada momento fundador – eu o chamarei de momento cultural,
em oposição ao momento civilizacional que o segue – a energia vital se
concentra na criação de novas formas comunitárias. Pergunto aos
historiadores: não é verdade que cada grande fissura no devir humano –
revolução, decadência, nascimento de império – é acompanhada de uma
multiplicação de novos estilos de vida? Estes podem ser efervescentes,
ascéticos, voltados para o passado ou para o futuro. Como característica
comum, tem, por um lado, a de romper com o que é comumente admitido, e,
por outro, o de acentuar o aspecto orgânico, a agregação social.
(MAFFESOLI, 2014, p.177).
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Certo, o tribalismo pós-moderno confunde contraponto à ordem vigente e o niilismo
advindo de seu esgotamento, sofisticando sua definição. Trata-se de associação cujo
ajuntamento não se dá pelo compartilhamento de valores ou propósitos, diferençando-a da
comunidade tradicional e das organizações. A compaixão evocada no esquecimento de si em
confraternizações ou manifestações públicas, ou nas palavras de Maffesoli (2014), a
“socialidade das massas”, é a característica essencial da tribo. Ela aproxima o homem da terra,
tornando-o mais humilde, resignado em relação ao acaso, manifestando novas formas de
solidariedade orientadas pela consecução do gozo coletivo (MAFFESOLI, 2014).
O apontamento de sua ambivalente resignação e militância pode ser reforçado pelo
destaque de seu caráter antipolítico, uma vez que a tribo não é produto de uma tática ou
estratégia coletiva, mas um espasmo com poder convocatório e nenhum propósito. As tribos
hodiernas são fugazes, calcadas na situação presente, inibidoras do espírito crítico e
narcisistas. Eis o porquê de ter se promovido como tipo associativo conveniente para renovar
o devir humano, pela ingressão de valores arcaicos no desenvolvimento tecnológico:
Ao progresso linear e seguro, causa e efeito de um evidente bem-estar social,
está em vias de suceder uma espécie de ‘regresso’ que caracteriza o ‘tempo
das tribos’. Aqui também é preciso encontrar a palavra oportuna que
descreve um estado de fato não sendo, simplesmente, regressivo. Pode-se
falar, neste sentido, de ‘regrediência’, retorno em espiral de valores arcaicos
unidos ao desenvolvimento tecnológico. Proponho (...) ‘ingresso’, que (...)
ressalta o fato de que pode existir um caminho que não tenha objetivo, uma
marcha que não termine. Entrar (ingressa) sem progredir (progressa). Eis o
que parece estar em jogo para nossas tribos pós-modernas. (MAFFESOLI,
2014, p.5-6).
Maffesoli (2014), ausculta que as associações tribais configuram-se por relações táteis,
não pelo diálogo racional, onde o contato torna-se o substrato do reconhecimento do outro e
da formação do “nós’ na materialidade do “estar junto”. Portanto, o encaixe tribal é produto
de uma “nebulosa afetiva” real, diversificada e integrada, cuja programação dos estilos de
vida de seus membros, dá-se pelo delineamento inconsciente de sensos estéticos que orientam
seu comportamento lúdico, erótico e seu próprio discurso, no sentido semiótico do termo, nas
comunidades tradicionais e organizações a que se associam (MAFFESOLI, 2014).
Disto se depreende o porquê de Cova (2001) ter destacado que o tribalismo caracteriza
um tempo em que “a ligação é mais importante que as coisas”, o valor de conexão dos
produtos é mais relevante que sua utilidade, onde a perspectiva funcionalista ou individualista
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precisa ser suprimida por outra, coletiva e interpretativa, coerente com a proposta de se
articular a identificação das tribos e seus efeitos no comportamento do consumidor pósmoderno. Parte desta saga baseia-se no reconhecimento de que a tribo possui uma cultura
singular, manifesta na posse de símbolos e rituais, onde se dá a transferência e assunção de
significados compartilhados:
Postmodern tribes are inherently unstable, small-scale, “affectual” and not
fixed by any of the established parameters of modern society. Instead, they
can be held together essentially through shared emotion and passion. They
exist in no other form but the symbolically and ritually manifested
commitment of their members. They cannot count on the strength of
neighbourly bonds or the intensity of reciprocal exchange. Tribes are
constantly in flux, brought ever again into being by the repetitive symbolic
ritual of the members but persisting no longer than the power of attraction of
these rituals and of their cult-objects. In fact, the (re)construction or
(re)possession of meanings through shared experiences and their enactment
through rituals is the most potent form of maintaining tribal identity in our
seus membros, que (i) acompanha sua mobilidade em classes e estamentos,
(ii) torna-se o postmodern societies. (COVA, 2001, p.5).
Segundo Cova (2001), as associações tribais implicam numa dupla afetividade, dadas
pelo compartilhamento de experiências sensoriais e pela configuração da máscara social de
centro de suas interações cotidianas, e (iii) o consumo é o vetor das ligações entre praticantes
e simpatizantes da tribo. Donde se depreende que o consumo transfigura senso estético em
identidade coletiva, posicionando cada persona dentro da socialidade das massas, apesar desta
transferência não advir da intencionalidade consciente de consumidores ou mercadólogos, tal
como apreendido da tribo do Surf (SEGABINAZZI, MIKE & PINTO, 2011).
Há pouco se argumentou que as tribos antecedem a pós-modernidade. No entanto,
seria leviano especular pela indiferença comparativa às tribos arcaicas.
Reforce-se que as
tribos pós-modernas ou tribos urbanas são fugazes, prolongam-se para além do convívio,
manifestam-se no consumo de símbolos e participação em rituais, e não são exclusivas, posto
que seus membros participam simultaneamente de outras tribos. Contrariamente, as tribos
arcaicas são permanentes, encerradas no “estar junto”, manifestando-se em dialetos, e são
exclusivas (COVA, 2001). Descobrir sua especificidade suporta a constatação de que o
pertencimento à tribo implica na assimilação de um estilo de vida manifesto para além de seu
comportamento como consumidor, requerendo a premência da persecução de objetivos
sociais nas estratégias de marketing:
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The central leitmotif of Societing - the link is more important than the thing
– is clearly perceptible in these examples of tribal marketing approaches.
The business firm acts at the societal or micro-social level (…) it does not
look for a balanced or even negative reciprocity in exchange for what it
gives the tribe. The tribe and the business firm are more in a system of
perpetual mutual indebtedness than in a system of reciprocity. The partner in
the exchange is not viewed as a commodity; it comes to be seen as part of
the extended self. The return on investment will come later or perhaps
never. The company’s first move is non market and has a purely societal
anchoring, whereas the second move will allow the company to return to the
market with the support of the tribe; a kind of partnership to influence the
public domain. It has a clear market anchorage. (COVA, 2001, p. 20).
5. DAS COMUNIDADES DE MARCA COMO SUPORTE AO AJUNTAMENTO
PÓS-MODERNO
A apologia do que se chamou de premência da persecução de objetivos sociais nas
estratégias de marketing, não é uma benevolência de mercadólogos, mas consequência da
nova ordem em gestação. Ora, na medida em que a tribo é produto da criatividade das massas
(MAFFESOLI, 2014), seus símbolos, e, portanto, seus produtos e marcas, não podem ser
controlados pela organização, submetendo-se ao engajamento dos membros da tribo, não
podendo ser confundidas com “comunidades de marcas”, mas reconhecidas como
comunidades suportadas por marcas:
It is not just a question of serving a community, it is a question of being a
member of it. And this community is not necessarily a "brand community"
(Kotler, 1999, p. 160), but a community supported by a brand, which is
slightly different. The very idea of building a brand community is in fact a
Promethean dream of marketers which rarely becomes reality. It is much
more interesting and socially responsive to support social tribes than to
dominate markets. (COVA, 2001)
Ocorre que, segundo Kotler (2012), comunidades de marca caracterizam-se por um
“senso de conexão”, o compartilhamento de uma cultura e um sentimento de lealdade que
induz ao comprometimento dos membros, diferenciando-se das “comunidades virtuais”
(KOZINETS, 1999) por estender-se para além do contato virtual, mas se assemelhando por
acarretar num envolvimento da comunidade nas práticas de marketing, de maneira a promover
a co-criação de valor (SCHAU, MUNIZ, ARNOULD, 2009). Destaque-se, ainda, a leitura de
Kozinets (1999), sobre a possibilidade de um ajuntamento virtual, onde as interações
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configurariam uma cibercultura de consumo, condigna para condicionar o comportamento
social e de consumo de seus membros:
The term virtual communities usefully refers to online groups of
people who either share norms of behavior or certain defining practices,
who actively enforce certain moral standards, who intentionally attempt
to found a com-munity, or who simply coexist in close proximity toone
another (Komito, 1998).
While sharing computer-oriented cyberculture and consumption-oriented
cultures of consumption, a number of these groupings demonstrate
more than the mere transmission of information, but ‘the sacred
ceremony that draws persons
together
in
fellowship
and
commonality’(Carey, 1989, p. 18). Given this, the term community appears
appropriate if used in its most fundamental sense as a group of people who
share social interaction, social ties, and a common ‘space’ (albeit a computer
mediated or virtual ‘cyberspace’ in this case). (KOZINETS, 1999)
Observa-se que Kozintes (1999) caracteriza uma e-tribo pressupondo (i) a validade de
um “estar junto” no ciberespaço, (ii) a possibilidade de um gozo baseado no contato virtual, e
(iii) a negação do caráter prospectivo das comunidades. Sua proposição insere-se dentro do
paradigma ortodoxo do campo, onde a co-criação de valor é o objeto central de pesquisa
(KOTLER, 2012), em seus efeitos na rentabilização das comunidades de marcas (SCHAU,
MUNIZ, ARNOULD, 2009), ignorando seus impactos na aderência tribal e, portanto, a
proposição de que a socialidade das massas requer o seu empoderamento (MAFFESOLI,
2014) e a própria conversão da organização (COVA, 2001).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tais questões, convidam-nos ao eterno retorno da questão central deste ensaio: a
contribuição das comunidades de marcas para a construção da socialidade de massas,
propondo uma atualização ontológica, epistemológica e metodológica do campo (CASOTTI,
2004), que se pretende viabilizar recorrendo à perspectiva da redução antropofágica.
Recorde-se que ela partiu da redução sociológica das contribuições da face poética e filosófica
da obra de Oswald de Andrade para configurar-se por seis componentes, a saber, equilíbrio,
vanguardismo, devoração crítica, matriarcado, revolução dos gerentes e retrocesso.
O equilíbrio caracteriza-se pela articulação entre o simbólico e o racional, desvelando
o caráter da tribo como parte do inconsciente coletivo, um ajuntamento sem propósito e
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orientado pela evocação da alegria de viver, e a transferência de significados realizada pelo
consumo
dos
símbolos
da
tribo.
Assim,
a
Harley
Davidson
(SHOUTEN
&
MACALEXANDER, 2005) ou Star Wars (KOZINETZ, 2001) conformam senso estético e
visões de mundo em suas associações, devendo-se questionar sua relação com o projeto de
marca que suportam estas tribos (SEMPRINI, 2010).
O vanguardismo sintetiza a redução ao essencial, marca de movimentos estéticos
como o minimalismo, destacando a face afetiva da tribo, centrada em relações táteis e,
portanto, a impossibilidade de seu condensamento a partir das estratégias de marketing
orientadas para a segmentação e customização. O “estar junto” traz consigo uma nova
questão: até que ponto ou em que condições as transferências de significado estão
relacionadas com o esgotamento da tribo? Investigar sua responsabilidade no caráter efêmero
das tribos é um interessante objeto para pesquisas futuras.
A devoração crítica consiste na construção personalizada de uma identificação tribal.
Cova (2001) destaca que a nebulosidade afetiva da tribo evoca a construção de um significado
personalizado e não compartilhado para o pertencimento.
A tribo, portanto, sustenta-se
enquanto se revelar aderente à história de vida e aspirações de seus membros, tomados
individualmente, cabendo aos pesquisadores e praticantes do campo, investigar suas
implicações no depuramento das identidades manifestas das marcas vinculadas.
O matriarcado relaciona-se com o movimento civilizacional presente, centrado na
emergência de novas formas de vida comunitária, permeadas pela ausência de propósitos e
hierarquias. Irresistível constatar que a co-criação de valor e a conversão da organização em
tribo seriam pontos de partida para a transformação das práticas de marketing capazes de
alinhá-lo à nova ordem em gestação, o que seria um alvissareiro caminho para orientar
estudos críticos no campo.
A revolução dos gerentes, em que se reconhece a contribuição do administrador como
agente de mudança (RAMOS, 1983), implica em rejeitar as teses anti-organização ou
contrárias à participação das marcas como suporte ao aprimoramento das tribos. Por outra,
cumpre investigar o papel mediador do marketing na relacionamento entre a organização e a
tribo a que pertence.
Finalmente, o retrocesso é a própria essência da tribo como precursora da sociedade do
porvir. A impregnação de valores humanos no desenvolvimento tecnológico (Carvalho,
Collares & Faria, 2001), é condição sine qua non para a superação da ambivalência entre
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contraponto à ordem vigente e o niilismo advindo de seu esgotamento, trazendo consigo uma
questão relevante para as pesquisas vindouras: na medida em que se admite a contribuição
de mercadólogos na mediação entre a organização e a tribo, qual seria o produto desta
interação, a saber, que tipo de sociedade estaria em gestação? Encontrar a questão acima
pode ser encarado como parte do objetivo deste ensaio, elaborando uma pergunta cuja
resposta requer uma análise da formação das tribos pós-modernas.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Recebido em 26.12.2016
Aceito em 30.12.2016
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