Departamento de Filosofia Ética e felicidade Aluna: Yasmine Victoria B. Hamaoui Orientador: Danilo Marcondes Introdução: Ética e Felicidade são dois temas que possuem grande relação e comparação ao longo da história da filosofia. Esses termos se conectam pelo fato de que a felicidade é a finalidade da ética. O desenvolvimento da consciência de cada um e os níveis de moralidade são construtos utilizados para pensar a ética como foco no sujeito. Como felicidade só se realiza através do próprio indivíduo, a forma como a pessoa constrói o seu modelo de realidade determina a sua capacidade de ser feliz, mesmo sem a certeza de que seu conhecimento seja a exata representação da realidade. Tendo em vista que ética é um conjunto de valores morais e princípios que norteiam a conduta humana na sociedade e que tem como finalidade a presença do equilíbrio e bom funcionamento social, é necessário descobrir de que forma ela se relaciona com a felicidade, sendo este um conceito profundo em sua relatividade de acordo com diferentes épocas e sociedades. Será possível identificar a relação da Ética e da Felicidade, estudando a ética dentro da filosofia, que se difere por exemplo da ética social ou religiosa, que é um corpo de doutrina que diz respeito o que é correto e incorreto, bom e mau, relativamente ao caráter e à conduta. Afirma que lhe é devida obediência geral. Neste sentido, há, por exemplo, uma ética cristã, religiosa. É semelhante à ética normativa filosófica ao afirmar a sua validade geral, mas difere dela porque não pretende ser estabelecida unicamente com base na investigação racional. Já a ética na filosofia é o estudo dos assuntos morais, do modo de ser e agir dos seres humanos, além dos seus comportamentos e caráter. A ética na filosofia procura descobrir o que motiva cada indivíduo de agir de um determinado jeito, diferencia também o que significa o bom e o mau, e o mal e o bem. A ética na filosofia estuda os valores que regem os relacionamentos interpessoais, como as pessoas se posicionam na vida, e de que maneira elas convivem em harmonia com as demais. O termo “ética” é oriundo do grego, e significa “aquilo que pertence ao caráter”. 1 Departamento de Filosofia Tendo em vista esta considerações, este trabalho terá como ponto de partida as éticas de Aristóteles e as suas possíveis relações com o tema “felicidade”. A ética aristotélica Segundo Aristóteles, elementos positivos como a riqueza e a saúde, não possuem nenhum valor, se a alma do indivíduo em questão não for boa. Ele ressalta que a melhor coisa a ser feita é promover o que há de melhor na melhor parte do sujeito, que seria ser tão racional quanto possível, pois da mesma forma que a alma é superior ao corpo, a parte racional da alma é superior a parte irracional. Este estado já seria bom em si mesmo, uma verdadeira virtude, e traria consigo suas próprias recompensas. De acordo com o filósofo, é natural e certo que os homens se tornem animais racionais, e caso não o façam, podem até ser homens vivos, mas não estariam vivendo como homens, não haveria prazer em viver. A única maneira de realizar a natureza humana, é realizando a natureza divina, e a mente seria o elemento divino presente, com ela é possível se aproximar do estado dos deuses. Tomando como ponto o valor que Aristóteles atribui a razão, leva-se também em conta, qual seria para ele a utilidade da filosofia. Segundo ele, algumas coisas são boas pelo que são capazes de proporcionar, outras são boas em si mesmas, seria esse o caso da filosofia. O fato de que ela é fundamental mesmo sem proporcionar algo a mais, significa não que ela seja inútil, mas sim, um dos bens mais elevados. No que diz respeito a ética, existem duas compilações estreitamente relacionadas, a Ética a Nicômaco e a Ética a Eudemo. Ética a Nicômaco Ética a Nicômaco é a principal obra de ética de Aristóteles. Nela se expõe sua concepção teleológica e eudaimonista de racionalidade prática, sua concepção da virtude como mediania e suas considerações acerca do papel do hábito e da prudência na Ética. A Ética à Nicômaco é considerado um escrito de Aristóteles maduro, com o seu sistema filosófico próprio e definitivo. O contexto em que foi escrita a Ética à Nicômaco é a fundação do Liceu em 335 a.C. a 323 a.C. O título da obra advém do nome de seu filho, e também discípulo, Nicômaco. Supõese que a obra resulte das “anotações de aula” deste e publicadas pelos discípulos de Aristóteles depois da morte prematura, em combate, de Nicômaco. A idéia fundamental de Aristóteles é, assim como para Platão, o Bem Supremo. E esse bem supremo é ainda e sempre a felicidade. O livro inicia com o questionamento sobre o que é o bom ou o bem. Porém há também 2 Departamento de Filosofia uma afirmação: todo o indivíduo, assim como toda ação e toda escolha, tem em mira um bem e este bem é aquilo a que todas as coisas tendem. O fim das ações dos indivíduos é o Sumo Bem, mas, como o conhecimento de tal fim tem grande importância para a vida, é necessário determiná-lo para saber de qual ciência o Sumo Bem é objeto. Tal ciência é a ciência mestra (que é a Política) e seu estudo caberá à Ética. É objeto da política porque as ações belas e justas admitem grande variedade de opiniões, podendo até ser consideradas como existindo por convenção, e não por natureza. O fim que se tem em vista não é o conhecimento do bem, mas a ação do mesmo; e esse estudo será útil àqueles que desejam e agem de acordo com um princípio racional, por isso não será útil ao jovem que segue suas paixões e não tem experiência dos fatos da vida. Mas, se todo o conhecimento e todo trabalho visam a algum bem, qual será o mais alto de todos os bens? O fim certamente será a felicidade, mas o vulgo não a concebe da mesma forma que o sábio. Para o vulgo, a felicidade é uma coisa óbvia como o prazer, a riqueza ou as honras; aqueles que identificam a felicidade com o prazer vivem a vida dos gozos; a honra é superficial e depende mais daquele que dá do que daquele que recebe; a riqueza não é o sumo bem, é algo de útil e nada mais. Dessa forma, devemos procurar o bem e indagar o que ele é. ora, se existe uma finalidade para tudo o que fazemos, a finalidade será o bem. A melhor função do homem é a vida ativa que tem um princípio racional. Consideramos bens aquelas atividades da alma, a felicidade identifica-se com a virtude, pois à virtude pertence a atividade virtuosa. No entanto, o Sumo Bem está colocado no ato, porque pode existir um estado de ânimo sem produzir bom resultado: “Como no homem que dorme ou que permanece inativo; mas a atividade virtuosa, não: essa deve necessariamente agir, e agir bem"[2]. Sendo a felicidade a melhor, a mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo e tendo-na identificado como uma atividade da alma em consonância com a virtude, não sendo propriamente a felicidade a riqueza, a honra ou o prazer, etc; a felicidade necessita igualmente desses bens exteriores, porque é impossível realizar atos nobres sem os meios: “O homem feliz parece necessitar também dessa espécie de prosperidade; e por essa razão, alguns identificam a felicidade com a boa fortuna, embora outros a identifiquem com a virtude"[3]. Por isso, pergunta-se se a felicidade é adquirida pela aprendizagem, pelo hábito ou adestramento; se é conferida pela providência divina ou se é produto do acaso. Se é a felicidade a melhor dentre as coisas humanas, seguramente é uma dádiva divina – mesmo que venha como um resultado da virtude, pela aprendizagem ou adestramento, 3 Departamento de Filosofia ela está entre as coisas mais divinas. Logo, confiar ao acaso o que há de melhor e mais nobre, seria um arranjo muito imperfeito. A felicidade é uma atividade virtuosa da alma; os demais bens são a condição dela, ou são úteis como instrumentos para sua realização. Figura 1. Quadro das Virtudes morais de Aristóteles Ética a Eudemo A ética a Eudemo consiste em sete “livros”. Desses sete, três são exatamente os mesmos que três livros da ética a Nicômaco. Existem duas possíveis respostas para essa questão, ou o próprio Aristóteles os utilizou nas duas séries de palestras, ou, porque algum editor da antiguidade os copiou de uma obra para preencher uma lacuna na outra. A ética a Eudemo é a obra mais antiga de acordo com estudiosos, e a Ética a Nicômaco comunica uma versão posterior do pensamento de Aristóteles, apesar da diferença entre as duas seres relativamente pequenas. Ética e felicidade A Ética a Nicomaco, começa levantando a questão de que em suas várias ações, o homem tende sempre a precisos fins,que se configuram como bens. Assim começa o assunto: 4 Departamento de Filosofia “Toda arte e toda pesquisa e, do mesmo modo, toda ação e todo projeto parecem visar a algum bem: por isso, com razão, o bem foi definido como ‘aquilo a que tendem todas as coisas’” Segundo Aristóteles, não restam dúvidas, todos os homens, sem distinção, consideram que o bem supremo é a eudemonia, ou seja, a felicidade: “Quanto ao seu nome, a maioria está praticamente de acordo: felicidade o chamam, tanto o vulgo como as pessoas cultas, supondo que ser feliz consiste em viver bem e ter sucesso.” Então, a felicidade seria o fim que conscientemente buscariam todos os homens. Mas o que seria a felicidade? A maioria dos homens considera que a felicidade consiste meramente no prazer superficial. Porém, uma vida dedicada aos prazeres torna “semelhante aos escravos” e é uma “ existência digna dos animais”. As pessoas mais evoluídas e mais cultas colocam o bem supremo e a felicidade na honra. E buscam a honra, sobretudo, aqueles que se dedicam ativamente à vida política. Contudo, este não pode ser o fim último, porque, segundo Aristóteles, seria algo exterior: “Ele, de fato, parece depender mais de quem confere a honra do que de quem é honrado: nós, ao invés, consideramos que o bem é algo individualmente inalienável”. Portanto, os homens buscam a honra não por ela mesma, mas como prova e reconhecimento público da sua bondade e virtude, as quais, demonstram ser mais importantes que a honra. Se o tipo de vida dedicado ao prazer e o dedicado à busca das honras, embora inadequados pelas razões vistas, tem uma aparente plausibilidade, não se pode dizer o mesmo do tipo de vida dedicado a acumular riquezas, o qual, a juízo de Aristóteles, não teria sequer esta aparente plausibilidade: “A vida [...] dedicada ao comércio é contra a natureza, e é evidente que a riqueza não é o bem que buscamos; com efeito, ela só existe em vista do lucro e é um meio para outra coisa”. Ou seja, prazeres e honras são buscados por eles mesmos, já as riquezas, não. A vida dedicada a acumular riquezas é a mais absurda e a mais inautêntica, pois é gasta para buscar coisas que no máximo valem como meios e não como fins. Mas o bem supremo do homem não poderia ser nem mesmo o que Platão e os 5 Departamento de Filosofia platônicos indicaram como tal, vale dizer, a Ideia do Bem, ou seja, o transcendente Bem-em-si: “Se, de fato, o bem fosse uno e predicável em geral, e subsistisse separado [como justamente, é a idéia do Bem] é evidente que não seria realizável nem adquirível pelo homem, mas é justamente isso que nós buscamos.” O bem, para Aristóteles não é uma realidade única e unívoca, mas, a propósito do conceito de ser, é algo polívoco, diferente nas diversas categorias e diferente também nas diversas realidades que entra, em cada uma das categorias, mas sempre ligado por uma relação de analogia. Mas qual seria o bem supremo realizável pelo homem? Segundo Aristóteles, sua posição está em harmonia com a concepção tipicamente helênica de Arete (do grego ἀρετή aretê,ês, "adaptação perfeita, excelência, virtude"). O bem do homem só poderá consistir na obra que só ele pode realizar, assim como, em geral, o bem de cada coisa consiste na obra que é peculiar a cada coisa. A obra do olho é ver, do ouvido, ouvir, e assim por diante. E qual seria a obra do homem? Não poderia ser o simples viver, pois o viver é próprio de todos os seres vegetativos, e também não poderia ser o sentir, dado que este é comum também aos animais. Resta então que a obra peculiar do homem seja a razão e a atividade da alma segundo a razão. O verdadeiro bem do homem consiste nessa atividade de razão, e mais precisamente, no perfeito desenvolvimento e atuação dessa atividade. Esta é a virtude do homem e aqui deve ser buscada a felicidade. Observamos um trecho da Ética Nicomaquéia: “Se, pois, é assim, então o bem próprio do homem é o atividade da alma segundo a virtude, e se múltiplas são as virtudes, segundo a melhor e a mais perfeita. E isso vale também para uma vida realizada. Com efeito, uma única andorinha ou um único dia não fazem verão, assim também um único dia ou breve tempo não proporcionam a beatitude ou a felicidade.” A felicidade consiste numa atividade da alma segundo a virtude. Evidentemente, qualquer ulterior aprofundamento no conceito de “virtude” depende de um aprofundamento no conceito de alma. Segundo Aristóteles, a alma se divide em três partes, duas irracionais, ou seja, a alma vegetativa e a alma sensitiva, e uma racional, a alma intelectiva. Cada uma dessas partes tem a sua atividade peculiar, cada uma tem uma virtude ou excelência. Entretanto, a virtude humana só é aquela na qual entra a atividade da razão. A alma vegetativa é comum a todos os viventes: “A virtude de tal faculdade mostra-se, pois, como coisa comum a todos os seres e não especificamente humana”. 6 Departamento de Filosofia O que difere da questão no que concerne à alma sensitiva e concupiscível, a qual, embora sendo por si irracional, participa de certo modo da razão: “Entretanto, é preciso supor que também na alma há algo contra a razão, que se opõe e resiste a ela. Não importa de que modo se dá essa oposição. Também este elemento parece participar da razão [...] dado que ele obedece à razão, quando pertence a um homem continente. E se pertence a um homem moderado e corajoso, ele é, talvez, ainda mais dócil; tudo nele está, de fato, em harmonia com a razão. Portanto, a parte irracional mostra-se de duas espécies: uma, vegetativa, não participa em nada da razão; a outra, ao invés, concupiscível e, em geral, apetitiva, participa dela de certo modo, enquanto é obediente e dócil à razão.” É evidente que existe uma virtude dessa parte da alma especificamente humana, que consiste em dominar, por assim dizer, essas tendências e impulsos que são por si desmedidos, e a esta é chamada de “virtude ética”. Enfim, dado que existe nos indivíduos uma alma puramente racional, então deverá haver também uma virtude peculiar dessa parte da alma, e esta será a “virtude dianoética”, ou seja, a virtude racional. Os melhores modos de vida Depois de levar em conta as considerações de Aristóteles á respeito da felicidade, resta descobrir, qual seria pra ele, os melhores modos de vida. A melhor maneira de viver, para um homem, é viver de acordo com sua natureza, que é ser uma criatura guiada por uma alma racional. A verdadeira função das almas humanas racionais é fazer os homens viverem bem, ou seja, de uma maneira racional. Essa é a definição provisória que Aristóteles dá da felicidade: viver uma vida de atividade inteiramente virtuosa, por todo o tempo de sua vida. Mas uma vida próspera também depende de um pouco de boa sorte. É difícil ser feliz se nasce-se feio, em uma posição humilde ou se está decepcionado com seus filhos. Mas nem a sorte, nem a prosperidade em excesso é benéfica. A melhor quantidade é aquela que promove o eu racional autentico tanto quanto possível. Para Aristóteles, tal homem será um “cavalheiro”, aquele que faz correto uso dos bens que a sorte coloca em seu caminho e que merece gozar das vantagens que goza. Em relação aos melhores modos de vida, enquanto a vida de prazer convém apenas á crianças, escravos e animais, o homem é o tipo de animal cuja natureza é viver em uma comunidade política. Este é um bom e digno modo de vida, que o filósofo não critica. Porém, ressalta que ele é bom e digno, apenas se se tem as virtudes necessárias e se está preparado para servir o público. O tipo de vida política gananciosa ou em busca de fama, não pode ser recomendado. 7 Departamento de Filosofia Entretanto, o mais elevado modo de vida possível é aquele que expressa o elemento mais elevado dos seres humanos, o elemento divino da razão. Essa é a vida dedicada á apreciação da verdade, a atividade que Aristóteles chama de contemplação intelectual, seria absurdo preferir qualquer elemento presente dentro dos seres humanos, porque isso seria optar em viver fora de si mesmo. O homem é um animal racional e está em seu melhor estado quando usa sua razão da melhor maneira. O melhor e correto uso da razão é conhecer a verdade. As disposições da mente que nos permitirem conhecer a verdade são chamadas “virtudes intelectuais”, a fim de distingui-las das virtudes morais, as disposições das emoções que ajudam a dar as respostas corretas às situações práticas. Logo, Aristóteles opta pela felicidade através de uma vida dedicada á filosofia. Conclusões Conclui-se que para Aristóteles, tanto a ética quanto a felicidade estão diretamente ligadas ao uso da razão. A natureza racional seria a mais elevada, equiparando-se nossa alma racional, com aspectos similares a dos deuses. O uso da felicidade e dos prazeres dentro da ética e da filosofia pode ser abordado, a partir de Aristóteles como ponto de partida, em diversos pontos da história da filosofia. Para o filosofo aqui analisado, conclui-se que uma vida de felicidade, é uma vida dedicada ao estudo da filosofia, já que ela não precisa oferecer recompensas ou utilidades, a filosofia, para Aristóteles, é boa em si mesma. Referências 1.ARISTÓTELES. The complete Works. Vols I and II. Edites by Jonathan Barnes. New Jersey , USA, 1998. 2.ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Rosá. Col. Os pensadores. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1973. 3.CHAUÍ, Marilena de Souza. Introdução à história da filosofia:dos pré-socráticos a Aristóteles, vol. 01. São Paulo: Brasiliense, 1994. 8 Departamento de Filosofia 9