China: crise ou mudança permanente?

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INFORMATIVO n.º 36 – AGOSTO de 2015
China: crise ou mudança permanente?
Fabiana D’Atri*
Quatro grandes frustrações e incertezas com a China em pouco mais de um mês: forte correção da
bolsa, depreciação do yuan, fraco desempenho da economia e sinais confusos vindos do governo
chinês (sem nos esquecermos dos avanços lentos do programa de reestruturação das dívidas dos
governos locais). Duas perguntas diante dos movimentos recentes dos mercados financeiros: será
que o governo do país aumentou a tolerância a taxas menores de crescimento no curto prazo (em
relação à meta de expansão do PIB de 7%) e/ou não consegue mais intervir na economia como
antes? Ou o mercado se deu conta de que as intervenções têm limite e desistiu de esperar que os
estímulos levem a uma recuperação da economia nos trimestres à frente?
Parece precipitado responder essas questões apenas à luz do comportamento dos mercados
financeiros nessas últimas semanas, até porque nesta semana o banco central do país reagiu,
anunciando a redução do depósito compulsório e da taxa de juros. Mas reconhecemos que esses
sinais negativos vindos da China, que têm impactado os mercados globais, demandam algumas
reflexões neste momento.
A primeira reflexão reside nos fatores estruturais que vão além das frustrações com a bolsa e
moeda e dos seus possíveis impactos, negativos e positivos respectivamente, sobre a economia –
que, por ora, parecem limitados. Os desequilíbrios chineses são bem conhecidos – excesso de
capacidade instalada da indústria, endividamento dos governos locais e das empresas (assumido na
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saída da crise), ajuste do setor imobiliário, aumento da regulação do sistema financeiro não
bancário (conhecido como shadow banking) e queda da contribuição das exportações – e não
devem ser esquecidos e exigem um ajuste estrutural. Esses, por sua vez, colocam a economia
chinesa em uma situação frágil, que limita a ação do governo na direção de afrouxamento da
política monetária, porque isso aumentaria a alavancagem tanto das empresas como dos governos.
Por outro lado, essa situação também demanda algum alívio das condições monetária e fiscal, para
suavizar a desaceleração já contratada. Nesse sentido, entendemos que a ampliação dos gastos
federais deste ano tem apenas compensado a retração dos investimentos dos governos locais e a
queda da taxa de juros, combinada com a injeção de liquidez e o corte do depósito compulsório,
permite uma renegociação dos passivos das empresas e dos governos locais. Ou seja, as aparentes
medidas de estímulo não promoverão uma retomada da economia; apenas suavizarão a tendência
de arrefecimento.
Diante desses dilemas da condução da política econômica, nessa fase de ajustes, seria de se esperar
taxas de crescimento menores – seguindo o padrão da grande maioria dos países em fases de
reequilíbrio. Em paralelo, o desenvolvimento de uma agenda de reformas – que ampliem a
eficiência do país, aumentem a participação do setor privado e o consumo doméstico, de forma
mais sustentável – era a grande aposta para que, a moderação do crescimento chinês acontecesse
de forma suave e gradual, sem provocar choques internos e externos.
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A segunda reflexão se concentra nos ruídos na condução das intervenções, por ocasião dos
recentes episódios da bolsa e da moeda – que abalaram a confiança dos agentes externos e
principalmente locais. Ao tentar estimular os mercados acionários – permitindo aumento da
alavancagem do sistema, financiando as margens – e depois ao tentar conter a queda, com diversas
medidas de intervenção – que chegaram inclusive a interromper a negociação de metade das ações
listadas –, vieram à tona incertezas sobre a capacidade estatal de intervenção da economia chinesa.
Da mesma forma, ao surpreender os mercados há poucas semanas, com o anúncio de uma
depreciação de quase 2% da moeda em um dia e prometendo uma mudança de regime (para
flexível), as autoridades chinesas também deixaram os mercados confusos. Dias depois, o banco
central, em uma coletiva de imprensa, tentou esclarecer suas intenções, defendendo que não havia
o objetivo de estimular as exportações e garantindo a estabilidade da moeda. Após o yuan perder
aproximadamente 3% de valor em alguns dias, a autoridade monetária tem mantido a moeda
praticamente estável. Essas intervenções, não bem sucedidas (porque a correção da bolsa segue
presente e porque o regime cambial não se tornou de fato flexível), custaram até agora montantes
ao redor de US$ 400 bilhões, segundo estimativas reportadas pelo Financial Times. Vale ainda
lembrar o resultado do PIB do segundo trimestre, conhecido no último dia 15 de julho, com o
crescimento reportado de 7%, exatamente a meta estipulada pelo governo no início do ano.
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Outra reflexão importante vem do avanço bastante limitado e lento das reformas que, de certa
forma, pode ser associado aos desdobramentos da campanha de controle à corrupção, conduzida
pessoalmente pelo presidente Xi Jinping. O fato é que notícias recentes dão conta dos efeitos
colaterais da campanha, que tem gerado atritos importantes entre os líderes locais e em diversos
ministérios. Com isso, tem faltado apoio para avançar em reformas, como das estatais. Mesmo na
agenda financeira, o dilema entre dar suporte à economia e reestruturar o sistema financeiro tem
postergado agendas. Somado a isso, na ausência de apoio às estratégias de Pequim, diversos
governos locais não têm se empenhado na expansão dos investimentos em infraestrutura. Ao
mesmo tempo, o presidente parte para uma agenda militar, com o desfile comemorando o fim da
Segunda Guerra Mundial, agendado para o próximo dia 3 de setembro.
Finalmente, diante das restrições estruturais, da frustração com as reformas e dos ruídos na
condução da política econômica, a economia segue fraca (e não há sinais de retomada) e a
expressiva saída de capitais do país tem chamado atenção. No ano, os investimentos e a produção
industrial cresceram 11,2% e 6,3%, nessa ordem. No fechamento de 2014, comparativamente,
essas taxas eram de 15,7% e 8,3%. Da mesma forma, as exportações acumulam retração de 0,5%
nos primeiros sete meses de 2015. Estimativas sugerem uma saída de US$ 750 bilhões no último
ano, o que representa algo como 20% das reservas. Parte dessa saída pode ser explicada pelo
diferencial de taxa de juros – com queda dos juros domésticos e perspectiva de aumento nos EUA –
, mas também decorre da queda de confiança interna e das expectativas de depreciação da moeda.
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O governo tem optado por não comprar mais reservas e, pelo que apontam os números, começa a
vender reservas, que já recuaram cerca de US$ 315 bilhões desde meados do ano passado,
considerando que essa variação também se deve aos movimentos das moedas, especialmente do
euro.
Os riscos vindos da China merecem considerações, pelo fato (i) de a economia chinesa ser fechada
– os passivos chineses estão na mão de chineses –, (ii) de haver espaço para alívio da política fiscal
e monetária e (iii) de as reservas serem elevadas. Entretanto, os sinais vindos até o momento
trazem mais preocupações do que tranquilidade. Acreditamos que estamos distantes de uma
crise, como a de 2008/09 ou do final da década de 90. Mas isso não significa que a economia global
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está imune aos ajustes da economia chinesa, talvez menos controlados e mais intensos do que
esperávamos.
Entendemos que essas características apresentadas previamente apontam mais para uma mudança
permanente do padrão de crescimento do que para uma crise. A condução da política econômica
chinesa, por sua vez, poderá ser muito mais desafiadora. Ainda que essa seja uma questão aberta a
muitos debates, podemos questionar a capacidade e o alcance atual das intervenções do governo,
nesse ambiente político-econômico. Reconhecemos, também, que o mercado começa a realizar
que os estímulos não serão capazes de reverter a tendência de desaceleração. Nesse contexto,
podemos esperar revisões baixistas para o PIB deste e, principalmente, do ano que vem.
Mantemos nossa expectativa de expansão de 6,5% para 2015 e ajustamos para 5,5%1 o
crescimento esperado para 2016 (ante projeção anterior de 6,2%). Esse ajuste para baixo se deve
aos fatores estruturais que, dificilmente, serão revertidos com políticas de estímulo. Por ora, não há
discussões de que a meta de 7,0% – estipulada para 2015 – será revisada para baixo para 2016.
Esse tema, contudo, deverá começar a ser discutido em breve, tendo em vista os diversos desafios
e o lento avanço dos investimentos em infraestrutura, que poderiam promover uma retomada da
economia.
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Mesmo que esse não seja o número exato a ser divulgado pelo governo, segundo estatísticas calculadas pelo Escritório de
Estatísticas da China,acreditamos que essa será o “ritmo de crescimento” mais verdadeiro da economia.
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Sendo uma mudança permanente, que implica um ritmo menor de crescimento, cabem as
reflexões finais para a economia mundial. Entendemos que a Ásia será uma das regiões mais
impactadas dada a elevada exposição nas cadeias produtivas. Naturalmente, os exportadores de
commodities (especialmente América Latina) continuarão sentindo não só a queda das exportações
como também dos investimentos nessas cadeias. A pressão para a depreciação das moedas será
resultante disso, aumentando os desafios para a política econômica desses países. Nesse contexto,
em que as questões domésticas chinesas demandarão mais atenção de seus líderes, poderemos
observar alguma postergação do apetite chinês de investimento no exterior. A China também, ao
menos temporariamente, poderá ser menos atrativa para receber os aportes estrangeiros, diante
das possibilidades menores de crescimento.
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Esses impactos, naturalmente, reforçam os desequilíbrios presentes na grande maioria dos
emergentes. Isso poderá acelerar os ajustes em curso nessa região, estreitando o diferencial de
crescimento com os desenvolvidos que, liderados pelos EUA, entram em uma fase mais próspera de
suas economias. A tendência deflacionária, decorrente desse cenário de menor crescimento chinês
e de depreciação do yuan, será acentuada pela sobre oferta da grande maioria dos mercados de
commodities. Para o Brasil, os desafios atuais tenderão a ser amplificados, com o crescimento
menor dos emergentes, liderados pela China. Mesmo com a depreciação do real, cuja tendência de
perda de valor inclusive poderá ser acentuada por esse cenário chinês menos favorável, o mercado
exportador sofrerá, tendo em vista a dependência do país asiático e das commodities.
* Fabiana D´Atri é atualmente economista coordenadora do Departamento de Pesquisas e Estudos
Econômicos do Bradesco e Diretora de Economia do CEBC.
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