Artigo Completo

Propaganda
A RENOVAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL E VIGÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE
Amanda Suelen Ferreira Bastos1
RESUMO
O presente artigo realiza uma discussão sobre a atualidade da renovação do Serviço
Social Processo que se iniciou na década de 1960. Resgata a fundamentação histórica e
metodológica da profissão e os elementos próprios da renovação e reconceituação. A
renovação, na contemporaneidade se dá através da reafirmação dos pressupostos éticopolíticos da categoria profissional que emergiram após o rompimento com o
conservadorismo tradicional.
Palavras-chave: Serviço Social; Renovação; contemporaneidade.
ABSTRACT
This article provides a discussion of the relevance of Social Service renewal that began in
the 1960s. For that rescues the historical and methodological reasons the profession and
the proper elements of renewal and reconceptualization. The renewal takes place in
contemporary times by reiterating ethical and political assumptions of the professional
category that emerged after the break with traditional conservatism.
Key-words: Social Service; Renewal; contemporaneity.
1 INTRODUÇÃO
O Serviço Social consiste em uma especialização do trabalho coletivo, inserido no
modo de produção capitalista para intervir sobre as expressões da “questão social”
através da realização de políticas sociais. Sua origem se dá no contexto de expansão do
capitalismo monopolista no país.
Visando realizar uma abordagem sobre a história e desenvolvimento do Serviço
Social, o presente artigo foca sua análise nos Movimentos de Reconceituação e
renovação profissionais, que mudaram as bases da intervenção da profissão na
sociedade.
1
Assistente social, discente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de
Sergipe – UFS. [email protected]
365
O eixo que direciona as argumentações desse artigo é a atualidade dos
pressupostos da renovação profissional, que proporcionou especialmente, a partir os anos
1980, a aproximação do Serviço Social com a teoria social crítica, e proporcionou uma
ruptura com o tradicional conservadorismo profissional passando a nortear os aportes
ético-políticos, técnico-operativos e teóricos-metodológicos da profissão.
O Serviço Social na contemporaneidade responde às suas demandas através do
comprometimento com os interesses dos trabalhadores, se valendo de uma relativa
autonomia para realizar uma intervenção/análise crítica da realidade social, com o
objetivo de reivindicar e mediar o acesso aos direitos sociais.
2 FUNDAMENTOS E HISTÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL
O Serviço Social se insere na sociedade brasileira durante a vigência do
capitalismo monopolista, a partir do momento que o Estado passa a intervir sobre as
sequelas da “questão social” através de políticas sociais.
Para entender os fundamentos em que a profissão se baseia e a história de seu
desenvolvimento no país, é necessário primeiramente contextualizar a conjuntura do
capitalismo brasileiro do período, bem como sua interface com a “questão social”.
2.1 A “questão social” e a capitalismo durante a emergência do Serviço Social no
Brasil
O capitalismo, a partir do final do século XIX adentra em outra fase no seu
desenvolvimento organizativo, alterando profundamente as relações de produção e
sociais existentes. Ele passou de sua fase concorrencial para a monopolista, que perdura
até os dias atuais.
O processo de concentração e expansão capitalista foi denominado por Lênin
(1985) de imperialismo, por transformar a concorrência capitalista através do advento dos
monopólios, que passaram a dominar o mercado com a fixação e imposição de preços,
incorporação de pequenas empresas, além da expansão do domínio capitalista para
outros países com a implantação de indústrias transnacionais.
366
O capitalismo chegado à sua fase imperialista, conduz à beira da
socialização integral da produção; ele arrasta os capitalistas, seja como
for, independentemente da sua vontade e sem que eles tenham
consciência disso, para uma nova ordem social, intermédia entre a livre
concorrência e a socialização integral (LÊNIN, 1985, p. 25).
A produção torna-se social, mas a apropriação continua privada. Os meios
de produção sociais permanecem propriedade privada de um pequeno
número de indivíduos. O quadro geral da livre concorrência, que se
reconhece nominalmente, subsiste e o jugo exercido por um punhado de
monopolistas sobre a restante população torna-se cem vezes mais
pesado, mais sensível, mais intolerável (LÊNIN, 1985, p. 25).
Durante sua etapa imperialista o modo de produção capitalista passou por fases
distintas, é importante apreendermos estas para fazer a conexão com a realidade
brasileira.
Ao recuperarem a análise mandeliana Netto e Braz (2006) afirmam que o período
“clássico” do capitalismo monopolista vai de 1890 a 1940, onde a crise de 1929 cunhou a
necessidade de intervenção do Estado na economia no âmbito da produção e
acumulação. A segunda fase ficou conhecida como “anos dourados”, que vai do fim da
Segunda Guerra Mundial até a entrada dos anos 1970. Nela o capitalismo conheceu um
período de vasto crescimento, visto que havia ampla intervenção estatal, materializada
através do pacto fordista/ keynesiano.
O terceiro estágio imperialista é o capitalismo contemporâneo, que se estende de
meados da década de 1970 até os dias atuais. Esta etapa proporcionou um quadro de
mundialização do capital. Após viver um período de grande crescimento o capitalismo
entra em uma onda recessiva que atingiu as potências capitalistas.
No período transitório entre o capitalismo concorrencial e o capitalismo monopolista
se destacam três fenômenos, que segundo Netto (2005) ganham importância nesse novo
estágio. São estes: a constituição do proletariado enquanto classe para si; a burguesia
operando como agente social conservador; e o peso específico das classes e camadas
intermediárias.
Aqui cabe destacar o processo de constituição da consciência de classe para si,
pelo proletariado, que é marcado pelo seu protagonismo nas lutas por melhores
condições de produção e reprodução da vida social, concretizados através dos sindicatos
e partidos políticos. Esse foi um momento no qual ocorreram diversas crises capitalistas,
que acarretaram, em um primeiro momento, desemprego, redução de salários e postos de
trabalho, aumento da fome e da miséria. A luta dos trabalhadores, aliada à busca dos
367
capitalistas por instrumentos de controle dessa classe em ebulição, geraram respostas
estatais mais incisivas à “questão social”.
A “questão social” deve ser compreendida como o conjunto das expressões das
desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção
social é cada vez mais coletiva, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se
privada, monopolizada por uma parte da sociedade” (IAMAMOTO, 1999). Esta é,
portanto, inerente ao sistema capitalista. Nas palavras de Netto (2005, p. 157)
[...] o desenvolvimento capitalista produz, compulsoriamente, a “questão
social” – diferentes estágios capitalistas produzem diferentes
manifestações da “questão social”; esta não é uma sequela adjetiva ou
transitória do regime do capital: sua existência e suas manifestações são
indissociáveis da dinâmica especifica do capital tornado potência social
dominante. A “questão social” é constitutiva do desenvolvimento do
capitalismo. Não se suprime a primeira conservando-se o segundo.
No estágio monopolista o Estado passou a intervir de forma mais incisiva sobre a
“questão social”. Incialmente essa intervenção é direcionada a garantir a acumulação dos
monopólios; posteriormente, com o processo organizativo da classe trabalhadora, e a
intensificação das contradições existentes entre capital e trabalho, suas ações passaram
a buscar a preservação e controle da força de trabalho.
A forma encontrada para solidificar a intervenção sobre a “questão social” foram as
políticas sociais2. Estas são “[...] desdobramentos e até mesmo respostas e formas de
enfrentamento às [...] expressões multifacetadas da questão social no capitalismo, cujo
fundamento se encontra nas relações de exploração do capital sobre o trabalho”
(BEHRING; BOSCHETTI,2006, p. 51).
É válido destacar que o processo de implementação das políticas sociais nos
países capitalistas não foi uniforme, dependendo de fatores, como a formação social e
econômica de cada um, além da capacidade organizativa da classe trabalhadora, no que
tange ao processo de luta pela reinvindicação de direitos.
No caso brasileiro as intervenções sobre a “questão social” através de políticas
sociais públicas vão ocorrer a partir de 1930, quando o Estado, no governo de Getúlio
Vargas, passa efetivamente a realizar ações voltadas para estes fins. O desenvolvimento
2
Estas somente podem se configurar como política social pública no capitalismo monopolista. Anteriormente
a esse momento, durante o capitalismo concorrencial, o trato da “questão social” geralmente não era alvo
da intervenção estatal, e quando era se dava através da criminalização ou culpabilização moral.
368
das políticas sociais no país possui características determinadas pelo modo de
organização do sistema capitalista, pois este se dá de forma diferenciada em relação aos
países centrais.
O início da transição do capitalismo brasileiro se deu através da crise do poder
oligárquico, que acabou por mudar as estruturas de poder no país, mas esse não foi um
momento de total ruptura, pois a dominação burguesa é realizada sob a hegemonia da
oligarquia, que não perdeu as bases de seu poder.
A burguesia brasileira convergiu para o Estado, unificando-se com este no plano
político. Segundo Fernandes (1976, p. 206) “a transição para o século XX e todo o
processo de industrialização que se desencadeia até a década de 30 fazem parte da
evolução interna do capitalismo competitivo”.
Assim, o capitalismo brasileiro se configurou como dependente, voltado para
consolidar o desenvolvimento imperialista. Coutinho (2005) reforça essa ideia ao afirmar
que a modernização econômico-social no Brasil seguiu uma “via prussiana”, ou “revolução
passiva”, pois as transformações ocorridas não decorreram de revoluções, mas de
conciliação entre os grupos dominantes, sendo realizadas “de cima para baixo”,
[...] a transição do Brasil para o capitalismo (e de cada fase do capitalismo
para a fase subsequente) não se deu apenas no quadro da reprodução
ampliada da dependência, ou seja, com a passagem da subordinação formal
à subordinação real em face ao capital mundial; em estreita relação com
isso (já que uma solução não prussiana da questão agraria asseguraria as
condições para o desenvolvimento de um capitalismo nacional não
dependente), essa transição se processou também segundo o modelo da
“modernização conservadora” prussiana (COUTINHO, 2005, p. 52).
O enfrentamento da “questão social” no país, caracterizado pelo capitalismo
retardatário e determinado “pelo aprofundamento do imperialismo e do processo de
concentração e centralização de capitais, próprios do capitalismo em seu estágio
monopolista” (SANTOS, 2012, p. 137), se intensificou através de políticas sociais que
buscavam a regulamentação do trabalho. É salutar lembrar que até então suas
expressões eram tidas como problemas de polícia.
Pode-se apontar como as principais medidas do período a regulação do trabalho
através da criação da carteira de trabalho, bem como ações voltadas para aposentadorias
e pensões; a instituição dos Ministérios de Educação e Saúde que significaram o
desenvolvimento nacional dessas políticas; a criação da Legião Brasileira de Assistência
369
(LBA), que foi marcada pelo assistencialismo e práticas de tutela e favor na relação entre
Estado e sociedade; no âmbito da infância e juventude destacam-se o Código de Menores
e a criação do Serviço de Assistência ao Menor (SAM), (BEHRING; BOSCHETTI, 2006).
É no contexto da emergência das políticas sociais realizadas no âmbito estatal para
o enfrentamento da “questão social” que surge a necessidade do Serviço Social enquanto
especialização do trabalho coletivo.
2.2 Fundamentos históricos do Serviço Social brasileiro
O surgimento do Serviço Social tem relação direta com as relações sociais e de
produção estabelecidas na sociedade capitalista, tal como foi situado anteriormente. Ao
analisar a profissão não se pode perder de vista essa conexão, sob pena de se fundar em
uma análise linear e destoada dos processos da totalidade da vida social.
Montaño (2011), ao discutir a natureza do Serviço Social, afirma que para debater
a gênese da profissão se firmaram duas teses, com fundamentações distintas, e que por
isso se tornam mutuamente excludentes. A primeira é a perspectiva endogenista que vê o
Serviço Social como uma evolução, profissionalização e sistematização da caridade, da
ajuda, e filantropia, agora voltada para a intervenção sobre a “questão social”.
[...] efetivamente, as análises desses autores quanto à natureza do Serviço
Social (mesmo que diferente quando tratam a sociedade no seu conjunto e
seu posicionamento perante a realidade) não consideram o real (a história
da sociedade) como o fundamento e causalidades da gênese e
desenvolvimento profissional, apenas situando as etapas do Serviço Social
em contextos históricos [...]. Têm, por isso, uma perspectiva endógena,
onde o tratamento teórico confere ao Serviço Social uma autonomia
histórica com respeito à sociedade, às classes e às lutas sociais
(MONTAÑO, 2011, p. 27).
A perspectiva histórico-crítica entende o surgimento do Serviço Social como uma
síntese dos projetos político-econômicos que operam no desenvolvimento histórico,
quando no capitalismo monopolista, o Estado assume a intervenção direta sobre a
“questão social”. Portanto, a gênese do Serviço Social não estaria vinculada a um
processo evolutivo da caridade, mas sim, à própria dinâmica capitalista em seu estágio
monopólico.
370
Este trabalho coaduna com a segunda tese e percebe a profissão como
historicamente situada e elemento que contribui para a produção e reprodução dos
indivíduos sociais. Estes, entendidos conforme Iamamoto e Carvalho (2005, p. 72):
[...] a reprodução das relações sociais não se restringe à reprodução da
força viva de trabalho e dos meios objetivos de produção (instrumentos de
produção e metérias-primas). A noção de reprodução engloba-os,
enquanto elementos substanciais do processo de trabalho, mas, também,
os ultrapassa. Não se trata apenas da reprodução material em seu sentido
amplo, englobando produção, consumo, distribuição e troca de
mercadorias. Refere-se à reprodução das forças produtivas e das relações
de produção na sua globalidade, envolvendo, também, a reprodução da
produção espiritual, isto é, das formas de consciência social: jurídicas,
religiosas, artísticas ou filosóficas, através das quais se torna consciência
das mudanças ocorridas nas condições materiais de produção [...].
Assim, a reprodução das relações sociais é a reprodução da totalidade do
processo social, a reprodução de determinado modo de vida que envolve o
cotidiano da vida em sociedade: o modo de viver e de trabalhar, de forma
socialmente determinada, dos indivíduos em sociedade [...].
Para formular e implementar as políticas socais do Estado monopolista são
necessários agentes técnicos, dentre esses foi demandado o Serviço Social, com a
funcionalidade de preservar e controlar a força de trabalho. Netto (2005, p. 76), destaca
que este “[...] não desempenha funções produtivas, mas se insere nas atividades que se
tornaram acolitas dos processos especificamente monopólicos da reprodução, da
acumulação e da valorização do capital [...]”. As influências teóricas, e a forma como esse
exercício profissional foi historicamente realizado será aprofundado no próximo item, com
vistas a compreender o Serviço Social e sua renovação na cena contemporânea.
3 RECONCEITUAÇÃO E RENOVAÇÃO NO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO
O surgimento do Serviço Social, no Brasil, se deu na década de 1930. Este atuou
historicamente atendendo tanto aos interesses da classe trabalhadora, diante de suas
necessidades sociais, bem como os interesses das classes dominantes, e Estado, este
enquanto seu maior empregador.
Incialmente as bases ideológicas do Serviço Social se relacionaram com a doutrina
social da Igreja, não apenas católica, mas em sua maioria, que confiaram à atividade
profissional um caráter missionário e vocacional. Os interesses filantrópicos e altruístas
371
eram reforçados; contudo, para a classe dominante o que importava era o controle social
dos trabalhadores e o reforço da hegemonia do capital como um bem para toda
sociedade.
As intervenções profissionais tinham um cunho moral e religioso e eram voltadas
para o trabalhador e sua família, na perspectiva do ajuste e enquadramento social.
Yazbek (2009) destaca que paulatinamente o Serviço Social se aproximou da matriz
positivista e de sua apreensão instrumental e imediata do ser social. As relações sociais
eram analisadas a partir de suas vivências, como fatos que se apresentam de forma
objetiva e imediata.
Outra influência no plano teórico-metodológico que incidiu sobre o Serviço Social
brasileiro foi a fenomenologia, que associa, de forma idealizada, a transformação social
às atitudes pessoais que se configuram na relação entre o assistente social e o cliente.
Os princípios abstratos são valorizados, como o da autodeterminação, e reforçam a
inscrição do Serviço de cunho conservador.
As três principais formas de intervenção técnico-operativa da profissão que
refletiam as tendências teórico-metodológicas eram o Serviço Social de Caso, Grupo e
Comunidade3.
A partir da década de 1960 o sistema capitalista sofre transformações no que tange
ao seu desenvolvimento, passando por crises e abalos que o levou a adentrar em um
novo período de recessão, indo de encontro ao processo de acumulação e expansão que
vivenciou no pós II Guerra Mundial. Com o exaurimento da longa onda expansiva gerouse questionamentos do sistema, oriundos de movimentos nacionais e internacionais.
Nesse quadro o Serviço Social passa a rever sua fundamentação conservadora,
em um movimento que pretendia reconfigurar as bases teóricas, técnicas e políticas da
profissão. Este não se deu de forma contínua, e é importante conhecer tanto seu
desenvolvimento no conjunto da América Latina quanto internamente, pois se
desenvolveram dois processos que são distintos, mas tem relação intrínseca: a
Reconceituação e a Renovação do Serviço Social.
A Reconceituação, ou Reconceptualização profissional, é um movimento datado,
que ocorreu no âmbito latino americano e teve reflexos no Serviço Social brasileiro. Este
emergiu em 1965 e se esgotou por volta de 1975. Propunha a ruptura com o
3
Estas não serão aprofundadas por não serem o foco principal do trabalho em tela.
372
tradicionalismo profissional e se baseava na luta por transformações na estrutura
capitalista.
O ocaso do Serviço Social tradicional era defendido pelo movimento de
reconceituação e nos marcos de seu desenvolvimento Netto (2005) aponta conquistas
que passaram a integrar a dinâmica profissional nos países latinos americanos. A primeira
delas é a articulação de uma nova concepção da unidade latino-americana, que
proporcionou um ativo intercâmbio entre os países, que permanece até os dias atuais; a
explicitação da dimensão política da ação profissional, que era suplantada pelo
tradicionalismo profissional; a interlocução crítica com as ciências sociais, que abriu novos
influxos, inclusive com a tradição marxista; a inauguração do pluralismo profissional, que
possibilitou a percepção de diferentes concepções sobre a natureza, objeto, funções,
objetivos e práticas do Serviço Social. O autor situa ainda como principal conquista a
Reconceituação a recusa do assistente social em se situar como um agente meramente
executivo de políticas sociais (executor terminal), este passou a requisitar atividades de
planejamento, valorizando seu estatuto de intelectual.
Contudo, como indicado anteriormente, este foi um movimento datado, seu
esgotamento se dá pela onda ditatorial que atingiu a América Latina em oposição aos
movimentos democráticos e de contestação da dominação burguesa, bem como na
diversidade própria do movimento, que continha direcionamentos distintos para o Serviço
Social em sua concepção de sociedade, teoria e prática profissional.
No que tange à renovação, este foi um processo interno brasileiro que externou
tendências e possibilidades para a profissão no momento pré-1964, quando a democracia
do país foi interrompida através do golpe que institui a Ditadura Militar brasileira. Netto
(2004, p. 131) define Renovação como,
[...] o conjunto de características novas que, no marco das constrições da
autocracia burguesa, o Serviço Social articulou, à base do rearranjo de
suas tradições e da assunção do contributo de tendência do pensamento
social contemporâneo, procurando investir-se como instituição de natureza
profissional dotada de legitimação prática, através de respostas a
demandas sociais e da sua sistematização, e de validação teórica,
mediante a remissão às teorias e disciplinas sociais.
Desse processo destacam-se três diferentes direcionamentos para o exercício
profissional do assistente social, com visões de mundo e fundamentação teóricas
373
distintas. Estes são caracterizados por Netto (2004) como: a Perspectiva Modernizadora,
a Reatualização do Conservadorismo e a Intenção de Ruptura.
A primeira direção é a perspectiva modernizadora que conformava uma tentativa
de adequar o Serviço Social às demandas oriundas no pós-1964. Os principais
documentos que lhe fundamenta são os textos dos seminários de Araxá e Teresópolis e
possuem forte inspiração funcionalista e estruturalista. Para essa vertente o Serviço
Social deveria se envolver de forma a reforçar o processo de desenvolvimento e com
seus referenciais e instrumentos deveria contribuir com a ordem sociopolítica instituída
com a Ditadura Militar.
A reatualização do conservadorismo imprime à profissão uma direção que recupera
as bases teórico-metodológicas que conferiram ao Serviço Social um traço microscópico,
com a visão de mundo vinculada ao pensamento católico tradicional, mas o faz com uma
nova roupagem, trazendo traços de modernidade, tentando vinculá-lo a outras matrizes
intelectuais, especialmente à fenomenologia.
A intenção de ruptura se configura como a terceira vertente apresentada no
processo de renovação da profissão. Esta tem um direcionamento diferenciado das
demais por possuir um elemento contestador, realizando uma crítica ao desempenho do
Serviço Social tradicional. Ela se baseia na tradição marxista, mesmo que no primeiro
momento de forma tortuosa4, seu principal expoente ficou conhecido como Método Belo
Horizonte.
Essa perspectiva, ao criticar sistematicamente o desempenho tradicional e seus
suportes teóricos, metodológicos e ideológicos, tem a pretensão de romper com a
herança do pensamento conservador e do reformismo. Mesmo se constituindo no pré1964 a intenção de ruptura se adensa somente ao longo dos anos oitenta, expressando o
processo de laicização da profissão. Isso se dá devido às mudanças ocorridas no país
durante o processo de reabertura política e democratização. A intenção de ruptura
ganhou força por colocar o Serviço Social ao lado das demandas da classe trabalhadora,
não mais como agente legitimador da exploração.
Paulatinamente as produções teóricas da profissão imprimiram uma direção ao
exercício profissional baseada no pensamento marxista, já fundamentado nos escritos do
4
Yazbek (2009) destaca alguns problemas nessa apropriação do marxismo: as abordagens reducionistas
dos marxismos de manual; influência do cientificismo e do formalismo metodológico presentes no
“marxismo” althusseriano que provocou a recusa da via institucional e das determinações sócio históricas
da profissão.
374
próprio Marx, não apenas em leitores deste. A abordagem da profissão passou a pensar a
sociedade como fruto de um conjunto de relações sociais e o Serviço Social participando
do processo de produção e reprodução dessas relações.
A hegemonia alcançada pela intenção de ruptura é materializada através dos
instrumentos normativos da profissão. No primeiro momento o Currículo Mínimo de 1982
e o Código de Ética de 1986. Esse direcionamento que se tornou teórico-metodológico,
ético-político e técnico-operativo permanece presente no seio da categoria profissional até
a contemporaneidade.
4 RENOVAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL: UMA REALIDADE EM MOVIMENTO
O movimento de renovação profissional é anterior, concomitante e posterior a
reconceituação do Serviço Social, portanto, pode-se afirmar que ele continua operante
nos dias atuais. É nesse ponto que o presente eixo centrará sua análise.
É inegável que após a década de 1980 as ideias da perspectiva intenção de
ruptura lograram êxito e conquistaram hegemonia no âmbito profissional. Essa hegemonia
é comprovada nos currículos que formam novos assistentes sociais, nas pesquisas
realizadas nas instituições de trabalho e ensino que partem do direcionamento teóricometodológico centrado na teoria social crítica, nos princípios éticos da profissão
materializados através do código de ética profissional.
Afirmar que a renovação continua atual não é apenas ilustrar sua influência na
atualidade, é reconhecer também que continuamos a ter no ambiente profissional projetos
em disputa, pois hegemonia se constrói cotidianamente.
As transformações ocorridas no capitalismo imperialista ao final do século XX e
início do XXI acentuaram as contradições sociais do sistema, trazendo reflexos também
para o campo da produção do conhecimento, com o questionamento da razão dialética e
a valorização da razão instrumental como vetor para analisar as relações sociais. A
análise da totalidade social é suprimida em detrimento do pensamento pós-moderno que
visa a manifestação imediata do real, ou seja, não busca a essência dos fenômenos,
apenas sua aparência.
Com a suposta crise de paradigmas, o marxismo enquanto teoria explicativa do
real é desconsiderado, passando a serem valorizadas as teorias do fragmento, do
efêmero, que fortalecem a alienação e a reificação do presente. Como o Serviço Social
375
atua sobre demandas imediatas a utilização dessas fontes de análises pode ganhar
terreno e favorecer o retorno às bases conservadoras da profissão, que reforçavam o
empirismo e o pragmatismo, sem possuir uma compreensão crítica das relações sociais.
Para Simionatto (2009, p. 102), a profissão, no atual momento histórico, se coloca
novamente diante de duas tendências que podem direcionar seu exercício profissional,
[...] uma vinculada ao fortalecimento do neoconservadorismo inspirado nas
tendências pós‐ modernas, que compreende a ação profissional como um
campo de fragmentos, restrita às demandas do mercado de trabalho, cuja
apreensão requer a mobilização de um corpo de conhecimentos e técnicas
que não permite extrapolar a aparência dos fenômenos sociais; e outra
relacionada à tradição marxista, que compreende o exercício profissional a
partir de uma perspectiva de totalidade, de caráter histórico‐ontológico,
remetendo o particular ao universal e incluindo as determinações objetivas
e subjetivas dos processos sociais.
É nessa disputa pela direção social da profissão que a Renovação se mantém viva
na atualidade. A direção hegemônica do Serviço Social que se materializa no Projeto
ético-político profissional deve assumir a luta pela afirmação dos direitos como uma luta
contra o capital, além de contribuir para a formação de assistentes sociais que sejam
propositivos e que tenham habilidades e discernimento para se valer de sua relativa
autonomia nos espaços sóciocupacionais, buscando em cada situação apresentada
possibilidades de trabalho.
O Projeto ético político deve ser assumido como um direcionamento do exercício
profissional através da articulação de suas dimensões técnico-operativas, ético-políticas e
teórico-metodológicas. Além desses desafios Iamamoto (2009) aponta a necessidade de
o Serviço Social, no tempo presente, ter: 1) rigorosa formação teórico-metodológica que
permita explicar o atual processo de desenvolvimento capitalista sob a hegemonia das
finanças e o reconhecimento das formas particulares pelas quais ele vem se realizando
no Brasil, assim como suas implicações na órbita das políticas públicas e consequentes
refrações no exercício profissional; 2) acompanhamento da qualidade acadêmica da
formação universitária ante a vertiginosa expansão do ensino superior privado e da
graduação à distância no país; 3) articulação com entidades, forças políticas e
movimentos dos trabalhadores no campo e na cidade em defesa do trabalho e dos
direitos civis, políticos e sociais; 4) afirmação do horizonte social e ético-político do projeto
profissional no trabalho cotidiano, 5) o cultivo de uma atitude crítica e ofensiva na defesa
376
das condições de trabalho e da qualidade dos atendimentos, potenciando a nossa
autonomia profissional.
Nesses desafios residem as resistências atuais, para que se mantenham as bases
progressistas que o Serviço Social alcançou com seu processo de renovação e ruptura
com o tradicionalismo profissional.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo em tela buscou discutir a atualidade do Movimento de renovação do
Serviço Social que se gestou na década de 1960, trazendo elementos de sua gênese e
fundamentação teórica. Das discussões apresentadas aqui se espera contribuir para o
debate contemporâneo do Serviço Social, principalmente no que tange ao reforço das
conquistas oriundas de seu processo de transformação recente.
É incontestável a assertiva de que o Serviço Social, ao longo de sua história, sofre
os reveses das transformações que ocorrem no âmbito político, econômico e social, isso
por que é profissão inserida na sociedade e que intervém sobre esta.
Na atualidade são postos inúmeros desafios para os assistentes sociais, entre
estes está o de defender as conquistas oriundas do seu processo de renovação que
possibilitou rever as bases de fundamentação da profissão, possibilitando uma
capacidade de leitura crítica do real, com base no pensamento marxista.
A atualidade desta perspectiva teórica deve ser reforçada, não apenas no âmbito
acadêmico, mas também nos espaços sociocupacionais, na intervenção direta do
exercício profissional. As adversidades para essa defesa são inúmeras, e impostas pela
própria realidade social que reforça ideias individualistas e imediatistas; contudo, o
assistente social pode utilizar os elementos do projeto ético-político como norte de
atuação, potencializando sua relativa autonomia na defesa dos direitos.
REFERÊNCIAS
BEHRING, Elaine, BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. São
Paulo: Cortez, 2006.
COUTINHO, Carlos Nelson. Cultura e Sociedade no Brasil: ensaios sobre ideias e
formas. 3 ed. rev. e ampliada. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
377
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaios de interpretação
sociológica. 2ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
IAMAMOTO, Marilda Vilela. Renovação e Conservadorismo no serviço social. 7 ed.
São Paulo: Cortez, 2004.
_____. Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 2 ed.
São Paulo: Cortez, 1999.
_____. O Serviço Social na cena contemporânea. In. Direitos Sociais e Competências
profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.
IAMAMOTO, Marilda Vilela. CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Social
no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 18 ed. São Paulo: Cortez;
[lima, peru]: CELATS, 2005.
LÊNIN, Vladimir Ilich. O imperialismo: fase superior do capitalismo. 3 ed. São Paulo:
Global, 1985.
MONTAÑO, Carlos. A natureza do serviço social: Um ensaio sobre sua gênese, a
“especificidade” e sua reprodução. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2011.
NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social: Uma análise do serviço social no Brasil
pós-64. 7ed. São Paulo: Cortez, 2004.
____. O movimento de reconceituação 40 anos depois. In. Revista Serviço Social e
Sociedade nº. 84. São Paulo: Cortez, 2005.
NETTO, José Paulo. BRAZ, Marcelo. Economia Política. Uma introdução. São Paulo:
Cortez, 2006.
SANTOS, Josiane Soares. “Questão Social”: particularidades no Brasil. São Paulo:
Cortez, 2012.
SIMIONATTO, Ivete. Expressões ideoculturais da crise capitalista na atualidade e sua
influencia teórico–prática. In. Direitos Sociais e Competências profissionais. Brasília:
CFESS/ABEPSS, 2009.
YAZBEK, Mª Carmelita. Fundamentos históricos e teórico-metodológicos do Serviço
Social. In. Direitos Sociais e Competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS,
2009.
378
Download