DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O ENSINO DE FILOSOFIA NA

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O ENSINO DE FILOSOFIA NA
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Cícero Pedroza da Silva. SEEC-PB
INTRODUÇÃO
Esse estudo reflete grandes questionamentos a cerca do ensino de filosofia,
assim como sua influência na sociedade, assumindo a partir de reflexões
regulamentadas por lei1 o direito de iniciar sua inserção na Educação Brasileira.
Essa pesquisa foi realizada na prática, cuja fundamentação esteve pautada nas
discussões de Sócrates, como educador, a Paulo Freire, com a educação libertadora.
A Filosofia está inserida nas ciências humanas. Neste sentido, ela tem total
responsabilidade de comunicar, informar e tornar-se interdisciplinar com o contexto
educacional hodierno.
Há um pensamento equivocado de que a Filosofia é um campo do conhecimento
que não tem uma aplicabilidade à vida cotidiana. Não raras vezes, deparamo-nos com
pessoas que acreditam que os filósofos são pessoas que vivem “fora da realidade” e que
a Filosofia “não serve para nada”. Por essa razão, quando se trata de incluir o ensino
dessa Ciência no currículo escolar, há, ainda, muitos obstáculos a serem ultrapassados,
tendo em vista que muitas pessoas não conhecem o seu verdadeiro sentido.
Considerando os aspectos aqui referidos, para reintroduzir a Filosofia como
disciplina no EJA e no Ensino Médio necessárias algumas transformações no Ensino
Superior. São os profissionais desse nível que deve mediar à reflexão de modo a chegar
aos alunos de nível médio e principalmente no EJA, para que no futuro, tenhamos uma
sociedade mais comprometida com valores sociais, humanos e éticos, tais como: justiça
social, solidariedade e cidadania.
Na esfera do conhecimento, centrado na Educação de Jovens e Adultos, está
transitando uma nova linguagem filosófica, cuja função possibilita a compreensão de ser
cidadão. Sendo assim, temos que acompanhar essas transformações, pois a educação do
nosso país precisa da filosofia para manter vivos os valores éticos, morais, culturais,
sociais e genealógicos da sociedade. Temos que assumir a responsabilidade de sermos
educadores e filósofos. Assim, o profissional dessa área deve ter recursos didáticos para
1
“Altera o Art. 36 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do Ensino Médio.
O Vice-Presidente da República, no exercício do cargo de Presidente da República,
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º. O art. 36 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 36. (...)
IV. Serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do Ensino
Médio.
Art.2º. Fica revogado o inciso III do 1º do art. 36 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996.”
diferentes situações a fim de serem usados nas diversas camadas da construção do
conhecimento.
O saber filosófico tem que ser associado à mente, pois, para um ser pensante, o
ideal e o imaginário, o real e o abstrato são necessidades do corpo e da alma. De acordo
com Freire (2000, Pág.: 51),
“Enquanto o animal é essencialmente um ser da acomodação e do ajustamento, o
homem o é da integração. A sua grande luta vem sendo, através dos tempos, a de
superar os fatores que o fazem acomodado ou ajustado. É a luta por sua
humanização, ameaçada constantemente pela opressão que o esmaga, quase
sempre até sendo feita – e isso é o mais doloroso – em nome de sua própria
libertação.”
Desse modo, a filosofia tem a responsabilidade de possibilitar a integração entre os
humanos e a autonomia, a fim de tornar os cidadãos em seres livres de opressão. Para isso,
veremos alguns posicionamentos dentro dessa disciplina que são necessários ter em virtude de
um ensino de qualidade.
O primeiro posicionamento crítico, em relação ao ensino, decorre da defesa de
que o ensino de Filosofia deve ter como pressuposto básico o aprender a pensar,
entendido não como capacitação lógica, mas como domínio do uso de um instrumento
que ordena o pensamento, como o desenvolvimento da capacidade de questionar, de
rejeitar como dado inequívoco a evidência imediata, “entendido não como capacitação
lógica, mas como domínio do uso de um instrumento que ordena o pensamento, como o
desenvolvimento da capacidade de questionar, de rejeitar como dado inequívoco a
evidência imediata” (SOUZA, 1992, p. 91).
O segundo se apropria do espírito kantiano, dando ênfase a um ensino que
privilegie a história da Filosofia: “embora Kant não estivesse muito preso à história, as
suas considerações a respeito da Filosofia e do exercício da razão acabam confirmando
a pertinência da história da filosofia no ensino de Filosofia”, tendo em vista “o exercício
do pensamento, [...] a sua emancipação” (GUIDO, 2000, p. 84-90).
O terceiro caminho tem como referencial teórico-metodológico o pensamento de
Gramsci (1989), de Silveira (1991) e de Alves (2002), em objetivação à superação do
senso comum para poder forjar nova consciência, crítica e consciente, também
fundamentado na história da Filosofia, já que “não se pode separar a Filosofia da
história da Filosofia” (GRAMSCI, 1989, p. 13).
Por fim, a quarta proposta, bastante polêmica, no campo da criticidade, refere-se
à definição da Filosofia como “disciplina que consiste em criar conceitos” (DELEUZE;
GUATTARI, 1992, p. 13) e sua transposição para o ensino da Filosofia. Para o
propugnador desse encaminhamento, “não se ensina Filosofia impunemente; não se
aprende Filosofia impunemente.
Criar conceitos não significa apenas fazer individualmente descobertas
“originais”; significa, também, difundir criticamente as descobertas, “socializá-las”, por
assim dizer; transformá-las em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de
ordem intelectual e moral.
O encaminhamento para o ensino crítico não se reduz à defesa de um saber
estritamente filosófico, muito menos, em trato exclusivamente pedagógico. Ambos os
paradigmas para o ensino de Filosofia são atravessados por viés abstrato, sem se darem
conta de que o trato com o ensino é questão eminentemente concreta, fruto da prática
social, marcadamente contraditória, pois é resultante de conflitos entre as classes sociais
e é isso que mais tarde ou mais cedo obriga os sujeitos invisíveis a se tornarem atores.
Movidos pela necessidade de filosofar no EJA, vamos nortear esse estudo nos
baseando nos escritos sobre Sócrates em “O educador”, na PAIDÉIA, e Paulo Freire,
em sua vasta filosofia da educação.
SÓCRATES
Anterior a Sócrates, existiram os pré-socráticos, definidos, nesse contexto, como
os pensadores de uma época em que predominava, segundo a análise realizada, como
uma pré-filosofia.
“Sócrates torna-se o guia de todo o Iluminismo e de toda a filosofia moderna; o
apóstolo da liberdade moral, separado de todo dogma e de toda tradição, sem
outro governo além daquele da sua própria pessoa e obediente apenas aos ditames
da voz interior da sua consciência; o evangelista da nova religião terrena e de um
conceito da bem-aventurança atingível nesta vida mercê da força interior do
homem e baseada, não na graça, mas na incessante tendência ao aperfeiçoamento
do nosso próprio ser (PAIDÉIA, 2001, pp. 493 e 494)”.
Há quase 2.500 anos, na Grécia, nasceu Sócrates, que se tornou um símbolo
ilustre para a humanidade, devido às suas reflexões filosóficas. Nesse contexto, a ideia
de pensar logicamente sobre nossas vidas nos ajuda a ficar mais seguros e
independentes.
O sonho de que a filosofia pode nos libertar, oferecendo confiança para defender
nossas idéias, emerge no discurso de Sócrates. Ele cita PLATÃO, pois, pelo fato de
Sócrates não registrar suas escrituras, este, como seu discípulo, o fez de tal modo que
conhecemos seus pensamentos, principalmente através dos diálogos anotados. “E da
luta de Sócrates, tal como dos trabalhos dos heróis de Homero, brota a força humana
criadora de um novo arquétipo, que terá em Platão o seu profeta e mensageiro poético.
(PAIDÉIA p. 580)”
Mantendo-se distante de todos os poemas tradicionais de sua época e de épocas
póstumas, era um pensador que ouvia a voz interior e considerava totalmente sua
consciência, destacando o ponto de vista e defendendo o direito que leva a razão a
natureza do pensamento do homem. Autêntico e personificado era o grande
intelectualista da Filosofia antiga. A sua práxis concretizou a Filosofia histórica, e sua
vida foi moralizada pela sua morte. O moralismo socrático abriu as manifestações
envolvendo a Filosofia e a práxis. Como observamos na citação que segue:
Dizemos “Práxis” transcrevendo o termo empregado pelos gregos na
Antiguidade para designar a ação propriamente dita. Como se sabe, em
nosso idioma dispõe também do substantivo “Prática”. Tanto um como
outro termo (“Práxis”e “Prática”) podem ser empregados indistintamente
em nossa língua, embora seja o segundo o que se costuma usar na
linguagem comum e na literária; o primeiro, em compensação, só é
reconhecido- e, mesmo assim, não sempre- no vocabulário filosófico. Sem
descartar completamente o vocabulário dominante na linguagem comum,
preferimos utilizar em nossa pesquisa- apesar de seu uso restrito- o termo
“Práxis”. A razão que nos levou a isso foi justamente a de livrar o conceito
de “prática” do significado predominante em seu uso cotidiano que é o que
corresponde, como veremos ao longo desta introdução, ao de atividade
prática humana no sentido estritamente utilitário que tem em expressões
como estas: “ homem prático”, “resultados práticos”, “profissão muito
prática. (Sánches Vázquez, Adolfo, p. 27-28)
Com sua oratória e com o perfeito uso da dialética, ele unia os seus discursos em
prol de um aperfeiçoamento do ser e, dessa forma, estava inclusa toda a ideia em torno
dos conceitos sobre ética, metafísica e moral. O seu nome era evocado, e sua
personalidade espiritual era ditada e reproduzida para as gerações.
Para Sócrates, não estamos habituados a ser questionados sobre nossas escolhas.
Ele queria que superássemos a preguiça e a timidez e descobríssemos em que realmente
acreditamos para que, com a descoberta de nossas crenças, pudéssemos defendê-las,
para abrirmos nossa mente. Ele não nos dá somente confiança para desafiar a ideologia
dominante, as crenças e as tradições, também nos faz desenvolver nossas próprias
crenças, que podem ajudar a nos destacarmos diante de uma multidão.
O inspirador, em Sócrates, é a idéia de que todos podem pensar, ou mais que
isso, todos têm a responsabilidade de pensar. Para esse pensador, uma vida sem reflexão
não vale a pena ser vivida. Ele entendia que era possível ter uma conversa filosófica em
qualquer lugar, mesmo nas esquinas, ruas e praças, pensando assim, ele conversava com
todo tipo de gente e gostava de demonstrar que todas as pessoas eram capazes de chegar
a opiniões bem abalizadas, embora acreditasse que todos somos capazes de nos autoanalisar, ele sabia que, na prática, poucas pessoas faziam isso.
Sócrates morreu pelo que acreditava, e esse fato é que toda a tradição do
pensamento ocidental existe a partir de seus questionamentos sobre a opinião das
pessoas. Para defender sua concepção, ele foi parar no Tribunal e acabou condenado à
morte para manter viva a filosofia, no entanto, sua imagem ainda tem impacto na
história pela vontade de liberdade de pensamentos. Vemos, até hoje, a cena da sua
morte reproduzida através da arte.
Diante de tantas reflexões contra a maioria da sociedade antiga, ele foi acusado
de corromper a juventude ateniense e desrespeitar os deuses cultuados na cidade, por
isso, sua sentença foi à pena de morte. Em uma manhã, Sócrates foi intimado a
comparecer diante do júri em Atenas, que era composto por 500 cidadãos atenienses.
Sócrates viu que podia morrer, mas não se descontrolou e afirmou que, se
tivesse mais tempo para expor seus argumentos, tinha certeza de que convencia a todos
de que era inocente, mas não havia tempo. Assim, ele aceitou a sentença
resignadamente e, depois do último voto, a maioria do júri considerou-o culpado e
sentenciou sua morte. Ele foi levado do Tribunal para a prisão.
Sócrates era o homem mais nobre, mais generoso e mais sábio daquele júri.
Contudo, não se livrou da condenação. O carrasco entrou com uma taça de cicuta, que
Sócrates bebeu e, em seguida, morreu, mas, morre um homem e nasce a Filosofia, e
nasce um espírito; mata-se um cérebro, mas se dá a vida a um novo pensar. Em poucos
minutos, o veneno paralisou o corpo e libertou-lhe a alma.
. Poucos de nós seremos conclamados a morrer por nossas crenças, mas Sócrates
nos faz ver que todos têm a capacidade e o dever de parar de seguir passivamente
opiniões alheias e, em vez disso, desenvolver crenças em que realmente possamos
confiar. Embora relutemos em enxergar tudo isso, podemos nos transformar em seres
pensantes, ou seja, em filósofos. Para isso, encontramos a educação como uma aliada e
podemos desenvolver essas reflexões em práticas úteis à vida cotidiana. ”A “filosofia”
que Sócrates aqui professou não é um simples processo teórico de pensamento: é, ao
mesmo tempo, uma exortação e uma educação (PAIDÉIA, p. 527)”.
PAULO FREIRE
Ele acompanhou o início e o fim da guerra mundial em 1940 e 1945. Entre os
últimos anos da década de 50 e o começo dos anos 60, Freire viveu seu momento mais
importante e criativo como educador, enquanto no Brasil eventos marcantes para o resto
dos tempos aconteciam (vale salientar que esses momentos foram alguns positivos e
outros negativos), tais como: o começo dos movimentos de cultura popular; a vitória da
revolução cubana; a criação das primeiras experiências de uma educação libertadora; e o
golpe militar de 1964; o exílio de tantas pessoas, entre elas, Paulo Freire, assim como,
nesse contexto, a exclusão da Filosofia dos currículos de ensino básico.
A vida de Paulo Freire é marcada pelas estadias, na Bolívia e nos Estados
Unidos; o convite do Conselho Mundial das Igrejas e uma longa vivência na Europa;
uma vida e um mundo descoberto que, juntos com o trabalho de educador transformam
e edificam.
Paulo Freire descobre a África e se envolve com países pobres, destruídos;
encontra-se também com educadores de todos os continentes; volta ao Brasil; a
experiência como secretário de Educação em São Paulo; o vínculo com o Partido dos
Trabalhadores e com o MST. Essa é a trajetória desse filósofo moderno.
Ao descobrir sua vocação como educador, no final dos anos 50 e início dos anos
60, Freire tomou um caminho do qual não saiu mais. Ele foi um dos militantes mais
presentes em todo o trabalho de cultura popular, que se espalhou do Norte ao Sul do
Brasil. Desde as Ligas Camponesas, no Nordeste, com a formação de grupos de
educadores, artistas, estudantes, militantes políticos e outros profissionais que formaram
centros e movimentos conhecidos como movimentos de cultura popular, a experiência
em Angicos, até trabalhos no setor de Educação da Prefeitura Municipal de Recife,
sempre preocupado com a construção de uma educação que libertasse as pessoas da
alienação, como aponta a citação abaixo:
A educação das massas se faz, assim, algo de absolutamente fundamental entre
nós. Educação que, desvestida da roupagem alienada e alienante, seja uma força
de mudança e de libertação. A opção, por isso, teria de ser também, entre uma
“educação” para a “domesticação”, para a alienação, e uma educação para a
liberdade. “Educação” para o homem-objeto ou educação para o homemsujeito.(FREIRE, 2000, p.44)
As ideias de Paulo Freire ainda são ouvidas e lembradas, não se pode falar em
educação sem se lembrar desse educador, ele elaborou um método para alfabetizar
pessoas adultas, por meio do qual elas, através do diálogo, aprendem a ler, de maneira
crítica, criativa e autônoma, a aprtir do próprio mundo social que as fez. Assim como
Sócrates, Freire foi um educador conectivo, um homem do diálogo, que sempre soube
escutar seus interlocutores, por fim, um construtor de diálogos.
Entendemos que, para o homem, o mundo é uma realidade objetiva, independente
dele, possível de ser conhecida. É fundamental, contudo, partirmos de que o
homem, ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com
o mundo. Estar com o mundo resulta de sua abertura à realidade, que o faz ser o
ente de relações que é (FREIRE, 2000, p. 47).
Em “Educação como prática para a liberdade”, Freire contextualiza o momento
de transição em que a obra é escrita e menciona como o processo acelerado da
modernidade reflete na sociedade, sugerindo uma linearidade, em detrimento da
liberdade que os sujeitos podem adquirir, em um processo de reflexão e pela sua
influência direta com a educação.
Nesse livro, ele apresenta a forma como o homem se integra na sociedade, e para
justificar esse argumento, assevera que a interação entre os indivíduos é necessária para
efetuar mudanças de uma época para outra, portanto, o agente epistemológico dessa
transição é o homem. Afinal, sendo ele parte integrante na relação existente entre o bem
e o mal, assim como conhecedor de sua singularidade, materializa o tempo presente
como sendo o firmamento de pluralização do eu. Após essa concretização, o indivíduo
toma consciência de que a transcendência é eficaz na dualidade de um mundo espiritual
com um mundo concreto, podendo ser analisado a partir da noção de início e fim.
Seguindo a linha imaginária do tempo individual, o homem tem uma noção da
complexidade metafísica, que é a idéia de liberdade. Sendo assim, ela pode estar
diretamente relacionada com a educação e enraizada na história de um povo,
necessitando de uma constante reflexão, através das raízes culturais, a fim de que a
sociedade possa atingir uma concepção religiosa, social e histórica, conforme reflete a
citação que segue:
Herdando a experiência adquirida, criando e recriando, integrando-se às
condições de seu contexto, respondendo a seus desafios, objetivando-se a si
próprio, discernindo, transcendendo, lança-se o homem num domínio que
lhe é exclusivo – o da História e o da Cultura. (FREIRE, 2000, p. 49)
Esse processo filosófico e sociológico gira em torno de um mesmo princípio,
segundo o qual, há uma vontade de transformar verdades inseridas por um processo de
imposição, em que os sujeitos são submetidos aos dogmas normativos da sociedade, em
verdades construídas gradativamente, na relação do sujeito com a natureza, a partir do
conhecimento de mundo que cada sujeito adquire.
Situada nesse contexto, a concepção construída pelos indivíduos reflete no
existencialismo dos sujeitos, que emergem rumo à liberdade, sendo ele o próprio fio
condutor que vai ligar a sua vida normativa a sua vida racional (a razão), fazendo com
que o racionalismo adquirido nesse processo possa integrá-lo em um pequeno ciclo
intrínseco a outro maior. Dessa forma, é proporcionada uma harmonia entre o seu ser e
os seres do seu convívio ou os que desenvolvem relações afetivas, assim como, a
família.
O ENSINO DE FILOSOFIA COMO EXPERIÊNCIA FILOSÓFICA
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que fazeres se
encontram um no corpo do outro. (FREIRE, 1998)
Quando se pensa em objetivos para o ensino de Filosofia na EJA, em dias atuais,
parece que os objetivos para a aula de Filosofia seriam o de dar oportunidades e
possibilidades à experiência filosófica, que é caracterizada como uma experiência com o
pensamento conceitual, isto é, que está relacionada com a prática em sala de aula. Desse
modo, segue abaixo uma seqüencia de ações que um professor de filosofia da Educação
de jovens e Adultos deve proceder.
Para que as aulas de Filosofia supram carências básicas da educação, em seu
contexto interdisciplinar, devem-se desenvolver técnicas didáticas, pois o professor
dessa disciplina não pode se abater por condições que normalmente são precárias. O
desejo de mediar discussões deve superar o contexto das dificuldades docentes para que
se possibilitem aulas criativas. Certamente, isso ajudará a combater as dificuldades e a
deficiência educacional que temos em nossa sociedade, porquanto o professor de
Filosofia deve determinar experiências que possam ser desenvolvidas para combater as
carências e, então, prosseguir nos estudos básicos e experimentar o ensino nessa
perspectiva conceitual. Isso seria feito através do diálogo investigativo do aluno com o
texto filosófico, com os colegas, com o professor e consigo mesmo, em um movimento
de investigação filosófica, na busca de elaborar conceitos que possam dar conta de seus
problemas. Assim, o jovem e o adulto, além do pensamento cotidiano, poderiam usar o
pensamento filosófico para criar-se a si e ao mundo.
No ensino de Filosofia, existem caminhos que podem ser trilhados, entre eles, o
exercício do pensar, pois esse deve ser o a priori da argumentação. Por isso, temos que a
Filosofia é o saber determinado por cada filósofo, ou seja, cada ser pensante dá
seqüência à Filosofia, dando um início àquilo que ele determina por Filosofia.
Na relação entre Sócrates e Platão, o pensamento platônico pode ser fundido ao
socrático, estabelecendo uma continuação. Apesar de seu novo estilo de Filosofia,
Platão caminha com suas próprias pernas e desenvolve aquilo que ele defendia por
Filosofia, divergindo de seu mestre. Dessa forma, existe um recomeço na Filosofia que
sempre é retomada pela maioria dos filósofos o que tradicionalmente, é superado o
modelo anterior, vimos que pensar e elaborar aulas para essa disciplina é o começo que
permitirá ao estudante estabelecer uma relação com o professor, com os textos, com o
conhecimento da filosofia clássica e com os conceitos desenvolvidos ao longo da
história. Sendo assim, esse contato se torna uma ação destinada ao desenvolvimento
psicológico, intelectual e social do indivíduo. Para isso, devemos seguir métodos
fundamentais didaticamente para poder formular e fixar a Filosofia em aula.
Apresentamos algumas etapas que devem ser seguidas como um método
apropriado para o ensino de Filosofia, quais sejam: a sensibilização, a problematização,
a investigação e a conceituação. Essas etapas podem ser desenvolvidas em forma de
método para que haja um comprometimento efetivo com o tema a ser trabalhado em
sala de aula, como vemos a seguir.
Sensibilização
É uma etapa que trata de fazer com que o estudante seja apresentado a temática
relacionada ao conteúdo, de modo que considere a existência do problema e, para isso,
utilize um bom recurso, tal como a imagem e o som. Esses devem estar relacionados ao
universo cultural dos envolvidos nesse contexto, no caso, como estudantes jovens e
adultos. Nesse sentido, o professor deve estar ciente de que a filosofia ainda não
representa para o aluno o que representa para o professor. Trata-se, pois, de um universo
cultural diferente em construção. Então, a construção de um ensino de filosofia para
jovens e adultos, faz-se extremamente necessário para não comprometer quem nunca
teve acesso ao ensino de filosofia. Assim, evidentemente, sem deixar de considerar o
ensino para crianças na faixa etária esperada na escola (Fundamental e Médio). Afinal,
será necessário a formação em filosofia, para efetivamente ter transformação ao final de
uma geração.
A poesia, os contos, os filmes e as músicas são elementos muito interessantes
que podem ser utilizados para uma sensibilização. É fundamental que o professor de
Filosofia se aproxime do universo cultural dos estudantes para que, depois, eles possam
se aproximar também do universo cultural do professor.
E o cotidiano deve ser o cenário dessa aproximação, a fim de que todos os
envolvidos nesse processo possam tomar a Filosofia como verdadeira forma de ver o
mundo. Nesse contexto, temos a dialética em sala apresentando as temáticas aos
estudantes e permitindo que esses tomem consciência e reflitam sobre o assunto em
questão, ensinando a pensar e a refletir. Como exemplo, podemos mostrar um vídeo,
cujo título é “A ilha das flores”, em que inicialmente é apresentado e depois, feito
alguns questionamentos para que o educador perceba de que forma os educandos foram
sensibilizados com aquele conteúdo expresso. Assim, uma temática como a desse vídeo,
a qual está relacionada com a realidade, é impossível de não sensibilizar a turma como
toda.
Esse vídeo trata sobre questões relacionadas ao lixo de Porto Alegre – RS e o
local onde esse lixo é depositado, assim como todas as relações a partir da existência
desse lixo, cujo local é chamado de Ilha das “Flores”, no entanto de flores talvez só
exista o nome e as conseqüências causadas pelo depósito de lixo. Lá, podemos nos
deparar com uma realidade cruel, um grupo de pessoas necessita conviver e sobreviver
dos restos que não servem mais aos porcos do dono do terreno que funciona o lixão.
Assim, elas vão ter “direito” ao que não servi mais aos porcos desse lugar imundo.
Certamente, uma sala de aula de jovens e adultos, que assistir a um vídeo desses
serão sensibilizado pela natureza cruel da realidade dos menos favorecidos, que no caso
são colocados numa situação inferiores a dos porcos. Afinal, o vídeo termina quando os
trabalhadores do dono do lixão permitem, que divididos em grupos de dez pessoas,
entrem e peguem tudo que eles separaram e que não serviu a alimentação dos animais,
no entanto “serve” para essas pessoas.
Problematização
Trata-se de transformar um tema em problema. É equacionar e elaborar a
questão norteadora, de forma que possa ser colocada uma interrogação em determinado
contexto. Essa etapa é responsável pela condução da experiência filosófica.
A partir da problematização é que determinados quais os temas que podem ser
questionados, criando-se um movimento em direção ao pensar. Esse movimento
possibilitará a representação da “idéia-conceito”. Nessa etapa, o estudante entende o
problema, para poder superá-lo. Essa é, pois, uma tarefa fundamental da Filosofia para
motivar o pensamento.
Há que se ressaltar que Sócrates só filosofou porque passou por problemas. Para
ele, a sua realidade estava repleta deles. Portanto, pode-se dizer que os conceitos são o
ponto de chegada da experiência filosófica, e o problema é o ponto de partida. É
necessário, assim como foi para Sócrates, que, a partir dos problemas, cheguemos à
construção do conceito ideal. Esse processo de trabalho reflexivo é necessário para dar
um caráter de verdade à experiência filosófica.
Diante do exposto, esse processo didático da Filosofia representa muito mais que
uma simples retórica, visto que pode e deve ser aplicado à vida cotidiana. Utilizando,
ainda, o exemplo do vídeo a Ilha das Flores, pensemos a quantidade de conceitos que
poderão ser retirados nesse contexto e como será discutido a problemática, cujo foco é a
vida humana comparada, aliás, inferior a de um animal como o porco.
Investigação
Depois de sensibilizar um tema, chegamos à questão norteadora e,
posteriormente, encontramos soluções para a problemática. Investigar é buscar
ferramentas conceituais na história da Filosofia. Nesse contexto, nota-se que devemos
dividir esse problema a fim de que ele possa ser compreendido racionalmente. Para isso,
devemos recorrer à história da Filosofia, aos seus pensadores mais renomados e a
determinados textos, para que possamos fazer a investigação. Nessa proposta didática,
existe certo percurso para direcionar o interesse à compreensão do estudante.
A investigação é, portanto, a forma que vai definir um caminho seguro para
assegurar os conceitos e produzir o conhecimento sobre algo e, dessa forma, construir
ciência sobre a investigação filosófica. Por esse viés, temos a partir da sensibilização e
problematização o percurso traçado da investigação, ou seja, o momento de reflexão dos
estudantes, é exatamente, o momento da investigação. Assim, os estudantes podem
pensar em possíveis soluções para problemas levantados, tal como a do vídeo em
questão.
Conceituação
Essa etapa é a efetivação da atitude filosófica, pode-se dizer que é a forma de
criar um conceito? Pode ser que, se pensarmos vitalmente no problema e tendo lido um
determinado filósofo, encontremos conceitos similares a nossa experiência de
pensamentos. Isso significa uma recriação do conceito, pois, quando é deslocado o
problema de determinado filósofo no nosso cotidiano, existe uma transformação para a
nossa realidade. Assim, retoma-se uma ideia e se constrói a reflexão filosófica. Desse
modo, desenvolve-se a experiência filosófica.
A conceituação é o ato de descobrir, na história da Filosofia, determinados
conceitos que nos ajudam a deslocá-lo para o nosso referencial. Nessa etapa da
investigação, não se encontra uma ligação direta com a realidade, mas se encontrarão
semelhanças com a problematização atual. Retrabalhando esses conceitos, teremos uma
perspectiva mais criativa, melhor produzida no encaixe do problema, outra possibilidade
é de que, não encontrado um conceito que se relacione com o nosso problema, teremos
que criar uma nova perspectiva para o seu direcionamento.
A conceituação permitirá formas que nos direcionem e nos coloquem em contato
com uma perspectiva racional do pensamento e uma articulação lógica, concomitante
com a transformação de determinado problema em um conceito. Portanto, na Filosofia,
essa especificidade de criação faz com que o próprio pensar esteja em jogo e determine
o pensar sobre o pensamento.
Afinal, pensar não é apenas uma dimensão, mas o próprio ato de pensar e
perguntar que sentido tem pensar algo, e não, outra coisa, e o que aconteceria se
pensássemos diferentemente. Para reforçar esse argumento, temos a análise de como
seria o mundo, caso os nazistas tivessem ganhado a segunda guerra mundial. Essa seria
outra forma de pensar conceitualmente sobre as coisas. E isso é uma experiência
fundamental do pensamento. É um golpe de mestre, que nos permite dar um novo início
à Filosofia. De acordo com Gallo (1999, p.14), “O filósofo da educação deve ser um
criador de conceitos. Mas o que o diferencia dos demais filósofos? “Absolutamente
nada, a não ser seu mergulho no território da Educação, que nem todo filósofo pode ou
deseja fazer.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É notório que existem perspectivas fundamentais para o ensino, como por
exemplo: como desenvolver as habilidades de leitura e de escrita em um ensino que não
prioriza esse exercício do pensamento? É fato que as crianças, adolescentes, jovens e
adultos lêem mal e escrevem mal. Então, a aula de Filosofia além de assumir a
perspectiva de pensar, temos a tarefa de vencer a aversão à leitura e à escrita a partir de
reflexões interessantes.
O método utilizado nesse estudo foi realizado na referida escola e verificado sua
eficácia na construção da cidadania dos inseridos nesta experiência filosófica, haja vista
a Filosofia, apesar da complexidade, ser aplicada ao cotidiano desses envolvidos.
A Filosofia só conseguiu fazer-se história porque as experiências dos
pensamentos foram traduzidas em textos e desenvolvidas na cultura das diversas
pessoas.
Portanto, é preciso que, ultrapassando a experiência do pensamento conceitual, a
Filosofia possa traduzir-se nas experiências dos textos escritos, para que qualquer
pessoa tenha acesso a esse entendimento, interiorizando mentalmente uma forma de
conceituação e tradução em diversas palavras de um determinado grupo ou cultura, mais
do que isso, elaborar palavras em uma lógica escrita, assim como, disseminar as ideias
para outras pessoas.
REFERÊNCIA
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DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é filosofia? Tradução de
Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992;
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática
educativa. 7ª Edição. Editora Paz e Terra. Coleção Leitura;
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