Células PESQUISA Tronco-Embrionárias Células tronco-embrionárias e a geração de modelos animais para doenças genéticas humanas Alexandre Kerkis Professor visitante do Departamento de Biologia do Instituto de Biociências USP. Marina Soukoian Professora visitante do Departamento de Biologia do Instituto de Biociências USP. Irina Kerkis Professora visitante do Departamento de Biologia do Instituto de Biociências USP. Christian Merkel Aluno de Mestrado do Programa Interunidades em Biotecnologia IPEM Butantã ICB - USP. Marco R. B. Mello Aluno de Doutorado do Departamento de Reprodução Animal, Faculdade de Veterinária e Zootecnia - USP. Lygia da Veiga Pereira Professora Assistente do Departamento de Biologia do Instituto de Biociências USP. [email protected] Fotos cedidas pelos autores 20 mantidas em seu estado não diferenciado por múltiplas divisões celulares. Por outro lado, essas células podem ser induzidas a iniciar um programa de diferenciação in vitro. Por exemplo, quando cultivadas em suspensão, as células ES formam espontaneamente agregados de células diferenciadas chamados corpos embrióides (Ebs - do inglês, embryoid bodies), que simulam o desenvolvimento de um embrião pré-implantado. Através de análises morfológicas, imuno-histoquímicas e moleculares, encontrase uma grande variedade de linhagens embrionárias dentro dos EBs hematopoética, neuronal, endotelial, cardíaca e muscular (Ling e Neben, 1997) (Figura 1c, d). Essas propriedades das células ES levaram ao seu uso como modelo in vitro de desenvolvimento embrionário precoce. Nelas, podem ser estudados os mecanisFigura 1: Células ES. mos de diferenciação celular, o (A) Blastócisto de processo de iniciação da inaticamundongo. O asterisvação do cromossomo X, e os co indica o botão efeitos de substâncias tóxicas e embrionário. (B) Células biologicamente ativas no deES em cultura. As setas senvolvimento embrionário in indicam grumos contenvitro. do dezenas de células ES. (C) Corpo Modelos animais para embrióide. (D) Análise doenças genéticas histológica de corpos humanas: embrióides contendo diferentes estruturas e Nos últimos anos, células ES tipos celulares: cavidade vêem sendo utilizadas para procística (cc); adipócitos duzir camundongos transgêni(ad); músculo (m); fibras cos e modelos animais de dode colágeno (cl); enças genéticas humanas. Escondrócitos (cd); precurses modelos animais são imsores sanguíneos (os) portantes ferramentas para o inhagens de células tronco embrionárias (células ES do inglês embryonic stem) são células não diferenciadas, derivadas do botão embrionário de blastócistos, que têm como característica principal pluripotência (Evans e Kaufman, 1981; Martin, 1981) (Figura 1a, b). Ou seja, quando reintroduzidas em um blastocisto, as células ES possuem capacidade de retomar o desenvolvimento normal, colonizando diferentes tecidos do embrião, incluída a linhagem germinativa. Somente aquelas linhagens de células ES capazes de colonizar a linhagem germinativa de um embrião são consideradas altamente pluripotentes. Quando cultivadas em condições específicas, as células ES podem ser Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 20 - maio/junho 2001 pela versão mutada do mesestudo das patologias associmo gene, construída no laadas com uma doença especíboratório (Figura 2). Dessa fica, além de servirem como forma, são obtidas linhagens um sistema no qual podem de células ES geneticamente ser testadas, novas terapias. O modificadas. Essas são agrerecente desenvolvimento de gadas a mórulas de camuntécnicas de manipulação do dongos in vitro e, assim, ingenoma de camundongos faz corporadas ao embrião (Fido camundongo transgênico gura 3). Os camundongos o melhor sistema disponível resultantes serão quimeras para o estudo de doenças geformadas de células do emnéticas humanas (Capecchi, brião recipiente e das células 1989). ES recombinantes. Se essas A propagação pela linhaúltimas colonizarem a linhagem germinativa de DNA migem germinativa dos animais croinjetado no pronúcleo de quiméricos, a mutação será ovos fertilizados de camunentão transmitida às novas dongos foi descrita, pela priFigura 2: Recombinação homóloga. Exons gerações de camundongos meira vez, em 1980 (Gordon estão representados por retângulos, íntrons (Figura 4). et al., 1980). Essa metodolopor linhas azuis. O vetor de recombinação A capacidade de modifigia faz com que várias cópias homóloga possui duas regiões de homologia car regiões específicas do do transgene injetado se inteao gene alvo (homol. 5 e 3). O pareamento genoma do camundongo por grem em tandem em um sítio dessas regiões com as regiões homólogas do recombinação homóloga peraleatório no genoma e sejam lócus endógeno permite que duas mite a criação em potencial transmitidas de forma Menderecombinações recíprocas levem à substituide camundongos com qualliana. Desde então, a microinção de um exon (cinza) pela cassete de quer genótipo desejado. O jeção pronuclear tem sido utiexpressão neo. A detecção do evento de vetor mais comumente usalizada geração de modelos recombinação homóloga é feita por Southern do para recombinação hoanimais para várias doenças blot de DNA genômico das colônias de móloga é o chamado vetor genéticas dominantes, inclucélulas ES. Uma sonda externa à região de de substituição de seqüênindo osteogenesis imperfecta homologia (barra verde) é utilizada em DNA cia, que contém o gene de (Bonadio et al., 1990), através digerido com a enzima de restrição EcoRI resistência à neomicina (neo) da inserção de um alelo muta(E). A substituição do exon por neo introduz flanqueado por seqüências do - o transgene - no genoma um sítio de EcoRI no locus, gerando uma homólogas ao gene alvo (Cado camundongo. banda menor referente ao alelo mutado. pecchi, 1989) (Figura 2). AtraNo entanto, esse método Uma colônia recombinante é detectada (*) vés de dois eventos de reapresenta algumas limitações. combinação recíprocos, esse Por causa do sítio aleatório de tipo de vetor media a substiintegração do transgene, este tuição das seqüências endópoderá não estar sob o congenas de DNA pelas seqüêntrole de todos os elementos cias exógenas contidas no vetor (Fiem cis que controlam a expressão do veis a efeitos de dosagem gênica. gura 2). Assim, são criadas mutações gene endógeno. Assim, a expressão em loci específicos do genoma do temporal e espacial do transgene não Manipulação do genoma camundongo. seguirá o padrão de expressão do do camundongo através gene endógeno. Além disso, a introde células ES: Mutação condicional dução de um terceiro alelo - o transsistema CRE-loxP: gene mutante - cria uma situação Recentemente, a combinação do artificial no que diz respeito à pro- cultivo de células ES e da recombinaOutro tipo de vetor desenvolvido porção entre os transcritos normais e ção homóloga resultou na criação de os mutantes. Enquanto uma pessoa um método alternativo e mais preci- ainda mais recentemente utiliza o com uma doença genética dominan- so para manipular o genoma do sistema de recombinação em bactérias CRE-loxP (Chambers, 1994). te possui um alelo normal e um camundongo. mutado, o camundongo transgênico As células ES podem ser modifi- Nesse microorganismo, duas seqüênpossuirá dois alelos endógenos nor- cadas geneticamente, em cultura, atra- cias específicas de 38 pb, denominamais e diversas cópias do alelo mu- vés da recombinação homóloga, pro- das loxP, são reconhecidas pela protante (transgene). Essa proporção cesso que promove a substituição do teína CRE do bacteriófago P1. Por pode ser crítica em doenças suscetí- alelo normal de um gene específico meio da recombinação entre duas Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 20 - maio/junho 2001 21 caras e podem ser usadas sequências loxP, a protedurante um tempo limitaína CRE promove a remodo, por já estarem em culção da seqüência de DNA tivo há a um período reladentre estas sequências, tivamente longo. Assim, resultando em uma delepara a produção a longo ção. prazo de animais transgêO sistema CRE-loxP nicos é fundamental a pode ser usado junto com obtenção de novas linhaa recombinação homólogens de células ES. ga para se criarem mutaNós estabelecemos três ções no genoma do canovas linhagens de célumundongo (Chambers, las ES a partir do botão 1994). Nesse caso, o veembrionário de blastócistor de recombinação contos de camundongos 129/ tém, além da cassete de Sv (pelagem agouti): USPexpressão neo, duas se1, USP-2 e USP-3. Sua pluqüências loxP delimitanripotência foi avaliada in do a região a ser deletada vitro através de testes con(Figura 5). O primeiro vencionais. Eles incluíram evento de recombinação a cariotipagem das céluhomóloga introduzirá as Figura 3: Sistema de recombinação CRElas, a atividade de fosfataseqüências loxP nos sítiloxP. Seqüências loxP estão representadas por se alcalina e a capacidade os específicos do gene triângulos verdes. O primeiro evento de das células de formarem alvo. Um segundo evento recombinação homóloga introduz os sítios loxP EBs complexos. Essas três de recombinação, mediaentre o exon a ser deletado. Em um segundo linhagens apresentaram do pela proteína CRE, leevento, a expressão da proteína CRE irá mediar cariótipo 40, XY normal, vará à deleção a região do a recombinação entre os dois sítios loxP, alta atividade de fosfatase alelo recombinante flandeletando a seqüência entre eles. A expressão alcalina, e formaram EBs queada pelas seqüências de CRE pode ser controlada de forma que complexos, com diversos loxP. induza a recombinação somente em tecidos ou tipos celulares e cardiomiA recombinação meestágios de desenvolvimento específicos do ócitos pulsantes, demonsdiada por CRE pode ser camundongo trando um alto grau de feita ainda nas células ES diferenciação (Figuras 1 e em cultura, através da 6). Estas características inexpressão transiente de CRE que há nelas. Uma vantagem quando presentes desde a concep- dicam um alto nível de pluripotência desse sistema é que, com ele, o gene ção ou em todos os tecidos do ani- das novas linhagens de células ES USP-1, USP-2 e USP-3. neo não fica inserido no gene alvo. A mal. Foi avaliada a capacidade da lipresença de neo em íntrons de genes A combinação dessas estratégias pode introduzir seqüências que atra- de manipulação do genoma do ca- nhagem USP-1 de popular a linhapalhem o splicing correto do gene mundongo, quando realizadas em gem germinativa de animais quiméalvo, ou que, de alguma ou outra células ES, permitem a criação de ricos. Através da agregação e do cocultivo das células USP-1 com móforma, diminuam o nível de expres- linhagens de animais mutantes. rulas de animais CD-1 (pelagem bransão do alelo mutado ou de genes na ca), foram gerados animais quimérisua proximidade. Esse tipo de efeito Estabelecimento de novas cos (Figura 3). O nível de quimerisjá foi descrito em alguns genes (Pelinhagens de células ES: mo, estimado a partir da coloração reira et al., 1997; Pereira et al., 1999). Alternativamente, o segundo Um parâmetro crítico para uso de da pelagem dos animais, variou de 0 evento de recombinação pode ser células ES na geração de modelos a 100%. Os animais mais compostos realizado in vivo. Dessa forma, con- animais é a sua pluripotência, que de células derivadas das células USPtrolando-se o padrão temporal e o pode ser perdida durante o cultivo 1, de pelagem predominantemente espacial da expressão de CRE, pode- prolongado. O uso de linhagens en- agouti, foram cruzados com fêmeas se controlar o período de desenvol- velhecidas dessas células pode levar CD-1. Como a pelagem agouti é vimento e os tecidos onde a mutação a uma baixa freqüência de recombi- dominante sobre a pelagem branca será induzida, o que chamamos de nação homóloga e à não colonização dos animais CD-1, a pelagem agouti mutação condicional. Esse sistema é da linhagem germinativa de animais da ninhada resultante demonstrou a utilizado quando se deseja estudar o quiméricos (Nagy e Rossant, 1993). colonização da linhagem germinatiefeito de mutações que são letais Células ES murinas comerciais são va dos animais quiméricos pela li22 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 20 - maio/junho 2001 nhagem de células ES USP-1 (Figura 4). Essa linhagem está, no momento, sendo utilizada para gerar um modelo animal para a síndrome de Marfan. Geração de um modelo animal para a síndrome de Marfan: A síndrome de Marfan (SMF) é a mais comum das doenças genéticas do tecido conjuntivo. Herdada de forma autossômica dominante, essa síndrome tem uma incidência de, aproximadamente, 1 em 10.000 indivíduos (McKusick, 1955). O fenótipo da SMF é 100% penetrante, e suas manifestações clínicas afetam primariamente três áreas: esquelética (crescimento excessivo dos membros, hiperextensibilidade articular, escoliose e deformidades na região anterior do tórax); ocular (ectopia lentis, miopia e deslocamento da retina); e cardiovascular (dilatação da raíz da aorta, dissecção da aorta, prolapso da válvula mitral e regurgitação mitral). A sobrevida de pacientes com a SMF é de, aproximadamente, dois terços do normal - 40 anos na média. Em 90% dos casos, a morte é causada por falha cardiovascular (McKusick, 1955). O diagnóstico precoce seguido de intervenção médica leva a um prolongamento da sobrevida. A SMF é causada por mutações no gene FBN1. Esse gene codifica a fibrilina-1, componente estrutural mais abundante das microfibras na matriz extracelular. As microfibras estão largamente distribuídas pelo organismo e se encontram associadas à elastina nas fibras elásticas. Acredita-se que mutações no gene FBN1 geram o fenótipo da SMF através do modelo dominante-negativo (Dietz et al., 1993). Segundo esse modelo, proteínas mutantes interagem com as fibrilinas normais, incorporando-se às microfibras e perturbando, assim, sua organização e integridade. Ainda de acordo com esse modelo, os indivíduos portadores de um alelo mutante com uma expressão de fibrilina-1 mais baixa podem apresentar um fenótipo menos severo da doença devido à prevalência de fibrilinas normais produzidas a partir do alelo normal (Pereira et al., 1997). A identificação de uma proteína altamente homóloga à fibrilina-1, denominada fibrilina-2, levou à classificação destas como uma nova família de proteínas extracelulares: fibrilina1, produto do gene FBN1; e fibrilina2, produto do gene FBN2. Estudos dos padrões de expressão desses dois genes durante a embriogenia mostram que estes são expressos de maneiras diferentes, tanto em termos de distribuição em tecidos quanto de estágios de desenvolvimento (Zhang et al., 1995). Em geral, mRNAs da fibrilina-2 aparecem mais cedo e se acumulam por um período mais curto de tempo do que os da fibrilina-1. Síntese de fibrilina-1 está relacionada com o período mais tardio da morfogenese e com o aparecimento de estruturas mais definidas. Por outro lado, a síntese da fibrilina-2 coincide com etapas iniciais da morfogenese, em particular com o começo da elastogenese. Logo, as microfibras morfologicamente homogêneas são, na verdade, heterogêneas, no que diz respeito à sua composição por diferentes fibrilinas. Com base nesses resultados, foi proposto que as fibrilinas têm funções distintas, porém relacionadas, na fisiologia das microfibras. Segundo essa teoria, a fibrilina-1 provê principalmente suporte e força, enquanto a fibrilina2 tem uma função principal na regulação do processo inicial da formação da fibra elástica (Zhang et al., 1995). Para estudarmos a função específica de cada fibrilina na formação da fibra elástica e na manutenção da integridade de diversos tecidos, e os mecanismos de patogênese envolvidos na SMF, criamos camundongos com diferentes mutações no gene Fbn1, homólogo ao gene FBN1 humano, através da recombinação homóloga em células ES (Figura 7). D: Linhagem mgD Figura 4: Geração de animais quiméricos. Células ES derivadas de um animal agouti são cocultivadas com mórulas de um animal de pelagem branca. As células se integram ao embrião, e os animais resultantes são quimeras, compostas de células derivadas do embrião receptor e de células derivadas das células ES A primeira linhagem (mgDD) possui uma substituição dos exons 19-24 do gene Fbn1 por um cassete de expressão do gene da neomicina (neo) (Pereira et al., 1997) (Figura 7). Esta mutação levou à produção de monômeros de fibrilina-1 com uma deleção interna, porém, devido à presença de neo no íntron 18, com um nível de expressão 10 vezes menor do que o do alelo normal. Assim, a mutação mgD representa uma combinação de uma mutação estrutural e hipomórfica. Em acordo com o modelo dominante-negativo, animais heterozigotos não apresentam nenhum fenótipo, provavelmente devido ao excesso de fibrilinas normais em relação à forma mutante. Por outro lado, animais homozigotos mgD/mgD morrem de complicações cardiovasculares durante as duas primeiras semanas de vida pós-natal. A histopatologia da parede vascular desses animais é extremamente similar àquela de pacientes com SMF, com a mesma Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 20 - maio/junho 2001 23 Figura 5: População da linhagem germinativa das quimeras pelas células ES. Animais quiméricos cruzados com fêmeas CD-1 (pelagem branca) deram origem a uma ninhada de animais de pelagem agouti. Isso indica que a linhagem germinativa das quimeras foi populada pelas células ES e, assim, o genótipo dessas células foi transmitido à prole fragmentação das fibras elásticas. Mesmo assim, em tecidos não afetados, as fibras elásticas são morfologicamente normais. A conclusão mais importante desse estudo foi a de que, mesmo na ausência de fibrilina-1 normal, há formação da fibra elástica (Pereira et al., 1997). Assim, confirmamos a hipótese de que na verdade, a fibrilina2 expressa mais cedo, durante o desenvolvimento embrionário, dirige o depósito de elastina na formação da fibra elástica, e que a fibrilina 1 teria um papel posterior na manutenção da integridade e no suporte dessas fibras. Linhagem mgR: O segundo alelo Fbn1 mutante (mgR) foi criado através da inserção do gene neo entre os exons 18 e 19 (Pereira et al., 1999) (Figura 7). Apesar dessa inserção não causar nenhuma perda de seqüência do gene Fbn1, ela leva a uma redução de 5 vezes na expressão do alelo mutado. Figura 7: Mutações no gene Fbn1 geradas por recombinação homóloga em células ES. A proteína fibrilina está esquematizada. Regiões em cinza correspondem àquelas modificadas nos alelos mutantes. Exons 1, 17 a 28 do gene selvagem (Fbn1wt) estão representados. O alelo mgD consiste na substituição dos exons 18 a 24 pela cassete de expressão neo, o que leva à produção de monômeros de fibrilina com uma deleção interna, porém em baixa quantidade. O alelo mgR é uma inserção dessa cassete no íntron 18 do gene Fbn1, resultando na baixa expressão de fibrilina normal a partir desse alelo. O alelo Fbn10 é um alelo nulo do gene Fbn1. Nele, parte do exon 1, incluído o códon de início de tradução (ATG) e a seqüência codificadora do peptídeo sinal, foi substituída pelo gene repórter da fosfatase alcalina humana (hFA) e a cassete de expressão neo. O gene hFA fica colocado sob controle do promotor do gene Fbn1 (seta) 24 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 20 - maio/junho 2001 Assim, o alelo mgR consiste em uma mutação hipomórfica que produz 20% de moléculas de fibrilina1 normais. Como esperado, animais heterzigotos mgR/+ são normais. Em contraste, camundongos homozigotos mgR/mgR desenvolvem cifose severa e morrem abruptamente de falha do sistema cardiovascular até os três meses de idade. Esses animais mutantes também apresentam hérnia de diafragma e ossos alongados, similar a pacientes com SMF. A análise histopatológica dos animais mgR/mgR revelou uma participação importante da resposta inflamatória na progressão das manifestações vasculares da mutação (Pereira et al., 1999). Assim, esses estudos sugerem que a inibição dessa resposta em indivíduos com a SMF pode retardar as manifestações da doença no sistema cardiovascular. Fbn10: Finalmente, uma terceira mutação no gene Fbn1 foi gerada em nosso laboratório nas células ES USP-1: um alelo nulo (Fbn10) (Figura 7). Para isso, o vetor de recombinação homóloga foi construído de maneira que promovesse uma substituição de parte do exon 1 do gene Fbn1 pelo gene repórter da fosfatase alcalina e pela cassete de expressão neo. Espera-se que a deleção do códon de iniciação de tradução e da seqüência codificante do peptídeo sinal, presentes no exon 1, irá inviabilizar a tradução correta da fibrilina-1. Além disso, a presença do gene repórter da fosfatase alcalina sob controle do promotor endógeno do gene Fbn1 facilitará a análise da expressão temporal e espacial desse gene em animais heterozigotos. Perspectivas: Nos últimos 10 anos, células ES de camundongo tornaram-se um poderoso instrumento de pesquisa. Nelas são estudados os mecanismos de diferenciação celular e os Figura 6: Caracterização da linhagem USP-1 de células ES. (A) Cariótipo. (B) Análise de atividade de fosfatase alcalina (FA). Grumos de células escuras indicam alta atividade de FA eventos iniciais do desenvolvimento embrionário, reproduzidos por essas células diferenciadas in vitro. As linhagens estabelecidas em nosso laboratório estão sendo utilizadas também para o estudo in vitro do efeito de novas substâncias nesse estágio de desenvolvimento. Além disso, a capacidade de células ES de se diferenciarem em qualquer tipo de tecido representa um enorme potencial de aplicação médica. Sob condições específicas, induzidas a se diferenciarem in vitro, em um tipo celular determinado, elas poderão, no futuro, ser uma fonte ilimitada de tecidos para transplante no tratamento de doenças. Um passo importante nessa direção foi o estabelecimento de linhagens de células ES humanas (Thomson et al., 1998). Agora, experimentos realizados com células ES murinas poderão ser repetidos e adaptados às linhagens humanas. Finalmente, estamos vivendo o momento histórico do final do seqüenciamento do genoma humano. A análise da primeira versão completa do genoma humano identificou, aproximadamente, 30.000 genes (Lander et al., 2001). Desses, uma grande proporção não tem função conhecida. O grande desafio da era pós-genoma será determinar a função gênica. Uma estratégia poderosa para o estudo de função gênica in vivo é a geração de mutantes. No caso de genes humanos, modelos em camundongos são utilizados devido à nossa capacidade de manipulação do genoma desse animal através da recombinação homóloga em células ES. A implementação desse instrumental de pesquisa no Brasil permitirá seu uso pelos diversos grupos envolvidos no estudo de função gênica. REFERÊNCIAS Capecchi, M.R. (1989). The new mouse genetics: Altering the genome by gene targeting. Trends in Genetics, 5: 70-6. Chambers, C.A. (1994). TKOed: Lox, stock and barrel. BioEssays, 16: 865-8. Dietz, H.C., McIntosh, I., Sakai, L.Y., Corson, G.M., Chalberg, S.C., Pyeritz, R.E., and Francomano, C.A. (1993). Four novel FBN1 mutations: significance for mutant transcript level and EGF-like domain calcium binding in the pathogenesis of Marfan syndrome. Genomics, 17:468-75. Evans, M. and Kaufman, M. (1981). 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