Público 24­09­2013 Periodicidade: Diário Temática: Cultura Classe: Informação Geral Dimensão: 998 Âmbito: Nacional Imagem: S/Cor Tiragem: 51453 Página (s): 34 a 35 Marquesa de Merteuil e visconde de Valmont num jogo de mútua destruição Depois do livro dos filmes e da peça As Ligações Perigosas deu agora também uma ópera do italiano Luca Francesconi este ano compositor residente na Casa da Música Quartett estreia se com encenação de Nuno Carinhas Ópera Sérgio C Andrade em Paris É um grande privilégio Num estrado elevado sobre o palco há uma cama três cadeiras cinco espelhos e um tabuleiro com uma garrafa e duas taças… É este o dis positivo cénico da nova versão de Quartett a ópera do compositor ita liano Luca Francesconi adaptação de um texto do dramaturgo alemão Heiner Müller que na origem teve um romance epistolar do escritor francês Choderlos de Laclos cuja notoriedade foi sendo ampliada por sucessivas adaptações ao cinema a mais conhecida das quais foi a que o inglês Stephen Frears realizou há um quarto de século com os acto res americanos John Malkovich e Glenn Close como protagonistas É já pois longa a história que precede a produção que hoje à noi te 21h se estreia na Casa da Mú sica e que tem a particularidade de associar o nome do encenador português Nuno Carinhas a essa extensa linhagem Estava na hora de poder voltar a encenar uma ópera mesmo se com este constrangimento de tem po e de meios diz o director artís tico do Teatro Nacional São João a quem António Jorge Pacheco seu congénere na Casa da Música de safiou a assumir esta nova aventura depois de para ela ter já ence nado O Amor Industrioso de João de Sousa Carvalho antes ainda da construção do edifício ferentes A beleza da criação viva A ópera Quartett que hoje chega ao Porto e que no próximo fim de semana será levada ao Festi val de Música de Estrasburgo é a terceira versão da obra de Luca Francesconi Em Abril de 2011 foi estreada no Teatro alla Scala de Milão numa complexa encenação do catalão Àlex Ollé da companhia La Fura dels Baus em Março deste ano foi apresentada em versão de concerto pelo Ensemble Intercon temporain na Cité de la Musique Mundial e uma experiência muito rica ter uma ópera que circula por vários palcos e é lida por encenadores di disse ao PÚBLICO Luca Francesconi no final da semana passada no intervalo de um ensaio parcelar do espectáculo Nessa sexta feira Nuno Carinhas e o compositor italiano trabalhavam ainda em salas separadas o ence nador com os dois intérpretes bri tânicos de Quartett a soprano Alli son Cook Marquesa de Merteuil e o barítono Robin Adams Visconde de Valmont apenas acompanha dos por um piano Francesconi apurando a música com o Remix Ensemble dirigido pelo maestro Brad Lubman antes dos ensaios conjuntos do fim de semana Ainda não sei o que é que Nu no Carinhas vai trazer de novo à minha ópera é essa a beleza da criação viva dizia Francesconi realçando contudo que os dois cantores os mesmos que tinham feito a estreia em Milão se tinham já mostrado entusiasmados com a abordagem do encenador portu guês Disseram me que descobri ram coisas novas e que agora com preendem muito melhor o sentido daquilo que cantam acrescentou o compositor Nuno Carinhas fez questão de notar que só vira meia dúzia de imagens da encenação do Scala que teve um dispositivo cénico altamente high tech com uma es pécie de caixa negra suspensa no palco e um grande aparato sonoro e fílmico em volta A minha encenação é o contrá rio disso é teatro puro e duro disse Carinhas acrescentando que não se quis deixar contami nar De resto normalmente evi ta ver as encenações anteriores das peças que vai abordar Além de que está a trabalhar naquilo a que em inglês diz chamar se uma semi stage Segundo al guns chama se assim quando há pouco dinheiro para a produção diríamos uma leitura encenada acrescentou o encenador rindo Carinhas lembra se de ter con tactado pela primeira vez com o texto de Heiner Müller quando ele foi encenado em Lisboa no Acarte por Jorge Silva Melo com Glicínia Quartim É uma peça pela qual nunca me apaixonei não é daque las coisas que eu daria a vida para fazer nota Para a presente encenação da ópera o director artístico do São João explica que começou por re gressar ao texto original de Choder los de Laclos que releu no Verão Depois concentrou se no libreto de Francesconi Este libreto é a minha peça Vim encontrar aqui as perso nagens extraordinariamente bem vertidas para a linguagem da música que de facto está à altura delas Tal como na peça de Heiner Müller o libreto do compositor italiano as senta no confronto e jogo de duas personagens a marquesa de Mer teuil e o visconde de Valmont Eu não quis escrever um roman ce Lancei sobre o palco dois cor pos em conflito com diferentes in terpretações da vida e do mundo diz Francesconi explicando que para além da texto de culto de Heiner Müller que classifica co mo o maior dramaturgo do século XX depois de Brecht recorreu a Shakespeare Comecei a estudar Shakespeare como uma espécie de livro escolar Ele tem lá dentro uma máquina a máquina do teatro que é baseada justamente na máquina da ambi guidade humana Francesconi diz que o teatro de Heiner Müller tem um dispositivo idêntico Ele dizia que entre a máquina e o animal há um espaço misterioso que é o ho mem um ser perdido entre esses dois mundos e sem futuro Prin cipalmente depois do fim das uto pias decorrente da queda do Muro de Berlim uma realidade que está bem reflectida na obra do drama turgo alemão Na ópera como na peça de Mül ler a acção decorre num espaço in definido entre um salão aristocrata anterior à Revolução Francesa e um bunker após a 3 ª Guerra É uma acção em 13 cenas em que a marquesa e o visconde selando Público 24­09­2013 Periodicidade: Diário Temática: Classe: Informação Geral Dimensão: 998 Âmbito: Nacional Imagem: Tiragem: 51453 Página (s): 34 a 35 um pacto extremo abolem o amor na esperança de conquistarem o domínio sobre si próprios e sobre os outros escreve o compositor no programa de Quartett A acção musical que é assegu rada tanto pela prestação em pal co do Remix Ensemble como pelo som gravado da Orquestra do Scala de Milão decorre em três espa ços e níveis dramatúrgicos Come ça no espaço claustrofóbico do casal como uma espécie de peep show diz Francesconi passa por um momento de algum sincerida de e humanidade em que as vozes dos cantores se ouvem apenas em gravação como se fossem a expres são do pensamento e depois de um episódio de destruição mútua Cultura S/Cor termina na rua no espaço aberto e infinito da natureza A ópera é também uma enorme máquina um laboratório de alqui mia onde esta Babel de impulsos e linguagens consegue encontrar um estado de fusão escreve Luca Fran cesconi que assume na sua escrita musical a influência do seu compa triota Luciano Berio de quem foi assistente durante quatro anos Quartett é a quinta obra de Fran cesconi que a Casa da Música apre senta neste Ano Itália no Portrait que dedica ao compositor e que in cluirá ainda a apresentação de duas novas peças a última delas um concerto para piano e orquestra terá estreia mundial na Sala Suggia no dia 19 de Outubro