2º SEMINÁRIO NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO EIXO 2 – TRABALHO E FORMAÇÃO EM SAÚDE RODA DE CONVERSA: O TRABALHADOR DA SAÚDE: ESTRATÉGIAS FRENTE ÀS VULNERABILIDADES E ADOECIMENTO Dia 06/08/2009 – 14h ÀS 16h30 PROPOSIÇÃO: “PARA UMA POLÍTICA DE ENFRENTAMENTO DO SOFRIMENTO PSÍQUICO DOS TRABALHADORES DA SAÚDE NA ATENÇÃO ONCOLÓGICA: a experiência Balint-Paidéia na Atenção ao Vínculo e Comunicação de Más-notícias Liliana Planel Lugarinho – INCA – Divisão de Saúde do Trabalhador Priscila Magalhães – Coordenação da PNH no INCA 1. A questão-sintoma: Levantamento realizado no mês de junho de 2009 pela Divisão de Saúde do Trabalhador do INCA sobre as principais causas diagnósticas das licenças por adoecimento dos trabalhadores do Instituto (funcionários públicos e celetistas), constata que dos 159 trabalhadores licenciados, 32% encontram-se afastados de suas funções por algum histórico de adoecimento que se enquadra na nomenclatura do CID-10 entre os sintomas classificados como transtornos mentais e comportamentais (F-00 a F-99); Além desses casos, a prática médica e psicológica no cotidiano dessa Divisão, tem encontrado significativo número de trabalhadores que, mesmo sem estarem licenciados, apresentam algum tipo de queixa ligada ao sofrimento psíquico. São casos cujo discurso recorrente se refere à experimentação de quadros depressivos e que podem ser ocasionados por questões de ordem pessoal, mas que são constantemente agravados pelo contato maciço com as situações de adoecimento grave como são os casos dos pacientes do INCA, portadores de câncer e que apresentam importantes seqüelas da doença e dos tratamentos: feridas, deformações e mutilações. Esse sofrimento é intensificado quando se trata de crianças e adolescentes e pelo freqüente contato com a morte dos pacientes; Cresce a informação sobre os casos de abuso de substâncias psico-ativas e seu encaminhamento à Divisão de Saúde do Trabalhador para tratamento, após ações de sensibilização das chefias; Cresce a disseminação do uso de ansiolíticos e anti-depressivos não só entre profissionais ligados à assistência como entre técnicos administrativos e operacionais. 2. A questão em análise: O avanço dos meios diagnósticos e de tratamento oncológico vem expandindo o campo das patologias passíveis de prevenção ou curáveis. Mesmo assim, o câncer ainda carrega no imaginário social uma intensa carga de ameaça de morte. É freqüente que um diagnóstico de carcinoma in situ ou um nódulo aparentemente benigno na mama seja entendido por muitas mulheres como um caminho sem volta para o câncer e vivido com intensa angústia de morte. Por sua vez, nos casos em que a doença é de fato diagnosticada em estádio avançado e que chegam aos hospitais com prognóstico reservado, a falta de preparo dos profissionais para a comunicação e o suporte emocional aos pacientes gera silenciamentos, falsas promessas de cura ou comunicações abruptas de prognósticos adversos, com sérios prejuízos à relação terapêutica e sofrimento de difícil assimilação, tanto para os pacientes como para os profissionais. As situações de difícil manejo e convivência nos serviços de oncologia vão desde o impacto inicial do diagnóstico ao momento mais duro de esgotamento dos recursos de tratamento oncológico e a passagem aos cuidados paliativos exclusivos, que garantam a melhor qualidade possível ao fim da vida. Supõem ainda, na maior parte dos casos, efeitos adversos decorrentes do próprio tratamento, seja pela toxidade dos quimioterápicos, pelos efeitos colaterais da irradiação assim como de cirurgias que implicam em mutilações, gerando danos à auto-imagem e perda de capacidades funcionais que afetam profundamente a qualidade de vida dos pacientes e suas relações de trabalho, afetivas, familiares. Estar presente, acompanhar, dar suporte e também compartilhar e aprender com cada um dos pacientes exige uma disponibilidade e um preparo, de modo geral não oferecido pela formação dos profissionais de saúde. Essas situações são 2 muito intensificadas no atendimento à crianças e adolescentes, assim como nas situações de esgotamento dos recursos de cura atual e atingem, de forma variada todo o pessoal do hospital. Faltam espaços institucionais para o suporte ao sofrimento psíquico dos profissionais e a construção de redes solidárias e a habilitação para o enfrentamento das situações difíceis nos tratamentos. 3. O que se propõe? Articulação de Políticas Públicas de Saúde: Política Nacional de Humanização da Atenção e da gestão do SUS - PNH Política Nacional de Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde SIASS - Sistema de Atenção à Saúde do Servidor da Administração Pública Federal – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão 4. Quais as diretrizes? Política Nacional de Humanização As orientações gerais da PNH destacam a co-responsabilidade na gestão da clínica como fator de proteção e fomento do protagonismo dos trabalhadores. Valorizam: O fortalecimento do trabalho em equipe; O apoio à construção de redes solidárias e comprometidas com a produção de saúde e com a produção de sujeitos; O compromisso com a democratização das relações de trabalho e a valorização dos trabalhadores da saúde, estimulando processos de educação permanente; A atenção à ambiência, com a organização de espaços de trabalho saudáveis e acolhedores que favoreçam os encontros entre trabalhadores, gestores e usuários. Política Nacional de Saúde do Trabalhador / MS e SIASS Essas políticas convergem para objetivos relacionados à vigilância, prevenção, promoção e assistência e perícia ligados à saúde do trabalhador. Suas ações compreendem: Atenção integral à saúde; 3 Articulação intra e inter setorial; Estruturação da rede de informações em Saúde do Trabalhador; Apoio a Estudos e Pesquisas; Capacitação de Recursos Humanos; Participação da comunidade na gestão das ações. Conceitos com os quais opera: a noção de desgaste e cargas de trabalho, demarcando a perspectiva interativa entre o homem e os diferentes elementos presentes nos processos/ambientes de trabalho, levando a modos específicos de reação, adaptações e desgaste, ampliando a idéia de vulnerabilidade, risco e adoecimento; os conceitos de sofrimento como “sentimento de desprazer e tensão e dor” e de estratégias de defesa, definidas como as reações dos trabalhadores para enfrentamento, proteção e adaptação, das situações que se lhes apresentam como “riscos” em seu trabalho; e a categoria organização do trabalho, compreendendo o âmbito das relações – hierarquia, qualidade da interação com chefias e com os próprios pares , e aspectos da gestão do cotidiano de trabalho : ritmo, jornadas, pausas. Pressupostos em comum: O trabalhador da saúde produz saúde num espaço relacional e pluridimensional: assim, o trabalho pode ser tanto produtor de saúde como de mal-estar e adoecimento, para si e para os outros; No trabalho, a passagem da dor ao prazer transita num plano em que a criação é experiência coletiva porque implica o encontro consigo e com o outro; Para que o trabalho possa ser produtor de saúde deve-se tomá-lo como atividade humana que, sobretudo, se faz num processo contínuo de re-normatização de novos problemas e criação de novas estratégias. É nosso objetivo aumentar o grau de autonomia dos trabalhadores nos processos de pensar-fazer seu trabalho e o grau de abertura aos processos de criação, sustentando sempre a indissociabilidade entre atenção e gestão. 5. Situações de vulnerabilidade: Nas situações-limite, quando se esgotam os recursos técnicos do tratamento curativo, a equipe precisa buscar formas de cooperação e alternativas que preservem a qualidade de vida dos usuários e profissionais; 4 Segundo Ana Pitta , a equipe técnica tem dificuldades para lidar e comunicar ao paciente suas doenças e morte iminente e tentam de forma inconsciente ou não, escondê-las. Existe uma trajetória defensiva utilizada por esses profissionais, que faz com que, mesmo que saibam da morte certa do paciente a transformem em algo incerto. Fica clara a dificuldade em lidar com a morte fazendo com que isso comprometa não só o doente como a família, enfermeiros e médicos. Além disso, existe a dificuldade do profissional ter com quem falar sobre as questões relacionadas ao trabalho com câncer. As pessoas, os familiares e o próprio profissional julgam não ser adequado falar sobre o assunto câncer fóra das relações de trabalho. 6. Estratégias Iniciativas recentes: Projeto de Atenção ao Vínculo e Comunicação de Más Notícias no Tratamento Oncológico: Grupos Balint e uso do Protocolo S.P.I.K.E.S : Parceria: com o Hospital Israelita Albert Einstein – Portaria 3276 de 28/12/2007 – Hospitais de Excelência a Serviço do SUS. Público alvo: 120 profissionais de saúde –50% médicos - do INCA e mais 10 serviços de oncologia em hospitais federais e universitários nas áreas de ginecologia, mastologia, oncologia pediátrica e cuidados paliativos; Metodologia: recursos de trabalho sinérgicos Simulação Realística Grupo Balint Método Paidéia Dispositivos Correlatos o Clínica Ampliada o Projeto Terapêutico Singular o Equipe de Referência o Apoio Matricial Grupos Balint: “Não se tratava apenas de reconhecer intelectualmente a dimensão subjetiva das relações clínicas, mas antes de aprender a lidar com o fluxo de afetos inerentes a essas relações.” M. Balint 5 Grupos Balint-Paidéia: Instrumento de trabalho gerencial e para equipes que lidam situações de trabalho complexas e com questões de relacionamento. Discussão de casos clínicos pela equipe interdisciplinar mediada por um gestor/apoiador: o Espaço de trabalho protegido o Lidar com a subjetividade o Trocar idéias o Oferta teórica o Grupalidade solidária o Aumentar a capacidade de análise e intervenção o Compartilhar dificuldades e soluções o Aumentar o autoconhecimento Resultados alcançados: o Aumento do grau de sensibilização e o desenvolvimento de habilidades para a comunicação com pacientes e familiares em situações difíceis do tratamento; o Fortalecimento de redes colaborativas entre profissionais que atuam na atenção hospitalar em oncologia; o Produção de conhecimentos e desenvolvimento de tecnologias relacionais para o aprimoramento da prática clínica do SUS, consubstanciados na publicação de uma coletânea de ensaios e artigos de análise e divulgação da experiência; o Propostas de desdobramento e continuidade dos espaços coletivos de discussão interdisciplinar e clínica ampliada. Outras Iniciativas: DISAT: Grupos de escuta com funcionários licenciados; Readaptação funcional de funcionários com restrição laborativa; Grupos de escuta e conversa (diagnóstico e propostas) na oncologia pediátrica e HC IV - atenção domiciliar; Projetos “Mexa-se e tenha saúde” e “Vida Saudável” Massoterapia e Shiatsu 6 HumanizaINCA: Grupos de Trabalho de Humanização no HC II e HC III: discussão interdisciplinar de casos clínico-gerenciais; Clínica Ampliada na Pediatria Oncológica Treinamentos de trabalhadores terceirizados para o acolhimento; Oficinas de Comunicação de Más Notícias; Curso de Formação de Apoiadores Institucionais Produção de conhecimentos: 5 dissertações de mestrado sobre temas da humanização relacionados à formação, à gestão da clínica, à saúde e trabalho e à inovação tecnológica. 7. Conclusão: Para o enfrentamento do sofrimento psíquico e prevenção de doenças ocupacionais, deve haver um reconhecimento do problema e análise do trabalho já realizado, por todos os atores envolvidos. Ao promover momentos de encontro e discussão entre os vários profissionais, oferecendo-lhes a oportunidade de mostrar seu trabalho, expor sua dedicação ao paciente e os resultados obtidos, assim como os limites enfrentados nos tratamentos, estamos melhorando a qualidade da assistência aos doentes com câncer e as condições de trabalho dos profissionais. A compreensão do trabalho de cada um pela equipe deve caminhar no sentido da co-responsabilidade e da clínica ampliada. O sofrimento psíquico, inerente à atividade dos profissionais de saúde, pode ser transformado em desenvolvimento pessoal e construção de conhecimentos, se for cotidianamente compreendido e elaborado pelos seus atores. Estaremos assim promovendo uma Ética do Cuidado, não paternalista e promotora de autonomia, solidariedade e protagonismo dos trabalhadores. 8. Bibliografia: •BEALE, Estela A., KUDELKA, Andrzej P. , “SPIKES – a six-step protocol of delivering bad news,: application to the patient with cancer” •BAILE, Walter F., M.D., KUDELKA, Andrzej P., M.D., BEALE, Estela A., M.D., GLOBER, Gary A., M.D., MYERS,Eric G., M.A., GREISINGER, Anthony J.,M.D., BAST JR., Robert C., M.D., GOLDSTEIN, Michael G., M.D., NOVACK, Dennis, M.D. e LENZI, Renato, M.D. “ Communication Skills Training in Oncology – description and preliminary outcomes of workshops on breaking bad news and managing patients reactions to illness” •BALINT, Michael. O médico o paciente e sua doença, •BALINT, Michael, A falha básica, 7 •BALINT, Enid e NORELL, J.S., Seis minutos para o paciente, •BARRETO, J. e MAGALHÃES,P., Do tratamento curativo aos cuidados paliativos: questões entre a vida e a morte, •BARRETO, J. e MAGALHÃES,P., Elaboração de dispositivos de trabalho e avaliação da recepção integrada do INCA. •CUNHA, Gustavo Tenório, Grupos Balint Paidéia: uma contribuição para a co-gestão e a clínica ampliada na Atenção Básica, •MENDES PENELLO, L. Inovação Tecnológica e Humanização no Processo de Produção de Saúde: um diálogo possível e necessário - um estudo realizado no Hospital do Câncer II / INCA / MS” •MENDES PENELLO, L. I Encontro Multiprofissional sobre Notícias Difíceis no Tratamento: o uso do protocolo S.P.I.K.E.S., •MINISTERIO DA SAUDE, HUMANIZASUS – documento base para gestores e trabalhadores do SUS , 4ª edição, 2008 e Cartilhas Humaniza SUS: “Acolhimento nas Práticas de Produção de Saúde”, 2ª edição, 2008; “Clínica Ampliada, Equipe de Referencia e Projeto Terapêutico Singular”, •MISSENARD, A.; BALINT,M., GELLY,R. et allii, A experiência Balint – historia e atualidade, 8 9