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VIOLÊNCIA E CONFLITO NA FORMAÇÃO DO ESTADO: UMA ANÁLISE
COMPARATIVA ENTRE HOBBES E GIRARD
Jairo Rivaldo da Silva1
RESUMO: A questão sobre o que deu origem ao Estado faz parte de uma discussão
que envolve a filosofia política e a antropologia. Essas duas disciplinas buscam,
cada qual ao seu próprio modo, respostas sobre o que realmente teria dado origem
ao Estado. O objetivo do presente artigo é demonstrar como o filósofo inglês do
século XVII, Thomas Hobbes, e o antropólogo francês do século XX, René Girard,
responderam a essa questão. Analisaremos as principais obras desses pensadores
a fim de entender como se deu a formação do Estado e que papel a violência
desempenhou no seu surgimento. Inicialmente, resumiremos a filosofia política de
Thomas Hobbes, sua abordagem sobre a natureza humana e sua tese sobre a
origem do Estado. Em seguida, exporemos o pensamento do antropólogo René
Girard, sua teoria sobre as causas da violência nas sociedades pré-estatais e sua
análise genealógica das instituições culturais a partir dos ritos sacrificiais.
Finalmente, reuniremos os aspectos convergentes e divergentes do pensamento de
Hobbes e Girard demonstrando, que apesar de separados pelo tempo e pela cultura,
os dois autores se aproximam no que diz respeito a identificar a causa da origem do
Estado.
Palavras-Chave: Estado, Violência, Conflito, Política, Teoria Mimética.
ABSTRACT: The question of what gave rise to the state is part of a discussion
involving political philosophy and anthropology. These two disciplines seek, each in
his own way, answers on what really gave rise to the state. The aim of this article is
to demonstrate how the English seventeenth-century philosopher, Thomas Hobbes,
and the French anthropologist of the twentieth century, René Girard, answered this
question. We will analyze the major works of these thinkers to understand how was
the formation of the state and what role violence has played in its emergence. At first,
we summarize the political philosophy of Thomas Hobbes, his approach to human
nature and his thesis on the State of origin. Then expose the thought of the
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Graduado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru (FAFICA).
Mestrando em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Email:
[email protected]
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anthropologist René Girard, his theory about the causes of violence in pre-state
societies and their genealogical analysis of cultural institutions from the sacrificial
rites. At last, we gather the convergent and divergent aspects of the thought of
Hobbes and Girard demonstrating that though separated by time and culture, the two
authors approach with regard to identifying the cause of the State of origin.
Keywords: State, Violence, Conflict, Politics, Mimetic Theory.
INTRODUÇÃO
Ao observar o Estado atual com todos os seus mecanismos repressores, seu
funcionamento organizacional e sua hierarquia, não nos damos conta de que nem
sempre foi assim. Não paramos para nos perguntar como viviam os seres humanos
antes da criação do Estado. Nem sobre o que teria, efetivamente, dado origem ao
Estado e as nossas instituições culturais.
O presente artigo busca essas respostas no pensamento do filósofo inglês do
século XVII Thomas Hobbes, e do antropólogo francês do século XX, René Girard.
De forma especifica, analisaremos, a partir das principais obras desses pensadores,
como se deu a formação do Estado e que papel a violência desempenhou no seu
surgimento.
Veremos como esses dois pensadores, cada qual em seu próprio campo e a
seu próprio modo, respondem a esse questionamento. Em um primeiro momento,
resumiremos a filosofia política de Thomas Hobbes, sua abordagem sobre a
natureza humana e sua tese sobre a origem do Estado. Em um segundo momento,
esboçaremos o pensamento do antropólogo René Girard, sua teoria sobre as
causas da violência nas sociedades pré-estatais e sua análise genealógica das
instituições culturais a partir dos ritos sacrificiais. Por fim, reuniremos os aspectos
convergentes e divergentes do pensamento de Hobbes e Girard demonstrando que
há uma relação de imbricação no pensamento desses dois autores no que diz
respeito à origem do Estado.
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O PAPEL DA VIOLÊNCIA NA FORMAÇÃO DO ESTADO NA FILOSOFIA
POLÍTICA DE THOMAS HOBBES
Hobbes é conhecido popularmente pela frase “o homem é o lobo do homem”.
No entanto, a origem dessa máxima encontra-se na obra Asinaria do comediante
romano Plauto. O filósofo de Malmesbury faz uso dessa expressão ao seu próprio
modo quando escreveu a dedicatória da sua obra De Cive ao conde William de
Devonshire. Ali, Hobbes afirma que “para ser imparcial, ambos os ditos são certos –
que o homem é um deus para o homem, e que o homem é lobo do homem”.
(HOBBES, 2002: 3).
Também estamos acostumados com o Hobbes contratualista, com o
precursor das ideias liberais, com o geômetra influenciado por Galileu ou com o
empirista influenciado por Francis Bacon. No entanto, há uma face inexplorada de
Hobbes que gostaríamos de realçar, me refiro ao que poderíamos chamar, de
acordo com a terminologia nietzschiana, de genealogista. Isso não significa que
desconsideramos os aspectos do pensamento de Hobbes acima mencionados;
antes, significa que em Hobbes somos colocados diante da questão da formação
mesma do Estado, bem como do processo civilizatório humano.
Embora existam controvérsias quanto às causas da violência e da guerra na
filosofia de Hobbes2, concordamos com Skinner (2010: 56-57) quando afirma que, “o
paradoxo desesperado no qual se funda a teoria política de Hobbes é que o maior
inimigo da natureza humana é a própria natureza humana”.
Desde a composição dos Elements (1640), onde o filósofo britânico esboça,
nos seus primeiros treze capítulos, a sua tentativa inicial de explicar a natureza
humana, passando pela obra De Cive publicada um ano depois, até finalmente
chegarmos ao esboço final da sua filosofia política no Leviathan (1651), Hobbes
2
De acordo com Abizadeh, as três posições tradicionais sobre as causas da guerra na filosofia de
Hobbes são 1) a de que a guerra é o resultado inevitável do estado de natureza onde os seres
humanos competem por recursos escassos 2) a de que mesmo que existam indivíduos puramente
benignos, sem um soberano para protegê-los, o medo da morte violenta os fará se anteciparem à
violência dos outros 3) a de que a guerra é causada pela maldade natural dos seres humanos.
ABIZADEH, Arash. (2011). Hobbes on the Causes of War: A Disagreement Theory. In. American
Political Science Review. Vol. 105, N. 2, p. 299.
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sustenta a ideia de que o ser humano é violento, egoísta e vaidoso. E devido ao fato
de que todos os homens são iguais, existe um conflito inevitável, ou na linguagem
hobbesiana, uma “guerra de todos contra todos”. Hobbes está disposto a sustentar,
assim como Pierre Clastres depois dele, que “as sociedades primitivas são
sociedades violentas, seu ser social é um ser-para-a-guerra”. (CLASTRES, 2004:
160).
É bem verdade que não devemos descontextualizar a ideia hobbesiana de
uma guerra de todos contra todos. Como observa Magalhães, “a condição natural ou
estado de guerra não é uma frase que se lê literalmente. Trata-se de uma ‘hipótese
da razão’, uma construção lógica, para exprimir uma situação em que os homens
viveriam se não houvesse um senhor comum para subjugá-los”. (2014: 51). Além
disso, Hobbes estava diante da guerra civil inglesa que certamente teve algum
impacto sobre o seu pensamento. Como observa Ribeiro, “seu pensamento brota de
um convívio cotidiano com a anarquia”. (2003: 111). Entretanto, como pontua
Clastres, “o próprio Hobbes acredita poder ilustrar o fundamento de sua dedução
com a referência explícita a uma realidade concreta: a condição natural do homem
não é apenas a construção abstrata de um filósofo, mas sim a sorte efetiva,
observável, de uma humanidade recentemente descoberta”. (CLASTRES, 2004:
161).
Clastres se refere aqui às recentes descobertas dos selvagens no continente
americano, o que teria levado Hobbes a pensar na condição natural dos seres
humanos antes do advento do Estado. Mas como também lembra Magalhães, “para
ele, a guerra de todos contra todos é fruto da própria natureza humana que
persegue os indivíduos desde a mais remota antiguidade”. (2014: 40). Isso significa
que em Hobbes a condição natural ou estado de guerra tem uma dupla natureza:
hipotética e histórica. De acordo com Brandão, o estado de guerra (2006: 35) “é
histórico no sentido de que a guerra de todos contra todos teria realmente existido
em determinados locais ou em determinadas circunstancias”, e é hipotético por
representar uma circunstancia em que os homens viveriam sem um Estado.
No De Corpore Politico, também chamado Elements of Law, Hobbes
denomina de “paixões naturais” (natural passion) a tendência que os homens
possuem de provocar os outros, além de sempre sustentarem um alto conceito de si
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mesmos (Vanity), e de frequentemente se compararem uns aos outros. (HOBBES,
1969: 82). São essas paixões, inerentes a todo homem, que na ausência de uma
poder coercitivo se transformariam numa força violenta incontrolável capaz de
subverter todo gênero humano. De acordo com Leo Strauss, é assim porque “o
homem é um animal como todos os outros”. (STRAUSS, 1952: 8).
No processo de desnudar a natureza humana, Hobbes (consciente ou
inconscientemente) nos ajuda a entender como vivíamos antes do advento das
nossas instituições culturais. O estado de guerra, apesar de hipotético, é um
exercício antropológico baseado nas observações que o filósofo fez dos povos
selvagens que o cercavam, mas que levado a cabo através de um processo
genealógico, nos levará logicamente aos primórdios do gênero humano. No De
Corpore Hobbes aponta nessa direção quando afirma:
The state of hostility and war being such, as thereby nature itself is
destroyed, and men kill one another, (as we know that it is, both by the
experience of savage nations that live at this day, and by the histories of our
ancestors the old inhabitants of Germany, and other now civil countries,
where we find the people few, and short lived, and whitout the ornaments
and comforts of life, which by peace and society are usually invented and
procured) he therefore that desireth to live in such an estate as is the estate
of liberty and right of all to all, contradicteth himself. For every man by
natural necessity desireth his own good, to which this estate is contrary,
wherein we suppose contention between men by natural equal, and able to
destroyer one another (HOBBES, 1969: 85).
No De Cive, Hobbes associa a violência natural dos homens que vivem sem
um Estado com o fato de desejarem sempre o mesmo objeto numa sociedade com
recursos escassos:
A razão mais frequente porque os homens desejam ferir-se uns aos outros,
vem do fato de que muitos ao mesmo tempo, têm um apetite pela mesma
coisa; que, contudo, com muita frequência eles não podem nem desfrutar
em comum, nem dividir; do que se segue que o mais forte há de tê-la, e
necessariamente se decide pela espada quem é o mais forte. (HOBBES,
2002: 30).
No capítulo XIII do Leviatã, a igualdade, bem como a escassez de recursos
são a causa da discórdia e dos conflitos entre os seres humanos:
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Desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à
esperança de atingirmos os nossos fins. Portanto, se dois homens desejam
a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por
ambos, eles tornam-se inimigos. E no caminho para o seu fim (que é
principalmente a sua própria conservação, e às vezes apenas o seu deleite)
esforçam-se por se destruir ou subjugar um ao outro. (HOBBES, 2003: 107).
Diante do quadro pintado por Hobbes de luta, violência e caos, surge a
questão: como escapar desse estado caótico? Ou, como escapamos primitivamente
desse estado de guerra?
HOBBES E A INVENÇÃO DO ESTADO
Quando Hobbes escreve apontando a criação do Estado como uma solução
para controlar as paixões e pulsões animalescas dos homens, ele o faz tendo em
vista a sua situação imediata. Como é sabido, Hobbes era um defensor entusiasta
da causa realista na guerra civil inglesa entre o rei Carlos I e o Parlamento. Isso
significa que a sua defesa de um Estado forte e centralizado na figura do monarca
visava, a priori, abafar as sedições e controlar os ânimos dos ingleses.
Para Hobbes, o Estado é, tanto artifício razão, quanto necessidade coletiva,
não necessariamente derivada da razão, mas também decorrente das paixões. É
assim, segundo Hobbes, que surge o Estado, através do que ele chama de pacto ou
contrato (Covenant). Para isso, é necessário, como ele expõe no Leviatã, que os
homens transfiram os direitos naturais que possuem – com exceção do direito de
autodefesa – para um soberano ou assembleia que os represente. De acordo com
ele, essa instituição é
A causa final, finalidade e desígnio dos homens (que amam naturalmente a
liberdade e o domínio sobre outros), ao introduzir aquela restrição sobre si
mesmos sob a qual os vemos viver em repúblicas, é a precaução com a sua
própria conservação e com uma vida mais satisfeita. Quer dizer, o desejo de
sair daquela mísera condição de guerra, que é a consequência necessária
(conforme se mostrou) das paixões naturais dos homens, quando não há
um poder visível capaz de os manter em respeito e os forçar, por medo do
castigo, ao cumprimento dos seus pactos e à observância das leis de
natureza (...). (HOBBES, 2003: 143).
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Assim, para Hobbes, apenas a criação do Estado seria capaz de manter a
paz entre os homens. De outra sorte se destruiriam no estado de guerra. Isso não
significa que o Estado hobbesiano seria pacifista e promotor racional da paz; antes,
isso indica que aquelas potencialidades violentas que são inerentes ao animal
humano, são agora transferidas para uma instância superior que possui plena
legitimidade para aplicar circunstancialmente essa mesma violência contra quem
violar o contrato. Além disso, as guerras que no estado de natureza eram
inadmissíveis (pois levariam a espécie à extinção) são agora, com a instituição do
Estado, perfeitamente legítimas, bastando apenas à justificação do bem comum.
Segundo Hobbes, “pertence à soberania o direito de fazer a guerra e a paz com
outras nações e Estados. Quer dizer, o de decidir quando ela, a guerra, corresponde
ao bem comum (...)”. (HOBBES, 1997: 149). Isso significa que em Hobbes a
violência desempenha um duplo papel: ela produz as condições para que o contrato
seja firmado, consequentemente, ela gera indiretamente o Estado e a civilização, e
ela também é um recurso legítimo do Estado então constituído.
A VIOLÊNCIA NA ANTROPOLOGIA DE RENÉ GIRARD
“O Darwin das ciências humanas”. (SERRES Apud GIRARD; ANTONELLO;
ROCHA, 2011: 33). Assim se refere Michel Serres ao antropólogo francês René
Girard (1923-2015), cuja teoria tem a pretensão de explicar o surgimento da cultura
e todas as instituições através do que ele denominou de “desejo mimético” e do
mecanismo do “bode expiatório”.
As raízes do pensamento girardiano encontram-se, sobretudo, na sua
primeira publicação, Mentira Romântica e Verdade Romanesca (1961), onde Girard
faz uma análise de boa parte da literatura ocidental, desde Dom Quixote até Proust,
e consegue detectar nas tramas que envolvem os personagens da literatura mundial
o mecanismo mimético. Mas foi somente 11 anos depois com a publicação de A
Violência e o Sagrado (1972) que as ideias de Girard ganharam repercussão no
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mundo acadêmico, especialmente na antropologia. Em 1978, com a publicação de
Coisas Ocultas desde a Fundação do Mundo, Girard tem a oportunidade de
apresentar a sua teoria de forma sistematizada. Nos últimos anos tem havido um
crescente interesse por parte de estudiosos de diversas áreas na teoria mimética
girardiana.
Mas qual é o papel da violência na teoria girardiana? Em a Violência e o
Sagrado, o antropólogo demonstra através de uma análise dos ritos sacrificiais,
tanto de seres humanos quanto de animais, que a violência atuou como uma
espécie de cimento que uniu as sociedades primitivas. No entanto, antes de
explicarmos como a violência teve essa função socializadora e até mesmo
humanizadora, é necessário entendermos o que, de acordo com Girard,
desencadeia essa violência nas sociedades primitivas.
A originalidade da teoria girardiana está em descobrir a natureza mimética do
desejo. De acordo com Girard, é o desejo mimético o grande responsável pelo
desencadeamento da violência generalizada que caracterizou e que ainda, de certo
modo, caracteriza a sociedade. De acordo com o paradigma em vigência desde a
modernidade, existe uma relação direta entre o sujeito desejante e o objeto
desejado, mas na teoria girardiana o desejo não se dirige diretamente ao objeto
desejado; antes, ele deseja sempre a partir de um mediador, a partir de um modelo.
Segundo Girard,
O mundo moderno é ultraindividualista, quer que o desejo seja estritamente
individualizado, único. Em outras palavras, meu apego ao objeto do desejo
é de certo modo predeterminado. Se o desejo é só meu, eu sempre desejo
as mesmas coisas. E se o desejo é fixo, não há mais diferença entre instinto
e desejo. A mobilidade do desejo em contraste com a fixidez dos apetites ou
instintos ou do ambiente social, decorre da imitação. Aí reside a grande
diferença: todos temos sempre um modelo que imitamos. Só o desejo
mimético pode ser livre, ser de fato desejo, pois tem de escolher um
modelo. (GIRARD; ANTONELLO; ROCHA, 2011: 81).
É justamente pela utilização de um modelo imitativo que na teoria girardiana é
instaurado o conflito e a violência. Entretanto, o conflito não se instaura
imediatamente. Isso acontece devido à natureza dos modelos que escolhemos como
mediadores dos nossos desejos. Segundo Girard, os modelos podem ser de duas
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naturezas, consequentemente, de duas naturezas serão as relações miméticas. Em
primeiro lugar, existe a mimese de mediação externa. De acordo com a teoria de
Girard, isso acontece quando o meu modelo não está no mesmo domínio em que
estou. Por exemplo, podemos ter como modelo algum herói do passado ou que
esteja muito distante de nós. De acordo com Girard, um conflito direto entre sujeito e
modelo nessa relação está fora de questão, pois seria impossível que houvesse um
encontro entre sujeito e modelo, daí a sua natureza externa. Em segundo lugar,
existe a mimese de mediação interna. É justamente aqui onde residem as raízes da
violência mimética. Ao pertencerem ao mesmo domínio contextual, bem como pelo
fato de estarem expostos à proximidade física e psicológica, o sujeito através do seu
modelo, deseja o mesmo objeto daquele, daí resulta uma rivalidade sempre
crescente, que mimeticamente imitada por todos os membros do grupo resultaria
numa guerra generalizada. De acordo com Girard:
Desse modo, os rivais se tornam cada vez mais indiferenciados, cada vez
mais idênticos: duplos. Uma crise mimética sempre é uma crise de
indiferenciação que irrompe quando os papéis de sujeito e modelo se
reduzem ao de rivais. É o desaparecimento do objeto que possibilita isso.
Essa crise não cresce só entre os oponentes; ela contagia os expectadores.
(Ibid., 2011: 81).
A violência na teoria girardiana é algo que se confunde com o processo de
hominização dos primeiros hominídeos. Segundo Girard, ela é o solo onde se deu o
processo civilizatório humano. Todavia, longe de fixar com exatidão em que
momento o bicho homem passa do seu estado pré-humano para o que conhecemos
como homo sapiens, Girard encontra nas instituições religiosas primitivas o uso da
violência como arma (racional ou instintiva) contra a própria violência que ameaçava
a sua sobrevivência.
No estado de natureza girardiano os processos violentos se iniciavam de
forma imitativa, de maneira que devemos perguntar: como sobrevivemos a esse
processo de constante indiferenciação, rivalidade e violência? Qual foi a solução dos
primeiros hominídeos para o problema da violência mimética?
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O BODE EXPIATÓRIO E A ORIGEM DA CIVILIZAÇÃO
A resposta girardiana às questões colocadas acima pode ser resumida no que
Girard denominou de “mecanismo do bode expiatório”. Isso significa dizer que a
crise mimética instaurada nas sociedades primitivas era, de tempos em tempos,
resolvida através de um sacrifício (seja ele humano ou animal). Como observa
Giacoia,
René Girard ressalta o papel seminal da violência ritualizada no sacrifício
propiciatório como o assassinato fundador da sociedade e elemento
fundamental de conservação e fortalecimento de vínculos comunitários. A
vítima emissária, o sacrifício sangrento do bode expiatório, sustenta Girard,
é o rito (ato) sagrado de que a sociedade carece para desviar para controlar
e neutralizar a sempre presente (mesmo que em estado de latência)
agressão intragrupal; uma violência intestina sempre à espreita, que, em
razão de seu explosivo potencial de reprodução mimética, pode irromper e
multiplicar tendências hostis, gerando as crises que ameaçam dissolver
uma comunidade na guerra de todos contra todos. (GIACOIA JR., 2013:
39).
Assim, para o antropólogo francês, sem uma vítima propiciatória sacrificada
nos rituais de grande parte das religiões primitivas, a autodestruição das sociedades
seria inevitável. A causa dessa instituição não pode ser o que conhecemos como
racionalidade. De acordo com Vinolo (2012: 78), “Girard não postula nenhuma
racionalidade nessa hominização, os hominídeos não se põem de acordo para se
tornarem homens. Ela se origina unicamente do medo de morrer pela violência
intestina, medo de ver o grupo aniquilado por rivalidades miméticas”. A paixão do
medo juntamente com a instituição do sagrado são, segundo Girard, os verdadeiros
responsáveis pelo processo civilizatório.
Pressionados pelo medo, todas as comunidade humanas se comportam da
mesma maneira. Elas tentam reproduzir o milagre que as salvou, imolando
uma nova vítima em vez da primeira, na esperança que a mesma causa
produza os mesmos efeitos. E é exatamente o que acontece em todos os
lugares onde as comunidades humanas sobrevivem e prosperam. O poder
de pacificação enfraquece aos poucos, mas durante um certo tempo, cada
vez que se imola uma vítima substituta, de acordo com o modelo inicial, a
violência se apazigua. A primeira iniciativa cultural da humanidade é a
imitação do assassinato fundador, que é uma coisa só junto com a invenção
do sacrifício ritual. (GIRARD, 2011: 64).
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Em A Violência e o Sagrado, ao escrever sobre o que podemos chamar de
sublimação da violência mimética, Girard afirma que “o sacrifício oferece ao apetite
da violência, o que a vontade ascética não consegue saciar, um alívio sem dúvida
momentâneo, mas indefinidamente renovável, cuja eficácia é tão sobejamente
reconhecida que não podemos deixar de levá-la em conta” (GIRARD, 1990: 32). Isso
nos leva a entender que a violência tem, ela mesma, um caráter sagrado na teoria
girardiana, na medida em que ela é capaz de produzir a paz social. Por essa razão,
Girard declara que “o sacrifício não é apenas uma violência a mais, uma violência
acrescentada a outras violências, mas é a última violência, é a última palavra da
violência”. (GIRARD, 2008: 46).
No sacrifício coletivo, não somente são sublimadas as violências individuais
capazes de extinguir a espécie, mas de acordo com Girard, é no sacrifício e na sua
repetição ritual que podemos desvelar a origem das nossas instituições culturais. De
acordo com Meruje e Rosa (2013: 153).
Girard apresenta o sacrifício como a primeira instituição humana que
permite justificar a existência em sociedade. Ou seja, o sacrifício
ritual constitui o vínculo ou essa arcaica «cola» que permite passar
do «eu» ao «nós». Assim, o ritual é para Girard a origem de todas as
outras instituições sociais e, por isso, é a primeira instituição
humana. Em que consiste então o sacrifício? O sacrifício consiste em
descarregar sobre uma vítima (o bode expiatório) todas as tensões
existentes na sociedade as quais ameaçam romper a ordem que a
mantém. O sacrifício é o regulador da homeostase do corpo social.
Por outras palavras, o sacrifício permite expulsar do meio social toda
a forma de violência que ameaça a sociedade. Essa violência resulta
muitas vezes de dissídios que se acumulam entre os membros da
sociedade, pois tais tensões surgem da incapacidade dos homens
conseguirem conciliar os seus desejos, desenvolvendo uma
rivalidade mimética (...).
A origem das instituições pode ser exemplificada na sublimação da violência e
na sua constante encenação produzida pelo teatro grego primitivo, especificamente
através
das
tragédias.
Na
origem
dessa
instituição
grega
subjaz,
já
etimologicamente, a presença do sacrifício. Como observa Jaeger, “como diz o seu
nome, a tragédia nasceu das festas dionisíacas dos coros de bodes”. (JAEGER,
1994: 296). Isso porque o termo tragédia, do grego τραγῳδία (τράγος = bode e ᾠδή
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= canto) significa literalmente “canto dos bodes”. Não somente o sacrifício do bode,
encenado periodicamente no início, durante ou depois do espetáculo teatral, mas
também através dos mitos gregos, pode ser constatada a plausibilidade da teoria
girardiana da função reconciliadora dos sacrifícios e da gênese das nossas
instituições domesticadoras.
O mito de Édipo é, segundo Girard, um exemplo de bode expiatório que
reconcilia a sociedade após ser expulso de Tebas. Como é sabido, após todos os
acontecimentos fatídicos narrados na tragédia, Édipo se torna rei, mas uma peste
acomete a cidade, uma verdadeira crise social que ameaça extinguir a população de
Tebas, nesse momento (assim como instintivamente se fazia desde tempos
imemoriais) procura-se um culpado, e a culpa pela crise recai sobre Édipo. Além das
tragédias e mitos gregos, o mecanismo do bode expiatório está presente também no
imaginário religioso-cultural dos povos semíticos. Nas escrituras judaicas do antigo
testamento, a figura do bode emissário (Levítico, capítulo 16), bem como a presença
de infinitos sacrifícios com função reconciliadora estão no centro da vida social do
povo judeu.
Em O Sacrifício, onde Girard faz uma acurada análise dos sacrifícios a partir
dos textos indianos védicos e pós-védicos, há a constatação de que nos textos
religiosos e, portanto, culturais, mais antigos da humanidade, a presença dos
sacrifícios com uma função reconciliadora era uma realidade. Segundo Girard, “a
confiança que os Brâmanas têm no sacrifício é total”. (GIRARD, 2011: 61). Isso
significa que “a sobrevivência de todas as comunidades seria constantemente
ameaçada se não houvesse a intervenção do sacrifício, às vezes, do seu próprio
chefe, para colocar fim nisso”. (Ibid.). O fato de não existirem povos cuja origem
cultural não seja eminentemente religiosa, faz com que Girard considere o
mecanismo do bode expiatório um fenômeno universal. Segundo ele “A cultura
humana é religiosa fundamental e originariamente mais do que secundária e
acessoriamente”. (Ibid.). Isso é um fato, de acordo com Girard, mesmo para as
nossas sociedades supostamente secularizadas e racionalistas.
As instituições racionais da sociedade moderna – Estado, leis, trabalho,
educação, economia, etc. ― tornam presente o processo sacrificial através
de uma dissimulação da violência que o re-vela, i.e., o mostra e
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simultaneamente o esconde. O sacrifício deixa de ter a sua forma
primordial, pura, e torna-se numa justiça legítima que é manifestado por
outras suas instituições obedienciais: por exemplo, penais, prisionais,
escolares, hospitais psiquiátricos, sanatórios, etc. (MERUJE; ROSA, 2013:
158).
Assim, embora os ritos sacrificiais não estejam mais aparentemente
presentes no seio das sociedades que eles mesmos originaram, a violência
sublimada e transferida para as nossas instituições legais são a prova cabal de que
somos incapazes (apesar de toda a nossa racionalidade) de extinguir a potência
telúrica da violência, tendo em vista que foi, de acordo com Girard, ela mesma a
responsável por essas instituições.
HOBBES E GIRARD: APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS
O que há em comum entre o filósofo britânico do século XVII e o antropólogo
francês do século XX? Mas não somente isso, ao propor uma análise comparativa,
não significa que apenas esboçaremos as convergências existentes entre os dois
pensadores; também demonstraremos as suas divergências.
Como vimos, no cerne da teoria hobbesiana sobre a origem do Estado subjaz
a ideia de um conflito radical. É particularmente o aspecto violento de sua teoria, que
a nosso ver, tem uma relação de imbricação com o pensamento do antropólogo
francês. Se em Hobbes temos uma tentativa de suprimir ou até mesmo domesticar a
violência e os conflitos (especialmente a guerra civil inglesa) através da criação do
Estado absolutista. Em Girard, temos uma possível explicação das causas
geradoras da violência através da teoria do desejo mimético, bem como da potencia
geradora da violência, exemplificada nos atos sacrificiais que deram origem as
instituições culturais, entre elas, o Estado.
Em De Cive, o filósofo inglês afirma que o desejo de ferir o outro advém
justamente da nossa condição natural de igualdade e de proximidade. Hobbes
destaca ainda que “não há guerras que sejam travadas com tanta ferocidade quanto
as que opõem seitas da mesma religião, e facções da mesma república” (HOBBES,
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2002: 30). Perspectiva semelhante pode ser encontrada na antropologia de René
Girard. Segundo o antropólogo francês:
A guerra primitiva desenrola-se segundo toda a evidência entre grupos bem
vizinhos, ou seja, entre homens que não se distinguem por nada de objetivo
no plano da raça, da linguagem, dos hábitos culturais. Entre o “fora” inimigo
e o “dentro” amigo, não há diferença real (...). (GIRARD, 2008: 110).
É importante notar, porém, que na antropologia de Girard o que desencadeia,
em última instancia a violência e o conflito não é tão somente a igualdade de
condições, mas sim, o desejo mimético. Esse desejo é despertado nos indivíduos
não como na teoria de Hobbes, onde os sujeitos entram em luta por desejarem
sempre o mesmo objeto; antes, de acordo com Girard, o desejo é despertado
sempre pelo desejo do outro, pelo desejo do modelo ou mediador. De modo, que a
natureza imitativa do desejo nos leva, consequentemente, ao conflito e à violência.
Apesar dessa divergência, existe, efetivamente, uma proximidade na teoria de
Girard com o pensamento de Hobbes exposto, especialmente, no Leviatã. Como já
havia percebido Stéphane Vinolo:
Com relação à condição do homem natural ou dos hominídeos, Girard é
aqui bastante próximo das concepções de Thomas Hobbes no Leviatã. A
especificidade humana vem do fato de que, ao contrário do animal, cada
homem é bastante potente, pelo desenvolvimento da técnica e da
estratégia, para matar qualquer outro homem, e isso funda uma igualdade
natural essencial entre os homens (VINOLO, 2012: 80).
A convergência entre a percepção hobbesiana e a intuição girardiana não se
limitam a concluir que no estado natural, ou na crise mimética primitiva, a espécie
humana seria facilmente extinta, mas se aproximam também na solução proposta
para a “guerra de todos contra todos”, a saber, a criação do Estado. E embora o
contrato hobbesiano pressuponha a existência de homens que já fazem uso
avançado das suas capacidades racionais, em Girard – quando supostamente o
homem é ainda indistinguível da natureza – ele é capaz de chegar à mesma
conclusão lógica através das instituições sacrificiais.
Em Hobbes é o contrato firmado coletivamente a partir da decisão individual
de cada cidadão de transferir para o soberano ou assembleia os seus direitos
naturais que possibilitam o surgimento do Estado. No pensamento de René Girard, o
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controle da violência e dos conflitos também dependem de uma espécie de decisão
coletiva. No entanto, Girard rejeita a pedra de toque do contratualismo, de “que a
passagem de um estado pré-social a um estado social, repousa sobre uma decisão,
sobre um acordo racional estabelecido entre indivíduos que compreenderam que o
seu interesse egoísta está na cooperação e não na violência”. (VINOLO, 2012: 77).
Para Hobbes, a união das vontades produziu o ato político originário, tendo
em vista que na transferência dos direitos naturais o grupo passa a depender – no
que diz respeito à sua preservação – quase totalmente do Estado. Assim, a violência
sublimada pelos contratantes passa a ter um papel legal e regulador de qualquer ato
violento na sociedade. Nesse sentido, como bem observa Giorgio Agamben, “em
Hobbes, o fundamento do poder soberano não deve ser buscado na cessão livre, da
parte dos súditos, do seu direito natural, mas, sobretudo, na conservação, da parte
do soberano, de seu direito natural de fazer qualquer coisa em relação a qualquer
um, que se apresenta então como direito de punir”. (AGAMBEN, 2002: 113). Por
isso, Hobbes afirma que,
Essa submissão das vontades de todos à de um homem ou conselho se
produz quando cada um deles se obriga, por contrato, ante cada um dos
demais, a não resistir à vontade do indivíduo (ou conselho) a quem se
submeteu; isto é, a não lhe recusar o uso de sua riqueza e força contra
quaisquer outros (...). (HOBBES, 2002: 96).
Em Girard temos a união de um grupo em torno de uma vítima, cuja morte ou
expulsão da comunidade resultará na preservação do grupo. A essa união Girard
denominou de “mecanismo do bode expiatório”. De acordo a teoria do antropólogo
francês, esse mecanismo é usado sempre quando o processo de violência mimética
chega ao seu clímax. No mimetismo girardiano, o conflito se inicia não porque dois
antagonistas desejam o mesmo objeto, mas porque ao ver o outro desejando
determinado objeto mimeticamente o imito. Nesse processo, há, em primeiro lugar,
uma relação de proximidade entre os antagonistas, de maneira que um dos
antagonistas deseje ser como o outro. Entretanto, à medida que se percebe que os
objetos disponíveis são singulares, se instaura o caos. De acordo com Girard, esse
conflito seria repetido mimeticamente até se extinguirem os últimos antagonistas.
Daí o surgimento necessário dos rituais sacrificiais:
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O milagre do sacrifício é a formidável “economia” de violência que se
realiza. Ele polariza contra uma única vítima toda a violência que, um pouco
antes, ameaçava a comunidade inteira. Essa liberação parece ainda mais
milagrosa por intervir sempre in extremis, no momento em que tudo parece
perdido. (GIRARD, 2011: 63).
Desse modo, “a função do sacrifício, enquanto ritual, é nem mais nem menos
que ‘purificar a violência’”. (MERUJE, 2009: 14). Assim, na teoria de Girard, o
sacrifício do bode expiatório teria a mesma função civilizadora do contrato
hobbesiano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As origens do Estado e da cultura humana são sangrentas. A violência está
na gênese das nossas instituições culturais. Por mais que sublimadas, essas
potencias não podem ser extintas, sob a pena de que talvez extingamos com ela
quem realmente nós somos. Como tivemos oportunidade de observar, apesar de
resguardadas as diferenças, tanto Hobbes quanto Girard carregam no âmago do seu
pensamento uma profunda reflexão sobre o papel da violência na criação do Estado.
De modo que ao compararmos o pensamento de um filósofo político com o de um
antropólogo não estamos simplesmente confrontando duas ciências (a antropologia
e a filosofia política), tendo em vista que ambos tratam propriamente daquilo que é
humano, ou seja, daquilo que criamos, seja racionalmente, seja passionalmente.
Como ficou evidente, no contrato hobbesiano, o ato político fundador é o ato
racional. Todavia, mesmo em Hobbes, o elemento passional não pode ser excluído.
O medo, especificamente o medo da morte violenta, é capaz de produzir uma
reflexão e um acordo coletivo capaz de gerar uma instancia superior dotada de
capacidades democraticamente outorgadas e de poderes coercitivos altamente
domesticadores. A saber, o próprio Estado.
Por uma via diversa, mas não conceitualmente divergente, René Girard
demonstra a partir da sua teoria mimética como, através da violência generalizada,
os animais pré-humanos foram capazes de (passional ou intuitivamente) criar
através dos sacrifícios de animais ou de seres humanos, um mecanismo capaz de
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sanar, mesmo que temporariamente o caos mimético. A saber, o mecanismo do
bode expiatório. Esse mecanismo tinha funcionalmente o mesmo papel do Estado
hobbesiano, ou seja, o papel de domesticar a violência intestina.
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