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SEQUESTRO CORNEANO EM FELINOS
FELINE CORNEAL SEQUESTRUM
Autor:
João Alfredo KLEINER
MV, Mestre em Ciências Veterinárias pela UFPR
Especialização em Oftalmologia Veterinária pela Universidade de Madison –
Wisconsin, EUA – 1998.
E-mail: [email protected]
Website: www.vetweb.com.br
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SEQUESTRO CORNEANO EM FELINOS
Resumo: O seqüestro corneano é uma patologia ocular mais comum em gatos e
apresenta predileção para os das raças Siamês, Persa e Himalaio. Ao exame clínico notase a presença de uma área pigmentada dourada a enegrecida normalmente localizada na
parte central da córnea e que se restringe à metade anterior do estroma corneano,
podendo atingir a membrana de descemet. Este artigo tem como objetivo demonstrar a
eficiência da ceratectomia lamelar superficial seguida de flap conjuntival 360 0 para o
tratamento desta patologia ocular.
Palavras-chave: Oftalmologia, córnea, seqüestro, ceratectomia, felinos.
Abstract: Corneal sequestrum is an ocular pathology that is more common in cats
affecting primarily the Siamese, Persian and Himalaya breeds. At the ophthalmic exam
there is a pigmented area located generally at the central cornea and usually restricted to
the anterior stroma but it can involve the descemet´s membrane. This article intends to
demonstrate the efficacy of the superficial lamellar keratectomy followed by a 360 0
conjunctival flap for the treatment of this ocular pathology.
Keywords: Ophthalmology, cornea, sequestrum, keratectomy, felines.
INTRODUÇÃO
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A córnea é a parte transparente anterior da túnica fibrosa ocular (1/5 a 1/3 desta,
sendo o restante formado pela esclera). Tem como principais funções suportar o conteúdo
intra-ocular, a refringência da luz (devido a sua curvatura) e transmissão da luz (devido a
sua transparência).
Assim como o cristalino a córnea é normalmente clara, avascular e refrativa à luz
(40 – 42 dioptrias). Depende do humor aquoso e do filme lacrimal para sua nutrição e
limpeza, e das pálpebras e membrana nictitante para proteção do meio externo.
Quanto a sua espessura nos felinos pode-se dizer que esta é mais espessa
centralmente (0,8 a 1,0 mm) e mais fina conforme aproximasse do limbo (0,4 a 0,6mm). É
inervada pelos nervos ciliares longos que derivam da porção oftálmica do nervo trigêmio
(V par, sensitivo). A sua camada mais superficial (epitélio) é inervada principalmente com
receptores para a dor enquanto no estroma encontram-se receptores para pressão, isto
pode explicar o porquê das lesões corneanas superficiais serem muito mais dolorosas do
que as mais profundas (FAWCETT, 1994). A densidade de terminações nervosas por
área no epitélio corneano é estimada de ser 300 a 400 vezes maior do que a encontrada
na epiderme.
Os nervos sensitivos da córnea possuem um reflexo axônico que sob
estímulo causa miose, hiperemia, hipertensão e aumento da proteína no humor aquoso
(humor plasmóide).
Ao exame microscópico, a córnea dos animais é formada por quatro, ás vezes
cinco, camadas que são (de fora para dentro): o epitélio, camada de Bowman´s (humanos
e outros primatas), estroma, membrana de descemet e endotélio (MAGRANE, 1998).
O epitélio corneano é do tipo estratificado, escamoso não queratinizado e serve
como uma barreira protetora prevenindo a entrada de líquido, microorganismos e corpos
estranhos (EVANS, 1993).
A transparência do tecido corneano depende de vários fatores dentre eles podemse citar: uma boa produção e estabilidade do filme lacrimal além da harmonização entre
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suas camadas. O estado de relativa desidratação corneana (75% a 85% de água) devese principalmente ao bom funcionamento e integridade do epitélio e do endotélio
corneano.
Experimentalmente a remoção do epitélio corneano causa um aumento de 200%
na espessura da córnea em 24 horas devido ao influxo de água (edema) e a remoção do
endotélio produz um aumento da sua espessura de 500%, ficando sua permeabilidade
aumentada em seis vezes, sendo assim o endotélio parece ser muito mais importante na
manutenção da detumescência corneana do que o epitélio (WATSKY, et al, 1989).
Qualquer dano causado ao epitélio ou ao endotélio corneano por traumas, toxinas,
agentes infecciosos ou doenças auto-imunes podem causar hidratação e opacidade
corneana.
A renovação completa do epitélio corneano adulto ocorre a cada 5 - 7 dias e após
uma hora da lesão corneana as células do epitélio corneano começam a se achatar,
espalhar e migrar.
O seqüestro corneano é uma patologia ocular mais comum em gatos com uma
predileção para os da raça Siamês, Persa e Himalaio. As características clínicas e
microscópicas são muito peculiares, sendo a biópsia raramente necessária para
confirmar-se o diagnóstico (GELATT, 1998). Existe um relato na literatura de um caso de
um cão da raça Shih-Tzu com a patologia (Bouhanna, 2008).
A lesão microscópica é uma área pobremente demarcada do estroma superficial
axial que se torna levemente acelular e desenvolve uma pigmentação dourada que se
intensifica e muda para marrom ou preto com o passar tempo. Geralmente restringe-se à
metade anterior do estroma corneano, mas em alguns casos pode atingir a membrana de
descemet.
A razão para a necrose e a natureza da pigmentação é desconhecida.
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Grânulos positivos ao PSA similares a lisossomos identificados entre os
queratócitos podem sugerir um processo autolítico. Uma perda do epitélio adjacente
ocorre provavelmente devido a uma desvitalização estromal (GELATT, 1973).
A maioria das opiniões relativas à natureza da pigmentação sugere que se trata de
uma decomposição da porfirina do filme lacrimal e se isto for verdade pelo menos uma
descoloração (se não decomposição) do estroma parece necessitar de uma lesão na
barreira hidrofóbica presente no epitélio corneano para surgir (RAMSEY, 2000).
FEARTHERSTONE (2004) comprovou através de microscopia ótica a presença de
partículas de melanina nos tecidos corneanos obtidos de gatos com seqüestro, provendo
evidências laboratoriais que caracterizam a natureza da descoloração tecidual como
melanina pela primeira vez.
Depois de algum tempo existe uma reação inflamatória contra a área do seqüestro
corneano, com migração de vasos sanguíneos e leucócitos, particularmente macrófagos,
ao redor da lesão. Estes macrófagos tornam-se ingurgitados com pigmento e tornam-se
um marcador do seqüestro mesmo depois de este ser expelido. A extrusão da região do
seqüestro é uma fase natural da patologia e parece requerer uma reação inflamatória
para acontecer. Raramente as lesões ocorrem na conjuntiva ou na terceira pálpebra.
O porquê de o seqüestro corneano afetar apenas felinos e ter predileção pelas
raças acima citadas não é sabido mas pode estar relacionada à característica
braquicefálica destas raças sugerindo que uma ceratite por exposição possa estar
envolvida (NEWTON, 2000).
A apoptose pode ter um papel importante no seqüestro corneano felino
independentemente da presença de DNA de agentes infecciosos como Herpes vírus,
Toxoplasma gondii, Chlamydophila felis e Mycoplasma spp. (CULLEN, 2005).
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O presente trabalho tem como objetivos demonstrar a eficácia da ceratectomia
lamelar superficial com utilização do flap conjuntival tipo 360
o
para o tratamento do
seqüestro felino.
MATERIAIS E MÉTODOS
Um felino da raça Persa de 2 anos de idade, macho, castrado, foi atendido pelo
nosso serviço de oftalmologia com queixa principal de discreta secreção conjuntival
mucopurulenta e pigmentação severa corneana.
Ao exame oftálmico notou-se a presença de grande área de pigmentação
enegrecida centro-corneana e extensa neovascularização centrípeta.
A avaliação da fase aquosa do filme lacrimal através do teste de Schirmer não se
observou alteração (acima de 15 mm) e o teste de fluoresceína não apresentou retenção
do corante bilateralmente.
Devido à característica da lesão, sinais clínicos, raça e espécie do paciente em
questão, pode-se dizer tratar-se de um quadro de seqüestro corneano crônico unilateral.
O paciente foi submetido à terapia tópica ocular utilizando-se colírio de Dunason
1
QID, pomada de Maxitrol2 TID e limpeza ocular com chá de camomila gelado. A terapia
inicial teve como finalidade principal a de diminuir a reação inflamatória ocular antes de o
paciente ser submetido a um procedimento cirúrgico.
Após duas semanas de terapia observou-se uma diminuição significativa da lesão e
inflamação ocular sendo então indicada a ceratectomia superficial lamelar associada ao
flap conjuntival 360o.
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Dunason: Alcon.
Maxitrol pomada: Alcon.
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Após o paciente ser induzido com propofol (Propovan 3) e submetido à anestesia
geral inalatória com Isoflurano (Isoforine
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) este foi posicionado e preparado para
microcirurgia ocular utilizando-se microscópio cirúrgico.
Para a ceratectomia lamelar utilizou-se um bisturi de ponta de safira de 3.2 mm e
um aumento de 16x.
A excisão do tecido corneano pigmentado aprofundou-se até obter-se tecido
estromal saudável (sem a presença de pigmentação).
Para completar o procedimento, a conjuntiva bulbar foi dissecada em toda a sua
circunferência a partir da região esclero-limbal utilizando-se uma tesoura de estrabismo. O
flap originado foi mobilizado (elevado) 5 mm da esclera e suas bordas suturadas em toda
sua extensão utilizando-se fio absorvível Vicryl5 6-0 com pontos tipo wolf para diminuir-se
a tensão na região do flap obtido.
Uma tarsorrafia temporária foi realizada na região palpebral lateral utilizando-se um
ponto tipo wolf e fio de mononilon 4-0 e mantida por 21 dias para proteger-se a região
operada e evitarem-se deiscências por intervenção direta do paciente ou tensão tecidual
no local.
No pós-operatório utilizou-se colar elisabetano por 2 semanas, antibiótico terapia
sistêmica com amoxicilina + clavulanato de potássio (Clavulin6) na dose de 62,5 mg VO,
colírio de tobramicina (Tobrex ) QID , Dunason TID, diclofenaco sódico (Still ) TID.
Após a retirada dos pontos de tarsorrafia temporária observou-se que o tecido
conjuntival mobilizado encontrava-se aderido à região da ceratectomia e esta aderência
foi facilmente desfeita utilizando-se um cotonete.
A córnea apresentava uma excelente cicatrização com apenas uma discreta
opacidade (nébula) cicatricial central e sem sinais de neovascularização corneana
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Propovan: Cristália.
Isoforine: Cristália.
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Vicryl: Ethicon.
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Clavulin: Smithkline Beecham.
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importante. Iniciou-se a utilização de colírio de Prednisolona (Pred Mild7) BID associado
ao Dunason durante 21 dias e após este período observou-se uma excelente
transparência corneana e retorno da função visual normal.
Foto 1: Felino da raça persa apresentando
extensa área de pigmentação centro-corneana e
neovascularização centrípeta.
Foto 2: aspecto da córnea após a realização de
ceratectomia superficial lamelar com auxílio de
um bisturi de safira de 3.2 mm. Nota-se que toda
área pigmentada foi removida.
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Pred Mild: Allergan.
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Foto 3: aspecto transoperatório após mobilização da
0
conjuntiva bulbar peri-limbal 360 e realização de
um ponto central tipo wolf.
Foto 4: Tarsorrafia temporária para diminuir a tensão
na linha de sutura do flap conjuntival.
Foto 5: Aspecto ocular 21 dias pós-operatório. Notase apenas uma discreta área de nébula centrocorneana
e
ausência
de
pigmentação
e
neovasculariação importantes.
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RESULTADOS E DISCUSSSÃO
O seqüestro corneano felino é uma patologia ocular um tanto comum na clínica de
pequenos animais e alguns autores advogam o uso de tratamento terapêutico ao invés de
cirúrgico.
A associação do tratamento medicamentoso através de antiinflamatórios
esteroidais e com posterior utilização da ceratectomia lamelar superficial e flap conjuntival
360
0
demonstrou ser uma opção muito boa para os casos mais avançados de
pigmentação corneana.
O procedimento cirúrgico é de rápida execução e exige apenas material básico
para microcirurgia ocular (bisturi de safira e microscópio cirúrgico).
Comparativamente com o tratamento utilizando-se apenas medicação tópica, a
utilização da cirurgia acima descrita apresenta uma resposta muito boa e com uma rápida
recuperação dos padrões visuais normais nos animais afetados.
CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ceratectomia lamelar superficial com subseqüente utilização de flap conjuntival
360
o
demonstrou ser uma técnica cirúrgica eficaz para o tratamento do seqüestro
corneano em felinos. Este procedimento resulta em um excelente resultado cosmético e
funcionabilidade visual em um curto espaço de tempo e não se observaram recidivas nos
casos operados.
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Referências Bibliográficas:
1) BOUHANNA,
L.;
LISCOËT,
L.B.;
RAYMOND-LETRON,
I.
Corneal
stromal
sequestration in a dog. Veterinary Ophthalmology, v.11, n.4, p.211-214, 2008.
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Veterinary Ophthalmology. Vol 8 (5), p. 295 – 303, 2005.
3) EVANS, H.E.: Miller´s Anatomy of the Dog, 30 ed., Toronto: WB Saunders, p.10381039, 1993.
4) FAWCETT, D.W. Bloom and Fawcett. A textbook of histology. 12th ed., New York,
Chapman Hall, p.916 - 917, 1994.
5) FEATHERSTONE, Heidi J., et al. Feline corneal sequestrum: Laboratory analysis of
ocular samples from 12 cats. Veterinary Ophthalmology. Vol. 7 (4), 229 – 238, 2004.
6) GELATT, K.N.; PEIFER,R.L.; STEVENS,J.: Chronic ulcerative queratitis and
sequestrum in the domestic cat. Journal of American Animal Hospital Association.
Vol.9, p.204-213, 1973.
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Procedures. Gainesville, FL. Pergamon Press, v. 1, p.125 - 135, 1995.
8) GELATT, KIRK N.: Veterinary Ophthalmology. 3o ed. Lippincott Willians &
Wilkins,1998.
9) Magrane Basic Science Course in Ophthalmology. University of Wisconsin –
Madison. Course Notes, vol.1, p.02-13, ACVO - 1998.
10) NEWTON, K.J. et al. : Atualidades em Oftalmologia . Vol II . Roca, 2000.
11) Magrane Basic Science Course in Ophthalmology. Short Course on Ocular
Pathology. The Histologic Basis of Ocular Disease. University of Wisconsin –
Madison. Class Notes, vol.1, p.79-84, ACVO - 1998.
12) RAMSEY, DAVID T. et al.: Veterinary Ophthalmology (lecture notes). 5o ed.
Michigan State University, 2000.
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13) WATSKY M.A. et al. Cornea and sclera. Foundations of Clinical Ophthalmology.
Vol. 2. Tasman W. and Jeager EA, JB Lippincott, 1995.
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