Impacto da dor na vida do paciente: como tratá-la Dr. Irimar de Paula Posso Dor e esporte Dr. André Pedrinelli Adição e dependência de opioides Dr. Durval Campos Kraychete ÍNDICE 04. Impacto da dor na vida do paciente: como tratá-la 10. Dor e esporte 13. Adição e dependência de opioides Produção editorial Europa Press Comunicação Brasil Ltda. ©2014 EUROPA PRESS Rua Alcides Ricardini Neves, nº 12, Conjs. 1110/1111/1112 - CEP: 04575-050 Brooklin - São Paulo - SP [email protected] www.europapress.cl Tel. 55 11 5506 7006 Tiragem 15.000 exemplares 7103_GRU_BRA_ v17_LC Desenho editorial Weverton Candido Jornalista responsável Pedro S. Erramouspe Este conteúdo é oferecido por Grünenthal como um serviço à comunidade médica. As informações relacionadas a produto(s) podem ser divergentes das existentes na Circular aos Médicos (bula). Antes de prescrever qualquer medicamento eventualmente citado, recomendamos a leitura da Circular aos Médicos emitida pelo fabricante. Esses dados foram incluídos apenas para capacitação do médico e a informação tem finalidade exclusivamente educativa. As opiniões emitidas nesta publicação não refletem necessariamente as opiniões e recomendações do Laboratório. Conteúdo elaborado pelo staff médico da Europa Press e adaptado seguindo a legislação local e as indicações aprovadas no país. Revisão Holoedro Serviços Editoriais Esta revista é uma publicação destinada exclusivamente à classe médica. A PERSISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO. CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 2 • Fevereiro 2014 Impacto da dor na vida do paciente: como tratá-la Na maioria das faculdades de medicina não existe durante o curso de graduação uma disciplina específica para ensinar o aluno a fisiopatologia e o tratamento da dor. O estudo da dor é abordado de modo incompleto nas diferentes disciplinas, portanto o aprendizado sobre a terapêutica da dor para a maior parte dos médicos se processa de modo facetado e insuficiente. Dr. Irimar de Paula Posso CREMESP 12.934 Professor-associado do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professor Titular da Universidade de Taubaté Muitas vezes o tratamento da dor se faz de forma inapropriada, o que pode ocasionar graves consequências na evolução dos pacientes. Atualmente, com os programas de acreditação hospitalar, o tratamento da dor passou a ser feito de modo mais cuidadoso, com as orientações das diretrizes da Europe Against Pain (EAP) e da Joint Comission on Accreditation of Health Care Organizations (JCAHCO).1 Uma vez que a dor não é adequadamente tratada, um elevado porcentual de pacientes submetidos a cirurgias ambulatoriais são reinternados por causa dela. Cerca de 50% desses pacientes apresentam dor importante nas primeiras 24 horas, que se estende por até três dias; e a dor pós-operatória constitui a principal causa de hospitalização inadvertida após uma cirurgia ambulatorial.2 4 Em cirurgias ambulatoriais de diferentes especialidades, a incidência de dor pós-operatória é de 10% na cirurgia plástica, de 11,5% na cirurgia geral, de 13,4% na urologia e de 16,1% na ortopedia.3 Esses dados são estimativos, pois os estudos bem delineados mostram incidência muito maior. Já a presença de dor pós-operatória intensa na unidade de recuperação pós-anestésica é maior nas cirurgias ortopédicas; no entanto, nas unidades de cirurgia ambulatorial, os procedimentos otorrinolaringológicos são responsáveis pela maior incidência de dor pós-operatória intensa. Isso ocorre porque as cirurgias de amígdalas são bastante dolorosas. A dor não tratada ou tratada de forma inadequada produz efeitos sistêmicos. A dor aguda gera espasmo muscular, levando à hipoventilação e à hipoxemia. Além disso, a dor aguda produz lesão da musculatura respiratória, o que faz com que o indivíduo deixe de respirar adequadamente, e isso pode provocar diminuição da expansão pulmonar e acúmulo de secreções nas vias aéreas, em consequência, hipoxemia ou broncopneumonia. A dor deve, portanto, ser tratada para evitar problemas respiratórios.4,5 CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 2 • Fevereiro 2014 Em nível cardiovascular, a dor aumenta a liberação de adrenalina produzindo taquicardia, hipertensão e sudorese. Devido ao espasmo vascular, pode ocorrer também isquemia, levando talvez ao infarto. Por outro lado, a dor aumenta a ansiedade, o que também aumenta a produção das catecolaminas, e consequentemente contribui para aumentar a frequência cardíaca e a pressão arterial.4,5 Existem também efeitos musculoesqueléticos: a dor ocasiona vasoconstrição e diminuição da mobilidade, levando à atrofia muscular e à alteração do metabolismo. Na circulação periférica, a dor causa hipofluxo e estase venosa, o que pode causar trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar.4-6 A dor aguda pode ser tratada de modo mais adequado, visto que seu manejo é fácil, ao contrário da dor crônica, cujo controle é mais difícil. A dor aguda tem uma função fisiológica, pois ela chama a atenção para o fato de que algo possivelmente nocivo está ocorrendo no organismo. Assim que ela cumprir seu papel de alerta, ela deve ser tratada para não se tornar crônica. O estímulo doloroso repetitivo leva à sensibilização central, cronificando a dor.4 (Quadro 1) Efeitos da dor nos sistemas de sinalização Quadro 1 Dor Nocicepção periférica Dor prolongada Excitabilidade neuronal Hiperalgesia 1º e 2º Alodinia Dor crônica Alteração dos sistemas medulares da dor Embora não seja um sinal vital, como é o caso da temperatura, frequência cardíaca, frequência respiratória e pressão arterial, a dor passou a ser considerada o quinto sinal vital, primeiramente porque deve ser avaliada sempre que os quatro sinais vitais forem avaliados, o que geralmente ocorre no mínimo quatro vezes durante o dia; em segundo lugar, se a intensidade da dor for moderada ou intensa a mesma deve ser imediatamente tratada, como ocorre sempre que um dos sinais vitais está alterado. Há várias maneiras de avaliar a dor, algumas mais simples e outras mais complexas. Entre as mais simples estão as escalas unidimensionais, como a escala visual numérica (EVN), que pontua a dor de 0 (sem dor) a 10 (dor mais intensa), a escala visual analógica (EVA), muito utilizada em pesquisa, a escala de descritores verbais e a escala de faces. Em relação ao tratamento da dor, deve ser usada a denominada analgesia multimodal, que consiste no manejo da dor por meio de vários fármacos pela mesma via ou por vias diferentes de administração, para possibilitar o uso de doses menores de medicamentos, consequentemente com menos efeitos adversos embora com a mesma eficácia analgésica. Para a analgesia farmacológica, utilizam-se anti-inflamatórios não esteroides, opioides, anestésicos locais e adjuvantes (agentes não farmacologicamente classificados como analgésicos, mas que tem atividade analgésica como os antidepressivos e os anticonvulsivantes). Na analgesia não farmacológica, citam-se a acupuntura, a terapia física e a terapia complementar. O uso racional de combinações de medicações analgésicas pode favorecer o alívio da dor, reduzir eventos adversos pós-operatórios e melhorar a recuperação pós-operatória funcional. Adaptado de: Cousins, M; Power, I. Acute and postoperative pain. In: Wall, P.D.; Melzack, R. (Eds.). Textbook of Pain. 4. ed. Edinburgh, UK: Churchill Livingstone, 1999. p. 447-491. Quanto aos efeitos psicológicos, a dor produz ansiedade, depressão e insônia. Entre os efeitos socioeconômicos, constitui um fator de afastamento das pessoas do trabalho e também um mecanismo usado pelos pacientes para ser afastados do trabalho. Outros efeitos da dor abrangem a redução da função imunológica e alterações gastrointestinais, como diminuição do esvaziamento gástrico e da peristalse, com retenção de gases e distensão abdominal. A obstipação intestinal ocorre porque o paciente não se movimenta, diminui a motilidade intestinal causando, portanto, dificuldade para evacuar.4 A analgesia multimodal pode ser aplicada seguindo as orientações da escada analgésica, desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde, que tem três degraus: o primeiro se refere à dor de baixa intensidade (EVN de 1 a 3) e utiliza analgésicos não opioides como os AINEs, a dipirona, o paracetamol e os adjuvantes; o segundo se refere à dor moderada (EVN de 4 a 6) e associa opioides fracos, como codeína e cloridrato de tramadol, aos medicamentos usados no primeiro degrau; o terceiro se refere à dor intensa (EVN de 7 a 10) e substitui opioides fracos por opioides fortes, como morfina, oxicodona e hidromorfona, mantendo os medicamentos usados no primeiro degrau. (Quadro 2) 5 CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 2 • Fevereiro 2014 Analgesia segundo a OMS Quadro 2 Analgesia multimodal Dor leve Dor moderada Dor intensa Analgésicos não opioides + adjuvantes Opioides fracos cloridrato de tramadol codeina Opioides fortes morfina oxicodona hidromorfona 1a3 4a6 7 a 10 Elaborado pelo autor. Opioide fraco é aquele que tem efeito teto, nível no qual o aumento da dose proporciona discreta elevação do efeito analgésico, mas também o aumento, em maior proporção, dos eventos adversos. Com os opioides fortes, o nível do efeito teto existe porém é muito alto, geralmente atingido com doses muitíssimo maiores do que as usadas habitualmente. É também importante destacar o fato de que as dores crônicas sobem a escada analgésica, ou seja, começam com intensidade leve e aumentam gradativamente, enquanto as dores agudas descem essa escada, portanto o tratamento da dor aguda deve se iniciar com os fármacos do segundo ou terceiro degrau, dependendo de sua intensidade. A analgesia sistêmica ideal é obtida com uma concentração sérica dos analgésicos que fica entre dois parâmetros – a concentração mínima adequada para produzir o alívio da dor e a concentração máxima, acima da qual aumenta muito a intensidade dos eventos adversos. Essa faixa de analgesia é obtida com o uso de doses e de intervalos adequados. Cada fármaco tem duração de ação diferente. A morfina e a codeína, por exemplo, têm duração de ação de cerca de 3 horas. Já a duração de ação do cloridrato de tramadol é de 6 horas. adição, dependência e tolerância. A incidência de náuseas, vômitos e sonolência depende do opioide, da dose, da via de administração e da sensibilidade de cada paciente, além da presença de tolerância, o que significa que a intensidade desses sintomas diminui à medida que o paciente vai se adaptando ao seu uso. Já a incidência de constipação intestinal depende do opioide, da dose e da sensibilidade de cada paciente, porém é importante destacar que para a constipação intestinal não ocorre a tolerância. A intoxicação por opioide tem incidência muito baixa e associa-se aos seguintes eventos: depressão respiratória, arreflexia, hipotensão, taquicardia, apneia, cianose e óbito. Essa intoxicação ocorre com doses elevadas de opioide e geralmente não é observada nos tratamentos clínicos habituais. Em relação à adição aos opioides, observa-se que os fatores de risco associados incluem a genética, história familiar de alcoolismo e uso de drogas, e os antecedentes pessoais de adição, de doenças psiquiátricas e de abuso sexual. Os sinais indicativos de adição incluem: • O paciente usa o opioide de forma compulsiva para solução de conflitos pessoais, e não para alívio da dor. • Aumenta a dose por conta própria. • Não aceita a prescrição ou pede mais medicação. • Solicita receita de vários médicos. • Não aceita mudanças no tratamento. • Apresenta alteração de comportamento. • Perde o controle em relação à prescrição, usando cada vez mais opioide. • Abusa do opioide apesar dos efeitos colaterais provocados por doses excessivas e é incapaz de atender às próprias responsabilidades e obrigações. Em relação aos opioides, há dados indicativos de que a utilização desses medicamentos é baixa no Brasil em comparação a outros países, como os Estados Unidos e vários países da Europa. Isso significa que em nosso país os pacientes tem sua dor subtratada. Uma das razões do pouco uso dos opioides é a falta de confiança ou o medo de desencadear eventos adversos que esses medicamentos suscitam. Há também a dependência do opioide, e quando a pessoa dependente não recebe o opioide desenvolve a síndrome de abstinência, caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas associados à falta do medicamento. Os fatores desencadeantes dessa síndrome são a interrupção abrupta, a rápida redução da dose, a administração de um antagonista e a diminuição da concentração sanguínea da droga. Os sinais e sintomas da síndrome de abstinência incluem rinorreia, piloereção (pele arrepiada) e midríase.7 Os possíveis eventos adversos associados aos opioides incluem náuseas, vômitos, constipação, prurido, sonolência, intoxicação, Tanto a dependência física quanto a adição podem ou não estar presentes simultaneamente, pois são condições diferentes. A de- 6 CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 2 • Fevereiro 2014 pendência física é um fenômeno neurofarmacológico, enquanto a adição é um fenômeno comportamental. Ainda se faz necessário comentar a tolerância e a pseudotolerância. A tolerância é a necessidade de aumentar a dose do opioide para atingir ou manter o efeito desejado. O desenvolvimento da tolerância está relacionado a mecanismos moleculares e celulares. A tolerância se desenvolve com o uso contínuo do opioide. Já a pseudotolerância é a necessidade do aumento da dose por outros fatores, como progressão da doença, aparecimento de nova doença ou aumento da atividade física. Nos Estados Unidos, em 1970 foi publicada a Lei Pública sobre a Escala de Substâncias Controladas, que divide as substâncias nos grupos A, B e C, e cada grupo é dividido em cinco sub-grupos (I, II, III, IV e V). O grupo A se refere ao potencial de abuso das substâncias, de forma que as substâncias pertencentes aos sub-grupos I e II se classificam como drogas ou outras substâncias que têm alto potencial de abuso. As do sub-grupo III, têm potencial de abuso menor que as dos grupos I e II. As do sub-grupo IV têm baixo potencial de abuso em relação às pertencentes ao sub-grupo III, e as do sub-grupo V têm potencial de abuso menor que as do sub-grupo IV.8 Pertencem ao sub-grupo II o citrato de fentanila, o hidrocloreto de hidromorfona, a oxicodona, a oxicodona associada ao paracetamol e a morfina. São exemplos de medicamentos do sub-grupo III a hidrocodona associada ao paracetamol e a codeína associada ao paracetamol. O cloridrato de tramadol é um fármaco de baixo potencial de abuso. A prevalência de abuso desse medicamento é igual à dos anti-inflamatórios não esteroides e inferior à da hidrocodona. Dados coletados ao longo de 14 anos na Alemanha demonstraram que o abuso ao cloridrato de tramadol foi menos comum que o da di-hidrocodeína ou o da codeína.9,10 Os opioides atuam via receptores, entre eles o µ (mi), com ação supraespinhal e de sedação. Os diferentes opioides e sua ação sobre os receptores são mostrados no quadro 3. Os opioides devem ser usados de modo racional, pois são substâncias que devem ser administradas em intervalos regulares, mantendo-se o esquema de prescrição obedecendo o tempo de duração da ação de cada opioide. A analgesia de demanda, ou seja S/N (se necessário), deve ser evitada, e o opioide deve ser administrado antes do desencadeamento da dor. Além disso, deve-se prescrever a dose adequada, em intervalos adequados, utilizar a via de administração mais rápida e menos dolorosa e empregar a analgesia multimodal. Os opioides e sua ação sobre os receptores Quadro 3 μ κ σ δ morfina +++ + ++ - codeina +++ + ++ - +++ + + - metadona +++ - + - meperidina ++ + ++ - +++ - oxicodona fentanil sufentanil alfentanil + + + - - - - - - - buprenorfina Parcial+ ++ - - nalbufina Parcial Parcial+++ + + naloxona Antagonista+++ Antagonista++ Antagonista+ Antagonista + - - - cloridrato de tramadol Adaptado de: • Barash, P.G.; Cullen, B.F.; Stoelting, R. K. Clinical Anesthesia. 2001. cap.54. • Miranda, J.J.F.; Melich, M.T. Adiciones. In: Monografía Opiáceos. Edita Socidrogalcohol, v.17, parte 2, 2005. • Rang, H.P.; Dale, M.M.; Ritter, J.M.; Moore, P.K. Farmacologia. 2004. cap. 40 A associação de codeína e paracetamol é bastante comum. A codeína é uma pró-droga e precisa ser biotransformada em morfina para exercer seu efeito analgésico. Essa biotransformação é feita pelo citocromo P450 2D6, portanto a eficácia e a segurança do fármaco dependem dessa reação. Cerca de 10% dos pacientes não são capazes de biotransformar a codeína, portanto para eles a codeína não tem nenhum efeito analgésico.11,12 Uma porcentagem menor é constituída por metabolizadores pobres, ou seja, que transformam pouco a codeína, com consequente efeito terapêutico muito pequeno. Por outro lado, existem os metabolizadores ultrarrápidos, que apresentam risco elevado de toxicidade pela morfina, pois a quantidade de morfina produzida pela biotransformação da codeína é muito grande.11,12 Por outro lado a codeína tem baixa afinidade com os receptores de opioides, motivo pelo qual a sua atividade analgésica é pequena, aliada ao fato de que geralmente apenas 10% dela é biotransformada em morfina. Os eventos adversos associados à codeína incluem constipação, sonolência, tontura, náuseas, vômitos, dependência e tolerância.13 7 CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 2 • Fevereiro 2014 O paracetamol, ou acetaminofeno, é utilizado amplamente como analgésico e antitérmico sendo comumente indicado no controle da dor de intensidade leve a moderada, de caráter agudo ou crônico e também considerado um dos principais causadores (cerca de 46% dos casos) de insuficiência hepática aguda nos Estados Unidos. O paracetamol é usado associado a diversos outros medicamentos, inclusive os opioides, no tratamento da dor aguda ou crônica. Nessas associações, são utilizadas doses mais altas de paracetamol e doses subanalgésicas do opioide, como as doses do opioide são baixas o paciente usa a associação paracetamol com opioide em intervalos curtos ou em doses maiores que a dose recomendada, de modo que a dose do paracetamol se aproxima ou ultrapassa a dose tóxica, o que aumenta o risco de superdose e de intoxicação pelo paracetamol.14 Nos casos de pacientes que desenvolveram insuficiência hepática aguda, 38% deles tomavam simultaneamente mais de uma preparação com paracetamol e 62% deles tomavam uma associação de paracetamol com opioides, como por exemplo, hidrocodona mais paracetamol.14 O cloridrato de tramadol é um analgésico com mecanismo de ação dual, pois atua sobre o receptor µ e também inibe a recaptação de serotonina e de noradrenalina além de aumentar a liberação de serotonina por estimulação pré-sináptica, portanto, aumenta a ação das vias inibitórias sobre a modulação da dor, diminuindo sua intensidade.15-17 (Quadro 4) Mecanismo de ação do cloridrato de tramadol Quadro 4 Analgésico com mecanismo de ação dual Agonistas com moderada afinidade com receptores opioides μ centrais e periféricos Inibe a recaptação de serotonina e noradrenalina+ Aumenta a liberação de serotonina por estimulação pré-sináptica Analgesia Aumento de função das vias inibitórias Adaptado de: • Stoelting, R.K.; Hillier, S.C. Pharmacology & Physiology in Anesthetic Practice. 4.ed., 2006. cap.3, p.115. • Budd, K.; Langford, R. Tramadol revisited. Br J Anaesth., v. 82, n. 4, p. 493-495, 1999. • Katz, K.D. Tramadol is an opioid. J Med Toxicol., v. 4, n. 2, p. 145, 2008. O cloridrato de tramadol apresenta baixa incidência de eventos adversos, particularmente depressão respiratória, constipação e potencial de abuso. Além disso, tem eficácia e boa tolerabilidade no controle da dor em pacientes com traumatismo, cólica renal e biliar, dor crônica oncológica e não oncológica e dor neuropática. Quan- 8 do administrado por via intravenosa ou intramuscular, tem 1/10 da potência da morfina, ou seja, 100 mg de cloridrato de tramadol exibem eficácia analgésica equivalente a 10 mg de morfina, porém sem apresentar a mesma intensidade de alguns dos efeitos adversos da morfina como a sonolência, depressão respiratória, prurido e constipação intestinal. Ademais o tempo de duração da ação do cloridrato de tramadol é o dobro da duração da ação da morfina.10,18 O cloridrato de tramadol é especialmente recomendado nas diretrizes de tratamento da dor neuropática e musculoesquelética devido a sua eficácia, segurança e tolerabilidade. Ele apresenta melhor perfil em relação a eventos adversos em comparação aos opioides tradicionais. O cloridrato de tramadol está disponível há 30 anos, e a experiência clínica acumulada se estende a mais de 5 bilhões de dias de tratamento, o que torna os dados clínicos extremamente robustos. O cloridrato de tramadol apresenta em comparação aos opioides tradicionais, analgesia efetiva na dor neuropática, com potencial de abuso pequeno e eventos adversos menores. Em comparação à morfina, o cloridrato de tramadol apresentou resposta analgésica melhor na dor pós-traumática, em atendimento pré-hospitalar. A satisfação dos pacientes e dos médicos também foi maior com cloridrato de tramadol em comparação à morfina.19 A vigilância pós-comercialização do cloridrato de tramadol mostrou baixa incidência de eventos adversos tanto na administração de curta quanto de longa duração: náuseas, 4,2% e 4,8% respectivamente; e tontura, 4,4% e 4,6% respectivamente. A incidência de cansaço, sonolência, sudorese, vômitos e boca seca foi ainda menor. (Quadro 5) A incidência de náuseas e vômitos com cloridrato de tramadol é similar à dos opioides tradicionais e depende da dose, da formulação e da via de administração. A probabilidade de ocorrência de náusea é maior no início do tratamento com cloridrato de tramadol, entretanto é habitualmente transitória e controlável. O cloridrato de tramadol, em comparação à morfina em pacientes oncológicos, apresentou redução significativa da gravidade das náuseas durante o tratamento.20 A otimização do uso de cloridrato de tramadol em analgesia pré-operatória recomenda administração antes ou durante o procedimento, de maneira lenta, em gotejamento durante 15 a 20 minutos, pois isso reduz a incidência de náuseas e vômitos e melhora a qualidade do controle da dor. CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 2 • Fevereiro 2014 Eventos adversos com cloridrato de tramadol: vigilância pós-comercialização Quadro 5 Percentual de pacientes (%) Evento adverso Administração de curta duração (n=3.536) Administração de longa duração (n=13.129) Náusea 4,2 4,8 Tontura 4,4 4,6 Sonolência - 1,1 Cansaço 1,9 2,1 Sudorese 0,8 0,8 Vômitos 0,5 1,0 0,7 1,5 Boca seca Adaptado de: Grond S, Sablotzki A. Clinical pharmacology of tramadol. Clin. Pharmacokinetics. , v. 43, n.13, p.879-923, 2004. O uso de cloridrato de tramadol de liberação prolongada é mais cômodo para o paciente. Apresenta duração do efeito durante 12 horas, eficácia e tolerabilidade similares às da formulação de liberação imediata e menor incidência de eventos adversos.10,21 Seu uso é recomendado apenas para pacientes com mais de 16 anos de idade. Conclusões • No tratamento da dor deve ser utilizada, sempre que possível, a analgesia multimodal. • A dor deve, sempre que possível, ser tratada segundo a escala analgésica. Referências: 1. Berry PH, Dahl JL. Pain Management Nursing. 2000;1:3-12. 2. Fortier, J.; Chung, F.; Su, J. Unanticipated admission after ambulatory surgery--a prospective study. Can. J. Anaesth., v.45, n.7, p.612-619, 1998. 3. Chung, F.; Ritchie, E.; Su, J. Postoperative pain in ambulatory surgery. Anesth. Analg., v.85, n.4, p.808-816, 1997. 4. Cousins, M; Power, I. Acute and postoperative pain. In: Wall, P.D.; Melzack, R. (Eds.). Textbook of Pain. 4. ed. Edinburgh, UK: Churchill Livingstone, 1999. p. 447-491. 5. Bowler, D.B. et al. In: Cousins, M.J.; Phillips, G.D. (Eds.). Acute Pain Management, 1986. p.187–236. 6. Modig, J. et al. Thromboembolism after total hip replacement: role of epidural and general anesthesia. Anesth. Analg., v.62, n.2, p.174-180, 1983. 7. Baltieri, D.A. et al. Diretrizes para o tratamento de pacientes com síndrome de dependência de opióides no Brasil. Rev. Bras. Psiquiatr., v.26, n.4, p.259-269, 2004. 8. Public Law 91-513-Oct. 27, 1970. Disponível em: http://www.gpo.gov/fdsys/pkg/STATUTE-84/ pdf/STATUTE-84-Pg1236.pdf 9. Adams, E.H. et al. A comparison of the abuse liability of tramadol, NSAIDs, and hydrocodone in patients with chronic pain. J. Pain. Symptom. Manage., v.31, n.5, p. 465-476, 2006. 10. Grond, S.; Sablotzki, A. Clinical pharmacology of tramadol. Clin. Pharmacokinetics., v. 43, n.13, p.879-923, 2004. 11. Crews, K.R. et al. 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Vergnion, M. et al. Tramadol, an alternative to morphine for treating posttraumatic pain in the prehospital situation. Anesth. Analg., v.92, n.6, p.1543-1546, 2001. 20. Wilder-Smith, C.H. et al. Oral tramadol, a mu-opioid agonist and monoamine reuptakeblocker, and morphine for strong cancer-related pain. Ann. Oncol., v.5, n.2, p.141-146, 1994. 21. Sorge, J.; Stadler, Th. Comparison of the analgesic efficacy and tolerability of tramadol 100mg sustained-release tablets and tramadol 50mg capsules for the treatment of chronic low back pain. Clin. Drug Investig., v.14, n.3, p.157-164, 1997. 9 CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 2 • Fevereiro 2014 Dor e esporte Dr. André Pedrinelli CREMESP 51.776 Professor do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Existem situações no esporte que provocam dor, mas não constituem a rotina da prática esportiva. A dor foi definida pela Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) como “uma experiência sensorial e emocional desagradável que é associada a lesões reais ou potenciais ou descrita em termos de tais lesões. A dor é sempre subjetiva, e cada indivíduo aprende a utilizar esse termo por meio de suas experiências”. A dor faz parte da vida do atleta, e atualmente muitos deles trabalham no limite, que é muito difícil de encontrar. Embora o principal motivo de abandono do esporte sejam as lesões, hoje em dia também há indivíduos que prosseguem na prática esportiva por mais tempo. mais de 80% das pessoas submetidas a cirurgias referem dor pós-operatória. A dor é o sintoma mais temível relacionado à doença e ao sofrimento mesmo em comparação com a expectativa de morte. Um estudo que utilizou um questionário espontâneo feito entre pessoas que treinavam mostrou que 76% dos atletas brasileiros apresentam dor durante a atividade física. Tanto o treinamento intenso quanto a inatividade são fatores predisponentes para a presença de dor durante a atividade física. Quando há a presença de uma lesão anatômica estabelecida, isto é praticamente certo. Em relação à prevalência da dor, no Brasil existem poucos estudos sobre esses números. Entretanto, 70% das pessoas que procuram os médicos o fazem em decorrência de uma queixa dolorosa. Oitenta por cento dos pacientes com câncer disseminado expressam dor em uma ou mais regiões do corpo. Em ortopedia, além da dor referida pelos pacientes, ainda existem procedimentos cirúrgicos complexos e dolorosos. Scott Dye desenvolveu, em 1996, a teoria do envelope fisiológico, que diz que cada pessoa é diferente e deve ser tratada dessa maneira. Quando o exercício fica dentro do envelope fisiológico de cada pessoa, não há lesão anatômica estabelecida. Por outro lado, toda vez que o exercício ultrapassa esse envelope fisiológico, há um dano que pode ser reversível ou não.1 A maioria dos esportes tradicionais caminha para essa individualização. Nos Estados Unidos há muitos estudos publicados e segmentados por tipo de dor que mostram que A dor é dividida em fases: I, leve (<24 horas); II, posterior ao exercício (>24 horas, me- 10 CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 2 • Fevereiro 2014 lhora com o aquecimento); III, durante o exercício, sem alterar a função; IV, durante o exercício, com alteração da função; V, durante atividades da vida diária; VI, durante atividades da vida diária, leve e eventualmente em repouso; e VII, constante, em repouso, atrapalhando o sono. A dor no esporte tem também características psicológicas. Muitas avaliações feitas pelo psicólogo permitem saber se o atleta está entrando em estado de supertreinamento, em fadiga. Quando o rendimento do atleta começa a cair sem que exista motivo técnico estabelecido, é possível tirá-lo do treino antes que sofra lesões. Existem dois tipos de lesão no esporte – as fortuitas e as típicas. Vomitar após uma maratona, por exemplo, é extremamente comum. Já vomitar após um jogo de futebol não é comum. É preciso entender que cada esporte tem uma dinâmica e cada dinâmica tem uma posição nos esportes coletivos. A dor também pode ser aguda ou crônica, traumática ou causada por sobrecarga. A maioria das lesões no esporte não é traumática, mas ocorre durante o treinamento. Um atleta funcional, porém, tem muito menos chance de lesão do que um atleta de fim de semana porque, embora o risco do atleta funcional seja maior, quando se faz a estimativa pelo número de horas ele acaba por ter menor chance de sofrer danos. Mesmo assim, há risco 2,36 vezes maior de lesão em cada partida de futebol oficial. A dor depende de fatores intrínsecos e extrínsecos. Os fatores intrínsecos estão relacionados com o atleta em si e com a idade. Já os fatores extrínsecos se relacionam com os fatores coletivos. O conhecimento profundo da anatomia do corpo humano possibilita entender por que uma pessoa tem dor, assim como prever o local em que essa dor se manifesta. A dor pode ocorrer em qualquer estrutura do organismo, e no esporte os focos principais são ossos, cápsulas articulares, cartilagens, músculos, tendões, meniscos e ligamentos. Os tecidos corporais têm comportamento biomecânico muito parecido. Na fase inicial se observa a elasticidade do sistema, mas, a partir de 4% de alongamento da unidade motora, já se começa a ter plasticidade. Com cerca de 8% de alongamento, já existe falência do sistema. (Quadro 1) Quando se aplica uma carga e esta é retirada do sistema, ocorre a defasagem entre a carga e a descarga. Quanto mais bem treinado o atleta, menor esse delta. Quanto maior o delta, maior a dissipação de energia. Comportamento biomecânico dos tecidos Quadro 1 Plasticidade Elasticidade Deformação 2% Falência total 4% 6% 8% Elaborado pelo autor. A tendinose é uma lesão biomecânica caracterizada por degeneração intratendínea por atrofia, degeneração intratendínea não inflamatória com desorientação de fibras, hiperplasia angiofibroblástica, ausência de edema local, nódulos tendíneos geralmente palpáveis, aumento de glutamato, aumento de lactato e neovascularização. Alguns pontos são importantes na discussão sobre classificação da dor. São eles o gênero, a idade, o nível de esporte, o volume de treino, o estilo de prática esportiva, o tipo de piso e o equipamento. Há dores também causadas por fadiga. Existem basicamente dois tipos de fadiga: a central, mais comum, na qual ocorrem diminuição da ativação do sistema nervoso central e acúmulo de ácido láctico, e a periférica, na qual ocorrem alterações musculares locais pelo acúmulo de fósforo. Quando existe fadiga central, o risco de lesão é maior. As causas da dor abrangem: treino inadequado, retração muscular, desidratação, má nutrição, temperatura baixa, circulação diminuida e baixa oxigenação local. A maior parte dessas causas é eliminada pelo bom planejamento de treinos. A força, o alongamento, a coordenação e o condicionamento aeróbico são fatores de proteção em todas as atividades físicas. Há atualmente o conceito de core, que é a correlação entre a estrutura que suporta a coluna e a pelve. O treino de core tem o objetivo de fornecer equilíbrio e coordenação. O mecanismo do trauma pode ser direto ou indireto. O trauma direto está relacionado ao tipo de piso. A dor muscular tardia é muito importante e ocorre com muitas pessoas. É a dor que se segue a um exercício vigoroso anormal 11 CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 2 • Fevereiro 2014 e geralmente ocorre no início ou na retomada de treinos. Ela se inicia algumas horas após o término dos exercícios, mas pode ocorrer em até dois dias. A transição miotendínea e as fáscias são os locais mais frequentes de dor associada a exercícios rítmicos de alta intensidade e pouca fadiga (excêntricos). Está provavelmente associada a microrrupturas e a espasmo muscular, que produz isquemia, e não se relaciona a acúmulo de lactato, mioglobinúria e hidroxiprolina. O exercício excêntrico é o agente principal da dor muscular tardia porque demanda seis vezes mais força que o exercício concêntrico habitual. Há vários tipos de tratamento da dor, como o medicamentoso, o físico, o cirúrgico, o preventivo e o curativo. Os motivos da adoção de medicamentos para atletas profissionais abrangem o uso terapêutico legítimo, a continuidade da performance, o ganho de performance e os aspectos psicológicos. A grande maioria dos atletas é saudável, porém eles usam muita medicação. Observa-se que a taxa de uso de anti-inflamatórios entre os atletas de futebol vem aumentando.2 Outro estudo mostrou que 20,1% dos atletas utilizam anti-inflamatórios. Esse medicamento foi 8,5 vezes mais usado que os analgésicos. Mais de 10% dos atletas tomam anti-inflamatórios antes de cada partida e 30,8% já tomaram esses fármacos antes de pelo menos uma partida. Entre os jogadores de futebol internacional, 86% são usuários frequentes de anti-inflamatórios não esteroides.3 12 Outro dado importante mostra que 71,2% dos atletas amadores e profissionais de corrida do Brasil já trataram de alguma dor decorrente de sua atividade sem procurar o médico.4 As superstições e os rituais são frequentes no esporte, mas algumas práticas se mostram inofensivas e ajudam a reduzir a ansiedade. Entretanto, um ritual preocupante é o uso profilático de anti-inflamatórios não esteroides nos esportes.5 Quem faz uso de medicamentos sem apresentar dor toma uma atitude errada. Já existem atualmente documentos do Comitê Olímpico e da Fifa que indicam a medicação que pode ser usada e não entra no controle de doping. Em resumo, as dores são às vezes mal diagnosticadas, mal avaliadas ou maltratadas, principalmente do ponto de vista medicamentoso. Em consequência, as causas da dor são relegadas a segundo plano. Referências: 1. Dye SF. The knee as a biologic transmission with an envelope of function: a theory. Clin Orthop Relat Res. 1996 Apr;(325):10-8. 2. Tscholl P et al.The use of medication and nutritional supplements during FIFA World Cups 2002 and 2006. Br J Sports Med. 2008;42(9):725-30 3. Taioli E.Use of permitted drugs in Italian professional soccer players. Br J Sports Med. 2007;41(7):439-41. 4. Silva RT et al. Fatores de risco para lesões em atletas amadores e profissionais de corrida: análise do perfil de 7.731 atletas brasileiros. Apresentado no 40° CBOT, 13 a 15 de novembro de 2008, Porto Alegre, RS. 5. Warden SJ. Prophylactic misuse and recommended use of non-steroidal anti-inflammatory drugs by athletes. Br J Sports Med. 2009;43(8):548-9. CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 2 • Fevereiro 2014 Adição e dependência de opioides Muitos pacientes, em todo o mundo, deixam de receber a analgesia adequada em razão da existência de restrições regulatórias excessivas sobre a disponibilidade de analgésicos opioides. Existe uma barreira à prescrição de opioides relacionada a conceitos incorretos sobre a hiperalgesia induzida por esses agentes, além de recomendações sem base em evidências científicas sobre o potencial de efeitos adversos, inclusive sobredose, desenvolvimento de tolerância, adição, dependência e abuso.1 (Tabela 1) Conceitos utilizados na prática clínica Dr. Durval Campos Kraychete CREMEB 10.486 Professor Adjunto de Anestesiologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Coordenador do Ambulatório de Dor Um trabalho recente demonstrou que a prevalência de dependência pode variar de 0% a 31% (média de 4,5%).2 Entretanto parece maior que o esperado e pode oscilar de 0% a 50%.3,4 Essa variação de prevalência talvez esteja relacionada a diferenças de método e fatores de risco na avaliação de dependência, de tempo de tratamento e de observação do estudo. Houve de fato aumento da prescrição de opioides entre 2002 e 2007 (de 4,1% a 4,6%) entre adultos jovens, principalmente do sexo masculino (15,9% vs. 11,2%). Tabela 1 Tolerância Estado de adaptação em que a exposição a uma droga induz a alterações que resultam na redução do efeito de um ou mais opioides ao longo do tempo Dependência física Estado de adaptação caracterizado por síndrome de abstinência, que pode resultar de retirada abrupta, de rápida redução da dose ou da concentração sanguínea de um fármaco ou da administração de antagonista específico Adição Doença neurobiológica crônica e primária cujo desenvolvimento e cuja manifestação se associam a componentes genéticos, psicossociais e ambientais. Caracteriza-se por comportamentos que abrangem falta de controle sobre o uso da droga, uso compulsivo, fissura e uso contínuo a despeito do mal que a droga produz Comportamento aberrante Comportamentos que vão além dos limites acordados no plano de tratamento entre o médico e o paciente Mau uso Uso de medicação sem indicação médica ou por outras razões além das prescritas. Abrange também o emprego de substâncias (intencional ou não) de modo incompatível com as recomendações médicas. Pode haver alteração de doses ou quebra de medicamentos com consequências prejudiciais aos indivíduos Abuso É o mau uso, com consequências, para modificar ou controlar o comportamento ou o estado mental de maneira ilegal ou prejudicial a si mesmo ou aos outros. Isso inclui acidentes, insultos, problemas legais e comportamento sexual que aumenta o risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis Diversão Trata-se da transferência intencional de substâncias de uma distribuição legítima para canais ilegais ou da obtenção de drogas por métodos ilícitos Adaptado de: Juurlink DN, et al . J Med Toxicol. 2012;8(4):393-9. 13 Deve-se lembrar que os americanos consomem 80% do suprimento global de opioides, 99% do suprimento de hidrocodona e dois terços das drogas ilegais existentes no mundo. Além disso, 20% deles reportaram a utilização de opioides sem prescrição médica, o que favorece o mau uso. Quanto aos fármacos, a oxicodona e a hidrocodona são os mais procurados (75% dos casos), em maior proporção que morfina, fentanil e hidromorfona. Por outro lado, entre os usuários de rua, a metadona é a mais utilizada e vendida.4,5 Os fatores de risco de dependência e abuso de opioides incluem idade (de 18 a 24 anos), CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 2 • Fevereiro 2014 sexo masculino, queixa subjetiva de dor em vários locais do corpo, dor lombar, história anterior de abuso de álcool, Cannabis ou drogas ilícitas, presença de transtorno psiquiátrico (ansiedade ou depressão) ou de estresse psicossocial, uso de psicotrópicos, aumento do grau de tolerância à dor, fissura pela obtenção do fármaco, antecedente criminal, tabagismo, raça branca (pelo recebimento de mais analgésicos nas unidades de emergência), presença de limitação funcional relacionada à dor, história de estresse pós-traumático, desemprego e hepatite C. (Tabela 2).4,6,7 Dependência de opioides: bandeira vermelha para memorizar Tabela 2 Há suspeita de dependência de opioides nos paciente que: 1. Descrevem dor nas costas ou resultante de lesões ortopédicas sem documentação correta nem imagem. 2. Solicitam um tipo de opioide específico para alívio da dor. 3. Demonstram pouco interesse na realização de exames físicos, testes diagnósticos e tratamentos não farmacológicos. 4. Conversam sobre mudanças no trabalho ou situações relacionadas. 5. Deixam de participar de atividades que anteriormente ocupavam boa parte de seu tempo. Esse pode ser um sinal de isolamento social ou de necessidade de tempo para procurar opioides. Adaptado de: Schultz D. Minn Med. 2013;96(3):42-4. Em relação aos fatores genéticos, variações nas regiões de codificação 118 A > G e 17 C > T SNP do gene para o receptor opioide µ (OPRM1) e 36 G>T SNP do gene para o receptor OPRK1 e 80 G>T e 921 C> T para o receptor OPRD1 podem aumentar o risco de abuso. Outro polimorfismo da pré-proencefalina (PENK) e do receptor tipo 2 de melanocortina (MC2R) está associado à dependência de opioides em múltiplos estudos.8 A utilização de testes de identificação do potencial de dependência e de abuso de opioides deve estar de acordo com a estratificação de risco: 1) risco baixo, ausência de história de abuso de substâncias ou de comorbidade psiquiátrica (DSM4); 2) risco médio, história de abuso de substâncias ou de comorbidade psiquiátrica (DSM4); 3) risco alto, história de dependência e comportamento aberrante (roubo de prescrição, falsificação de prescrição, uso injetável de formulações orais, abuso de álcool, solicitação de prescrição de forma agressiva, escalonamento não racional de doses, obtenção de prescrições por vias 14 ilegais, perda de prescrições, múltiplas entradas em postos de emergência, perda de posição no trabalho, na família e na vida social.4,9,10,11 A chance de desenvolver abuso de opioides aumenta à medida que o indivíduo apresenta mais de um fator de risco, assim como se eleva a frequência de testes toxicológicos positivos de urina.12 Existem vários instrumentos de avaliação do risco de dependência e de abuso, entre eles: Prescription abuse check list, Prescription Drug Use Questionnaire (PDUQ), Screening Tool for Addiction Risk (STAR), Screening Tool for Abuse, Pain Assessment and Documentation Tool (PADT), Screener and Opioid Assessment for Patients with Pain (SOAPP), Pain Medication Questionnaire (PMQ), Revised Screener and Opioid Assessment for Patients with Pain (SOAPP-R), Opioid Risk Tool (ORT), Scoring System to Predict Outcome (DIRE), Addiction Behavior Checklist (ABC), Current Opioid Misuse Measure (COMM), Prescription Opioid Misuse Index (POMI) e Prescribed Opioid Difficulties Scale (PODS). Esses questionários ainda não foram validados no Brasil, apresentam propriedades psicométricas fracas e não foram reprodutíveis, o que implica em limitações metodológicas sem base na boa prática clínica. Além disso, alguns são complexos, extensos e pouco compreendidos pelos pacientes. Desse modo, na escolha do instrumento, deve-se pensar na facilidade e no tempo de aplicação, na habilidade do médico em lidar com o questionário e nas características clínicas do paciente. Os instrumentos de autorrelato falham na identificação de comportamentos aberrantes.4,13 Os testes urinários podem detectar a presença de drogas ilícitas, como heroína e cocaína, ou de outras substâncias controladas não prescritas pelo médico. Deve-se lembrar que um entre cinco pacientes que utilizaram opioides apresenta teste urinário positivo em relação a uma droga ilícita. Os testes urinários ajudam a detectar adição e abuso de substâncias em 19,6% dos pacientes. No entanto, podem ser falso-positivos, e seu uso não é rotineiro.14 O tratamento da dependência é multidisciplinar, focado no apoio psicológico CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 2 • Fevereiro 2014 especializado. A terapia medicamentosa inclui o uso de agonistas (buprenorfina ou metadona) ou de um antagonista (naltrexona). O objetivo é prevenir ou reduzir a dependência física, a fissura e a recaída e restituir ao estado normal todas as funções fisiológicas (como o sono e os movimentos intestinais). Deve-se estar atento ao risco de interação medicamentosa, de diversão e de potencial de sobredose. A buprenorfina, ao contrário da metadona, não provoca alterações eletrocardiográficas, tampouco disfunção erétil, cognitiva ou psicomotora. No entanto, apresenta custo aproximado de 12 dólares/dia e efeito teto. A metadona deve ser iniciada com doses inferiores a 40 mg e é a primeira escolha para pacientes grávidas. Apresenta, contudo, maior risco de arritmia cardíaca, sobredose, aumento de peso, sedação e recaída após 12 meses de tratamento. A naltrexona deve ser iniciada sete dias após a retirada do opioide, tratando-se a síndrome de abstinência com clonidina.6 Conclusão Dessa forma, podemos concluir que emprego de opioides a longo prazo deve ser feito baseado em estratificação de risco, evitando complicações como adição e dependência física. Uma vez iniciado a terapia é importante monitorar os efeitos adversos e iniciar tratamento adequado facilitando a compreensão de que o uso de opioides ainda é uma grande arma no tratamento da dor crônica, desde que bem indicado. Referências: 1. Savage SR, Joranson DE, Covington EC, Schnoll SH, Heit HA, Gilson AM. Definitions related to the medical use of opioids: Evolution towards universal agreement. J Pain Symptom Manage. 2003;26:655-667. 2. Minozzi S, Amato L, Davoli M. 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