191 ECONOMIA SOLIDÁRIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: RESGATE PARA A IGUALDADE SOCIAL SOLIDARITY ECONOMY AND PUBLIC POLICY: REDEMPTION FOR SOCIAL EQUALITY Mariana Leiu Richter1 Sebastião Sérgio da Silveira2 RESUMO A partir de uma análise histórica sobre a conquista dos direitos sociais e o papel do Estado na implementação de políticas públicas garantidoras de um patamar mínimo, o presente texto busca afirmar as bases da economia solidária como sendo um modelo alternativo e eficaz haja vista os pilares que a sustentam. Exemplificam-se, ainda, algumas ações voltadas à efetivação dessas demandas promovidas tanto pelo Estado por meio das políticas Públicas, como também ações da sociedade civil. É neste contexto que se vislumbra ser possível a reestruturação da sociedade e a implementação da igualdade entre os indivíduos utilizando-se políticas públicas de economia solidária. Palavras-chave: Economia solidária. Políticas públicas. Igualdade social. ABSTRACT From a historical analysis about the conquest of members rights and the role of the State in the implementation of public policies that guarantee a minimum level, this paper aimed to affirm the basis of the solidarity economy as an alternative and effective model in view of the pillars that sustain it. It is also exemplified some actions for realization of these demands promoted by both the state through public policies as well as civil society actions. It is in this context that can be glimpsed the possible restructuring of society and the implementation of equality between individuals using public policy of solidarity economy. Keywords: Social economy. Public policies. Social equality. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2007). Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2008). Mestranda na área de Direitos Coletivos e cidadania pela Universidade de Ribeirão Preto (2013). Servidora pública Federal. 2 Professor Titular e Coordenador do Curso e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Ribeirão Preto – UANERP; Professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FDRP/USP; Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP; Pós Doutor na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – FD/UC; Promotor de Justiça no Estado de São Paulo. 1 Revista Paradigma, Ribeirão Preto-SP, a. XVII, n. 21, p. 191-204, jan./dez. 2012. ISSN 2318-8650 192 1 INTRODUÇÃO Os direitos sociais surgem de uma evolução histórica marcada pela luta das classes menos favorecidas por melhores condições de vida. Nesse contexto, o Estado tornouse o principal garantidor do bem estar da população e o faz através de ações denominadas Políticas Públicas. Esses procedimentos estatais devem ser pautados por parâmetros objetivos para a melhor consecução dos resultados. Observa-se nesse sentido a implantação de um novo conceito no qual toda a sociedade possui espaço para participar desse planejamento, sendo cada vez mais importante a sua colaboração tanto na fase de elaboração como no controle. Assim, importante se faz a análise da economia solidária como alternativa viável e eficaz na implantação desses novos parâmetros voltados à igualdade social. Indubitável que a economia solidária vem assumindo importante função na busca de ações para a reorganização do mercado de trabalho inserindo indivíduos antes excluídos no sistema produtivo. O que se procura refletir neste estudo é se é possível a propositura de um novo patamar social com a reintegração da uma classe excluída do sistema vigente por meio de políticas públicas de economia solidária? O referido artigo está elaborado em três partes. A primeira versa sobre a garantia dos direitos sociais e a importância das políticas públicas nessa chancela. Em um segundo momento discorre sobre a economia solidária como estrutura de uma política pública com bases sólidas a fim de se instaurar novos padrões sociais. E por fim, analisam-se casos concretos de aplicação da economia solidária no nosso ordenamento, com ênfase tanto nas ações mais tímidas como também em empreendimentos que estão mais avançados na aplicação dessas políticas. 2 O DESENVOLVIMENTO SOCIAL POR MEIO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS As lutas sociais por melhores condições de vida, como a revolução francesa em 1978 e a inglesa em 1688, acarretaram a necessidade do Estado de assumir papel fundamental na manutenção da sociedade. Primeiramente o Estado Liberal se instaurou com objetivos de assegurar a liberdade individual dos indivíduos, sem interferência na esfera econômica da sociedade. Haja vista a necessidade de assegurar direitos imprescindíveis e essenciais aos cidadãos e após as crises que assolaram as camadas mais pobres e desprotegidas, como a crise Revista Paradigma, Ribeirão Preto-SP, a. XVII, n. 21, p. 191-204, jan./dez. 2012. ISSN 2318-8650 193 de 1929, reconheceu-se a necessidade da implantação de um patamar social mínimo. Nesse sentido o Estado social possibilitou a afirmação de direitos básicos como afirma Bonavides2: [...] o Estado social [...] requer sempre a presença militante do poder político nas esferas sociais, onde cresceu a dependência do indivíduo, pela impossibilidade em que se acha, perante fatores alheios à sua vontade, de prover certas necessidades existenciais mínimas. Assim, fruto de uma evolução histórica, o Estado torna-se o principal sujeito garantidor de um patamar social mínimo para a população e o faz através de instrumentos próprios que são as chamadas políticas públicas. Políticas públicas na visão de Maria Paula Dallari Bucci3 podem ser conceituadas como: Programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Importante salientar a visão de Schmidt4 sobre as dimensões das políticas públicas: primeiramente descreve a polity, que abrange a análise das instituições políticas e das questões administrativas da burocracia estatal, como o sistema de governo, a estrutura e o funcionamento dos Poderes estatais; já as politics, compreendem os processos da dinâmica política entre os atores políticos, tem caráter processual; e por último explicita a policy, que diz respeito aos conteúdos concretos da política, que são as políticas públicas propriamente ditas, ou seja, é a dimensão material e concreta das políticas. O fundamento dessas políticas públicas consiste na necessidade de concretizar direitos por meio de prestações positivas do Estado a fim de contemplar uma situação de igualdade na sociedade. Nesse sentido, de acordo com os ensinamentos de Comparato5 “o desenvolvimento econômico e social, com a eliminação das desigualdades, pode ser considerado como a síntese dos objetivos históricos nacionais.” Cristaliza-se, portanto, a função mantenedora do Estado. BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 200. BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 241. 4 SCHMIDT, João Pedro. Para entender as políticas públicas: aspectos conceituais e metodológicos. In: REIS, Jorge Renato; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2008, p. 2310-2311. 5 COMPARATO. Fábio Konder. Muda Brasil: uma Constituição para o desenvolvimento democrático. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 410. 2 3 Revista Paradigma, Ribeirão Preto-SP, a. XVII, n. 21, p. 191-204, jan./dez. 2012. ISSN 2318-8650 194 Assim, em face desse contexto, no começo do século XX os países com a economia capitalista já estabelecida, fortaleceram suas bases sociais e fim de possibilitar a intervenção em diversas áreas como a saúde e educação, até mesmo regulando o mercado e a produção de bens e consumo6. Esta nova dimensão estatal somada às destruições e desgastes acarretados pela 2° Guerra mundial consolidaram modelo de Welfare State como sendo um paradigma a ser seguido. Atrelado, primeiramente, ao modelo burocrata de Weber, o Welfare State conquistou adeptos devido à reforma estrutural oferecida com a implantação de certos princípios norteadores como a busca da profissionalização, a exigência da formalização, a observância da autoridade hierárquica dentre outros. No Brasil, conquistas relacionadas aos direitos trabalhistas e previdenciários foram políticas públicas marcantes deste período em que pese o mesmo não ter ocorrido com os direitos políticos. Supera-se assim, este padrão de desenvolvimento de políticas públicas, com a construção teórica de um sistema gerencialista, no qual as funções primordialmente exercidas pelo poder público são transferidas ao agente privado7. Conceitos inovadores foram trazidos à baila com a implementação de novos elementos, contudo o Estado não conseguia impulsionar as políticas públicas de modo satisfatório. Anunciava-se assim a ineficiência do modelo neoliberal aplicado, e a busca por novos horizontes tornou-se um objetivo para o desenvolvimento social. A relevância do aspecto social nas relações entre o Estado e a população ganhou força, alterando assim as bases existentes que privilegiavam o desenvolvimento econômico com a derrocada da “teoria do derrame” 8que aventava o desenvolvimento social como consequência do desenvolvimento econômico. Surge assim uma nova concepção de sociedade, que sustenta a necessidade da existência de um padrão de igualdade entre os integrantes da sociedade, em todas as áreas, para que o desenvolvimento social possa ser completo. SCHMIDT, João Pedro. Gestão de políticas públicas: elementos de um modelo pós-burocrático e pósgerencialista. In: REIS, Jorge Renato; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Direitos sociais & políticas públicas: desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2007, p. 1990. 7 Id., 2007, p. 1997. 8 KLIKSBERG, Bernardo. Repensando o estado para o desenvolvimento social: superando dogmas e convencionalismos. São Paulo: Cortez, 1998, p. 24. 6 Revista Paradigma, Ribeirão Preto-SP, a. XVII, n. 21, p. 191-204, jan./dez. 2012. ISSN 2318-8650 195 As políticas públicas ressurgem, dessa forma, como um mecanismo fundamental para o gerenciamento da sociedade, entretanto passam por um longo caminho até a sua concretização. Deve-se seguir um planejamento adequado e a eficaz para a consecução dessas medidas, observando- se alto grau de tecnicidade desde a identificação de determinada deficiência até a restauração do nível desejado. Carecem, portanto, ser efetivadas diversas frentes de políticas pelo Estado respeitando a necessidade de cada demanda. No aspecto econômico, ganha força o debate em torno da necessidade de parceria entre Estado e Sociedade. A percepção tradicional de desenvolvimento ainda existe em nossa sociedade, e traduz no lucro como o principal objetivo de economia, não obstante a formação de novos propósitos sociais voltados à inclusão social. Outrossim, de forma ambiciosa, objetiva-se relacionar, dentre esses novos parâmetros, o fomento de políticas públicas de economia solidária como forma de efetivação de novas diretrizes para a nossa sociedade. Dessa forma, procura-se afirmar a necessidade de medidas com intuito de fomentar as práticas de economia solidária haja vista considerar suas bases um meio eficaz para a redução da desigualdade social. Nesse sentido, oportuno se faz apresentar a relação existente entre a economia solidária e as políticas públicas. 3 ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO SUSTENTAÇÃO PARA UM NOVO PARADIGMA DE MERCADO As políticas públicas de promoção da economia solidária somente podem ser efetivadas em um Estado que emane dentre seus objetivos a busca pela igualdade entre os cidadãos. Isso porque o objetivo da economia solidária baseia-se na promoção da participação de todos aqueles indivíduos que por alguma razão não consigam incluir-se ao sistema capitalista vigente. Neste modelo pouco tem relevância o motivo da exclusão. Sabe-se que pode ser de diversas frentes como a falta de qualificação dos profissionais, baixa escolaridade, e o mercado agressivo cujo objetivo primordial é auferir lucro independente das condições que assegurem esse propósito. Nesse contexto de profunda desigualdade nas relações entre os detentores de capital, que são os que, na maioria das vezes, determinam as normas a serem seguidas e por Revista Paradigma, Ribeirão Preto-SP, a. XVII, n. 21, p. 191-204, jan./dez. 2012. ISSN 2318-8650 196 óbvio as que mais atendam aos seus objetivos, e os trabalhadores, o Estado atua como regulador, um intermediador observando os direitos assegurados e ao mesmo tempo os ditames da ordem capitalista por meio de políticas sociais, assim esclarece Offe9 “[...] a política social é a forma pela qual o Estado tenta resolver o problema da transformação duradoura de trabalho não assalariado em trabalho assalariado”. O Estado cuidaria não só de qualificar permanentemente a mão-de-obra para o mercado, como também, através de políticas e programas sociais voltados para área, procuraria manter sob controle essa parcela da população que não se encontra inserida no processo produtivo. A economia solidária surge em um momento político que traduz intensa degradação aos direitos sociais, consiste dessa forma, em uma resposta da sociedade aos problemas trazidos pela conjuntura econômica adquirida com o modelo capitalista. O principal pilar dessa nova concepção de estrutura social é a cooperação e a solidariedade para a atenuação e até mesmo erradicação dos problemas sociais decorrentes do sistema da tradicional. Nesse sentido, oportuno citar o conceito de economia solidária como sendo um novo modo de produção, de acordo com a visão de Paul Singer10: A economia solidária surge como modo de produção e distribuição alternativo ao capitalismo, criado e recriado periodicamente pelos que se encontram (ou temem ficar) marginalizados do mercado de trabalho. A economia solidária casa o princípio da unidade entre posse e uso dos meios de produção e distribuição (da produção simples de mercadorias) com o princípio da socialização destes meios (do capitalismo). Sob capitalismo, os meios de produção são socializados na medida em que o progresso técnico cria sistemas que só podem ser operados por grande número de pessoas, agindo cordialmente, ou seja, cooperando entre si. [...] O modo solidário de produção e distribuição parece à primeira vista um híbrido entre capitalismo e a pequena produção de mercadorias. Mas, na realidade, ele constitui uma síntese que supera ambos. A economia solidária é uma criação em processo contínuo de trabalhadores em luta contra o capitalismo. A economia solidária possui forte base advinda de movimentos sociais, inclusive o movimento de economia solidária, que divulga a ideia da necessidade de construir empreendimentos solidários. 9 OFFE, Claus.; LENHARDT, Jero. Teoria do Estado e política social. In: OFFE, Claus. Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1984, p. 15. 10 SINGER, Paul.; SOUZA, André R. (Org.). A economia solidária no Brasil: a autogestão como resposta ao desemprego. São Paulo: Contexto, 2000, p. 13. Revista Paradigma, Ribeirão Preto-SP, a. XVII, n. 21, p. 191-204, jan./dez. 2012. ISSN 2318-8650 197 Os movimentos sociais foram responsáveis por grandes conquistas em torno da cidadania. A essência desses grupos baseia-se na luta pela inclusão social das pessoas, grupos que foram excluídos ou mesmo pela luta por novos direitos sociais. Primordial para a aplicação dessa nova concepção econômica e social é reconhecer as falhas no sistema existente que promovem a exclusão de sujeitos que não conseguem se enquadrar ao modelo capitalista avassalador. Assim, as políticas públicas devem ser compreendidas como uma tentativa de fomentar o exercício de atividades de responsabilidade Estatal a fim de tornar a relação já existente entre os sujeitos mais igualitária. Nesse sentido, há que observar que o ambiente social deve estar preparado para a aplicação dessas medidas visto que em uma sociedade democrática que se utiliza da democracia participativa, os resultados obtidos com toda certeza são mais satisfatórios. Eis o que se depreende da observação de Eros Grau11: Há marcante contradição entre o neoliberalismo – que exclui, marginaliza – e a democracia, que supõe o acesso de um número cada vez maior de cidadãos aos bens sociais. Por isso dizemos que a racionalidade econômica do neoliberalismo já elegeu seu principal inimigo: o Estado Democrático de Direito. Consagra-se, dessa forma, a existência de evolução da própria sociedade que ao reconhecer a existência de indivíduos que estão à margem da sociedade constrói um padrão a ser seguido e luta por novos direitos de inclusão, de cidadania, e de distribuição social através de políticas públicas. Nesse contexto importante se faz a análise do papel do Estado nessa nova proposta que objetiva propulsionar maior igualdade e inclusão social por meio de políticas públicas. Esclarece-se que sem os instrumentos adequados não haverá a perpetuação das políticas públicas voltadas para a economia solidária, serão esparsas e sem continuidade. Note-se que não devem ser vistas como medidas assistencialistas, sem contrapartida o comprometimento. Pelo contrário, visam promover a independência e autonomia do indivíduo, capacitando-o e promovendo habilidades e novas formas de inseri-lo na economia já estabelecida. Deve-se, portanto, ter políticas públicas claras e satisfatoriamente estabelecidas em conjunto com a sociedade, fazendo parte de um planejamento estratégico. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 57. 11 Revista Paradigma, Ribeirão Preto-SP, a. XVII, n. 21, p. 191-204, jan./dez. 2012. ISSN 2318-8650 198 No que concerne aos trabalhadores, consubstancia-se fundamental estabelecer meios de formação, capacitando-os a fim de desenvolverem suas potencialidades ou mesmo para intervirem em funções nunca antes exercidas, mas que por meio de incentivos e treinamento possam tornar-se aptos a atuar em novos postos de trabalho. Essencial para tanto que a formação dos trabalhadores seja compreendida como um processo contínuo e integrado. O que se objetiva é alcançar patamares mais sustentáveis dessas políticas públicas a fim de promover o desenvolvimento e a inclusão social, deste modo, imperioso que as políticas de fomento à economia popular percebam a diversidade dos sujeitos envolvimentos para estruturar os projetos. De toda sorte, entende-se que devem existir ações conjuntas por parte do Estado e da sociedade possibilitando primeiramente assegurar os direitos mínimos de sobrevivência, como habitação digna, alimentação, higiene dentre outras, e em um segundo momento assegurar a autonomia desses indivíduos para que continuem suas atividades, sem então, necessitar do amparo Estatal. Em decorrência do exposto é que se afirma que as políticas devem estar articuladas e integradas com o processo global que inclui a formação técnica objetivando promover a independência. Dentro desse panorama, o que se evidencia é a premente necessidade de assegurar a implantação de políticas públicas voltadas para a área social com o intuito de fomentar a economia solidária como alternativa viável capaz de reduzir a desigualdade social através da emancipação dos sujeitos que se encontravam excluídos da sociedade. Isto posto, analisam-se exemplos de políticas públicas que incentivam e difundem atividades solidárias. 4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA: EXEMPLOS E AVANÇOS A abertura das diretrizes perfilhadas pela economia solidária possibilitou a implementação de experimentos que nos mostram ser possível a instalação de novos parâmetros a serem seguidos mesmo diante da economia capitalista. Ao contrário do que se possa imaginar, a economia solidária não é um fenômeno recente, talvez com essa roupagem possa ser considerada uma nova vertente, mas suas bases já existem há muitos anos, como explicita Eid Farid12: EID, Farid. Descentralização do Estado, economia solidária e políticas públicas: construção da cidadania ou reprodução histórica do assistencialismo? In: EDUCAÇÃO e sócio-economia solidária: paradigmas de conhecimento e de sociedade. Cáceres, MT: UNEMAT Ed., 2004, p. 16. 12 Revista Paradigma, Ribeirão Preto-SP, a. XVII, n. 21, p. 191-204, jan./dez. 2012. ISSN 2318-8650 199 Historicamente, experiências da economia popular surgiram antes da implantação da economia capitalista, da economia informal e, mais recentemente com a emergência da chamada economia solidária. Durante séculos, de modo geral, teriam sido experiências isoladas, efêmeras, precárias e localizadas. Podem-se observar em diversas regiões do país as vantagens do trabalho cooperado em relação ao trabalho assalariado e também as falhas encontradas. Dentre os benefícios destacam-se a obtenção de renda aproximada ao valor obtido no mercado de trabalho formal, o poder de decisão em benefício coletivo de trabalhadores já que são cooperados, a valorização e o regaste da autoestima visto que insere o indivíduo no mercado de trabalho e proporciona chances de inclusão social para uma parcela da população que já não encontra espaço no mercado de trabalho. Diversas experiências de economia solidária têm sido analisadas com olhar agregador para possibilitar novas formas de produção e de organização do trabalho e do mercado. No Brasil, com o surgimento da Secretaria Nacional da Economia Solidária (Senaes), vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, houve um implemento considerável na vinculação dessas premissas nos empreendimentos que necessitavam de incentivo. Assim, em 2003 é criada Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) ocupada pelo economista e professor Paul Singer, pioneiro na contribuição teórica sobre o assunto, e a economia solidária era finalmente respaldada pelo governo federal, ganhando então a amplitude que necessitava. O Senaes tinha como objetivo implantar o Programa Economia Solidária em Desenvolvimento, projeto esse que marcou a introdução de políticas públicas especificas para a economia solidária em âmbito nacional, presenciava-se um contexto de novas realidades que demandam do poder público respostas para relações de trabalho distintas do emprego assalariado, e ainda com a inclusão no orçamento para gerir essas políticas públicas: O Programa Economia Solidária em Desenvolvimento começou a ser aplicado em 2004, seis meses após a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária dentro do Ministério do Trabalho e Emprego. Este foi o ano em que as ações de economia solidária sob responsabilidade da SENAES/MTE passaram a contar com orçamento próprio, a partir da inclusão do programa no Plano Pluri-Anual (PPA) do Governo Federal2004/2007.13 13 MTE. Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em: <www.mte.gov.br/ecosolidaria/prog_apresentacao.asp>. Acesso em: 8 jan. 2014. Revista Paradigma, Ribeirão Preto-SP, a. XVII, n. 21, p. 191-204, jan./dez. 2012. ISSN 2318-8650 200 No mesmo pensamento, outro projeto que merece registro é o de Formação de Gestores Públicos em Economia Solidária promovido também pelo Senaes. Esse programa se preocupa com a qualificação e ampliação das políticas públicas de economia solidária e promove atividades formativas em gestão dos trabalhadores. Nesse aspecto, pode-se afirmar que essa iniciativa possibilita a criação de um espaço para a troca de experiências através de ações como o apoio a empresas recuperadas por trabalhadores em regime de autogestão, o fomento e fortalecimento de redes de cooperação, a disseminação de metodologias e articulação de Bancos Comunitários e Fundos Solidários, as Feiras de Economia Solidária, o mapeamento da economia solidária entre outras. As forças articuladas dos gestores de políticas públicas formaram a Rede Nacional de Gestores de Políticas Públicas de Economia Solidária com a reunião de prefeituras, governos estaduais e do governo federal, tendo como processo de criação o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES). O Fórum é um movimento social existente desde 2001 com a missão de ampliar o debate para o fomento de medidas alternativas ao sistema de desenvolvimento capitalista existente, e assim fomentar discussões que possibilitam a adoção de novas políticas públicas14. Outro projeto que possibilita a divulgação da economia solidária é o promovido pela ANTEAG (Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão) que iniciou suas atividades em 1991 e surgiu com o objetivo de representar projetos de autogestão e economia solidária. Tem a função de prestar assessoria e capacitar trabalhadores no sentido de garantir o desenvolvimento dos projetos de gestão coletiva como se verifica15: O caminho é educar os proprietários coletivos para que assumam o controle da gestão. Não é por outra razão que a Anteag investe 70% da sua força na educação dos gestores. Não adianta ter o controle da empresa se não se tem controle da gestão. Acreditar na viabilidade do processo autogestionário consiste no reconhecimento da capacidade do cidadão fornecendo meios para promover a sua emancipação técnica e promover o desenvolvimento dessas atividades. Em relação ao apoio financeiro, os empreendedores solidários recebem financiamento de diversas frentes, tanto de ONGs como também do BNDES. As atividades promovidas pelo BNDES, por exemplo, podem promover o apoio a projetos de economia 14 FÓRUM Brasileiro de economia solidária. Disponível em: <http://www.fbes.org.br>. Acesso em: 08 jan. 2014. 15 ANTEAG (Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária). Autogestão: construindo uma nova cultura nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo: ANTEAG, 2000, p. 22. Revista Paradigma, Ribeirão Preto-SP, a. XVII, n. 21, p. 191-204, jan./dez. 2012. ISSN 2318-8650 201 solidária como ocorreu na Bahia em 2012 a fim de selecionar projetos de Empreendimentos Econômicos Solidários e da Agricultura Familiar, de natureza coletiva, apresentados por pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, com o objetivo de promover a geração de trabalho e renda, bem como a sustentabilidade dos empreendimentos nos aspectos econômicos, sociais, culturais, ambientais, políticos e de Gestão16: Os dados do BNDES revelam que dez empresas receberam colaboração financeira do Banco entre 1994 e 2004 e que mais de vinte solicitaram financiamento. [...] O BNDES tem sido o agente de crédito praticamente exclusivo do segmento [...] aquelas que apresentam condições organizacionais de acessar a linha de financiamento do BNDES conseguem fôlego para aprimorar os aspectos relativos ao processo produtivo e à gestão e para se consolidar. Outrossim, o BNDES possui linhas para apoiar o que denominam de “Arranjos Produtivos Locais” (APL), com objetivos de complementar o apoio financeiro dos Estados, reduzir as desigualdades, Geração de trabalho e renda, Desenvolvimento e adensamento de atividades produtivas e inovativas da populações.17 Na direção da institucionalização de uma política de economia solidária, diversas iniciativas têm surgido se mostram sustentáveis. Percebe-se um aumento nas legislações locais em torno da economia solidária, por exemplo, em Santo André/SP há a previsão de estabelecimentos de convênios da prefeitura com cooperativas em processo de incubação, em Diadema/SP a prefeitura propôs a redução do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) para cooperativas instaladas no município, em Osasco/SP existe a previsão de criação de equipamentos públicos como a Incubadora Pública, o centro público, e os centros de comércio. Já em Montes Claros/MG há a previsão para a criação de um Fundo de Fomento à Economia Popular e Solidária. Nesse sentido em Recife/PE criou-se o Fundo Recife Solidário, e em João Pessoa/PB existe um fundo que possibilita a captação de recursos, em percentual sobre as compras de bens e serviços efetuadas pela prefeitura para aplicação na economia solidária18. 16 JUVENAL, Thais Linhares. Empresas recuperadas por trabalhadores em regime de autogestão: reflexões à luz do caso brasileiro. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 13, n. 26, p. 115-138, dez. 2006. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/revista/re v2606.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2013. 17 BNDES. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/seminario /apoio_apl6.pdf>. Acesso em: 08 jan. 2014. 18 PRAXEDES. Sandra Faé. Políticas públicas de economia solidária: novas práticas, novas metodologias. Boletim mercado de trabalho: conjuntura e análise, n. 39. p. 57-62, maio 2009. Disponível em: Revista Paradigma, Ribeirão Preto-SP, a. XVII, n. 21, p. 191-204, jan./dez. 2012. ISSN 2318-8650 202 Como visto, há um número crescente de políticas públicas voltadas à implantação das diretrizes da economia solidária no sistema vigente. Contudo se faz pertinente realçar a necessidade da gestão dessas políticas públicas, o que deve ocorrer dentre outras formas, pela participação e controle social. Garantir a participação da sociedade, tanto dos indivíduos como dos políticos, em todas as fases do projeto, seja na sua formulação ou mesmo no monitoramento e na avaliação das políticas, conduz para a ampliação e aperfeiçoamento constante dessas atividades. Com efeito, a participação e controle social são princípios permanentes do Estado Democrático de Direito e se revelam elementos indissociáveis na formação das políticas públicas. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O fenômeno da economia solidária deve ser estudado juntamente com as formas de aplicação dessas atividades. Isto porque, as políticas públicas são ações criadas com objetivo de promover o desenvolvimento social e com isso reduzir as desigualdades estabelecendo melhores condições de vida para a população. As políticas públicas devem ser entendidas como ações fundamentais para o gerenciamento da sociedade e para tanto devem ter um estudo de viabilidade adequado. Nesse sentido, as práticas que fomentam a economia solidária devem ser consideradas como alternativas eficazes para a implantação de um modelo sustentável. Assim, é necessário que haja investimentos através de fundos públicos para a economia solidária, bem como práticas que promovam a capacitação dos trabalhadores a fim de promover a permanência da atividade implementada. Entende-se que o fomento à economia popular solidária é uma política de desenvolvimento, assim não deve ser vista como atividade puramente assistencial, possui como uma dos pilares de sustentação a idéia de emancipação dos indivíduos inseridos nesses projetos. Analisaram-se neste artigo diversas práticas que promovem a economia solidária advindas do próprio Estado, que é o principal garantidor de direitos, como as ações promovidas pelo Ministério do Trabalho por meio do Senaes, do BNDES, e da criação de legislações locais de fomento à Política Pública de Economia. Contudo vislumbrou-se o papel <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/boletim_mercado_de_trabalho/mt39/08_ES3Sandra.pdf>. Acesso em: 06 fev. 2013, p. 58. Revista Paradigma, Ribeirão Preto-SP, a. XVII, n. 21, p. 191-204, jan./dez. 2012. ISSN 2318-8650 203 das associações como a Anteag e o Fbes (fórum brasileiro de economia solidária) no desenvolvimento desse projeto. Da mesma forma, cada indivíduo também pode contribuir para a gestão correta das políticas públicas e o faz por meio do controle social, vislumbrada como importante instrumento de coerção contra o Estado e fiscalização das ações governamentais. Nesse sentido, o movimento de economia solidária também possui finalidade importante na luta contra a desigualdade social, pois objetiva difundir as bases da economia solidária e pode ser considerada, num primeiro momento, uma tentativa ousada de mudança do paradigma atual. Assim, pode-se afirmar, sem receio, que as diretrizes propostas intentam concretizar uma nova racionalidade econômica baseada no solidarismo e na emancipação do cidadão. Da pesquisa se conclui que as políticas públicas voltadas para a economia solidária são instrumentos efetivos e sustentáveis promovidas pelos diversos sujeitos, objetivando emancipar o trabalhador e promover a concreção dos princípios constitucionais de desenvolvimento econômico e promoção da igualdade social. REFERENCIAS ANTEAG (Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária). Autogestão: construindo uma nova cultura nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo: ANTEAG, 2000. BNDES. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhe cimento/seminario/apoio_apl6.pdf>. Acesso em: 08 jan. 2014. BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. COMPARATO, Fábio Konder. Muda Brasil: uma Constituição para o desenvolvimento democrático. 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