37º Encontro Anual da ANPOCS ST 12: Instituições Judiciais, Políticas e Moralidades na Democracia Apresentação: A controvérsia em torno da liberação das pesquisas com células tronco embrionárias no Brasil: justificativas e moralidades Autora: Lílian Sales 1 A controvérsia em torno da liberação das pesquisas com células tronco embrionárias no Brasil: justificativas e moralidades Lílian Sales Em grande parcela dos estudos sobre religião, do ponto de vista simbólico e sociológico, o domínio religioso e a sua separação do domínio político são tomados como auto-evidentes. Nesta forma de entendimento a tensão entre religião e poder é vista como tensão entre duas esferas distintas, não sendo tratadas como um problema histórico conceitual. Mais recentemente, porém, estes antigos paradigmas vem sendo substituídos por discussões sobre o papel da religião na constituição do espaço público, buscando compreender seu papel enquanto definidora de códigos e valores de cidadania (POMPA, 2012). A análise se desloca, então, para outras dimensões, estando embasada em conceitos como interação, fluxo, trânsito, mediação, construção discursiva, negociação, códigos compartilhados... Com base neste enfoque, nos propomos a analisar uma parte da controvérsia em torno da liberação do uso de células tronco embrionárias em pesquisas no Brasil. A Lei de Biossegurança foi aprovada em 2005 pelo Congresso Nacional autorizando as pesquisas com células tronco embrionárias, desde que provenientes de embriões gerados por fertilização in vitro (FIV) considerados inviáveis ou congelados há mais de três anos. Entretanto, em 16 de maio de 2005, o procurador geral da república Cláudio Fontelles, reagindo contra esta definição da lei, entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o artigo quinto da Lei de Biossegurança. A ação foi a julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) em maio de 2008. Nos meses que antecederam ao julgamento houve um grande debate público, estabelecido sobretudo na mídia, polarizando opositores e defensores da liberação das pesquisas com uso de células tronco embrionárias. Esta controvérsia, e a constelação de argumentos que a constituiu, foi também explicitada na audiência pública convocada pelo STF em abril de 2007, bem como durante o julgamento da ação. Realizaremos esta análise com base em uma perspectiva das controvérsias considerando que o entendimento coletivo é construído por meio de argumentos 2 desenvolvidos na esfera pública. Por isso, para observar as particularidades e configurações da arena pública é preciso examinar as controvérsias públicas (MONTERO, 2013). A observação dos argumentos e das interações entre eles é fundamental para a compreensão do desenho da arena pública. Observaremos estes argumentos e interações presentes em uma cena específica: a audiência pública convocada pelo STF para se informar sobre "o início da vida". Centraremos nossa análise nos discursos produzidos pelos cientistas convocados à audiência pública para discutir a esta questão. A audiência pública foi dividida em dois blocos, um composto por cientistas favoráveis a liberação de pesquisas e outro bloco contrário, sendo que a indicação de parte dos cientistas deste segundo bloco foi realizada pela CNBB. No caso deste julgamento, e dos múltiplos argumentos produzidos a seu respeito, um dos agentes que se destacou na produção de discursos públicos foi a CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), que também foi aceita como amicus curae no processo. Antes de nos determos nos argumentos desta controvérsia, algumas considerações sobre a presença da Igreja Católica no espaço público brasileiro merecem ser desenvolvidas. A voz da CNBB A Igreja Católica no Brasil tem constantemente formulado posições e defendido argumentos nos debates públicos nacionais. Ela historicamente se posicionou em defesa dos direitos civis, dos direitos do homem e da cidadania. Já no que se refere aos direitos sexuais e reprodutivos, bem como em algumas questões relacionadas à biotecnologia e bioética a sua posição foi clara e explicitamente contrária – seguindo o direcionamento instituído pelo Vaticano. Enquanto instituição, ela procura intervir na “política” e no “social”, produzindo discursos que justifiquem sua posição e conclamando seus fiéis a apoiá-la. Neste ponto, importa nos reportarmos à algumas reflexões realizadas por Philippe Portier (2012) sobre a presença da Igreja Católica nas decisões e normas formuladas pelo Estado Francês. Segundo Portier, a Igreja Católica na França elabora estratégias de intervenção na esfera de deliberação pública que operam em duas arenas: a sociedade civil e a sociedade estatal. 3 No espaço social, também chamado de sociedade civil, o autor visualiza dois tipos de intervenção, realizada por meio de dois modos de ação através dos quais a Igreja difunde de suas ideias neste espaço: um modo de ação discursivo, embasado em posições oficiais do Vaticano, em que aplica termos da razão pública, como de discursos sobre os direitos do homem e a dignidade humana. Outro modo de ação popular, organizando a difusão de suas concepções por meio de campanhas, blogs, colóquios, em busca da formação de opinião de acordo com os fins de sua doutrina. A segunda forma de intervenção ocorreria no espaço estatal, dirigida diretamente à classe político jurídica. Nesta segunda arena de intervenção o Estado Francês se informa da posição das Igrejas sobre os temas em debate, as instituições religiosas são ouvidas, tendo o direito de se manifestar, desde que se submetam às regras da democracia constitucional e se exprimam nos termos da razão pública. O político na França "se informa da palavra religiosa das instituições crentes" (Portier, 2012, p 89). Elas intervém como um elemento entre os demais, e não como fornecedora de um valor normativo direto. Neste aspecto, o Estado, em suas tomadas de decisão, vem sendo informado por círculos de conselhos que emanam da sociedade civil. As normas são apoiadas na participação imediata daqueles a quem estão destinadas, entre elas as instituições religiosas. As reflexões de Portier sobre as estratégias de intervenção da instituição católica no espaço público merecem ser consideradas no contexto brasileiro, dado que algumas estratégias de ação e posições da Igreja Católica são padronizadas para todo o seu corpus institucional. Neste aspecto, em nossa pesquisa, as formas de ação e estratégias dos agentes vinculados ao catolicismo nas controvérsias públicas no Brasil mostraram-se bastante semelhantes às intervenções da Igreja nas decisões do Estado Francês destacadas no trabalho do autor As posições institucionais sobre as questões da bioética são exemplos desta padronização. A Igreja Católica possui uma grande expertise sobre temas colocados em debate no espaço público, contando com uma longa história de análises científicas e doutrinais, que aparecem na forma de publicações oficiais do Vaticano sobre os temas da bioética. Desde a década de sessenta, quando se coloca contra a contracepção artificial, estas publicações oficiais se tornam cada vez mais recorrentes, especialmente a partir da década de noventa, quando temas como as novas tecnologias reprodutivas, o aborto e a eutanásia foram sendo colocados na ordem do dia dos Estados Nacionais, que começaram discutir e a produzir legislações sobre estes temas. 4 Neste contexto a instituição Católica produz uma série de textos sobre temas que julga essenciais para a sua hierarquia de valores, o primeiro deles em 1968, sobre a contracepção artificial e o último em 2008, a Instrução Dignitas Personae, em que discorre sobre as novas tecnologias reprodutivas. Além disso, possui um rol de especialistas sobre estes temas, composto por teólogos e cientistas. Seguindo esta tendência da alta hierarquia, a partir da década de noventa do século XX os sacerdotes, especialmente bispos e teólogos, adotam um verdadeiro ativismo bioético, que se manifesta com maior força nos momentos em que estes temas eram abordados nos diversos países. Na França este debate foi estabelecido desde a década de noventa e, em especial durante a primeira década do século XXI, quando foi votada, por exemplo, a legislação sobre a bioética, que abrangia a reprodução assistida e o uso de células embrionárias em pesquisa. Já na Itália esta militância aconteceu um pouco posteriormente, também por conta da votação da legislação bioética. Existe, pois, uma posição institucional que se consolida na forma de estratégias de ação e discursos no espaço público, estando voltados para a sociedade civil em sua diversas instâncias e também para a sociedade estatal. Os trabalhos mencionados consideram a Igreja Católica produzindo um discurso único sobre os temas da bioética, pois se tratam de abordagens que observam a Igreja do ponto de vista institucional. Esta ótica deverá ser considerada neste artigo, pois capta as estratégias de inserção das concepções caras à doutrina católica na sociedade civil. A construção de um discurso com elementos comuns é fundamental para a defesa da posição adotada pela CNBB no debate sobre o uso de células tronco embrionárias em pesquisa (CTE). Embora haja divergências internas importantes entre agentes e grupos ligados à Igreja Católica, ao se posicionarem na arena pública estas diferenças não aparecem, colocando-se ênfase no posicionamento contrário ao uso de embriões em pesquisa. Assim, embora não consideremos a Igreja Católica como uma voz única e consensual, ela assim se coloca em muitos de seus posicionamentos públicos. A Igreja possui estratégias discursivas diversas de acordo com a instância e o público a que se dirige. Nem sempre isto ocorre de maneira unívoca, pelo contrário, são muitas vozes, diferentes agentes e variadas estratégias discursivas, que levam em conta, também, o público para qual o discurso é dirigido. Entretanto, como neste caso se trata da análise de uma cena específica: a audiência pública realizada no STF, na qual a Igreja, por meio da CNBB, e, mais especificamente por meio dos cientistas indicados 5 por esta congregação, produz justificativas contrárias à liberação das pesquisas, "em defesa da vida humana iniciada na fecundação". Desvendar as formas de construção desta estratégia discursiva, bem como as moralidades e valores acionados nesta construção será nossa tarefa neste relatório. Tomamos por inspiração as reflexões de Philippe Portier (2012), que identificou um dos modos de ação através dos quais a Igreja difunde de suas ideias no espaço público francês: um modo de ação discursivo, embasado em posições oficiais do Vaticano, em que aplica termos da razão pública, como de discursos sobre os direitos do homem e a dignidade humana. A presença das moralidades informadas pela teologia católica tem sido notadas nas controvérsias que colocam em jogo o estatuto do embrião. Estas controvérsias foram alvo de ações bastante recentes no Supremo Tribunal Federal (STF), como a sobre a permissão da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) sobre a liberação de pesquisas com Células Tronco Embrionárias, sobre a qual nos debruçamos. A defesa da vida: o argumento agregador Em artigo anterior demonstramos que o argumento em torno do qual se agregam os agentes posicionados contrariamente a liberação das pesquisas com CTE embrionárias é a chamada "defesa da vida". Este argumento tem força na controvérsia, adquirindo ampla penetração e divulgação1. Em todos os artigos e notícias publicadas2, a "defesa da vida, desde seu princípio até seu fim natural" está presente3. Para a Igreja Católica, desde o momento da fecundação há vida, por isso todas as práticas mencionadas são condenadas. Esta posição é amplamente presente nos artigos, estando 1 A "defesa da vida" é repetida de diversas maneiras nos locais onde esta controvérsia se desenvolveu, sendo o argumento em torno do qual se agregam as posturas da Igreja contra o aborto, a eutanásia, a fertilização in vitro, além do uso de células tronco embrionárias em pesquisas. 2 Na primeira etapa deste trabalho de pesquisa nos detivemos na análise de artigos e notícias publicados nas mídias laicas e católicas sobre o julgamento da ADI 3510. Neste momento percebemos a organização dos agentes posicionados contrariamente às pesquisas em torno do argumento "em defesa da vida". 3 Para a análise dos documentos foi utilizado o software de análise de discurso Atlas TI. Com a ajuda desta ferramenta, notamos que o código "defesa da vida do inicio ao fim" foi o que mais se repetiu nestes documentos, estando presente ao menos uma vez em cada uma das notícias ou artigos de bispos. 6 também presente na Instrução Dignitas Personae4, em textos da Comissão de Bioética e tendo sido tema da campanha da fraternidade do ano de 2008. A vida, nesta concepção, é compreendida como vida humana. Trata-se da defesa da vida de pessoas humanas, ou seja, desde a fecundação considera-se a existência de uma pessoa humana. Este entendimento está calcado na doutrina católica, que afirma o início da vida na fecundação por ser este o momento em que a alma é incorporada ao ser. Como a condição humana no catolicismo está relacionada à presença da alma, a partir do momento em que há alma, há também vida humana, desde este momento a humanidade estaria estabelecida (RANQUETAT, 2011). Considera-se, portanto, o embrião, o feto, ou simplesmente a célula fecundada como pessoa humana. O marco de início da vida para o catolicismo é claro: a fecundação. E em defesa da vida do embrião-pessoa que ela se volta com força argumentativa em suas diversas instâncias e níveis hierárquicos. Interessa notar, no entanto, que este argumento, adotado e reproduzido a exaustão pelos agentes ligados à CNBB, também estava presente entre agentes do poder judiciário. O próprio texto da ADI 3010, elaborado pelo procurador geral da república, está embasado na "defesa da vida" no caso, na defesa da vida e da dignidade humana dos embriões. O procurador Cláudio Fonteles embasa a ação em textos e falas de cientistas brasileiros e estrangeiros que colocam que a vida humana teria início na fecundação5. Dessa maneira, a "defesa da vida" tratou-se do argumento geral acionado por juristas, cientistas e religiosos na controvérsia em questão, e também presente no texto da ADIN 3010, como podemos observar na seguinte passagem: "19. Estabelecidas tais premissas, o artigo 5º e parágrafos, da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, por certo inobserva a inviolabidade do direito à vida, porque o embrião humano é vida humana, e faz ruir fundamento maior do Estado democrático de direito, que radica na preservação da dignidade da pessoa humana". Dessa maneira, a "defesa da vida", em diferentes termos: jurídicos, científicos, teológicos e morais, foi o argumento que agregou agentes representantes de 4 Publicada no segundo semestre de 2008, esta instrução trata dos temas relacionados às novas tecnologias reprodutivas. As rápidas mudanças nas tecnologias e ciências impulsionaram a escrita e publicação deste texto pelo Vaticano. 5 Os cientistas tiveram um papel central nesta controvérsia. Podemos adiantar que os critérios adotados para se discutir o "início da vida" vieram das ciências, como observaremos mais adiante. 7 diversos setores da sociedade: juristas, cientistas e religiosos. Tornou-se, pois, o argumento geral agregador de um posicionamento nesta controvérsia6, apesar de algumas divergências e nuances entre eles. Além disso, a importância da categoria "vida" neste julgamento, especialmente a discussão relativa ao seu início, fica ainda mais evidente na convocação realizada pelo ministro relator do processo, Carlos Ayres de Britto, de uma audiência pública cujo tema seria "O início da vida", a ser informada por cientistas das áreas médica e biomédica. Dessa maneira, o debate sobre a vida, seu início, especificamente, foi a questão organizadora e polarizadora desta controvérsia, fato que também se repetiu na audiência pública em si, que reuniu 22 cientistas, 11 favoráveis a totalidade da Lei de Biossegurança e 11 contrários ao artigo quinto da Lei. A audiência pública No dia 20 de abril de 2007, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou a primeira audiência pública de sua história, no intuito de reunir informações para julgar o processo da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 3510, proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra dispositivos da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/05). A ADIN contestava especificamente o artigo 5º da lei. Esses dispositivos referem-se à utilização de células-tronco de embriões humanos em pesquisas e terapias. Nesta audiência, tratada pelos ministros como de caráter exclusivamente "científico", foram ouvidos dois blocos de cientistas, um bloco formado por expositores favoráveis à liberação das pesquisas e outro bloco contrário. O bloco contrário foi indicado pelo procurador geral da república e pela CNBB e o segundo bloco pelos experts requeridos na ADI (Congresso Nacional e presidente da república) e pelos amici curiae. 6 Estamos nos utilizando da proposta teórico-metodológica de Bruno Latour, o autor coloca a importância de se levantar os elementos que são capazes de agregar o social. No caso desta controvérsia específica a categoria vida, e os argumentos construídos em torno dela aparecem como centrais. Segundo Latour, o estudo das controvérsias é sobretudo interessante para se estudar processos em construção, em que tudo está ainda por ser feito, nada parece estabilizado. Esta proposta nos ajudou na análise deste episódio, sobre os qual a disputa argumentativa em torno da "vida humana", especialmente sobre o seu início, norteou todo o julgamento, estando presente nas diversas instâncias que a compuseram: na mídia laica, na mídia católica, na audiência pública e na fundamentação e encaminhamentos dados ao julgamento por parte dos agentes representantes do jurídico, como no caso o procurador geral da república e o ministro relator do processo. 8 Os escalados eram cientistas da área da medicina, da biomedicina e da biologia, com a presença também de uma antropóloga especialista em bioética. Os dois grupos agiram de fato enquanto bloco, ou seja, cada apresentador complementava, ou desenvolvia mais a fundo, um tema apenas apontado pelos cientistas anteriores, de acordo com suas especialidades de pesquisa e também de acordo com suas experiências de trabalho. Entre alguns expositores foi percebida uma perfeita sintonia, como se de fato houvessem combinado suas apresentações, potencializando o argumento desenvolvido por cada um deles. A audiência teve caráter apenas informativo, no intuito de informar/esclarecer os ministros do STF sobre aspectos ditos "científicos" relativos ao "início da vida". Este ponto foi em mais de um momento destacado pelo ministro relator do processo, Carlos Ayres de Britto, responsável pela convocação desta audiência. O ministro fazia questão de ressaltar e resguardar o que ele entendia ser o caráter exclusivamente informativo e "científico" da audiência pública. A defesa da dimensão científica da audiência pelo ministro ficou clara em vários momentos, como no tratamento dado por ele aos expositores enquanto "autoridades científicas", ou ainda nas intervenções realizadas por ele quando algum dos expositores se afastava dos dados e argumentos científicos para professarem valores morais ou termos jurídicos. Veremos mais adiante que estas dimensões aparecem profundamente imbricadas nesta controvérsia, porém, em nos momentos em que os expositores se afastavam dos dados científicos, o ministro relator imediatamente intervinha e solicitava que o expositor se detivesse aos elementos científicos. A valorização da dimensão científica torna-se evidente já no momento da convocação da audiência pública. Os agentes considerados legítimos para se pronunciarem sobre este tema eram todos cientistas com importante formação acadêmica. Além disso, todas as apresentações foram recheadas de dados, citações e resultados das ciências. Todo um arsenal simbólico e o modus operandi do universo acadêmico-científico permeou esta controvérsia desde seu início, tornando-se ainda mais evidente durante a audiência pública. Neste aspecto, a discussão é empreendida no campo da biomedicina, em torno de pesquisas e conceitos deste campo. As apresentações traziam resultados de pesquisas e referências, geralmente de autores ou de revistas de grande prestígio no universo acadêmico, como textos da revista científica Nature, entre outras referências científicas. Dados e formato acadêmico científico caracterizaram as apresentações na 9 audiência pública, sendo por meio dele que os autores questionam e buscam invalidar os argumentos de seus interlocutores. Argumentos de cunho teológico não foram manifestados em momento algum. O tema a ser tratado seria "O início da vida", seria sobre esta questão que os cientistas deveriam discorrer. A defesa da vida, como já visto no relatório anterior de pesquisa, foi o grande argumento utilizado pelos agentes que se posicionaram contra a liberação de pesquisas com CTE. Damos continuidade ao trabalho de pesquisa observando como a categoria vida é tratada neste embate, uma vez que ela foi a categoria mobilizada para fundamentar a ação direta de inconstitucionalidade impetrada pelo procurador Carlos Fontelles. Lembramos que o promotor questionou o artigo quinto da Lei de Biossegurança “alegando que este violaria o preceito constitucional da inviolabilidade da vida humana e o princípio de dignidade da pessoa humana" Segundo o promotor, a vida humana começaria com a fecundação, e o uso de células tronco embrionárias, ao promover o descarte de embriões, seria um atentado contra a vida e a dignidade destes. Agentes, Estratégias e Gramáticas Neste relatório pretendemos indicar alguns agentes e discursos que dão corpo a esta controvérsia: Por um lado, os argumentos e estratégias utilizados pelos agentes indicados pela CNBB, especialmente médicos, para se posicionar contrariamente ao uso de células embrionárias em pesquisa. Por outro lado, os argumentos e estratégias desenvolvidos pelos cientistas, médicos e biomédicos, favoráveis a liberação das pesquisas com CTE. Importa-nos desvendar as estratégias argumentativas utilizadas na construção dos discursos durante a audiência pública sobre "o início da vida". Observaremos que estes agentes são detentores de uma capacidade crítica que lhes permite lançar mão de diferentes estratégias discursivas diante das controvérsias, valendo-se de múltiplos usos das categorias nas situações de disputa, como no caso da categoria "vida", acionada a partir de sentidos plurais que se remetem a códigos de valores múltiplos nos discursos mobilizados ao longo da audiência. Aprofundaremos este tema mais adiante. 10 Diferentes moralidades informam a ação dos agentes, os dispositivos e estratégias que acionam na luta pelo reconhecimento do seu discurso. Dessa maneira, a investigação e compreensão dos repertórios de justificativas produzidos nesta controvérsia é também importante. Nas controvérsias, os agentes constroem repertórios de justificativas acionando diversas gramáticas e moralidades. Mais adiante nos deteremos na análise de alguns destes repertórios de justificativas construídos pelos cientistas participantes da audiência pública. Importa destacar que os códigos de valores e moralidades, que informam os agentes na composição de suas justificativas, quando comumente reconhecidos são capazes de atribuir generalidade às justificativas. Ou seja, elas ganham generalidade quando informadas por códigos de valores e gramáticas, com capacidade de serem genericamente reconhecidas. A generalização é parte importante do processo de dessingularização de eventos ou causas. Neste processo os argumentos e justificações devem estabelecer alguma relação com o geral para que seja capaz de produzir verossimilhança. Isto pode ser realizado por meio da associação do discurso à uma causa, ou a uma norma geral. A possibilidade de generalização dos discursos está relacionadas a sua capacidade de mobilizar a força coletiva, por isso é preciso que ele perca seu caráter singular. (BOLTANSKI et THÉVENOT, 1991). Dessa maneira, durante a audiência pública, os cientistas se valem de estratégias discursivas informadas, preferencialmente, por gramáticas caras e genéricas ao mundo contemporâneo. A busca da generalização dos elementos de suas falas é constante durante a audiência pública. Para além do conteúdo dos argumentos, é preciso analisar os fundamentos de confiabilidade capazes de promover adesão a elas. Assim, discorreremos sobre o repertório de justificativas produzidos durante a audiência pública, considerando os agentes representantes dos dois posicionamentos, bem como os fundamentos de confiabilidade ao qual cada um deles se reporta. Observaremos os argumentos construídos pró e contra a liberação das pesquisas, analisando como são estruturados os discursos dos cientistas e por meio de quais mecanismos de expressão eles são articulados, buscando compreender como os atores, nestas narrativas, organizam um repertório plural de justificativas prós e contra a liberação. 11 Os apresentadores, em seus discursos, se reportaram a gramáticas e moralidades específicas para dar sustentação a suas justificativas. Analisamos, pois, as estratégias de formulação deste repertório e a quais códigos de valores elas se reportam para subirem no processo de generalização7, ganhando assim verossimilhança. Outra questão a ser considerada é que os valores e discursos do catolicismo no Brasil passam por um momento de necessidade de justificação. A controvérsia em questão nos mostra isso. Em todos os meios, agentes ligados ao catolicismo buscavam justificar seus argumentos: na mídia (católica e laica) e também na audiência pública. A sua postura "em defesa da vida" foi exaustivamente justificada, assim o foi também durante a audiência no STF. Esta necessidade de justificação, segundo Montero (2013) se deve, em parte, a expansão das religiões pentecostais e neopentecostais no país, acompanhada de uma mudança na sensibilidade e na percepção daquilo que seria de interesse coletivo. Até muito recentemente os valores presentes na arena pública brasileira eram coadunantes com os valores do catolicismo. A necessidade de justificação dos posicionamentos católicos aconteceria no momento em que o "consenso" católico passa a ser questionado, como mostra uma série de ações levadas aos tribunais recentemente (MONTERO, 2013). 1) A legitimação dos agentes: cientistas As qualificações científicas foram centrais nesta audiência, legitimando a fala de cada um dos expositores e indicando desde já a importância dada a validação científica no julgamento. Todos os expositores da audiência pública sobre o início da vida eram cientistas ou médicos, e todos eles iniciavam suas falas mencionando suas qualificações profissionais, como doutorados e pós doutorados em universidades de peso no exterior, sendo muitos deles professores em importantes universidades brasileiras. No que se refere ao bloco defensor da liberação das pesquisas, quase todos estavam vinculados aos laboratórios que já desenvolviam pesquisas com células tronco, 7 Estamos chamando de generalização o processo de dessingularização, na qual alguma relação com o geral precisa ser construída, como a sua associação a uma causa/reivindicação já anteriormente constituída, ou a sua associação a uma série de casos semelhantes, para que seja capaz de produzir verossimilhança. 12 e alguns eram responsáveis por hospitais onde testes clínicos com as CTA (células tronco adultas) vinham sendo desenvolvidos. A qualificação profissional dos integrantes do bloco posicionado contra a liberação das pesquisas também constituia a parte inicial da fala de cada apresentador. Alguns também possuíam formação científica de grande peso no universo científico, porém, outros tinham qualificações e titulações menos significativas no campo das ciências do que aquelas observadas no bloco defensor. Esta característica foi notada especialmente entre os apresentadores indicados pela CNBB (cerca de metade dos expositores deste bloco foi indicada por esta Congregação). Em linhas gerais, possuíam currículo e ocupavam postos acadêmico-científico de menor destaque do que os integrantes do bloco defensor. 2) Vida humana: autonomia e satisfação. Ambos os blocos se colocam enquanto defensores da vida humana, entretanto, há importantes diferenciações sobre o que seja a vida humana, sobre qual vida deve ser defendida. Estas concepções estão presentes nas justificativas acionadas pelos expositores em seus discursos, apreendidas na fala dos apresentadores e também nas imagens projetadas por eles em um telão durante a exposição. Entre os pesquisadores que se colocavam favoráveis a liberação das pesquisas a palavra vida não apareceu associada a seu início ou a seu final. Este bloco era composto por importantes pesquisadores, a frente de laboratórios e hospitais, e que usaram o tempo de exposição para mostrar os resultados científicos e clínicos de seus trabalhos. O principal foco destas apresentações eram os resultados positivos apresentados pelas pesquisas utilizando células tronco, adultas ou embrionárias. Especialmente neste contexto argumentativo que a palavra vida era mencionada. Estes resultados positivos atribuem valor às pesquisas, apresentados na forma de dados e tabelas, e também incorporam concretude a elas, por meio da apresentação de imagens da vida de pacientes, a melhoria na qualidade de vida pessoas decorrente do tratamento com células tronco. Surge em meio às imagens e discursos uma concepção de valorização da vida, da vida de pessoas que estão em situação de sofrimento e que poderão ser beneficiadas com a liberação das pesquisas com CTE. Ao mostrarem estes resultados clínicos, e o impacto deles na vida dos pacientes, atribuem 13 valor humano a seus trabalhos de pesquisa. Humanizam os pacientes ao explicitarem suas fragilidades e estendem esta humanização a si próprias. Esta justificação rebate a crítica de que o uso de embriões em pesquisa seria assassinato de seres (crianças?) inocentes. A ideia de que os embriões seriam pessoas humanas, com dignidade e direitos, defendida pelo bloco opositor às pesquisadores, traz embutida em si a colocação de que os cientistas que usam ou defendem o uso das embrionárias seriam assassinos, desumanizando seus trabalhos. Nestas imagens os pacientes aparecem em dois momentos: um primeiro momento de sofrimento, antes de receberem o tratamento, e num segundo momento, com melhores condições de vida e felizes. Para isso são usadas imagens da "vida" dos pacientes antes do tratamento, em que ficam retratados o sofrimento e a falta de autonomia, e imagens após o tratamento, enfocando a retomada na chamada "qualidade de vida dos pacientes, enfatizando as atividades que se tornam capazes de realizar, retratando momentos de alegria. Este discurso (imagético, sobretudo), remete-se a um código de valores contemporâneo no qual o sofrimento humano gera piedade e deve ser extirpado. Outras imagens mostram a crueldade das doenças degenerativas, levando os pacientes a perderem paulatinamente sua autonomia, utilizando-se de uma lógica semelhante de exposição do sofrimento. Segundo Boltanski, a produção de sentimentos à distancia é um fenômeno cada vez mais observado nos séculos XX e XXI, responsável por uma transformação na questão humanitária. Discursos e ações institucionais são produzidos a partir da difusão do sofrimento coletivo. Casos individuais também podem contribuir para isso, pela exposição pública de imagens de pessoas em sofrimento. Neste código contemporâneo a vida sem qualidade, sem autonomia e com sofrimento passa a ser considerada desprovida de sentido. As doenças expostas pelos cientistas levam as pessoas a sofrimentos atrozes até o fim da vida. Neste código, esta não seria uma vida digna de ser vivida. Em suas justificativas, ao defenderem a qualidade de vida e exporem a melhora no quadro clínico dos pacientes é à gramática contemporânea na qual o sofrimento é considerado sem sentido que está sendo acionada nas justificativas destes agentes. E este valor é extremamente sensibilizador no mundo contemporâneo. Deslocam o debate para a vida de pessoas concretas, expostas em imagens, para a chamada qualidade de vida, na qual a manutenção da autonomia e a minoração 14 do sofrimento (até mesmo a sua extirpação, pensando-se na cura definitiva de algumas doenças) de pessoas com doenças cuja evolução leva a dor e a dependência. Estas duas concepções aparecem nas imagens, muitas vezes estando associadas. Ambas, felicidade e autonomia, constituem valores caros no mundo contemporâneo. A busca de satisfação individual - felicidade - tem um estatuto especial, por estruturar a experiência emotiva na cultura ocidental moderna (DUARTE, ). O prazer é concebido como objeto central de produção de sentidos para o viver na contemporaneidade. E este prazer pode estar associado à autonomia. A imagem de felicidade e satisfação dos pacientes tratados com CTA foi central na construção das justificativas favoráveis às pesquisas com CTE. Pacientes felizes, satisfeitos e com autonomia compunham as imagens, por oposição as possibilidades de dor e sofrimento trazidas pelas limitações físicas de suas doenças. Dois valores contemporâneos, a extirpação do sofrimento humano e a autonomia do indivíduo, estão presentes nas justificativas deste grupo. Estes valores, somados ao repertório de dados científicos exposto, traz generalidade ao argumento desenvolvido por estes cientistas. 3) O embrião:vida humana, individualismo e autonomia A concepção de que o embrião é uma pessoa humana aparece na apresentação de todos os expositores do bloco contrário a liberação das pesquisas com CTE. Evidências e dados científicos são apresentados para comprovar a presença de condição humana nos embriões deste o momento da fecundação8. Ao possuir vida, o embrião humano é concebido como um ser humano único, que possui direitos e deve ter estes direitos garantidos pelo estado. Autores que se detiveram sobre temas que envolvem a bioética, como a reprodução assistida (RA), já haviam constatado a pessoalização do embrião. Naara Luna constatou a tendência a se humanizar o embrião fora do corpo pelas usuárias dos serviços de reprodução assistida (Luna, 2007). Tânia Salem (1997) observou que o embrião é tratado como pessoa pelos agentes envolvidos na RA, como os médicos. O feto possui o mesmo estatuto que a 8 Em cada uma das apresentações analisadas foi constatada a sobreposição dos códigos que mencionavam a fecundação como o início da vida e a condição de pessoa do embrião. Em seguida sempre havia algum dado científico que buscasse evidenciar a característica humana do embrião. 15 mãe, sendo concebido enquanto pessoa e possuindo direitos, como o direito a tratamento médico, inclusive independentemente da vontade da mãe. Neste aspecto, segundo Rothman (1987) técnicas médicas recentes, como a ultrassonografia e a cirurgia fetal vem contribuindo para a construção de representações do feto como indivíduo. "A tecnologia da gravidez é uma tecnologia de separação e de individuação - a tecnologia está ajustada para estabelecer o reconhecimento do feto como separado da mãe." (Rothman, 1987, p114). Estas concepções não são exclusividade do universo da reprodução assistida, pelo contrário, estão também presentes entre os agentes religiosos envolvidos na controvérsia sobre as CTE, como constatado por César Ranquetat: "o embrião, mesmo o embrião extracorporal fecundado in vitro, já é uma vida humana" (p 41, 2011). No caso específico da audiência pública, três elementos se destacam e se repetem na fala dos apresentadores para buscarem comprovar a presença de vida humana no embrião: a sua unicidade (as características específicas que lhe atribuiriam individualidade), a sua autonomia (a independência) e a sua capacidade de comunicação. A unicidade e individualidade do embrião são reiteradas pela presença do código genético único e irrepetível que se forma no momento da fertilização. Segundo os apresentadores, no momento da fecundação ocorre a formação de um novo genoma, um novo programa de células que irá determinar as características específicas do ser. Todas as características do indivíduo já estariam presentes e determinadas por este novo "programa". A característica humana do embrião seria constatada nesta especificidade e unicidade. Uma cientista é bastante enfática, dizendo que "A carteira de identidade genética está lá desde o primeiro dia". O documento central para a constituição da individualidade no Brasil, que caracteriza os indivíduos enquanto cidadãos e portadores de direitos, é utilizada como metáfora pela apresentadora. A justificativas trazem referências a valores da pessoa moderna, que caracterizam o indivíduo como único e específico. Elementos científicos compõem as estratégias utilizadas para comprovar esta unicidade. A autonomia do embrião humano é outro elemento central que emerge das argumentações e dados apresentados por este bloco de cientistas. Este elemento foi apreendido de diversas formas na fala da maioria dos participantes, como no uso de dados e imagens sobre as etapas do desenvolvimento humano. Estas etapas seriam 16 capazes de demonstrar a autonomia da formação do embrião, também referida por uma cientista como "autoformação". Imagens mostrando cada etapa do desenvolvimento, desde a fecundação até o nascimento, enfatizando que aquele bebê recém-nascido (com a imagem do bebê) seria a continuidade de um processo iniciado na fertilização. Processo, demonstrado por imagens, por meio do qual o embrião - feto - bebe surgem como um continuum de desenvolvimento autônomo. A autonomia é outro princípio central do indivíduo moderno presente nas justificativas deste bloco de pesquisadores. Vale destacar que a presença ou necessidade da mãe é absolutamente ausente no discurso deste grupo de apresentadores. O enfoque constante encontra-se em elementos que destacam a unicidade/especificidade do embrião, que comprovaria a sua individualidade, e elementos que demonstrem a sua autonomia/independência, outra característica marcante da pessoa desde a modernidade. Este código de valores do indivíduo moderno perpassa toda a audiência pública, estando presente em ambos os blocos. A discussão em torno da autonomia do embrião é exemplo disso. Por um lado os cientistas contrários às pesquisas ignoram a figura da mãe, demonstrando por meio de imagens todo o processo de desenvolvimento do embrião, desde o momento da fecundação até o nascimento, e até mesmo após o nascimento, enfatizando ser um mesmo ser (um ser único e específico). Em nenhuma destas imagens ou na fala dos apresentadores deste bloco, a mãe, ou sequer o corpo materno, ou apenas muito vagamente o útero (aparentemente um órgão também independente e autônomo) é mencionado. Ou seja, o desenvolvimento do embrião aconteceria de forma absolutamente autônoma. Por outro lado, os cientistas favoráveis às pesquisas enfocam a necessidade do corpo materno. Sem o útero, sem a instalação do embrião no corpo de uma mulher, não haveria possibilidade do desenvolvimento do embrião. Para este bloco o embrião representa o oposto da autonomia, ele seria totalmente dependente do útero, do corpo da mulher. Ou seja, a disputa de sentidos está embasada, por parte de ambos os blocos, em um código de valores da modernidade no qual a autonomia é característica central do indivíduo. Sendo o embrião autônomo, ele teria as características da pessoa moderna, comprovando a sua condição humana. Já sendo o embrião dependente do corpo da mãe a sua individualidade, e portanto a sua condição de pessoa estaria diminuída. 17 Além disso, os cientistas que se pronunciaram a favor da totalidade da Lei de Biossegurança evitavam entrar nas discussões sobre o início da vida. Seus argumentos eram sobre as perspectivas positivas de avanços científicos. Letícia Cesarino (2007), ao analisar a aprovação da Lei de Biossegurança pelo poder legislativo, destacou que a estratégia de defesa empreendida pelos grupos em prol das pesquisas com embriões ocorreu no terreno da argumentação pragmática, na qual duas possibilidades eram apresentadas aos legisladores: ou os embriões seriam usados em pesquisas, possibilitando o desenvolvimento de tratamento para algumas doenças genéticas, ou seriam jogados na lixeira. Esta estratégia demonstrava o cenário de inevitabilidade do descarte dos embriões excedentes produzidos nos procedimentos de fecundação in vitro. Neste aspecto, segundo a autora, no debate para a aprovação da legislação de Biossegurança as questões sobre o estatuto do embrião permaneceram pendentes. O foco esteve nas pesquisas e nos seus resultados. Os cientistas que enfatizavam a questão do início da vida eram aqueles alinhados contra o uso de embriões em pesquisa. Neste ponto é interessante notar a proximidade no uso de argumentos e categorias entre ambos, cientistas contra as pesquisas com uso de embriões e sacerdotes. Os sacerdotes usam as evidências da ciência para legitimar suas posições em defesa da vida. Os cientistas defendem a vida devido às evidências da ciência (que são produzidas por eles mesmos). Porém, as categorias vida humana, dignidade da pessoa, embrião pessoa, direitos humanos aparecem todas imbricadas nos discursos de ambos. Destacamos que durante a audiência pública argumentos teológicos ou doutrinais não foram utilizados pelos opositores às pesquisas, seu vocabulário foi estritamente científico. Também a filiação religiosa destes cientistas não foi mencionada, embora a proximidade de alguns deles com a Igreja Católica tenha sido constatada, neste contexto estes vínculos não são explicitados. Quando os argumentos são direcionados para outros cientistas, ou para juristas e para a opinião pública, os laços dos agentes com o catolicismo, bem como o uso de termos ou argumentos que se remetam à doutrina ou a fé católica não estão presentes. Neste plano de análise agentes e discursos que possuem legitimidade são aqueles do universo acadêmico científico, sendo que o uso de pressupostos, argumentos e vocabulário teológico doutrinal não produz convencimento. 18 Referências Bibliográficas BOLTANSKI, L. 1993. La souffrance à distance. Morale humanitaire, médias et politique.Paris: Métailié. CESARINO, Letícia. 2007. "Nas fronteiras do "humano": os debates britânico e brasileiro sobre a pesquisa com embriões". In: Mana, vol.13 no.2. p. 347-380. DUARTE, L.F.D. 1996. “Distanciamento, reflexividade e interiorização da pessoa no Ocidente”. Mana 2(2):163-176. DUMOND, Louis. 1985. Essais sur l’individualisme. Paris, Essais. 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