OS RAIOS X E A SAÚDE DOS MÉDICOS Debate promovido pelo SINMED/RJ alerta para os riscos que a radiação ionizante impõe aos médicos DEBATE PERIGOS DO RAIO X Sem proteção, médicos expostos à radiação ionizante têm saúde em risco Legislação trabalhista precisa ser revista para garantir os direitos dos profissionais de saúde. O SINMED/RJ já recorreu à Justiça para garantir direitos e ambiente protegido Nesta cartilha, os médicos vão encontrar a reprodução do rico debate sobre o assunto, promovido pelo Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro (SINMED/RJ), em conjunto com o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ) e a Federação Nacional dos Médicos (FENAM), em agosto de 2014. O objetivo desse fórum, intitulado “Os raios X e a saúde dos médicos”, foi levar aos médicos e demais profissionais de saúde informações sobre a radiação ionizante, que são ondas eletromagnéticas de alta energia (raios x ou raios gama) às quais estão expostos muitos trabalhadores em sua rotina de trabalho. O debate foi centrado nos graves danos provocados à saúde desses profissionais de saúde em consequência da exposição contínua, do uso inadequado ou da não utilização dos equipamentos de proteção, e nas regras trabalhistas que regulam o assunto. O debate revelou que a maioria dos médicos não utiliza equipamentos de proteção individuais e coletivos e que, por sua vez, os empregadores dos setores público e privado não cumprem as normas relativas à segurança do trabalho. Isso provoca danos aos órgãos que ficam expostos à radiação e doenças que podem ser desenvolvidas quando o limite de tempo de exposição não é respeitado. Em muitos casos, o seu efeito só é percebido anos depois. Ficou também evidente que a legislação que garante os direitos trabalhistas aos profissionais de saúde da área precisa ser urgentemente revista para garantir a correção da base de cálculo dos adicionais de insalubridade e periculosidade e as regras de aposentadoria especial para os servidores públicos. Idealizado pelos diretores do SINMED/RJ, José Teixeira Alves Júnior e Rogério Antônio Silva Barros, o debate teve a participação da Coordenadora Geral de Instalações Médicas e Industriais da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Maria Helena da Hora Marechal, do Diretor técnico-científico e ex-presidente da Associação Brasileira de Medicina do Trabalho (ABMT), Paulo Antônio de –4– DEBATE PERIGOS DO RAIO X Na sequência, o presidente do SINMED/RJ, Jorge Darze, o diretor da ABMT, Paulo Rebelo, os diretores do SINMED/RJ, José Teixeira e Rogério Barros, organizadores do debate e a representante do IAB, Cláudia Duranti. Paiva Rebelo, e da Presidente da Comissão de Direito do Trabalho do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Cláudia Duranti. A seguir, estão relacionados os principais diplomas legais regulamentadores das regras de segurança no trabalho no Brasil, em especial, as que dispõem sobre a exposição à radiação ionizante. • Portaria nº 3214, de 06/07/1978, do Ministério de Trabalho: aprova as normas regulamentadoras relativas à segurança e à medicina do trabalho. • Portaria nº 453, de 01/06/1998, da Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária: define os limites de dose da radiação ionizante para os trabalhadores. • Norma Regulamentadora (NR) nº 32: dispõe sobre medidas de proteção à segurança e à saúde dos profissionais de saúde. • Norma Regulamentadora (NR) nº 15: define as atividades ou operações insalubres. • Norma Regulamentadora (NR) nº 16: define atividades e operações perigosas. Entre as atividades colocadas nesse debate estão as de operação com aparelhos de raios x, irradiadores de radiação gama, radiação beta ou radiação de nêutrons, incluindo as utilizadas em diagnóstico médico e odontológico, radioterapia, atividades de medicina nuclear, manuseio e aplicação de radioisótopos para diagnóstico médico e terapia, braquiterapia, radioisótopos, entre outras. –5– DEBATE PERIGOS DO RAIO X Pesquisa revela: médicos não usam equipamentos de proteção e não recebem adicionais A pesquisa, apresentada em sua fase inicial, foi proposta pelo SINMED/RJ e aplicada pelas sociedades de especialidades para avaliar a rotina dos médicos do setor que atuam na rede pública de saúde. Nas três primeiras unidades pesquisadas, no Rio de Janeiro: Hospitais Miguel Couto, Salgado Filho e da Lagoa, os profissionais informaram que realizam, em média, cinco exames por semana, com duração média de 40 minutos de exposição para cada procedimento. Os números levantados foram alarmantes: Cem por cento dos entrevistados não utilizam dosímetro e luvas de chumbo; 55% não realizam exames de saúde periódicos e 96,1% não são beneficiados pela legislação trabalhista. Embora 90,2% utilizem capotes de chumbo, apenas 27,45% usam óculos de chumbo e somente 43,14% usam protetor de tireóide. A pesquisa foi feita com cirurgiões vasculares, anestesiologistas, neurocirurgiões e ortopedistas. “A maioria dos médicos se expõe à radiação ionizante sem usar dosímetros e sem fazer exames médicos periódicos. Essa pesquisa mostra claramente que estamos diante de um problema de grande dimensão, que envolve inclusive fatores culturais”, alertou o diretor do SINMED/RJ, José Teixeira. Os dosímetros determinam o nível de doses de radiação recebidas pelo profissional de saúde durante o trabalho e o seu uso é previsto pela Portaria MS 453/98 e pela legislação trabalhista. A pesquisa foi enviada para todas as sociedades de especialidades e o levantamento continuará sendo feito para que a categoria médica possa traçar um diagnóstico amplo sobre a realidade dos profissionais da área. –6– DEBATE PERIGOS DO RAIO X Nível de radiação é altíssimo na área de Radiologia intervencionista De acordo com a Coordenadora Geral de Instalações Médicas e Industriais da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), a física Maria Helena da Hora Marechal, a Norma NN 3.01, da Comissão, estabelece os requisitos básicos de proteção radiológica das pessoas em relação à exposição à radiação ionizante. A CNEN atua em parceria com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e com as Vigilâncias Sanitárias estaduais e municipais, que são o braço operacional da Comissão, cabendo a elas o papel de fiscalizar. A coordenadora do CNEN ficou surpresa e preocupada com o resultado da pesquisa feita pelo SINMED/RJ, que apontou o não uso do dosímetro e demais equipamentos de proteção individual (EPI) pelos médicos do Rio de Janeiro. Para ela, seria fundamental ter na ementa dos cursos de formação dos médicos uma matéria que abordasse este assunto: o risco da radiação. Maria Helena da Hora Marechal Segundo a especialista, o médico radioterapeuta está menos exposto à radiação em comparação com os profissionais que atuam na radiologia intervencionista, na qual são realizados procedimentos e cirurgias com intuito diagnóstico ou terapêutico. “Na radiologia intervencionista, as doses de radiação são altíssimas. É importante usar proteção individual. A catarata precoce nesses profissionais, por exemplo, apresenta índices elevadíssimos”, salientou a física. Ela divulgou o trabalho da Agência Internacional de Energia Atômica (www.iaea.org), sediada em Viena, que promove cursos e conferências voltadas para os profissionais de saúde, e que podem servir como um importante caminho para instrumentalizar os médicos. A expositora afirmou ainda que está em andamento o projeto do Ministério da Saúde para instalação de 80 aceleradores lineares, que vão aumentar os serviços de radioterapia nas unidades de saúde do SUS. Apesar disso, segundo ela, em todo o país, existe um grande déficit de médicos radioterapeutas. –7– DEBATE PERIGOS DO RAIO X Medidas de proteção devem ser para toda a equipe e o PPRA deve ser priorizado Diretor Técnico-científico e ex-presidente da Associação Brasileira de Medicina do Trabalho (ABMT), o médico Paulo Antônio de Paiva Rebelo, defendeu a necessidade de separar o médico agente de saúde do médico trabalhador, pois o interesse do paciente não deve prevalecer sobre o direito à segurança garantido ao profissional de saúde. Ele citou como exemplo os médicos que estão expostos ao vírus Ebola. Ele destacou que o local de trabalho deve ser um ambiente que promova a saúde, que não deixe o trabalhador adoecer, salientando que “monetarizar” a questão, oferecendo o pagamento de 30% de adicional, não é a melhor solução. Ele esclareceu que por definição, o trabalho insalubre provoca o adoecimento, o penoso envolve situações que podem provocar prejuízo e o perigoso, Paulo Antônio que envolve a ação descontrolada. A radiação ionizante é um risco de Paiva Rebelo potencial à saúde do trabalhador e, portanto, caracteriza o trabalho insalubre. E como hoje, as pessoas permanecem no trabalho muito mais tempo do que anos atrás, enfrentam risco ainda mais elevado. Rebelo destacou que as medidas de proteção devem envolver toda a equipe profissional que atua em serviços que utilizam radiação ionizante: médicos, pessoal de manutenção, limpeza, e as áreas de circulação geral de pessoas e materiais. Na sua avaliação, o risco é ainda maior em unidades de saúde das cidades de menor porte, que muitas vezes não têm especialistas para utilizar os equipamentos. Ele salientou também a importância do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), previsto pela Norma Regulamentadora nº 09, do MT, que inclui um conjunto de ações visando a preservação da saúde e integridade dos trabalhadores através do processo de antecipação (anterior à instalação dos aparelhos), medição, reconhecimento, avaliação e controle de riscos. Ele advertiu ainda que em caso de acidente, a maioria dos hospitais não estaria preparada para agir. “Nem todos precisam usar o dosímetro. É o PPRA quem vai dizer. Devemos lutar pela saúde dos profissionais de saúde, avaliando os riscos e atuando na informação e no treinamento para que eles se protejam”, destacou. –8– DEBATE PERIGOS DO RAIO X STF intervém para adequar regras trabalhistas, mas cabe ao Congresso Nacional alterar a legislação em vigor Na avaliação da advogada Cláudia Duranti, Presidente da Comissão de Direito do Trabalho do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), eliminar o risco, garantindo os equipamentos de proteção para os trabalhadores, é mais importante do que remunerar o trabalho em condições de insalubridade. “Embora o risco seja o mesmo, as regras de remuneração são extremamente diferenciadas para os profissionais dos hospitais municipais, estaduais, federais e do setor privado. Isso, porque os estados têm autonomia para legislar de forma diferenciada no que se refere ao direito do trabalho”, frisou. Ela explicou que a União impõe normas básicas, permitindo que os estados e municípios legislem supletivamente. A advogada destacou que enquanto o adicional de periculosidade é de 30% sobre o salário do trabalhador, o adicional de insaCláudia Duranti lubridade incide sobre o salário mínimo. No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), diante de muitas ações judiciais impetradas contra a regra aplicada para o adicional de insalubridade, baixou a Súmula Vinculante nº 4, de 09 de maio de 2008, vedando a utilização do salário mínimo como indexador. O cálculo deve ser feito com base no salário base do servidor ou empregado do setor privado. Ainda assim, para não provocar uma “subversão na ordem social”, o STF determinou que fosse mantida a regra anterior até a edição de lei complementar que regule o assunto. A súmula gerou uma mudança no Tribunal Superior do Trabalho (TST), que passou a adotar a regra prevista pela súmula do STF, mas o problema ainda não foi sanado, já que o Legislativo ainda não propôs o projeto de lei complementar. A representante do IAB explicou ainda que o TST baixou a Orientação Jurisprudencial nº 345, que afirma que o empregado exposto à radiação ionizante ou à substância radioativa faz jus ao adicional de periculosidade. –9– DEBATE PERIGOS DO RAIO X No que se refere à aposentadoria especial, a advogada salientou que a Lei 8213/1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, reconhece esse direito para os trabalhadores que ficarem expostos à radiação ionizante por 25 anos de forma contínua. O direito é garantido a partir do preenchimento o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), formulário do Ministério da Previdência Social. Ocorre que o mesmo princípio não se aplica aos servidores públicos. Segundo ela, os atuais gestores da União são oriundos da escola do ex-ministro Bresser Pereira, responsável pela reengenharia da gestão pública brasileira. “A orientação normativa mudou, com a adoção de uma visão de Estado Mínimo, em que os gastos devem ser mínimos e os seus servidores remunerados minimamente”. Para garantir a aposentadoria especial para os servidores públicos, as entidades representativas ingressaram com um mandado de injunção e o Judiciário exigiu do Legislativo a apresentação de uma lei complementar para regular a questão. Sem caracterizar uma crise de legitimidade, o STF decidiu regulamentar a regra diante da ausência da lei, criando uma norma provisória para obrigar a administração pública a aplicar as regras de aposentadoria especial dos trabalhadores do setor privado em benefício dos servidores públicos até que o Congresso Nacional aprove a legislação pertinente. Cláudia Duranti informou ainda que o trabalhador que adquire alguma doença em consequência do trabalho que realiza tem o direito de reivindicar dano à saúde e dano moral. “É um dever do empregador garantir esse direito, e cabe ao Ministério do Trabalho exigir que as normas em vigor sejam cumpridas”, frisou. A advogada sugeriu aos médicos que cobrem dos deputados federais a aprovação de leis para regulamentar a aposentadoria especial para o servidor público e para fixar a base de cálculo do adicional de insalubridade. “É importante salientar que há outras especialidades que estão expostas e que não estão ganhando os mesmos direitos garantidos aos radiologistas”, denunciou o diretor do SINMED-RJ, Ronaldo Alves, um dos organizadores do fórum. Na avaliação do Presidente do SINMED/RJ, Jorge Darze, o sindicato, como órgão de representação e de fiscalização, ficou mais capacitado após o encontro. “Diante das exposições feitas, percebemos que o tema é complexo e requer muita capacitação, inclusive do nosso Departamento Jurídico”. “A discussão sobre o tema deve ser levada para a Educação Médica Continuada, passando pela Residência Médica e pelas áreas de Especialização. Precisamos unir as sociedades de especialidades e trabalhar em conjunto por essa causa”, Carlos Enaldo Araújo Pacheco, Diretor e conselheiro do CREMERJ. – 10 – Carlos Enaldo Araújo Pacheco 7 8 anos Em defesa dos médicos e da saúde pública