crescimento e a distribuição funcional da renda no brasil

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Título: Crescimento e a Distribuição Funcional da Renda no Brasil entre 1952 e 2011.
Autores:
Joana David Avritzer1,
Fabio N. P. Freitas2,
Julia de Medeiros Braga3.
Resumo: Este trabalho tem por objetivo estudar a relação entre crescimento econômico e a distribuição
funcional da renda. A partir dos modelos teóricos de Cambridge, neo-Kaleckianos e do
supermultiplicador, se estabelecem dois tipos de efeitos teóricos. O primeiro, denominado efeito nível,
ocorre em todos os modelos, e estabelece uma relação direta de impacto da participação dos salários na
renda sobre o nível do produto, que ocorre via modificações nos componentes da demanda. O segundo,
denominado efeito taxa, ocorre apenas nos modelos neo-Kaleckianos, e é a relação causal da participação
dos salários na renda para a taxa de crescimento do produto. A partir dessa tipologia, analisa-se a
presença desses dois efeitos na literatura empírica para diversas economias, e para a economia brasileira
entre o período de 1952 a 2001, por estimativas de causalidade e cointegração. Conclui-se que não há
evidências de efeito taxa, mas somente de efeito nível, na literatura empírica. Da mesma forma, as
estimativas apontam que, para a economia brasileira a única relação estatisticamente significativa
encontrada foi de um efeito nível, a partir da estabilidade econômica de 1994.
Palavras-chave: Teorias de crescimento econômico, distribuição funcional da renda, modelos neokaleckianos, economia brasileira.
Área ANPEC: 6- Crescimento, Desenvolvimento Econômico e Instituições.
Classificação JEL: O40, E11, E12, N16
Abstract: This work aims to study the relationship between economic growth and income distribution.
From the theoretical models of Cambridge, neo-Kaleckian and supermultiplier it is possible to establish
two types of effects. The first, called level effect is predicted in all models, and establishes a direct
relationship from the the wage share to the level of output which occurs via changes in the components of
demand. The second, called growth effect occurs only in the neo-Kaleckian models, and is the causality
relationship from the wage share to output growth. From this typology, we analyze the presence of these
two effects in the empirical literature. It follows that there is no evidence of growth effect in this
literature, but only level effect. Similarly, estimates indicate that, for the Brazilian economy the only
statistically significant relationship found is a level effect, starting from the economic stability in 1994.
Key-words: Economic growth theories, functional income distribution, neo-Kaleckian models, Brazilian
economy.
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE) do IE-UFRJ
Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE) do IE-UFRJ
3
Professora da Faculdade de Economia da UFF
2
Introdução
O objetivo deste trabalho é estudar a relação entre o crescimento econômico e a distribuição funcional da
renda, de um ponto de vista dito heterodoxo. Com tal objetivo este trabalho está divido em três seções
para além desta introdução e uma conclusão. Uma primeira seção apresenta os trabalhos teóricos que
desde a segunda metade do século XX tentam entender a relação entre essas duas variáveis, estendendo o
princípio da demanda efetiva para o longo prazo. A segunda seção apresenta uma revisão dos trabalhos
empíricos existentes para a relação crescimento e distribuição, seguindo algum dos modelos teóricos
apresentados na primeira seção. Por último, a terceira seção apresenta o trabalho empírico realizado para
a relação entre crescimento e distribuição na economia brasileira.
1-As teorias de crescimento econômico e a distribuição funcional da renda
Desde suas primeiras contribuições, as teorias pós-Keynesianas e Kaleckianas de crescimento e
distribuição têm por objetivo estender o princípio da demanda efetiva do curto para o longo prazo,
levando em conta os efeitos da distribuição de renda sobre o produto real. No entanto, apesar deste
aspecto em comum, as teorias aqui estudadas divergem em várias questões. Mesmo que a preocupação
com a relação crescimento e distribuição, via demanda, seja um aspecto comum a todas elas, essa
conexão é abordada de maneira diferente em cada teoria.
O objetivo desta seção é estudar essas abordagens e tentar entender essas diferenças. Portanto, a subseção
1.1 discute a tradição dos modelos de Cambridge, que têm como referencial teórico os trabalhos iniciais
de Robinson, Kaldor e Pasinetti. A subseção 1.2 discute os modelos ditos neo-Kaleckianos, que, partindo
dessas contribuições iniciais acabou se tornando a principal base teórica para trabalhos que buscam
entender a relação entre crescimento liderado pela demanda e distribuição. Por último, a subseção 1.3,
apresenta o modelo do supermultiplicador como uma terceira alternativa ao estudo da relação que
interessa aqui.
1.1–Os modelos de crescimento de Cambridge4
A definição do princípio da demanda efetiva na versão de Cambridge aqui adotada parte da hipótese de
que o nível de renda é determinado pelo produto de plena utilização da capacidade produtiva. Dessa
definição decorre que o ajuste entre oferta e demanda agregada, ambas reais, ocorre via preços e,
portanto, mudanças na distribuição funcional da renda, que é então considerada variável de ajuste do
modelo. Para uma economia simples, em que não há governo, e fechada, sem setor externo, a demanda
agregada, , é o resultado do consumo, , somado ao investimento, , onde , o consumo total de uma
economia, pode ainda ser dividido em consumo dos trabalhadores,
, e consumos dos capitalistas,
.
Já a renda real, , é dada pela soma da massa de lucros reais, , e a massa de salários reais de uma
economia,
. Adicionalmente, assume-se que o consumo de ambas as classes é induzido pela renda,
sendo, portanto, função da mesma multiplicada pelas respectivas propensões marginais e participações de
suas remunerações na renda. Ou seja,
, onde
é a
participação dos salários na renda,
é a propensão marginal a consumir dos trabalhadores e
é a
propensão marginal a consumir dos capitalistas. No entanto, para facilitar os cálculos e a comparação
com os demais modelos, pode-se fazer a hipótese adicional de que os trabalhadores consomem tudo o que
ganham e, portanto,
. Essa hipótese não é essencial ao fechamento do modelo, apenas a hipótese
de que
o é, no entanto, facilita muito a exposição do modelo. Assim, assumindo
, da
condição de equilíbrio entre oferta e demanda, ou seja, da igualdade:
, é
possível obter que:
(1.1)
4
Há ainda a possibilidade de se pensar um modelo de Cambridge com restrição da força de trabalho. No entanto, consideramos
desnecessária a apresentação do mesmo, já que não produz um resultado muito diferente em termos do papel da distribuição
funcional da renda na trajetória de crescimento do modelo de Cambridge com restrição da capacidade.
1
Onde, por definição,
é a participação do consumo capitalista na renda, e
éa
participação dos lucros na renda no tempo . Das equações apresentadas acima é possível concluir que,
em equilíbrio, a taxa de crescimento do estoque de capital5, , e do produto real, , já que o coeficiente
capital-produto é constante por hipótese, é dada por:
(1.2)
Sendo que
é a propensão marginal a poupar dos capitalistas e
é a taxa de lucro e,
se, por hipótese a economia está sempre no pleno emprego do capital, então seu grau de utilização da
capacidade produtiva é igual à unidade,
. Portanto, a renda, assim como o estoque de capital, deve
crescer, segundo a equação (1.2), também conhecida como a equação de Cambridge. No entanto, pelo
lado da demanda, os investimentos são considerados autônomos, e crescem a uma taxa exógena, . Ou
seja, para que se tenha um estado estacionário é necessário que a seguinte igualdade seja válida:
(1.3)
Onde
é a taxa de crescimento do estoque de captial em estado estacionário,
é a taxa de crescimento
da renda real, que pelas hipóteses do modelo é, necessariamente, igual à taxa de crescimento do estoque
de capital. Por fim, vale notar que na equação (1.3)
é a única variável de ajuste possível, já que todas
as demais são consideradas exógenas ao ajuste entre demanda e oferta. Assim, a variável
é
que garante que o modelo tenha um comportamento estável, permitindo que a trajetória de crescimento
aconteça em um contexto de equilíbrio entre oferta e demanda.
A cada variação positiva da taxa de crescimento do investimento, um excesso de demanda provocará uma
elevação do nível dos preços o que, por sua vez, reduz a parcela dos salários na renda. Por outro lado,
essa redução implica um aumento da taxa de crescimento do estoque de capital, pela equação (1.3), tal
que,
se ajuste a , mantendo, sempre
, como determinado por hipótese. Ou seja, para que seja
mantida a hipótese de plena utilização da capacidade produtiva, a taxa de poupança se ajusta à taxa de
investimento por meio de variações nos preços e, portanto, na distribuição funcional da renda.
Vale ainda ressaltar que esse ajuste é direto do crescimento para a participação dos lucros na renda.
Assim, pela equação (1.3) acima é possível ver que no modelo de Cambridge para que a economia
apresente taxas de crescimento econômico maiores (menores), a participação dos lucros na renda deve
aumentar (diminuir). Portanto, o ajuste nesse primeiro modelo apresentado resulta em uma relação causal,
negativa, do crescimento para a participação dos salários na renda.
1.2– Os modelos neo-Kaleckianos
O princípio da demanda efetiva nos modelos neo-Kaleckianos requer que o produto real se ajuste à
demanda agregada real. De acordo com Rowthorn (1981) os modelos descritos anteriormente estavam
mais preocupados com a operação de uma economia em plena utilização de capacidade produtiva e
assumiam que as firmas respondiam às variações de demanda alterando seus preços de oferta. “Thus, in
the typical neo-Keynesian theory, stagnation is the result of low prices caused by insufficient demand.”
(Rowthorn, 1981, p.1). No entanto, Kalecki e seus seguidores tratam de uma economia monopolística que
opera bem abaixo da plena capacidade produtiva. Sendo assim, na teoria Kaleckiana, quando há uma
redução da demanda, as firmas respondem diminuindo a produção e mantendo os preços constantes.
“Thus, in the Kaleckian theory, insufficient demand leads to economic stagnation because it reduces the
level of output which is produced in existing equipment, and not because of its effect on prices, which
remain constant.” (Rowthorn, 1981, p. 2).
5
Por definição, investimento real e a variação do estoque de capital ( ) estão relacionados segundo a equação:
,
onde é a taxa de depreciação do estoque de capital. Porém, assumindo
, ou seja, que não há depreciação, a taxa de
crescimento do estoque de capital de uma economia é dada por:
técnico capital-produto e
, onde
é o coeficiente
é o grau de utilização da capacidade produtiva.
2
Os modelos neo-Kaleckianos partem assim da equação típica Kaleckiana segundo a qual preços,
definidos a partir de um mark-up sobre os custos primários:
, são
(1.4)
Onde é o mark-up e
é a taxa de salário nominal. Assim, dado o mark-up e a produtividade do
trabalho, a parcela dos salários na renda apresenta um comportamento estável, diretamente determinada
por variáveis exógenas. O resultado desta última hipótese é que o ajuste entre a taxa de crescimento do
estoque de capital, já definida por
,6 e a taxa de crescimento do investimento ocorre via
mudança no grau de utilização da capacidade produtiva. Por outro lado, a taxa de crescimento do
investimento é dada por7:
(1.5)
Com derivadas parciais,
,
. Assim, o equilíbrio do mercado de bens no modelo proposto
passa então a ser definido por:
,8 de onde:
.
Segundo Blecker (2002), o denominador desta derivada deve ser positivo para que se tenha o equilíbrio
do mercado de bens. No entanto, o numerador pode ser tanto positivo quanto negativo. Ou seja, a
derivada final pode ser positiva,
, se
, o que Blecker (2002) denota por um resultado de
demanda profit-led, ou negativa,
, se
, que é denotado por uma demanda wage-led. 9 Por
fim, uma vez que
é possível saber o resultado da derivada da taxa de crescimento da
economia em relação à participação dos lucros na renda, a partir do sinal da derivada acima.
Assim, por exemplo, no caso de uma demanda wage-led o regime de crescimento será profit-led, se e
somente se o grau de utilização for relativamente inelástico à participação dos lucros na renda. Ou seja,
para uma economia wage-led é possível obter tanto um resultado de crescimento wage-led, quando a taxa
de crescimento da economia está negativamente relacionada com a participação dos lucros na renda,
6
É possível reescrever as equações do modelo neo-Kaleckiano na forma:
. Onde
é o investimento
realizado sobre o estoque de capital real, que, portanto, é igual à poupança sobre o estoque de capital real. A especificação que usamos acima
é utilizada Freitas e Serrano (2013) que adota ainda uma especificação para a função investimento em termos da taxa de crescimento do
investimento, até aqui , diferente dos neo-Kaleckianos que adotam a especificação taxa desejada de acumulação,
No entanto, os autores
ressaltam que essa diferença de especificação não altera os valores das variáveis endógenas do modelo.
7
A versão exposta acima para a taxa de crescimento do investimento é a versão de Marglin e Bhaduri (1990), no entanto, a versão original do
modelo neo-Kaleckiano propunha que a taxa de crescimento do investimento fosse dada por
, com todas as constantes
,
e
positivas. Da condição de equilíbrio, tínhamos então que
e
.
No entanto, para que a economia seja estável é necessário que o aumento do investimento induzido pelo crescimento do grau de utilização
seja menor que o aumento na poupança induzida. Desta hipótese de estabilidade decorre que
. Assim, a derivada da equação do
grau de utilização de equilíbrio com relação à participação dos lucros na renda é, necessariamente, negativa, pois:
por outro lado,
e,
. Estes últimos resultados implicam que no modelo original neo-Kaleckiano apenas o
resultado de demanda wage-led crescimento wage-led podiam ser obtidos teoricamente. Marglin e Bhaduri (1990) desenvolvem esse modelo
neo-Kaleckiano questionando a hipótese
. Os autores ressaltam que é igual à derivada parcial do crescimento da função de demanda
por investimento pelo grau de utilização, mantendo a taxa de lucro constante. No entanto, se
, para que se mantenha constante, é
necessário que a proporção dos lucros na renda decresça à mesma taxa que cresceu o grau de utilização da capacidade produtiva. Ou seja, a
hipótese de que
implica que se o grau de utilização aumenta, porém a participação dos lucros na renda diminui na mesma proporção,
as firmas desejarão investir mais. Os autores argumentam que esta é uma hipótese muito forte para ser considerada sempre válida. No
entanto, para os autores o problema mencionado acima pode ser resolvido tomando a especificação da função de investimento como a
adotado na equação (1.6).
8
Adicionalmente, assumimos que
. A hipótese de que não há consumo capitalista não interfere de forma significativa no resultado
desse modelo, uma vez queestes são considerados sempre uma proporção fixa da renda.Apenas na análise do modelo do supermultiplicador,
no qual o consumo capitalista é considerado autônomo é que a hipótese
passa a interferir de forma significativa no resultado do
modelo e será, portanto, abandonada.
9
Vale, contudo, destacar que esse resultado wage-led é um resultado forte, pois requer que uma redistribuição da renda a favor dos lucros
estimule a demanda agregada total. Ou seja, o estimulo de um aumento da participação dos lucros na demanda por investimento deve ser tão
alto que supere a redução nos gastos com consumo.
3
quanto profit-led, quando a relação tem o sinal negativo. Já no caso em que a derivada
é maior que
zero,
também será maior do que zero, portanto, o regime de crescimento é sempre wage-led, desde
que a economia seja profit-led.
Assim, nesses modelos neo-Kaleckianos é possível obter um resultado estagnacionista - que um aumento
da parcela salarial na renda afeta positivamente o grau de utilização da capacidade produtiva - ou nãoestagnacionista, se afeta negativamente. Da mesma forma é possível chegar a um resultado de
crescimento wage-led- que um aumento da parcela salarial da renda tem um efeito taxa positivo na
trajetória de crescimento - ou crescimento profit-led se tem um efeito negativo. No entanto, o resultado de
crescimento wage-led ou profit-led dependerá fundamentalmente dos parâmetros que se estima para a
função investimento de cada economia. Portanto, o modelo permite, em teoria, que qualquer um dos
resultados explicitados na Tabela 1.1 abaixo seja obtido. Porém, os parâmetros estimados para as
diferentes economias é que determinará o tipo de crescimento de cada uma delas, segundo o modelo
exposto acima.
Tabela 1.1 – Os tipos de resultados dos modelos neo-Kaleckianos
Resultado
Tipo de Modelo
Modelo Não-Estagnacionista
(Demanda profit-led)
Modelo Estagnacionista
(Demanda wage-led )
Modelo de Crescimento Profit-led
Modelo de Crescimento Wage-led
Elaboração própria a partir de Blecker (2002)
1.3 – O modelo do supermultiplicador
Segundo Serrano (1995) um sistema econômico pode ser caracterizado como liderado pela demanda
desde que duas condições sejam satisfeitas: (i) a soma das propensões marginais a investir e a consumir,
seja menor que um, ou seja, a propensão marginal a gastar é, no total, menor do que um; e (ii) existe um
nível positivo de gastos autônomos que não geram capacidade para as empresas capitalistas no longo
prazo. Assim, no modelo do supermultiplicador tem-se que a demanda agregada possuí três componentes
básicos:
. Onde,
é o consumo induzido, é o investimento induzido e
é
o consumo capitalista, mas que a partir de agora passa a ser considerado autônomo. Essa mudança de
variável para denotar o consumo capitalista visa ressaltar o caráter autônomo, ou seja, não induzido pela
renda, que este assume no modelo do supermultiplicador.
Destaca-se ainda que , investimento, é considerado no longo prazo um componente induzido da
demanda no modelo do supermultiplicador. Serrano (1995) afirma que nada impede que as firmas tomem
decisões autônomas de investimentos que gerem capacidade produtiva. No entanto, caso essas decisões
alcancem uma magnitude substancial elas resultarão na criação de um excesso de capacidade produtiva,
que levará a uma redução dos investimentos induzidos. Portanto, no modelo do supermultiplicador, o
investimento continua a ser induzido pelo nível de atividade econômica, porém de uma forma diferente
daquela adotada nos modelos neo-Kaleckianos. No modelo do supermultiplicador, para além de
considerar o investimento um gasto induzido, a propensão marginal a investir passa a ser endógena ao
nível de atividade da economia. Vale lembrar que o investimento, devido ao seu caráter dual de ser ao
mesmo tempo um componente da demanda agregada e ser gerador de capacidade produtiva, é,
fundamentalmente, uma demanda derivada que tem como objetivo por parte do capitalista criar, de forma
lucrativa, a capacidade produtiva para atender o crescimento do mercado. Uma vez que a capacidade
produtiva não pode ser ajustada, de forma imediata, às flutuações de mercado, parece razoável assumir
que os capitalistas irão operar com uma margem de capacidade produtiva ociosa para não perderem
parcelas de mercado (Steindl, 1952 apud Freitas e Serrano, 2013). É possível então assumir que existe um
grau de utilização normal da capacidade ( ) que é suposto exógeno e positivo. Além disso, toma-se por
hipótese que o processo de competição capitalista implica um crescimento do investimento acima da
4
demanda agregada sempre que a capacidade utilizada estiver abaixo do seu nível normal e vice-versa.
Essa dinâmica pode ser explicada a partir de uma função de investimento:
(1.6)
Onde
é a propensão marginal a investir, que passa ainda a ser endogenamente determinada pela
equação:
. Onde
e
é o parâmetro que mede a reação da taxa de
crescimento da propensão marginal a investir a desvios de
em relação ao seu nível normal. Das
equações acima é possível ainda perceber que:
(1.7)
Assim, para valores de
maiores (menores) que o normal, a margem de capacidade produtiva não
empregada estará abaixo (acima) do nível desejado e, portanto, a concorrência capitalista fará o
investimento crescer acima (abaixo) da taxa de crescimento do nível de atividade. Mais especificamente,
quando o grau de utilização está acima de seu nível normal, cada capitalista elevará o ritmo de expansão
da capacidade produtiva na tentativa de eliminar o risco de que, diante da incapacidade de atender a um
pico de demanda, acabem perdendo participação no mercado. Por outro lado, na situação inversa, os
capitalistas buscarão reduzir o ritmo de crescimento da capacidade em relação ao crescimento do
mercado, pois assim podem auferir uma taxa de lucro corrente maior sem correr o risco de perder parcelas
de mercado.
Como, em equilíbrio,
, é possível ainda obter o seguinte resultado:
(1.8)
Onde
é a taxa de crescimento dos gastos autônomos. Assim, é possível ver pelas equações acima que o
ajuste entre a taxa de acumulação e o crescimento da demanda por investimento e da renda, necessário à
estabilidade do sistema, ocorre através de mudanças no grau de utilização da capacidade produtiva, , e
na propensão marginal a investir a partir da renda,
. Portanto, como o estado estacionário é
caracterizado por
, ou seja,
, e
. Além disso, uma vez
é também
condição necessária ao estado estacionário,
, o que é garantido por ajustes em . 10 Assim, no
estado estacionário, as taxas de crescimento da oferta agregada, do investimento agregado e da
acumulação de capital são determinadas pela taxa de crescimento do consumo autônomo. Já o nível de
produto é dado por:
(1.9)
Onde é a propensão a poupar da economia, assumindo
e
, e o termo entre parênteses é o
valor do supermultiplicador em steady-state. Portanto, no modelo do supermultiplicador a distribuição
funcional da renda não possui um efeito taxa sobre a trajetória de crescimento de uma economia.
“Nevertheless, although a change in the income distribution does not have permanent growth effects, such
a change does have a level effect over the equilibrium values of all non-stationary variables of the
simplified supermultiplier growth model here presented.”(Freitas e Serrano, 2013, p.13) Portanto, a
princípio para o modelo do supermultiplicador uma variação na distribuição funcional da renda não terá
um efeito sobre a taxa de crescimento da economia, apenas um efeito nível.
1.4 – Conclusão da revisão teórica: os modelos de crescimento e a distribuição funcional da renda
Dessa abordagem da literatura teórica de crescimento econômico é possível concluir que para o modelo
de crescimento de Cambridge há uma relação negativa entre as variáveis taxa de crescimento econômico
e participação dos lucros na renda, relação essa necessária ao fechamento teórico do modelo, ou ainda,
10
A taxa de crescimento no modelo do supermultiplicador é dada por:
capacidade produtiva, tem-se que:
dadas por
. Da definição de grau de utilização da
e, portanto, as variações no grau de utilização da capacidade produtiva são
, uma vez que se considera constante a razão técnica capital-produto.
5
. Vale, no entanto, destacar que a relação de determinação é da taxa de crescimento
do investimento para a variável distributiva. Já nos modelos de crescimento neo-Kaleckianos, na versão
proposta por Marglin e Bhaduri (1990), a relação positiva (negativa) entre crescimento e distribuição de
renda, que ocorre via crescimento do investimento, depende dos parâmetros,
e
estimados para as
derivadas da função de investimento em cada economia. Por fim, no modelo do supermultiplicador não há
uma relação permanente entre a taxa de crescimento econômico e a distribuição funcional da renda, sendo
que mudanças exógenas na distribuição de renda provocam apenas um efeito nível sobre o produto (e
temporário sobre o crescimento). Nesse modelo, a variável distributiva é considerada exógena, assim
como no modelo neo-Kaleckiano. No entanto, esta possui apenas um efeito temporário sobre o nível da
renda e não um efeito sobre a taxa de crescimento da economia, como no modelo de Cambridge.
Quanto ao efeito nível sobre a renda cabe ainda um comentário adicional sobre a diferença dos resultados
previstos pelos neo-Kaleckianos de um lado e pelo de Cambridge no outro. No modelo de Cambridge, a
variável distributiva possui um efeito nível temporário sobre a renda que decorre diretamente das
hipóteses de que
, onde
,e
e
. Isso porque
dessas hipóteses pode-se concluir que,
, onde
é o
multiplicador keynesiano, que depende, inversamente da participação dos salários na renda, desde que se
possa assumir,
. Esse resultado também é esperado pelos modelos neo-Kaleckianos, que, no
entanto, esperam ainda efeitos sobre o grau de utilização da capacidade produtiva de equilíbrio, via
investimento, e, portanto, na demanda agregada, como especificado por Blecker (2002).
Por fim, para a versão simples do modelo do supermultiplicador apresentada aqui, a participação dos
salários na renda, assim como no modelo de Cambridge, deve ter um efeito nível positivo sobre a renda
que decorre da equação:
. No entanto, ao contrário do modelo de Cambridge, a
existência de gastos autônomos improdutivos na economia é levada em conta. Estes gastos em um
contexto de uma economia aberta podem, por exemplo, incluir as exportações que podem estar
inversamente relacionadas à participação dos salários na renda.11 Assim, mesmo que a priori essa relação
seja positiva, a existência de gastos autônomos improdutivos na economia, incorporados no modelo do
supermultiplicador, podem tornar este efeito negativo.
Com base nessa discussão teórica, resumida na Tabela 1.2 abaixo, é possível agora passar a uma
discussão mais empírica sobre os efeitos de mudanças na distribuição funcional da renda sobre o
crescimento de uma economia. No entanto, antes de propor um trabalho empírico próprio considerou-se
necessária uma revisão dos trabalhos empíricos já realizados e que tomam alguns dos modelos acima
estudados como base teórica para suas estimações. Contudo, como pode ser visto na seção 2 a seguir,
todos os trabalhos empíricos encontrados na literatura, tomam os modelos neo-Kaleckianos como base
teórica.
Tabela 1.2 – A relação entre crescimento e distribuição nos modelos de Cambridge, neo-Kaleckianos e do supermultiplicador
Efeito taxa
Efeito nível
O efeito direto da taxa de crescimento
Efeito positivo da participação dos salários na
Modelos de Cambridge
para a participação dos lucros na renda.
renda para o nível de renda.
Modelo neo-Kaleckiano com
Regime de crescimento wage-led.
Regime de demanda wage-led.
investimento endógeno
Regime de demanda que depende dos efeitos
Existe efeito taxa cujo sinal depende de
Modelos neo-Kaleckianos à
da variável distributiva sobre os componentes
laMarglin e Bhaduri (1990)
e
da demanda
A princípio apenas um efeito positivo da
participação dos salários na renda para o nível
Modelo do supermutiplicador
Não existe efeito taxa
de renda, desde que
.
Elaboração própria
11
Ver Felipe e Kumar (2011) para maiores detalhes sobre o assunto.
6
2 – Revisão da literatura empírica de crescimento e distribuição
A partir das contribuições de Marglin e Bhaduri (1990) diversos trabalhos empíricos tentam estimar o
tipo de regime de crescimento das economias desenvolvidas ou em desenvolvimento. Os textos
apresentados a seguir estão selecionados em Hein (2014), entre outros, como trabalhos centrais ao debate
empírico neo-Kaleckiano sobre a relação entre crescimento e distribuição e por isso foram considerados
essenciais para esta seção. A Tabela 2.1 abaixo apresenta um resumo dos resultados obtidos para a
relação crescimento e distribuição nesses trabalhos.
Tabela 2.1 – Os resultados empíricos dos trabalhos neo-Kaleckianos
Artigo
Resultado obtido para a economia aberta
Interpretação do resultado pelo autor
Bowles e Boyer (1995)
Demanda agregada é profit-led para
3 países e wage-led para 2 países
Gordon (1995)
O resultado não é interpretado pelo
autor nesses termos
Uemura (2000)
Crescimento profit-led de 1963 a
1971 e wage-led de 1976 a 1995
Stockhammer, Onaran
e Ederer (2009), Ederer
(2008), Stockhammer e
Ederer (2008),
Stockhammer, Hein e
Grafl (2011)
Ederer e Stockhammer
(2007)
Interpretação do resultado pela
Tabela 1.1
Demanda agregada é profit-led
para 3 países e wage-led para 2
países
Não se aplica, pois a derivada
está em termos da taxa de lucro.
Demanda é profit-led de 1963 a
1971 e wage-led de 1976 a
1995
Demanda wage-led em três dos
trabalhos e profit-led para um dos
trabalhos
Demanda wage-led em três dos
trabalhos e profit-led para um
dos trabalhos
Demanda profit-led
Demanda profit-led
Hein e Vogel (2008)
Crescimento é profit-led para 2
países e wage-led para 4 países
Demanda é profit-led para 2
países e wage-led para 4 países
Hein e Vogel (2009)
Crescimento é profit-led para as
economias
Demanda é profit-led para as
economias
Stockhammer e Stehrer
(2011)
Demanda é wage-led para 7 países
Demanda é wage-led para 7
países
Onaran e Galanis
(2012)
Demanda é wage-led para 9 países e
profit-led para os demais 7 países.
Demanda é wage-led para 9
países e profit-led para os
demais 7 países.
Naastepad e Storm
(2007)
A demanda é wage-led para 6 países
e profit-led para 2 países.
A demanda é wage-led para 6
países e profit-led para 2 países.
Hartwig (2013)
O efeito da distribuição sobre o
crescimento é profit-led
A demanda é profit-led.
A variável distributiva não é
estatisticamente significativa para
explicar a taxa de acumulação
O regime de crescimento não
pode ser considerado profit-led
Stockhammer e Onaran
(2004)
e Onaran e
Stockhammer (2004)*
Taxa de acumulação é profit-led para dois
países, porém resultado é não significativo.
Para o terceiro país não foi possível estimar
o sinal do efeito
Elaboração própria
Os três primeiros artigos apresentados na tabela resumo acima podem ser considerados exercícios
empíricos iniciais que, posteriormente serviram de base para outros trabalhos neo-Kaleckianas apesar de
não estimarem uma relação direta entre crescimento e distribuição. Por exemplo, Bowles e Boyer (1995)
testa a relação entre distribuição e emprego através de uma função excesso de demanda,
. No entanto,
a partir da condição de equilíbrio de um excesso de demanda igual à zero no mercado de bens, Bowles e
Boyer (1995) chega à conclusão de que o efeito de uma variação na taxa de salário real de equilíbrio ( )
sobre o emprego ( ) é dada pela derivada
, onde
e
são as derivadas do excesso de
7
demanda com relação
ea
, respectivamente. Uma vez que a condição de estabilidade de curto prazo
requer que
, o sinal de
depende do sinal da derivada
, que pode ser calculado a partir
dos coeficientes estimados nas equações para poupança, investimento e exportações líquidas. O segundo
trabalho é o de Gordon (1995), que estima equações lineares para os coeficientes dos componentes de
demanda, consumo e investimento e exportações líquidas em função do grau de utilização da economia
da taxa de lucro e da taxa de juros. Uma vez que cada componente da demanda é dado por uma função da
taxa de lucro, entre outros fatores, é possível então calcular a derivada do grau de utilização em relação à
taxa de lucro. O terceiro trabalho, de Uemura (2000), estima uma função excesso de demanda e, partindo
da condição de equilíbrio e da condição de estabilidade keynesiana, calcula o efeito final de uma variação
da participação dos lucros na renda sobre o grau de utilização da capacidade produtiva, através da
derivada da função excesso de demanda em relação à participação dos lucros na renda.
Os resultados obtidos em cada trabalho podem ser vistos na tabela acima. Bowles e Boyer (1995) estima
um efeito positivo da variação da taxa de salário real sobre o excesso de demanda para dois países e
negativo para outros três. Já Gordon (1995) obtém que o efeito de uma mudança na taxa de lucro sobre o
grau de utilização para os Estados Unidos é positivo. Por fim, o resultado estimado em Uemura (2000) é
que o efeito final de uma mudança na distribuição a favor dos lucros sobre o nível de atividade da
economia japonesa é positivo para 1963 a 1973 e negativo entre 1976 a 1995. No entanto, vale ressaltar
que em nenhum desses modelos a significância da relação entre a distribuição e o nível de atividade da
economia é estimada, já que o coeficiente é calculado pela soma de outros parâmetros estimados. É
importante ainda notas que os resultados obtidos, em qualquer um dos três trabalhos, não são para o
regime de crescimento da economia. Pode-se no máximo dizer que os países estudados apresentam um
regime de demanda wage-led ou profit-led, como os próprios autores, em Bowles e Boyer (1995) e
Gordon (1995), reconhecem. O trabalho Uemura (2000) é o único que apresenta o resultado como a
estimação do regime de crescimento da economia japonesa, no entanto, seguindo a Tabela 1.1 na seção 1,
o que se apresenta como resultado é a estimação do regime de demanda da economia japonesa.
Os trabalhos de Bowles e Boyer (1995), Uemura (2000) e Gordon (1995), juntamente, com Bhaduri e
Marglin (1990) são apontados como referências em quase todos os trabalhos da literatura empírica
revisados. No entanto, para além destes é possível apresentar ainda uma revisão das estimações empíricas
mais atuais. Por exemplo, os trabalhos de Stockhammer, Onaran e Ederer (2009), Ederer (2008),
Stockhammer e Ederer (2008) e Stockhammer, Hein e Grafl (2011) que estimam o efeito de uma variação
da participação dos salários na renda sobre o produto partindo da equação de equilíbrio entre oferta e
demanda agregada. Uma vez que a demanda agregada pode ser dividida em consumo, investimento e
exportações líquidas, onde cada componente é função da renda, da participação dos salários na renda e de
um conjunto de variáveis exógenas, é possível obter uma equação do nível do produto em função da
variável distributiva sendo que a derivada desta função é dada por:
(2.1)
Onde,
;
,
são as exportações líquidas e
os
gastos do governo. Assim, esses trabalhos determinam o tipo de regime de demanda que uma economia
segue através dos coeficientes estimados para as equações dos componentes da demanda. Ou ainda,
estimam uma equação para o consumo, uma equação para o investimento e uma equação para as
exportações líquidas e a partir dos coeficientes estimados em cada equação, calculam a derivada
usando a equação (2.1) acima. Como resumido na tabela acima, os resultados de Stockhammer, Onaran e
Ederer (2009) sugerem que a zona do euro apresenta um regime de demanda wage-led. Já Ederer (2008)
encontra que a Holanda apresenta um regime de demanda wage-led, Stockhammer e Ederer (2008)
encontram que a Áustria possui um regime de demanda wage-led desde os anos 1960s e que se torna
profit-led a partir de 2005 e Stockhammer, Hein e Grafl (2011) encontram que a Alemanha apresenta um
regime de demanda wage-led. Portanto, nenhum desses trabalhos apresenta a estimação do regime de
crescimento das economias estudadas.
8
Outro trabalho bastante similar a esses quatro últimos é o de Ederer e Stockhammer (2007) que estima o
efeito da distribuição sobre o crescimento através da soma das derivadas dos componentes da demanda
em relação à variável distributiva, ou seja,
, onde
são as
exportações e
as importações. O efeito final estimado positivo. Contudo, como destaca Ederer e
Stockhammer (2007) este resultado mostra apenas que a demanda agregada da França para o período
estimado é profit-led. Não se pode concluir nada, portanto, sobre o regime de crescimento da economia
no período.
Os trabalhos de Hein e Vogel (2008) e Hein e Vogel (2009) também estimam o efeito da variável
distributiva sobre o nível de renda através dos efeitos marginais da mesma sobre os componentes da
demanda. Em Hein e Vogel (2007) o efeito final,
, é estimado positivo para a Áustria e Holanda e
negativo para França, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos. Já em Hein e Vogel (2009) é negativo
para França e Alemanha. Os trabalhos afirmam ter encontrado regimes de crescimento wage-led para
França, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos e crescimento profit-led para Áustria e Holanda.
Contudo, seguindo a classificação de Blecker (2002) a terminologia usada está incorreta, uma vez que
estes trabalhos estão na verdade estimando o regime de demanda.
Além disso, outros trabalhos empíricos foram desenvolvidos recentemente, principalmente na tentativa de
incorporar os efeitos da globalização e do crescimento do comércio internacional sobre essa relação entre
crescimento e a distribuição de renda. Inicialmente, destacam-se os trabalhos de Stockhammer e Stehrer
(2011) e Onaran e Galanis (2012), que, de forma bastante similar ao trabalho de Hein e Vogel (2007) e
Hein e Vogel (2009), estimam os coeficientes das equações de determinação dos componentes da
demanda. Stockhammer e Stehrer (2011, p. 14) conclui que a demanda é wage-led para sete dos dozes
países estudados. Já Onaran e Galanis (2012, p. 32) obtém que a demanda é wage-led para a Zona do
Euro, a Alemanha, a França, a Itália, o Reino Unido, os Estados Unidos, o Japão, a Turquia e a Coréia e é
profit-led para Canadá, Austrália, México, Argentina, China, Índia e África do Sul. Porém, não se pode
afirmar que os resultados obtidos em qualquer um dos trabalhos foram significativos, mesmo para a
estimação do regime de demanda. Ressalta-se ainda que, novamente, não há a estimação dos regimes de
crescimento de nenhum dos países analisados nos testes empíricos.
Por fim, os quatro últimos trabalhos apresentados na tabela resumo acima estimam a relação entre
distribuição e crescimento de uma forma alternativa ao que até agora foi apresentado. De um lado,
Naastepad e Storm (2007) e Hartwig (2013) derivam o efeito final da taxa de crescimento da participação
dos salários na renda,
, sobre a taxa de crescimento da economia, , incorporando tanto os efeitos
sobre o multiplicador quanto os efeitos sobre o investimento. Ou seja, eles estimam o sinal da derivada
e determinam o regime de demanda da economia. Naastepad e Storm (2007) concluem que o regime
de demanda é profit-led para Holanda e Estados Unidos e wage-led para os demais. Já Hartwig (2013)
conclui que a Suíça apresenta um regime de crescimento da demanda profit-led. No entanto, pelo o que é
reportado pelo autor o que se estimou, novamente, foi apenas o regime de demanda, não o seu regime de
crescimento.
Por outro lado, Stockhammer e Onaran (2004) e Onaran e Stockhammer (2004) se distanciam ainda mais
do que foi visto até agora, ao propor a estimação da relação entre as variáveis de interesse a partir de um
sistema de equações simultâneas para todo o sistema econômico. Diferente dos trabalhos acima
mencionados, esses dois últimos estimam as equações neo-Kaleckianas em um sistema simultâneo e
avaliam o efeito final de um choque na variável distributiva sobre a trajetória de crescimento pela análise
da função de impulso resposta. Ou seja, propõem a estimação do efeito taxa da variável distributiva sobre
a renda e não apenas do efeito nível. Os resultados obtidos em Stockhammer e Onaran (2004) e Onaran e
Stockhammer (2004) são que um choque na participação dos lucros na renda gera efeitos positivos,
porém não significativos na taxa de crescimento do estoque de capital nos Estados Unidos e França. Esse
resultado é o primeiro a se aproximar de uma estimação do regime de crescimento das economias, no
entanto obteve-se um resultado não significativo.
Assim, o que essa revisão da literatura, complementada pela Tabela 2.1 acima, parece indicar é que não se
observa na literatura neo-Kaleckiana empírica um teste para o regime de crescimento wage-led ou profitled. As únicas exceções encontradas foram os trabalhos de Onaran e Stockhammer (2004) e Stockhammer
9
e Onaran (2004), que, no entanto, não obtêm resultados estatisticamente significativos para a relação entre
a variável distributiva e o crescimento da economia. Portanto, o que esta revisão da literatura empírica
neo-Kaleckiana parece apontar é para a existência de uma relação causal entre o nível da renda e a
participação dos salários na mesma, ou seja, para a existência de regimes de demanda, sejam eles wageled ou profit-led. No entanto, é importante que se estabeleça bem a diferença entre um efeito nível e um
efeito taxa sobre a renda de uma mudança na variável distributiva. Fatores que possuem um efeito nível
sobre a renda alteram a taxa de crescimento da mesma apenas por um curto período de tempo enquanto
fatores que possuem um efeito taxa sobre a renda alteram sua taxa de crescimento por um período longo
de tempo. No modelo neo-Kaleckiano à la Marglin e Bhaduri (1990), uma mudança na distribuição
funcional da renda deveria modificar a taxa de crescimento da economia de forma definitiva e não apenas
por um curto período. No entanto, os testes empíricos neo-Kaleckianos parecem estimar apenas o efeito
nível. Ressalta-se, ainda, que a significância estatística desses resultados não pode ser estabelecida, já que
eles não são diretamente estimados, mas sim calculados pela soma dos coeficientes das equações de
determinação dos componentes da demanda.
2.1- As estimações neo-Kaleckianas para a economia brasileira
Semelhantes à literatura internacional, os trabalhos empíricos neo-Kaleckianos no Brasil tentam obter
modelos que incorporam a possibilidade de diferentes regimes para o crescimento da economia brasileira.
Neste intuito, os trabalhos de Araujo e Gala (2012) e Bruno (2003) estimam equações similares às
propostas por Uemura (2000) para o Brasil. Esses trabalhos consideram que se a derivada do excesso de
demanda agregada em relação à participação dos lucros na renda for positiva (negativa), o regime de
crescimento é considerado profit-led (wage-led) (Bruno, 2003, p. 6 e Araujo e Gala, 2012, p. 46). No
entanto, essa afirmação não condiz com a caracterização feita por Blecker (2002) e apresentada na Tabela
1.1 acima, uma vez que o sinal da derivada do excesso de demanda agregada pode apenas indicar o
regime de demanda e não o regime de crescimento, como já foi discutido anteriormente.
Os resultados obtidos por Bruno (2003) indicam que a economia brasileira seguiu um regime de demanda
profit-led entre 1970 e 1990 e wage-led entre 1991 e 2001. Já os resultados empíricos de Araujo e Gala
(2012) concluem que, quando se considera a participação do setor externo, o regime de acumulação
brasileiro é profit-led para o período de 2002 a 2008. Porém, assim como para a literatura empírica
internacional, o que se define como um resultado empírico que corrobora a classificação de um regime de
crescimento como wage-led ou profit-led não parece ser o desenvolvido por Bhaduri e Marglin (1990) e
Blecker (2002). É o que pode ser visto na Tabela 2.2 a seguir.12
Tabela 2.2 – Os resultados empíricos dos trabalhos neo-Kaleckianos para o Brasil
Interpretação do
resultado segundo
o autor
Interpretação do
resultado segundo
Blecker (2002)
Dados anuais de
1970 a 2001
O crescimento é
profit-led de 19701990 e wage-led de
1991-2001
A demanda é
profit-led de 19701990 e wage-led de
1991-2001
Dados anuais de
2002 a 2008
O crescimento é
profit-led
A demanda é
profit-led
Artigo
Dados usados
Bruno
(2003)
Araujo
e Gala
(2012)
Resultado obtido para a economia
aberta
Elaboração própria
3 – Crescimento e Distribuição da Renda no Brasil: umestudo empírico
Nesta seção, tenta-se estimar uma relação direta entre crescimento e a participação dos salários na renda
para a economia brasileira. A Tabela 3.1 traz a relação dos dados anuais utilizados de 1952 a 2011 e suas
fontes.
12
Outros trabalhos empíricos para a economia brasileira propõem testes para a relação entre o regime de acumulação e a
variável distributiva na economia brasileira, destacando, por exemplo, o papel da taxa de câmbio nessa relação. Porém, como o
foco deste trabalho não é taxa de câmbio, optamos por omitir os resultados encontrados nestes testes.
10
Tabela 3.1- Os dados de crescimento e distribuição.
Dados
Variável
Participação dos salários na renda até 2008
Participação dos salários na renda em 2009 201113
Produto Interno Bruto Real14
Investimento Real em Máquinas e
Equipamentos15
Taxa de crescimento da renda
Taxa de crescimento do investimento
Variação da participação dos salários na renda
Elaboração própria
Fonte
Marquetti e Porsse (2014)
SCN - IBGE
SCN - IBGE
SCN-IBGE
Taxa de crescimento de
Taxa de crescimento de
Taxa de crescimento de
Os Gráficos 3.1 (a) e (b) abaixo são apresentadas as séries em nível e em taxa de crescimento,
respectivamente.
Gráfico 3.1 (a) - Séries em nível
1800
Gráfico 3.1 (b) - Séries em taxa de crescimento
60%
0,6
0,5
1600
1400
1200
50%
0,4
40%
0,3
0,2
30%
800
600
20%
0,1
0
-0,1
400
10%
200
0%
1952
1956
1960
1964
1968
1972
1976
1980
1984
1988
1992
1996
2000
2004
2008
0
PIB real base 100 em 1952 (eixo esquerdo)
Investimento real base 100 em 1952 (eixo esquerdo)
Parcela dos salários (eixo direito)
1953
1956
1959
1962
1965
1968
1971
1974
1977
1980
1983
1986
1989
1992
1995
1998
2001
2004
2007
2010
1000
-0,2
-0,3
-0,4
Taxa de variação da participação dos salários na renda
Taxa de crescimento da renda
Taxa de crescimento do investimento
Elaboração própria
3.1– A estimação do efeito taxa
Caso as séries apresentem um comportamento não estacionário é possível que a regressão econométrica
encontre relações entre as variáveis sem que, no entanto, exista alguma causalidade entre elas. Assim, a
tabela abaixo, inicia o trabalho empírico de estimação de um efeito taxa, apresentando os resultados dos
testes de raiz unitária para as séries relevantes nessa primeira estimação: a taxa de crescimento da renda, a
taxa de crescimento do investimento e a participação dos salários na renda em nível.
Pelos testes reportados na tabela abaixo não se desconfia da presença de raiz unitária em nenhuma das
séries. É possível então estimar a relação entre a variável distributiva em nível, a taxa de crescimento
econômico e a taxa de crescimento do investimento a partir de um sistema VAR (Vetores
Autoregressivos).
13
Este dado foi calculado com base na Conta de Renda Nacional Disponível Bruta (Conta 2) do Sistema de Contas Nacionais.
Foram utilizados os dados de Remuneração dos empregados sobre o Produto Interno Bruto dentro da Conta de Distribuição
Primária da Renda. A escolha dos dados foi feita com base no que mais se aproximava de uma continuidade em relação aos
dados de Marquetti e Porsse (2014).
14
Produto interno bruto (PIB) a preços de mercado - preços constantes de 1980 - referência 2000.
15
Formação bruta de capital fixo - máquinas e equipamentos a preços constantes de 1980 - referência 2000.
11
Testes realizados
(especificação: com
intercepto e sem
tendência)
ADF
PP
Tabela 3.2 – Testes de raiz unitáriapara as séries do efeito taxa
Estatística para a
Estatística para a variável
Estatística para a
variável distributiva
de crescimento da economia
variável de crescimento
( )
( )
da economia ( )
(p-valor)
(p-valor)
(p-valor)
-3.187803**
-4.387983***
-7.554872***
(0.0260)
(0.0008)
(0.0000)
-2.725481*
-4.374810***
-7.563194***
(0.0758)
(0.0008)
(0.0000)
0.072903
0.540552**
0.103707
0.445725***
1.355703***
0.807255***
-3.220550***
-2.704685***
-7.605398***
KPSS
ERS
DF-GLS
Testes de Ng-Perron
Mza
-51.1223***
-11.9094**
-29.4988***
MZt
-5.05580***
-2.40868**
-3.84034***
MPT
0.47924***
2.18118**
0.83102***
Elaboração própria
Notas: * O nível de significância da estatística é de 10%; **O nível de significância da estatística é de 5%; *** O nível de
significância da estatística é de 1%.
Os critérios de informação de Akaike, Schwarz e Hanna-Quin apontam um VAR com uma defasagem,
VAR (1), enquanto o teste sequencial de razão de verossimilhança, aponta para quatro defasagens. Para
escolher o melhor modelo foram reportados, na tabela abaixo, os testes sobre resíduos de ambas as
especificações.
Tabela 3.4 – Testes sobre resíduos para o VAR (1) e o VAR (4) para o efeito taxa
VAR (1)
VAR (4)
Estatística
Estatística
Testes
(p-valor)
(p-valor)
11.93479
17.72948
Portmanteau
(0.7485)
(0.3400)
7.857286
8.650873
Teste LM
(0.5486)
(0.4701)
9.257705
2.800991
Jarque-Bera
(0.1596)
(0.8334)
8.795061**
0.652479
Kurtosis
(0.0321)
(0.8843)
0.462644
2.148513
Skewness
(0.9270)
(0.5422)
Teste para a
105.9539***
158.7004
Heteroscedasticidade
(0.0000)
(0.1901)
Elaboração Própria
Notas: * O nível de significância da estatística é de 10%; **O nível de significância da estatística é de 5%; *** O
nível de significância da estatística é de 1%.
Pelos testes reportados na tabela acima o VAR (4) parece ser a especificação mais adequada, pois não
rejeita as hipóteses nulas de normalidade, homoscedasticidade e não autocorrelação dos resíduos. A partir
desse sistema foi possível testar, através do teste de Wald, a Granger-causalidade entre as séries (Tabela
3.5 abaixo).
Pelo teste de causalidade de Granger, só se rejeita a hipótese nula de que a variável de crescimento
econômico não Granger causa a variável crescimento do investimento. Este resultado é compatível com o
modelo do supermultplicador e com os modelos neo-Kaleckianos que tomam o investimento endógeno ao
nível de atividade da economia. A variável distributiva não parece causar, no sentido de Granger, a taxa
de crescimento da economia ou do investimento. Esse teste não corrobora, portanto, o resultado previsto
no modelo neo-Kaleckiano à la Marglin e Bhaduri (1990).
Na decomposição da variância a variável distributiva aparece com baixo percentual (abaixo de 10%) de
explicação para variações na taxa de crescimento da renda e do investimento. Esse resultado, assim como
no teste de causalidade de Granger pouco corrobora com o modelo neo-Kaleckiano, já que variações na
12
participação dos salários na renda em nível têm pouco efeito sobre variações na taxa de crescimento do
investimento e, portanto, da renda.
Tabela 3.5 – Testes de causalidade de Grangerpara o efeito taxa
Estatística
Hipótese Nula
(p-valor)
2.60970
não Granger causa
(0.0473)
0.26970
não Granger causa
(0.8960)
0.63272
não Granger causa
(0.6416)
0.93825
não Granger causa
(0.4501)
0.32914
não Granger causa
(0.8570)
0.75022
não Granger causa
(0.5629)
Elaboração própria
Pelo gráfico abaixo a função impulso resposta do efeito de um choque em sobre , apesar de estimada
positiva, não é significativa. Ou seja, o resultado da função impulso resposta não corrobora com um
resultado de crescimento wage-led ou profit-led como propõe os modelos neo-Kaleckianos. Porém, a taxa
de crescimento da renda parece ter um efeito negativo e significativo para a participação dos salários na
renda, o que é um resultado que se aproxima do resultado esperado pelo modelo de Cambridge.
No entanto, o efeito de um choque da taxa de crescimento da economia sobre a taxa de crescimento do
investimento é positivo para pelo menos quatro períodos a frente. Este efeito tem uma significância de
difícil interpretação. Primeiro, vale notar que a linha de significância a 5% passa bem próximo do zero.
Ou seja, um resultado muito próximo de rejeitar a hipótese nula de não significância do parâmetro
estimado. Segundo, a escala do gráfico para os efeitos em
são muito maiores, o que reflete um efeito
mais significativo de choque nas demais variáveis em .
Gráfico 3.2 – A função de impulso resposta para o sistema VAR (4) estimado para o efeito taxa
Elaboração própria
13
Assim, é possível interpretar da função impulso resposta apenas que um choque na taxa de crescimento da
renda tem um efeito positivo sobre a taxa de crescimento do investimento, o que corrobora a hipótese de
investimento endógeno, adotada no modelo do supermultiplicador e em algumas versões dos modelos
neo-Kaleckianos.
3.2 – Estimação do efeito nível
Outra análise bastante interessante para o trabalho é a de um efeito nível da variável distributiva sobre a
renda. Como já analisado anteriormente, a estimação de um efeito nível da variável distributiva é
diferente de estimar um regime de crescimento do tipo neo-Kaleckiano. Este tipo de efeito, na verdade, é
tanto previsto pelos modelos neo-Kaleckianos quanto pelo modelo do supermultiplicador ou pelo modelo
de Cambridge. Assim, duas alternativas foram propostas para estimar essa relação entre o nível das
variáveis. A primeira tentativa foi a estimação de um VAR com todas as variáveis tomadas em termos de
taxa de crescimento, isto é, a diferença em relação ao modelo VAR estimado acima é que a variável
distributiva foi transformada para a taxa de variação da participação dos salários na renda. A segunda
tentativa foi a estimação de uma regressão de cointegração entre todas as variáveis em nível.
3.2.1 – Estimação do VAR para o efeito nível
O trabalho de estimação de um efeito nível deve, novamente, ser iniciado a partir das ferramentas da
análise VAR.16 Pelos critérios de informação, o mais indicado seria estimar um modelo VAR (1),
enquanto o teste sequencial de razão de verossimilhança um VAR (3). Na Tabela 3.8 abaixo são
reportados os testes sobre resíduos para selecionar a melhor especificação do modelo.
Tabela 3.8 – Testes sobre resíduos para o VAR (1) e o VAR (3) para o efeito nível
VAR (1)
VAR (3)
Estatística
Estatística
Teste
(p-valor)
(p-valor)
9.800613
9.852233
Portmanteau
(0.8768)
(0.8742)
6.703235
4.531999
Teste LM
(0.6680)
(0.8731)
13.74359**
5.854413
Jarque-Bera
(0.0326)
(0.4397)
6.916710*
2.295651
Kurtosis
(0.0746)
(0.5134)
6.826882*
3.558762
Skewness
(0.0776)
(0.3132)
Teste para a
80.92604***
105.4321
Heteroscedasticidade
(0.0000)
(0.5520)
Elaboração própria
Notas: * O nível de significância da estatística é de 10%; **O nível de significância da estatística é de
5%; *** O nível de significância da estatística é de 1%;
Pela tabela acima para os resíduos do VAR (1) é possível rejeitar a hipótese nula de homoscedasticidade e
normalidade, porém não se rejeita nenhuma dessas duas hipóteses para o VAR (3). Já a hipótese de não
autocorrelação dos resíduos não pode ser rejeitada para nenhum dos modelos VAR. Assim, optou-se por
estimar um VAR (3).
Pelo teste de causalidade de Granger pode-se rejeitar apenas a hipótese nula de que a taxa de crescimento
da economia não Granger causa a taxa de crescimento do investimento, como já obtido na estimação do
efeito taxa. É interessante observar ainda que não se pode rejeitar a hipótese nula de que
não Granger
causa . No entanto, essa causalidade, que representa o efeito nível da variável distributiva sobre a renda
era esperada por todos os três modelos teóricos.
16
Não é necessário fazer testes de raiz unitária na série taxa de crescimento dos salários, pois já vimos anteriormente que a
participação dos salários na renda é integrada de ordem zero, portanto, sua taxa de crescimento também só pode ser integrada
de ordem zero.
14
Tabela 3.9 – Testes de causalidade de Granger para o efeito nível
Estatística
Hipótese Nula
(p-valor)
4.63073
não Granger causa
(0.0062)
0.54146
não Granger causa
(0.6561)
0.24279
não Granger causa
(0.8661)
0.88813
não Granger causa
(0.4539)
0.03119
não Granger causa
(0.9925)
0.87499
não Granger causa
(0.4605)
Elaboração própria
Pela decomposição da variância acima, a variável taxa de crescimento da participação dos salários
renda,
, não é relevante para explicar variações na taxa de crescimento da renda, , ou na taxa
crescimento do investimento, .
A função impulso-resposta reportada abaixo indica ainda que a taxa de crescimento da renda afeta
forma positiva e quase significativa o crescimento do investimento, o que é esperado para a hipótese
investimento endógeno. Vale ressaltar que tanto a taxa de crescimento da renda quanto a taxa
crescimento do investimento não respondem de forma significativa a um choque na variação
participação dos salários na renda.
na
de
de
de
de
da
Gráfico 3.7 – Função impulso-resposta para o sistema VAR (3) estimado para o efeito nível
Elaboração própria
Nota: gw denota a taxa de crescimento da participação dos salários na renda e g Ié a taxa de crescimento do investimento
3.2.2 – A estimação de cointegração para o efeito nível
Para melhorar a análise da estimação do efeito nível, optou-se por estimar o modelo com as séries em
nível colocando a possibilidade de quebra estrutural nas mesmas. Em primeiro lugar, como é usual na
15
literatura de séries temporais, foram realizados os testes para raiz unitária com quebra estrutural em todas
as séries. O resultado dos testes é reportado na Tabela 3.11 abaixo.
Tabela 3.11 – Resultado dos testes de raiz unitária com quebra estrutural para
todas as séries
Estatística de teste ZA
Data da quebra Estrutural
para ZA
Estatística de teste LS
-2.312599
-2.462058
-3.341719
1997
2000
1986
-6.039504**
-3.710509
-4.637523
Datas das quebras
1983 e 2002 1979 e 1998
1986 e 1997
estruturais para LS
Elaboração própria
Notas: * O nível de significância da estatística é de 10%; **O nível de
significância da estatística é de 5%; *** O nível de significância da estatística é
de 1%.
Pelos testes acima não se pode rejeitar a hipótese nula de presença de raiz unitária a 1% de confiança para
nenhuma das séries em nível, nem mesmo para a série de distribuição funcional da renda. É importante
ressaltar que na presença de quebra estrutural, os testes usuais de raiz unitária são viesados para a não
rejeição da hipótese de raiz unitária. No entanto, os testes de raiz unitária apresentados na seção 3.1 (sem
a possibilidade de quebra) apontaram para a rejeição da hipótese nula de raiz unitária.
Surpreendentemente, ao se colocar a possibilidade de quebra estrutural, a variável distributiva parece ser
integrada com, possivelmente, duas quebras estruturais. Uma em meados da década de 1980 e outra em
meados da década de 1990, o que pode ser confirmado pela análise do Gráfico 3.1 apresentado no início
desta seção.
Uma vez que a série participação dos salários na renda pode ser considerada integrada com quebra
estrutural, testes de cointegração com quebra estrutural estão reportados na Tabela 3.12 abaixo.
Tabela 3.12 – Testes LST de cointegração com quebra estrutural
Hipótese nula/Estatística de teste
9.75
30.75***
1995
Data de quebra estrutural
Elaboração própria
Notas: * O nível de significância da estatística é de 10%; **O nível de
significância da estatística é de 5%; *** O nível de significância da
estatística é de 1%; Para o teste GH foi estimado o modelo sem tendência
já que esta, quando incluída foi não significativa.
Optou-se pelo teste de Lütkepohl, Saikkonen e Trenkler não precisa da hipótese de exogeneidade das
variáveis,pois estima a relação de cointegração tomando por base um sistema de vetores
autoregressivos.Pelo teste de LST rejeita-se a hipótese nula de
para as séries em nível. No entanto,
não se rejeita a hipótese nula de
, ou seja, de que exista pelo menos um vetor cointegrante.Ou seja,
de uma forma geral, parece razoável assumir que as séries em nível são cointegradas, possivelmente com
uma quebra estrutural em meados da década de 1990.
Por isso, adicionalmente, estão reportados na Tabela 3.13 abaixo os testes de cointegração para as séries
duas a duas. Com isso pretende-se avaliar melhor a relação de cointegração com quebra estrutural
existente entre as variáveis do modelo.
16
Tabela 3.13 – Estimação dos coeficientes no teste de GH
Variável
Variável
Variável
Coeficiente Estimado
Coeficiente Estimado
Coeficiente Estimado
(Estatística t)
(Estatística t)
(Estatística t)
dependente:
dependente:
dependente:
2.5131223***
0.25083022***
1.083691357***
(2.978239)
(4.678484)
(7.329407)
-6.6089852***
5.89441318***
-2.534896836***
(-3.211359)
(11.367376)
(-7.029618)
0.1482650***
0.04326948***
0.008283393***
(36.881015)
(5.960903)
(11.759527)
0.0864053***
0.08888218***
0.010647639***
(5.713360)
(11.400100)
(4.018110)
-11.3258690***
1.25845239***
-3.130390655***
(-4.153600)
(7.277370)
(-6.551926)
25.9289102***
-1.68312738***
7.155840504***
(3.948871)
(-2.938243)
(6.219660)
Estatística do
-3.132297
-4.245476
-4.696805
teste GH
Elaboração própria
Notas: * O nível de significância da estatística é de 10%; **O nível de significância da estatística é de 5%; *** O nível de
significância da estatística é de 1%; D_X denota a variável dummy do tempo da quebra estrutural no tempo X.
Primeiramente, destaca-se que todas as estatísticas dos testes de Gregory e Hansen não podem rejeitar a
hipótese nula, nem mesmo a 10% de confiança, de não cointegração das variáveis duas a duas. No
entanto, vale lembrar que este teste pressupõe a exogeneidade da variável explicativa, o que dificilmente
pode ser completamente assumido em qualquer um dos três casos.
Em segundo lugar, destaca-se que a participação dos salários na renda na equação que explica a renda é
estimada negativa e significativa antes de 1994 e positiva e significativa após 1994. Ressalta-se ainda que
o coeficiente da variável distributiva foi estimado com uma magnitude significativamente maior após
1994. O resultado estimado para a relação em nível entre renda e distribuição não é muito favorável ao
efeito nível proposto a priori pelos modelos de Cambridge e do supermultiplicador - no modelo
apresentado no para economia fechada -, mas sim ao neo-Kaleckiano que prevê a possibilidade de uma
mudança de regime. No entanto, a comparação dos gráficos das séries (Gráfico 3.1) permite ver que, de
fato, enquanto o nível da renda apresenta uma tendência clara de crescimento em todo o período, de 1953
a 1994, a participação dos salários da renda apresenta diversas tendências de queda no mesmo período,
principalmente na primeira metade dos anos 1990s. Além disso, é importante observar que a participação
dos salários na renda tem o seu maior período de crescimento na década de 1980, que é justamente o
período conhecido como década perdida, em que a economia brasileira apresenta suas piores taxas de
crescimento.
No entanto, a análise desses resultados deve ter em conta que os dados utilizados para a participação dos
salários na renda foram estimados por Marquetti e Porsse (2014) e só podem ser obtidos diretamente dos
dados do Sistema de Contas Nacionais a partir de 1995. Optou-se por utilizar os dados de Marquetti e
Porsse (2014), pois, caso contrário, a base de dados ficaria reduzida a uma amostra de apenas dezesseis
anos. No entanto, é preciso reconhecer a limitação dos dados utilizados na estimação.17
É interessante observar ainda que a quebra da estimação ocorre no mesmo ano de implementação do
Plano Real. Nesse período, em nome do controle da inflação, o ritmo de crescimento do salário real foi
bastante reduzido, permanecendo bem abaixo do crescimento da produtividade. Além disso, as taxas de
crescimento econômico anuais voltaram a cair até o início dos anos 2000s. A partir deste período os
salários reais recuperam o ritmo de crescimento, inclusive superando o crescimento da produtividade do
trabalho e a economia brasileira volta a crescer.
17
Por exemplo, nos anos 1980s a participação dos salários na renda apresenta uma trajetória de forte crescimento. Esse
aumento pode ser justificado pela estagnação da produtividade do trabalho. No entanto, nesse período, o salário real cresce
muito pouco, o que dificulta a possibilidade da participação dos salários na renda ter crescido na magnitude estimada em
Marquetti e Porsse (2014)
17
Em terceiro lugar, nota-se que o investimento em nível é positivo e significativo para explicar a renda até
1977 e após 1977 ele continua significativo, porém passa a ser negativo. Este resultado apesar de
estranho, em termos teóricos, já era esperado pela comparação das séries no Gráfico3.1. É possível
perceber que entre 1953 e 1977 ambas as séries apresentam uma tendência, quase exponencial de
crescimento. No entanto, a partir de 1977 a série renda continua com uma tendência ao crescimento, ainda
que baixa, ao contrário da variável investimento em máquinas e equipamentos, que chega a cair nesse
período.
Por fim, a variável distributiva apresenta o mesmo comportamento na equação que explica o investimento
da equação que explica a renda. Os resultados aqui obtidos parecem corroborar em alguma medida com
os modelos que permitem uma variação no regime de demanda estimado para uma economia. No entanto,
vale ressaltar que o parâmetro estimado para o investimento, em módulo, é sempre menor do que para a
renda, o que aponta para a importância dos demais componentes de demanda, consumo, exportações e
gastos de governo, para esse efeito nível da variável distributiva sobre a renda.18
4. Conclusão
A conclusão da seção 1, resumida na Tabela 1.2, é que, no contexto de uma economia fechada e sem
governo, os modelos neo-Kaleckianos com investimento endógeno são os únicos entre os modelos
estudados que preveem um efeito taxa da distribuição sobre a renda, ou seja, concluem que, teoricamente,
uma mudança da distribuição funcional da renda afeta a taxa de crescimento de uma economia. Para os
demais modelos a participação dos salários na renda tem apenas um efeito sobre o nível da renda, o que
decorre da hipótese básica de que a propensão marginal a consumir a partir dos salários é maior que a
propensão marginal a consumir a partir dos lucros, adotada em todos os três modelos estudados. Por fim,
nos modelos neo-Kaleckianos a variável distributiva tem um efeito sobre o grau de utilização de
equilíbrio, o que determina o regime de demanda de uma economia. Ou seja, um efeito nível que pode
mudar de sinal conforme os parâmetros estimados para a função investimento.
Para a seção 2, a revisão da literatura empírica internacional concluiu que nenhum dos testes empíricos
realizados estimou uma relação significativa entre a variável distributiva e a taxa de crescimento das
economias analisadas. O que grande parte da literatura neo-Kaleckiana estima é o regime de demanda das
economias estudadas. No entanto, ainda assim, não se pode afirmar nada sobre a significância dos
resultados obtidos para os regimes de demanda, porque a relação não é diretamente estimada, mas sim
calculada a partir dos coeficientes dos componentes de demanda. Para a economia brasileira também não
foram estimadas relações entre a participação dos salários na renda e a taxa de crescimento econômico ou
a taxa de crescimento do investimento. Ou seja, apenas o efeito nível, via regime de demanda, foi
analisado.
Por fim, o trabalho empírico próprio também não obteve uma relação significativa entre distribuição e
crescimento, ou seja, o VAR estimado para o efeito taxa não foi obteve uma relação significativa entre a
distribuição funcional da renda e a taxa de crescimento da economia brasileira. Também para o efeito
nível, a estimação de um sistema VAR para todas as variáveis em taxa de crescimento não encontrou uma
relação significativa entre a taxa de crescimento da distribuição funcional da renda e a taxa de
crescimento da renda. No entanto, um efeito nível da variável distributiva para a renda seria esperado em
todos os modelos apresentados na primeira seção. Esse efeito foi estimado significativo apenas com a
inclusão de uma quebra estrutural em 1994 em uma equação de cointegração, com as três variáveis em
nível. Esse efeito nível foi estimado negativo até 1993 e positivo a partir de 1994, o que corrobora a
hipótese do modelo neo-Kaleckiano que permite mudanças no regime de demanda. Porém, é preciso
destacar que a hipótese de regime de crescimento, ou seja, de alguma relação da variável distributiva para
a taxa de crescimento de renda, não pode ser confirmada por este trabalho empírico, apenas do efeito
nível.
18
Foram ainda estimadas diversas outras especificações dessa relação, por exemplo, incorporando MarkovSwitching e
BREAKLS. No entanto, não obtivemos resultados significativos adicionais para esse trabalho e por isso optamos por não
reportar os mesmos no artigo.
18
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