Thomas Paine e o Senso Comum A história das idéias nos Estados Unidos da América sofreu grande reviravolta no século XVIII. No século anterior, os primeiros colonizadores estavam por demais preocupados com as tarefas imediatas da vida prática, no domínio das idéias, contentavam-se com o calvinismo puritano, trazido da Europa. No século XVIII, surgiram diferentes manifestações de reflexão teórica: Jonathan Edwards (1703-1758) defende o idealismo imaterialista na obra A Liberdade da Vontade, enquanto Samuel Johnson, influenciado por George Berkeley (1685-1753), preocupa-se com atacar o materialismo de orientação newtoniana. Por outro lado, Benjamim Franklin (1706-1790), notável por suas contribuições para a teoria da eletricidade, acreditava na possibilidade de explicação totalmente mecânica dos fenômenos naturais. Além de Franklin, muitos outros foram influenciados pelo racionalismo iluminista, que dominava o pensamento europeu. Dentro desse quadro em que a consciência filosófica iluminista despertava, ganharam particular relevo as idéias políticas, vinculadas intimamente ao processo revolucionário, que conduziria à proclamação da independência norte-americana. O mais radical defensor das novas idéias políticas foi Thomas Paine (1737-1809), inglês que se transferiu para os Estados Unidos em 1774. Bastante influenciado pelas idéias do iluminismo e diferentemente de muitos americanos, acreditava que a luta com a Inglaterra não devia ter como objetivo o estabelecimento dos direitos assegurados pela constituição da metrópole: o Novo Mundo devia afirmar os direitos revolucionários dos homens! O centro de sua doutrina é marcado pela crença nas possibilidades da ação social espontânea e, consequentemente, pela minimização da necessidade de governo. Contudo, não chegava às proposições anarquistas: admitia que a natureza humana não era perfeita e que, assim, se os homens fossem deixados aos seus próprios impulsos, muitas vezes usariam sua liberdade para restringir a liberdade dos outros. O governo seria necessário para proteger os homens livres e suas propriedades. Também seria necessário para realizar serviços públicos de interesse em comum. Mas, embora não dispensasse a autoridade governamental, Paine acreditava que ela deveria ser reduzida a seus limites mínimos. Para ele, a maior a parte dos valores criados pelo homem (inclusive econômicos) é o resultado da ação social espontânea, e a função primordial no governo não é criar valores, mas impedir que criminosos enfraqueçam os valores criados pela sociedade. Manter o governo dentro de seus limites seria apenas uma norma ditada pelo bom senso. Essa afirmação, contudo, colocava-lhe um problema: por que o homem ainda não havia seguido essa norma? Paine respondia que os homens, apesar de racionais podiam ser enganados. Explorando a credulidade das massas e, especialmente utilizando seus temores supersticiosos, indivíduos ambiciosos sempre conseguiram fazer com que elas aceitassem formas irracionais e repressivas de governo. A mais frequente e mais contrária ao senso comum dessas formas seria a monarquia hereditária. Como a posse do poder político torna possível às classes dirigentes manter seus privilégios em detrimento dos interesses dos demais cidadãos, essas classes teriam o interesse em manter e estender o poder coercitivo do governo. Essas seriam as forças que sempre impediram o desenvolvimento da liberdade e da felicidade humanas. Para Paine, como as classes dominantes estão comprometidas com a manutenção do status quo opressivo, a antipatia delas pelo liberalismo é uma questão de interesse pessoal direto. Consequentemente, o primeiro objetivo dos políticos liberais deveria ser encorajar o povo a se rebelar contra as leis e a assumir a responsabilidade do governo. Assim, unia a viabilidade do liberalismo a uma democratização radical do poder político. Aplicando suas idéias gerais à situação norte americana, Paine escreveu em 1776 (poucos meses antes da declaração da independência) o panfleto Senso Comum, que gozou de ampla circulação entre os revolucionários, reforçando sua confiança na necessidade de se separar da Inglaterra e procurando induzi-los a romper com a metrópole. Sabendo que o respeito à constituição inglesa era um obstáculo à ruptura, dispôs-se a atacá-la. Na época, costumava-se afirmar que o sistema político britânico, com seu complexo equilíbrio de poderes entre o rei e o parlamento, era o mais liberal dos sistemas, os ingleses seriam o povo mais livre do mundo. Paine tentou mostrar que essa liberdade era uma fraude, apontando para o fato de que, com um monarca hereditário, uma Câmara dos Lordes e uma Câmara dos Comuns pouco representativa, o sistema era profundamente antidemocrático. Na verdade apesar do aparente equilíbrio de poderes, o que havia era o predomínio do monarca e, portanto, dos privilégios hereditários. Paine conclui que somente a completa independência poderia fazer nascer um sistema de governo adequado na América, dessa forma, os ilusórios feitos dos ingleses seriam substituídos pelos genuínos direitos do homem. O panfleto não continha apenas essas alegações. Procurava também despertar nos norteamericanos o sentimento de serem um povo escolhido, que tinha uma responsabilidade diante da humanidade. Escrevendo assim, pretendia fazê-los compartilhar de sua crença de que o triunfo do liberalismo era não somente desejável, como certo. O apelo sensibilizou os colonos, muitos americanos de fé calvinista, sempre acreditaram que sua chegada ao novo continente assemelhavase à chegada dos judeus à terra prometida como um desígnio da providência divina. Ainda que Paine, como outros teóricos liberais do seu tempo, não aceitasse o cristianismo como uma religião revelada, continuava acreditando no caráter providencial da história. Assim, a América, refúgio para as minorias perseguidas durante as guerras de religião, exemplo de liberdade religiosa, também estaria destinada a tornar-se um modelo de sociedade totalmente livre. Lutando por sua liberdade, os norte-americanos estariam lutando, ao mesmo tempo, pela liberdade de toda a humanidade. Biografia Thomas Paine (1737-1809) nasceu na Inglaterra, um Quaker e filho de um pobre alfaite. Aos treze anos foi introduzido no negócio de seu pai. Depois de um encontro com Benjamim Franklin em Londres, viajou para a Filadélfia em 1774. Lá ele se tornou jornalista e um ardente patriota. O panfleto dele, Senso Comum, exigindo a imediata declaração de independência, que foi declarada em janeiro de 1776, foi o texto que mais influenciou a Revolução Americana. Acompanhou o exército revolucionário e escreveu o panfleto A Crise. Em 1787, retornou à Inglaterra somente para ir para França dois anos depois e se autonomear missionário da revolução. A sua famosa resposta à condenação da Revolução Francesa feita por Edmund Burke, Os Direitos do Homem resultou no seu julgamento por traição e condenação ao exílio. Quando a sentença lhe foi entregue, já estava na França, onde seria mais tarde, aprisionado sob o Terror. Na prisão começou a escrever A Era da Razão. Retornou à América em 1802, mas nunca mais teve o mesmo sucesso, vivendo como um livre pensador radical e na pobreza até sua morte. Breve Resumo de suas Obras: Senso Comum: O mais influente panfleto da Revolução Americana, estabelece forte visão inspiradora de uma América independente como um asilo para a liberdade e o auto-governo num mundo oprimido pelo despotismo e o privilégio hereditário. A Crise Americana: Começa em 1776, numa “jogada de mestre” de panfletagem popular na qual Paine conta vividamente as ações dos adversários britânicos da época de forma a ridicularizá-los, fazendo os leitores nunca esquecerem dos grandes erros cometidos por eles. Cartas de Forrester: Escrito em contrapartida à crítica realizada pelo líder conservador ao Senso Comum. Tem muitos trechos sobre a Revolução Francesa, incluindo um incisivo argumento contra a execução de Luís XVI. Direitos do Homem: Escrito em resposta aos ataques de Edmund Burke sobre a Revolução Francesa, é uma visão ousada de uma sociedade igualitária fundada nos direitos naturais e ilimitados pela tradição, A proposta detalhada de Paine para a assistência do governo aos pobres inspirou gerações de radicais e reformistas. A Era da Razão : O trabalho mais controverso de Paine é um forte ataque contra a autoridade da Bíblia e uma fervorosa defesa do benevolente Deus do deísmo. Cronologia 1737-Nascimento de Thomas Paine. 1743- Nascimento de Thomas Jefferson. 1757- Nascimento de Hamilton. 1760-Jorge III ascende ao trono da Inglaterra. 1776-Paine publica o panfleto Senso Comum. Declaração da Independência norte-americana. 1779-Jefferson assume o governo do Estado de Virgínia, onde permaneceria até 1781. 1785-Nomeado embaixador dos EUA na França, Jefferson parte para a Europa. 1787-A convenção americana redige uma constituição. 1789-Início da Revolução Francesa. Nos EUA, George Washington torna-se presidente da República 1790-Edmund Burke publica Reflexões sobre a Revolução na França. Jefferson retorna aos EUA e é nomeado secretário de Estado. 1791/1792-Paine escreve Os Direitos do Homem. 1793-Execução de Luís XVI da França. 1794/1795-Paine escreve A Era da Razão. 1797-John Adams se torna o segundo presidente dos EUA. Morte de Burke. 1801-Jefferson é eleito presidente dos EUA. 1804-Napoleão torna-se imperador da França. Morte de Hamilton. 1809-Morte de Paine. 1814-Abdicação de Napoleão. 1826-Morte de John Adams e de Jefferson. Bibliografia: PAINE, Thomas. “Senso Comum” IN: OS Pensadores. São Paulo. Abril Cultural, 1979. PAINE, Thomas, Rights of Man. Wordsworth Edition, 1996. PAINE, Thomas, Collected Writings. Nova Iorque. The Library of America, 1995. BURKE, Edmund & PAINE, Thomas. Reflections on the Revolution in France and The Rights of Man. Nova Iorque Dolphin Book 1961