Pergunta: Qual a situação atual da epidemia do vírus Ebola e porque se estendeu temporal e geograficamente? Resposta: ANÁLISE DA EPIDEMIA DE 2014 Desde a identificação do vírus Ebola há aproximadamente 40 anos, epidemias periódicas veem ocorrendo na África Central, particularmente em Uganda, Gabão, República Democrática do Congo, Sudão e Angola. Recentemente, em 2014, pela primeira vez, um surto é reconhecido e notificado no oeste Africano transformando-se na mais complexa, extensa e duradoura epidemia de Ebola já registrada na história. Investigação epidemiológica realizada com dados de registro hospitalares e entrevistas com pacientes e seus familiares sugere que os primeiros prováveis casos iniciaram em Guiné em dezembro de 2013, espalhando-se para Libéria e Serra Leoa, países onde ocorre mais intensamente a transmissão. A Organização Mundial de Saúde (OMS) foi notificada oficialmente do surto pelo Ministério da Saúde de Guiné em 21 de março de 2014. Seis países (Mali, Nigéria, Senegal, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos da América) notificaram pequeno número de casos importados dessa região e entre eles alguns apresentaram disseminação localizada, estando todos atualmente em situação controlada. Um somatório de condições propiciou a expansão da epidemia nos três países, cuja gravidade atingida fez com que a Organização Mundial de Saúde (OMS) a declarasse em outubro de 2014, como emergência de saúde pública internacional. Diante desse cenário, um conjunto de ações coordenadas pela OMS foi implementada junto a várias instituições de saúde e pesquisa de diferentes regiões do mundo, na tentativa de controlar e interromper a epidemia. A maioria das epidemias de Ebola anteriormente descritas ocorreu em pequenas comunidades, vilas ou cidades da África Central, localizadas nas proximidades das florestas tropicais. Apesar da alta letalidade relatada, envolveram uma população menor, contrastando com a presente, que abrange áreas rurais e urbanas, alcançando capitais, de grande contingente populacional. Há mais casos e mortes nessa epidemia do que em todas as anteriores somadas. Sua duração também tem caráter único, já ultrapassando um ano de seu início. As epidemias anteriores foram controladas em período aproximado de 2 a 5 meses. Guiné, Libéria e Serra Leoa são países pobres que emergiram recentemente de longo período de conflitos e instabilidade, apresentando infraestrutura geral precária, estrutura de saúde frágil em termos de instalações, laboratórios e insumos básicos, além de recursos humanos insuficientes para a demanda populacional, situação que se agravou com o transcorrer da epidemia. O grande movimento populacional entre fronteiras, através de estradas comuns que interligam esses países, relacionada à intensa atividade de comércio, contribuiu também para a disseminação do Ebola. Outros fatores significativos se relacionam à susceptibilidade da maioria da população, uma vez que essa foi a primeira epidemia a ocorrer na região e inexperiência dos órgãos de saúde responsáveis frente à epidemia de tamanho porte. A dimensão tomada pela epidemia gerou medo, pânico e desconfiança. Crenças e hábitos culturais de cuidado com doentes e mortos dificultaram a vigilância dos contatos de pessoas infectadas e de funerais seguros, contribuindo com a elevada exposição das comunidades ao vírus. O temor pela gravidade da doença, o conflito cultural entre comunidades e equipes de saúde levaram à rejeição das intervenções de saúde pública propostas. Em várias áreas constatou-se o receio em buscar assistência e ser colocado em quarentena, afastado da família. Muitas famílias escondiam seus doentes e enterravam secretamente seus mortos, prática ainda detectada atualmente. Assim, a epidemia de Ebola que iniciou como crise de saúde para os três países envolvidos avolumou-se, transformando-se em crise social, econômica, cultural, humanitária e de segurança, com repercussão global. A estrutura do sistema de saúde já precária na região colapsou com o progredir da epidemia de Ebola, que levou à morte milhares de indivíduos, incluindo contingente significativo de profissionais de saúde, já em número inferior ao necessário para atender a população. As pessoas pararam de receber cuidados de saúde ou pararam de buscar atendimento para outras doenças endêmicas, como a malária, que causa mais mortes a cada ano do que o Ebola. Assistiu-se ao fechamento de escolas, mercados, empresas, fronteiras, restrições às viagens internacionais impostas aos viajantes de e para os países afetados, com cancelamento de voos e viagens marítimas. Esses fatos agravaram ainda mais a crise econômica da região, determinaram atraso na entrega de insumos imprescindíveis ao cuidado da população e afetaram de forma adversa os esforços de controle da epidemia. Apesar desse cenário dramático e dos grandes desafios ainda presentes, muito se aprendeu durante o ano de 2014. Houve um ganho significativo de conhecimento no campo da patogenia e clínica da doença, repercutindo na melhor condução dos casos com melhora da sobrevida. Esforços e incentivos à pesquisa científica dirigida à produção de produtos médicos para prevenção e tratamento da doença foram desencadeados. Atualmente diferentes terapias e duas vacinas encontram-se em investigação. Embora não exista ainda nenhum tratamento licenciado com comprovada eficácia em neutralizar o Ebola, dois pacientes norte-americanos e um espanhol infectados enquanto cuidavam dos doentes, receberam tratamento experimental (combinação de anticorpos produzida por parceria púbico-privada Americana e Canadense) e apresentaram boa evolução. Porém a melhora pode ser atribuída às condições de tratamento em seus países de origem, para onde foram levados. Esse fato suscitou polêmica e intenso debate ético sobre a questão de usar medicamentos nunca testados em humanos e nesse caso, para quem oferecer já que a oferta é limitada. Após reunião com especialistas em ética, a OMS publicou documento favorável com a condição de haver resultados promissores em laboratório e modelos animais, seguindo critérios éticos, científicos e pragmáticos. Questões muito complexas permanecem para ser discutidas. Pode o profissional de saúde se eximir de atender pacientes com Ebola? Qual seu limite de atuação no cuidado ao paciente em termos de risco de exposição à infecção? Deve o profissional empreender manobras de ressuscitação? É justo oferecer tratamento diferenciado para profissionais estrangeiros enquanto milhares de Africanos permanecem sem acesso aos cuidados básicos? Chamou a atenção também a atitude da imprensa brasileira que revelou a identidade de viajante que chegou ao país, com suspeita de infecção, ferindo seu direito ao sigilo médico. Todas essas questões levam a reflexões importantes para que possamos melhorar nossa humanidade e respeito ao direito dos indivíduos. A avaliação e compreensão do impacto de diferentes intervenções são fundamentais para identificar as medidas mais importantes no controle da epidemia. Enfatiza-se a existência de sistemas de saúde estruturados e inclusivos. A falta de investimento em infraestruturas fundamentais deixa os países vulneráveis ao impacto de adversidades que vem ocorrendo com frequência nesse século. É imprescindível dispor de sistema de vigilância epidemiológica sensível para suspeição e detecção rápida dos primeiros casos e imediata comunicação para as instituições de saúde de referencia nacional e internacional. Na presente epidemia a OMS só foi notificada quatro meses após o início dos primeiros casos, tempo suficiente para seu estabelecimento e progressão. Serviço de laboratório ágil e de qualidade, disponibilidade de leitos de isolamento, equipes de saúde locais treinadas e em número suficiente para atender a demanda e aprimoramento da vigilância dos contatos são medidas essenciais nesse contexto. O manejo dos casos oferecendo cuidados de suporte imediato, através de reidratação e tratamento sintomático melhora a sobrevida dos pacientes. A divulgação ampla de informações para os profissionais e para a comunidade, o estabelecimento de funerais seguros, a disponibilização de equipamentos de proteção individual e treinamento dos profissionais de saúde, cuidadores e familiares quanto à sua correta utilização e reforço à adesão são medidas fundamentais no controle da cadeia de transmissão. Finalmente, ressalte-se a importância de envolver a comunidade, através de suas lideranças tradicionais locais, políticas e religiosas, como fator primordial no sucesso de implementação das medidas de controle. O rastreio dos contatos, a notificação precoce de sintomas, a adesão às medidas de proteção recomendadas e enterros seguros são significativamente dependentes de uma comunidade cooperativa. Até 04 de fevereiro de 2015, segundo dados da OMS, foram notificados durante toda a epidemia 22.495 casos de Ebola (entre confirmados, prováveis e suspeitos) com 8.981 óbitos (39.9% de letalidade). Considerando Guiné, Libéria e Serra Leoa, ocorreram 822 casos em profissionais de saúde com 488 óbitos (59.5% de letalidade). Em janeiro de 2015 a incidência de casos vinha diminuindo, trazendo otimismo para as agências de saúde, mas voltou a aumentar na primeira semana de fevereiro, revelando a dificuldade em conter a epidemia. Diante desse cenário drástico e da continuidade da epidemia, reforça-se a importância dos serviços de saúde se manterem alertas, com planos de contingência para o enfrentamento do Ebola estabelecidos e implementados em todo o mundo, com vistas a detectar e responder prontamente à uma possível introdução do Ebola. No contexto de um mundo globalizado, o impacto causado pelas doenças infecciosas emergentes e reemergentes não se restringe mais às localidades de origem e nem apenas ao setor saúde, repercutindo em todo o mundo, como temos presenciado nas últimas décadas e particularmente na presente epidemia do Ebola. REFERÊNCIAS Organização Mundial de Saúde - www.who.int/csr/disease/ebola/en Ministério da Saúde , Brasil: Plano de Contingência para Emergência em Saúde Pública, Doença pelo Virus Ebola, versao 11-2014 Centers for Diseases Control and prevention (CDC) - www.cdc.gov/vhf/ebola/