Pronunciamento proferido pelo Deputado Federal Ivan Paixão, PPS/SE, na Câmara dos Deputados, no Grande Expediente do dia 23/09/04. Assunto: Evolução da Economia Nacional, 1930 - aos dias atuais. Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, Meu objetivo hoje é traçar uma retrospectiva histórica da economia brasileira, para que possamos compreender os fatos ocorridos e tirar lições do passado. Começarei, Sr. Presidente, pela década de 30, início da Era Vargas, período em que se observa importante inflexão na economia nacional. Observamos que, entre o final do século XIX e o início do século XX, teve início um processo de transformação da estrutura da atividade econômica, de uma base eminentemente agrário- exportadora para outra de característica industrial. 1 Este processo agudiza-se a partir de 1930, quando, mediante maior intervenção do Governo nas transações comerciais, retirou-se poder dos grupos exportadores e favoreceu-se a indústria. O deslocamento do centro dinâmico da economia do mercado externo para o mercado interno permitiu a expansão da produção de bens de consumo, bem como ampliou a procura por bens de capital. Posteriormente, nos anos da II Guerra (1939 a 1945), a indústria brasileira recebeu novo impulso, decorrente das restrições ao comércio exterior impostas pelo conflito, que forçaram a substituição de importações. Este processo intensificou-se no período do pósguerra, no qual a imposição de controles seletivos sobre as importações, como resultado de políticas deliberadas do Governo, intensificou o processo de industrialização no Brasil. O Estado tornouse um grande empresário. Portanto, Sr. Presidente, ao longo deste período, observou-se a redução da necessidade de estímulo externo para induzir o desenvolvimento interno. Houve alterações marcantes na estrutura da economia, o que possibilitou a combinação entre crescimento com redução do coeficiente de importações e aumento da participação dos bens relacionados ao processo de capitalização. 2 A Nação voltou-se para dentro, impondo controles sobre as transações externas, diferentemente do período anterior, caracterizado por ampla liberdade comercial e cambial. Foi uma época de forte crescimento industrial, acompanhado por políticas monetária, fiscal e creditícia expansionistas, o que, por sua vez, levou ao acirramento da inflação e a conflitos distributivos. Poder-se-ia dizer que, de forma precária, foi adotado o modelo fordista de produção e o modelo keynesianista de atuação do Estado brasileiro ao longo deste período. Nos países desenvolvidos, a aceitação desse modelo resultou no crescimento sustentado da economia internacional no pós-guerra, com ampliação de investimentos, incorporação de trabalhadores ao mercado de consumo e geração de empregos. Neste caso, a produção em massa encontrava seu correspondente no consumo em massa, já que os ganhos de produtividade eram apropriados pelos assalariados na forma de salários reais mais altos. Em contraposição, no Brasil, verificou-se apenas a introdução da organização do trabalho do tipo taylorista, caracterizada pela ruptura entre o trabalho intelectual e o manual e pela especialização crescente do trabalhador. 3 A condução da economia segue, toscamente, as tendências verificadas nos países desenvolvidos. Todavia, o Welfare State (Estado de bem-estar social), uma das maiores características do fordismo, apresentou uma faceta extremamente autoritária em nosso País, suprimindo qualquer mecanismo de controle sobre sua atuação. Com efeito, o Estado provedor agiu, muitas vezes, em prol de interesses privados e apenas para os trabalhadores incluídos no mercado formal de trabalho. Houve também, neste período, a diminuição da participação da remuneração do trabalho no total da renda brasileira, o que levou à deterioração da distribuição pessoal de renda. Portanto, Sr. Presidente, a industrialização assumiu, no Brasil, forte caráter de exclusão. Foi, ao contrário de outras nações, um modelo concentrador de renda, que deixou de incorporar ao mercado consumidor e de trabalho parcelas expressivas da população. Em linhas gerais, a década de 50 e as outras duas que se seguiram foram profundamente marcadas, com exceção de curtos intervalos, por uma política econômica voltada ao crescimento e ao desenvolvimento econômicos, que foram logrados, em um primeiro momento, com a ajuda do financiamento externo. 4 Nobres Pares, o maior exemplo dessa estratégia, que colocou o desenvolvimento acima de qualquer sacrifício em nome da estabilidade, foi, sem dúvida, o governo Kubitschek. Sua marca registrada, o Plano de Metas, foi, até então, o mais completo projeto de investimento de que o Brasil já teve notícia, resultando num crescimento a taxas aceleradas – principalmente do setor industrial – em ambiente político democrático. De 1960 a 1970 o PIB brasileiro avançou em 99,71% com crescimento médio de 6,49% anualmente, enquanto que o PIB mundial avançou em 65,21% com média anual de 4,67%, a tônica foi dada pela manutenção dos planos plurianuais de investimento Entre 1971 e 1980, viveu-se o chamado “Milagre Econômico”, período de taxas médias de crescimento sem precedentes, entre 4,9% e 13,9% o PIB brasileiro avançou em 128,8% enquanto o PIB mundial cresceu 45,48%. Multiplicaram-se as empresas estatais, consideradas elementochave no modelo brasileiro de desenvolvimento, calcado no investimento estatal em infra-estrutura. Com efeito, naquela ocasião verificou-se crescimento real de quase 20% nos investimentos estatais. 5 O início da década de 70 também foi marcado pelo aumento da dívida externa brasileira. Praticava-se uma política de preços e tarifas públicas pouco realista, o que deteriorava a capacidade de autofinanciamento das estatais, levando-as a recorrer ao financiamento externo. Neste contexto, as estatais se valeram de empréstimos de bancos não oficiais, aproveitando-se da expansão da liquidez internacional. A inflação e a dívida externa se configuravam como os principais percalços da economia brasileira. O primeiro choque do petróleo, em 1973, acirrou esses problemas. As autoridades não tinham consciência da extensão do agravamento do cenário externo e perpetuaram, equivocadamente, a prática de financiamento de déficits em conta corrente com recursos externos. As políticas desenvolvimentistas - com o II PND, de 1975, e o III PND, de 1979 - ainda mantêm supremacia sobre os objetivos de estabilização. A economia cresce a taxas entre 5 e 6% ao ano, puxada pelas indústrias básicas, com exceção de 1976, em que o crescimento do PIB foi mais elevado – 10,3% anuais. O processo de substituição de importações voltou sem, contudo, haver interrupção dos incentivos à exportação. 6 No final de 1979, acontece o segundo choque do petróleo, que levou ao aumento do custo do endividamento externo. A partir de 1980, a entrada dos Estados Unidos na competição por dólares, mediante elevação de suas taxas de juros internas, fez explodir as taxas de juros internacionais. O setor privado brasileiro passou a enfrentar crescentes dificuldades para o refinanciamento da sua dívida externa, e a solução para o problema foi promover a sua progressiva estatização. Estavam lançadas as bases para o que se convencionou chamar de “década perdida”, caracterizada, do ponto de vista econômico, pelo agravamento do endividamento externo, pela desestruturação do setor público, pela inflação explosiva e pela perda de dinamismo da economia. De 1981 a 1990 o PIB brasileiro cresceu 15,14% com média anual de 1,42% enquanto o PIB mundial cresceu 39,30% com média anual de 3,37% Em 1982, a economia mundial entra em crise e, no ano seguinte, em seu auge, o Brasil assina a primeira carta de intenções ao FMI, na qual se comprometia a reduzir a inflação e os gastos do governo por meio de cortes drásticos das despesas das estatais. 7 O cruzeiro sofre uma maxidesvalorização de 30%, o que aumentou permanentemente a taxa de inflação e diminuiu os salários reais, agravando o conflito distributivo de rendas. Verifica-se, portanto, que o modelo fordista de produção perdurou, na periferia da economia mundial, até meados da década de 80, enquanto que nos países desenvolvidos o seu abandono já se impusera mais de dez anos antes. Ao longo da segunda metade da década de 80, a política econômica se orientou para a estabilização dos preços. O diagnóstico era de que a inflação era inercial e, para debelá-la, era necessário fixar os preços relativos e suprimir os mecanismos de indexação. A inflação, que, em 1985, chegava a mais de 200% ao ano, alcançou patamares estratosféricos de mais de 1.800% anuais, em 1989. Inúmeros planos de estabilização são lançados ao longo deste período, todos sem sucesso. Em 1986, surge o Plano Cruzado, que, por força de um congelamento de preços acompanhado do expurgo dos contratos com prestações futuras (a chamada “tablita”), provocou febril expansão do consumo, acompanhada de desabastecimento e surgimento de “preços paralelos”. O chamado Cruzadinho, adotado menos de um ano depois, visava a desaquecer o consumo promovido 8 ao longo do plano anterior. Em seguida, o Plano Cruzado II é implementado, com o objetivo de aumentar a arrecadação do Governo mediante reajuste de preços públicos e aumento dos impostos indiretos, o que provocou o recrudescimento da inflação. Mais uma tentativa de estabilização monetária chega em 1987: o chamado Plano Bresser. Distinguia-se por ser um plano híbrido, ou seja, tinha em seu desenho aspectos ortodoxos e heterodoxos. Neste caso, a inflação tinha origem nos conflitos distributivos entre os setores privado e público. Seguiram-se, em 1988, a política do “Feijão com Arroz” do Ministro Maílson da Nóbrega, e, em 1989, o Plano Verão, mais uma frustrada tentativa de estabilização de preços via congelamento. Cabe destacar, Sr. Presidente, que ao longo da década de 80, em que pese as múltiplas tentativas de estabilização, jamais foram atacados os desequilíbrios distributivos e estruturais da economia. A canhestra moratória decretada em 1987 provocou o desaparecimento dos aportes externos, enquanto a poupança interna, influenciada pelo permanente desequilíbrio orçamentário de todos os níveis de governo, tornou-se insuficiente para financiar o crescimento econômico. 9 A falta de investimentos acarretou, por sua vez, a perda de competitividade internacional, em virtude de nossa defasagem tecnológica, e deixou à mostra os limites do modelo de industrialização. A reestruturação produtiva, característica do pósfordismo no mundo desenvolvido, se limitou no Brasil à difusão de inovações organizacionais, não alcançando o terreno das inovações tecnológicas com base na microeletrônica,e na tecnologia de informações observada nos países centrais. O nosso incipiente Welfare State é substituído pelo pensamento neoliberal e pela desregulamentação da economia. Esse novo paradigma toma forma, principalmente, a partir dos anos 90, no Governo Collor. A ideologia desenvolvimentista, baseada na relação entre crescimento e emprego, é rompida, resultando do fato a observação de que, no último quarto de século, a economia brasileira tem apresentado desempenho pífio, com exceção de poucos anos em que as taxas de crescimento superaram os 4%. De 1991 a 2000 o PIB brasileiro cresceu 26,89% com taxa média anual de 2,41% enquanto o PIB mundial cresceu 44,78% com média anual de 3,77%. 10 Os investimentos produtivos, Sr. Presidente, foram substituídos pela financeirização da economia. A este respeito, o Plano Real ocupa posição de destaque, visto que conectou o Brasil à lógica da acumulação financeira mundial, desestimuladora do crescimento econômico e incapaz de gerar empregos suficientes. Ao longo dos oito anos do Governo Fernando Henrique, a dívida líquida consolidada do setor público, que era inferior à 30% do PIB, praticamente duplicou. Quanto a Estados e Municípios, a intensificação da sua crise financeira veio acompanhada, paradoxalmente, da transferência, para esses entes, de encargos sociais da União, bem como da diminuição da participação das esferas subnacionais nas receitas tributárias brasileiras, devido à criação de contribuições – especialmente a COFINS e a CPMF – que não são partilhadas com Estados e Municípios. O desequilíbrio externo assumiu um caráter estrutural. A sobrevalorização do câmbio, verificada até 1999, desarticulou setores que produzem bens exportáveis e os que concorrem com importações. Sendo assim, a economia se tornou extremamente vulnerável a choques externos, tendo que recorrer a capitais voláteis. 11 Foi com o Presidente Luís Inácio Lula da Silva que o Brasil conseguiu reduzir a pressão sobre suas contas externas. Os vultosos saldos positivos de nossa balança comercial permitiram que, em 2003, o balanço de pagamentos fechasse com saldo positivo, a despeito da elevada conta de juros. Ante as turbulências verificadas no decorrer do processo eleitoral, a política econômica do governo Lula voltou-se para a recuperação da credibilidade. Ênfase foi dada ao controle da inflação, à obtenção de superávits nas finanças públicas e à recuperação do acesso aos mercados financeiros internacionais a custos menores. O Presidente Lula, Senhor Presidente tem perseguido os chamados objetivos irrecusáveis da nação brasileira : consolidar o rebaixamento dos riscos, manter a estabilização dos preços, reverter o ciclo de baixo crescimento do PIB, remover a vulnerabilidade externa, realizar as reformas pendentes, tendo como resultado maior, a redução da pobreza absoluta. Acreditamos, Sr. Presidente, que hoje temos uma base sólida para que o País volte a crescer de forma sustentada. E sabemos que a economia já mostra sinais robustos de sua recuperação. O PIB a 12 preços de mercado apresentou elevação de 5,7% no segundo trimestre de 2004, em relação a igual período do ano passado. Para que o Brasil continue nesta trajetória ascendente de crescimento, é preciso elevar o nível dos investimentos. Após dois anos consecutivos de queda, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA – prevê, em 2004, crescimento de 6,2% da formação bruta de capital fixo. Se forem mantidas as expectativas de crescimento do PIB em 2004, situadas entre 3 e 4%, a taxa de investimento pode saltar de 17% para cerca de 19% do PIB até o final do ano. Sabemos que as atuais taxas de investimentos ainda não são suficientes para garantir o crescimento sustentado da economia, mas já podemos vislumbrar sinais de que estamos no caminho correto. É por isso, nobres Colegas, que o projeto das Parcerias PúblicoPrivadas, as PPP’s, faz-se tão necessário. Dadas as restrições financeiras, o Estado por si só não pode garantir os investimentos para superar os gargalos, notadamente, de infra-estrutura de nosso País. A participação da iniciativa privada é indispensável para que possamos nos desenvolver de forma consistente. 13 Além disso, também é preciso repensar o atual pacto federativo, de forma a que Estados e Municípios voltem a ter recursos suficientes para investir, na medida necessária, em educação, saúde e outros serviços essenciais. Para isso é preciso, também, reduzir a excessiva vinculação de recursos, tratar de forma desigual os desiguais objetivando reduzir as desigualdades regionais, para que o Brasil não se transforme em uma nação de Estados vencedores e Estados derrotados. Acredito firmemente, Sr. Presidente, que a política econômica deva ser indutora do crescimento e do emprego. Mais ainda, estou certo de que este seja o momento adequado para avançarmos no sentido de promover o desenvolvimento de nosso País, e mudar o aparato estatal de modelo burocrático para modelo empreendedor-gerencial. O Governo Lula reúne condições políticas e morais para implementar as medidas que nos farão voltar a figurar entre as principais economias do mundo, mas, pela primeira vez, com justiça social e igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. Obrigado. 14