Visualização de Inclusão Viral em Hemácias – Relato de Caso Maína de Souza Almeida1, Miriam Nogueira Teixeira2, Eneida Willcox Rêgo2, Telga Lucena Alves Craveiro de Almeida3, Simone Gutman Vaz4, Breno Menezes dos Santos4, Ana Katharyne Ferreira Fagundes4, Giselle Ramos da Silva4 Introdução A cinomose é uma doença que acomete primariamente os pulmões, o trato intestinal e o sistema nervoso dos cães. Entre as doenças induzidas por vírus nos cães, a taxa de mortalidade por cinomose é a segunda depois da raiva. O vírus da cinomose (CDV) é um morbilivírus (família Paramyxoviridae) aparentado, de perto, com os vírus do sarampo humano, da peste bovina e da cinomose focina [1,2]. Os sinais são bastante variáveis e podem ser influenciados por fatores tais como idade, condição, estado imune e, possivelmente, cepa viral. No entanto, mais comumente, são afetados cães jovens com imunidade protetora inadequada. A infecção se dá principalmente pela inoculação por aerossol. O vírus replica-se nas tonsilas e linfonodos brônquicos, em seguida infecta os linfócitos, que são responsáveis pela disseminação do vírus [3,4]. A linfocitólise extensa resulta em imunossupressão, imunidade fraca mediada por células e formação escassa de anticorpos neutralizantes. Habitualmente ocorrem leucopenia e trombocitopenia. Sabe-se que a resposta hematológica varia também de um indivíduo a outro, bem como com a fase da infecção viral [2,5,6]. As manifestações clínicas enormemente variáveis da cinomose levaram a certa confusão e dificuldade, tanto para o diagnóstico clínico como na investigação experimental da moléstia. A maioria dos diagnósticos é obtida baseando-se na história, sintomatologia e achados hematológicos. Durante a vida do paciente, o diagnóstico clínico pode ser confirmado pelo achado de corpos de inclusão típicos em esfregaços de células do epitélio respiratório ou sangue periférico. Inclusões de Lentz representam o efeito citopático do vírus sobre a célula. Sua visualização em hemácias ou leucócitos confere ao diagnóstico um caráter definitivo. A sorologia do Líquido Cérebro Espinhal (LCE) pode ser útil, mas não é conclusiva em pacientes vacinados. Não deve haver anticorpos contra o vírus da cinomose no LCE mesmo nos cães supostamente imunizados, a menos que haja infecção local. [4,5,7,8] O presente trabalho tem como objetivo comprovar o valor da visualização de inclusão viral (Corpúsculo de Lentz) em hemácias e leucócitos no diagnóstico da cinomose. . Material e métodos Foi atendido no Hospital Veterinário da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), no mês de maio de 2009, um canino, macho, SRD, de dois anos de idade. O proprietário relatou que o animal alimentava-se mal nos últimos dias e se apresentava apático. Foi informado que o paciente vivia em uma residência com outro animal que estava em bom estado de saúde. O veterinário responsável realizou a avaliação clínica do animal e não constatou nenhuma alteração no estado geral do animal, além da apatia, que já havia sido relatada pelo proprietário. Como exame complementar, foi solicitado um hemograma para auxilio da avaliação do estado de saúde do cão. O exame hematológico foi realizado no Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Veterinário/UFRPE, cujas técnicas de coleta e processamento estão descritas na literatura por [8]. Resultados e Discussão A única alteração observada no hemograma foi a trombocitopenia. O animal foi levado para casa, mas retornou uma semana depois porque o quadro de apatia e falta de apetite persistia. Realizou-se então um segundo hemograma e neste, além da trombocitopenia, foram encontradas inclusões virais em hemácias. Silva et al [9] afirma que a visualização da inclusão em hemácias e leucócitos é mais freqüente na fase virêmica da infecção pelo vírus da cinomose. A Fig. 1 mostra inclusões virais em hemácias e linfócito. Como o animal não apresentou nenhuma alteração clínica que indicasse a infecção por cinomose, realizou-se o exame sorológico (BIOEASY), que confirmou o diagnóstico. Em seguida, o animal passou por avaliações e exames duas vezes por semana, para que a evolução do quadro fosse acompanhada. ________________ 1. Discente do Curso de Graduação em Medicina Veterinária da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Av. Dom Manuel de Medeiros, S/N, Dois Irmãos- PE. CEP: 52-171-900. E-mail: [email protected] 2. Professor Associado do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade Federal Rural de Pernambuco. 3. Médica Veterinária residente/ PPGCV/ Laboratório de Patologia Clínica/ Hospital Veterinário/DMV /UFRPE. 4. Discente do Curso de Graduação em Medicina Veterinária da Universidade Federal Rural de Pernambuco. O quadro clínico não evoluiu, ao contrário do resultado do hemograma, que passou a apresentar inclusões virais em linfócitos, apesar de não haver linfocitopenia. A trombocitopenia ainda persistia. Para o gênero Morbillivirus, a qual pertence o vírus da cinomose, já se observou um aumento de anticorpos anti-plaquetas, como afirmou Hoskins [10]. Assim, pode-se então, afirmar que a destruição de plaquetas foi imunomediada. No terceiro hemograma, a inclusão viral pode ser observada também nos neutrófilos. De particular relevância no diagnóstico clínico de cinomose é o achado dessas inclusões citoplasmáticas, que surgem em alguns neutrófilos circulantes dos cães afetados. O achado dessas inclusões em leucócitos é evidência de que o vírus está presente, mas sua ausência tem pouco valor na determinação da ausência do vírus, fato afirmado por Jones et al [5]. Concomitantemente, já se observava, também, leucopenia por linfopenia. Fenner [4] afirma que a maioria dos animais acometidos por cinomose estarão linfopênicos. Também se constatou uma anemia normocítica normocrômica e a persistência da trombocitopenia. Segundo Hoskins [10] a diminuição dos eritrócitos pode ser atribuída pelo aumento da destruição ou pela diminuição de sua produção. A lise das células vermelhas ocorre pela presença do vírus no eritrócito ou pela deposição de imunocomplexos na membrana celular A queda na produção de eritrócitos pode ser atribuída a falência da medula devido ao estresse desencadeado pela doença. Apesar das alterações marcantes no hemograma do animal, que caracterizavam uma virose, ainda não apresentava nenhuma manifestação clínica da doença. Na quarta semana após o aparecimento da inclusão viral nas células sanguíneas o animal veio a óbito. Algumas cepas do vírus da cinomose são moderadamente virulentas e provocam infecções inaparentes. Outras causam cinomose aguda com alta taxa de encefalite e alta mortalidade. Segundo Hoskins [10] determinadas cepas são mais viscerotrópicas e causam doença debilitante com alta mortalidade e baixa incidência de encefalite. A morte do animal infectado por uma cepa moderadamente virulenta é rara, principalmente se o animal apresentar infecção aparente. Neste caso, apenas as alterações no hemograma e a presença da inclusão viral nas células sanguíneas evidenciou a evolução da infecção. Conclui-se então que os exames laboratoriais são de suma importância para a detecção de casos de cinomose, uma vez que os achados hematológicos e a visualização do corpúsculo de Lentz seguramente confirmam o diagnóstico, mesmo que o animal não apresente alterações clínicas para essa doença. Agradecimentos Agradeço a Deus, aos técnicos administrativos e aos docentes pelo auxílio técnico-científico e a todos os colegas pelas oportunidades de estudo. Referências [1] LEGENDRE, A.M. 2004. Séries de informações ao cliente. In: ETTINGER S. J., FELDMAN E. C. Tratado de Medicina Interna Veterinária. Ed. 5ª. São Paulo: Editora Guanabara Koogan. p. 2063. [2] MCCANDLISH, I.A.P. 2001. Infecções Específicas Caninas. In: DUNN, J.K. Tratado de Medicina de Pequenos Animais. São Paulo: Editora Roca. p. 921-922. [3] BAGLEY, R.S; WHEELER, S.J. 2001. Doenças do Sistema Nervoso. In: DUNN, J.K. Tratado de Medicina de Pequenos Animais. São Paulo: Editora Roca. p. 921-922. [4] FENNER, W.R. 2004. Doenças do Cérebro. In: ETTINGER S.J.; FELDMAN E.C. Tratado de Medicina Interna Veterinária. Ed. 5ª. Editora Guanabara Koogan. P. 632-632. [5] JONES, T.C.; HUNT, R.D.; KING, N.W. 2000. Patologia Veterinária. Ed. 6ª. São Paulo: Manole. P. 320-323. [6] FENNER, F.J.; GIBBS, E.P.J.; MURPHY, F.A. 1993. Veterinary virology. 2.ed. Califórnia: Academic. p.456 [7] MENDONÇA, R.B.; PAGANI, F.F.; MOREIRA, A.S. 2000. Respostas hematológicas em cães naturalmente infectados pelo vírus da cinomose: estudo retrospectivo de casos. Rev. Bras. Ciên. Vet., v.7, p.114, Suplemento. [8] KERR, M.G. 2003. Exames Laboratoriais em Medicina Veterinária. Ed. 2. São Paulo: Editora Roca. p.436 [9] SILVA, I.N.G.; GUEDES, M.I.F.; ROCHA, M.F.G.; MEDEIROS, C.M.O.; OLIVEIRA, L.C.; MOREIRA, O.C.; TEIXIERA, M.F.S. 2005. Perfil hematológico e avaliação eletroforética das proteínas séricas de cães com cinomose. Arq. Bras. Med Vet. Zootec., v.57, n.1, p.136-139. [10] HOSKINS, J.D. 2004. Doenças Virais Caninas. In: ETTINGER S. J., FELDMAN E. C. Tratado de Medicina Interna Veterinária. Ed.5. São Paulo: Editora Guanabara Koogan. p.440-441 Figura 1. Fotografia de hemácias e leucócitos. Fig. 1A: Mostra inclusões virais em hemácias (ponta das setas) (100x). Fig. 1B: mostra hemácias (h), neutrófilo (n) e linfócito (l) e plaquetas (p). A seta mostra a presença de inclusão viral no linfócito (100x).