Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica

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Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP
Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335
Procedimento GAESP nº 427/2003
Inquérito Civil nº 004/2003
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 12ª VARA
DA FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL
AÇÃO CIVIL PÚBLICA C/ PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
Processo nº 053.05.020308-0
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO
PAULO, por meio dos Promotores de Justiça integrantes do GAESP – Grupo
de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor que esta
subscrevem, legitimados e com fundamento na Constituição Federal (arts. 1º,
incisos II e III; 3º, incisos I, III e IV; 5º caput e § 1º; 6º; 23, inciso II; 37 caput e
§ 6º; 127 caput; 129, incisos II e III; 196/198 e 227 caput e §§ 1º e 7º); no
Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078/90 - arts. 22 e 81/100);
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na Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal nº 7.347/85 - arts. 1º, inciso IV, 5º
caput, 11, 12 caput e § 1º; 19 e 21); na Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público (Lei Federal nº 8.625/93 - arts. 1º caput; 25, inciso IV, alínea “a” e 27,
incisos I e II); na Lei Orgânica da Saúde ( Lei Federal nº 8.080/90 - arts. 2º, §
1º; 4º; 5º, inciso III; 6º, inciso I, letra “d”; 7º, incisos I, II, IV e XII; 8º e 17,
incisos II, III, IV e IX); na Constituição do Estado de São Paulo (arts. 217; 219,
parágrafo único, nºs 1/4; 220 caput; 222 caput e incisos I, III, IV e V; 223,
inciso I e 277 caput); na Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São
Paulo (Lei Complementar nº 734/93 - arts. 1º caput e 103, incisos I, VII, alínea
“a” e VIII); no Código de Saúde do Estado de São Paulo (Lei Complementar
Estadual nº 791/95 -arts. 2º, §§ 1º e 2º; 3º, incisos III e IV, alíneas “a” e “c”; 7º;
8º, inciso I; 12, inciso I, alíneas “a”, “b”, “c”, “d” e “e”; 15, inciso VI e parágrafo
único e 17, incisos I, alínea “a” e II, alínea “a”), e na Lei da Política Estadual de
Medicamentos (Lei Estadual nº 10.938/01) vem ajuizar a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA,
observando-se o procedimento comum ordinário,
em face do ESTADO DE SÃO PAULO (FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DE
SÃO PAULO), que deverá ser citado na pessoa do Excelentíssimo Sr.
Procurador Geral do Estado, em seu Gabinete, situado à Rua Pamplona, nº
227, 5º andar, nesta Capital, e do MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (FAZENDA
PÚBLICA MUNICIPAL DE SÃO PAULO), que deverá ser citado na pessoa do
Excelentíssimo Sr. Procurador Geral do Município, em seu Gabinete, situado à
Rua Maria Paula, nº 270, nesta Capital, pelos motivos de fato e de direito a
seguir expostos.
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I - DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Em seu art. 129, inciso II, a Constituição Federal
incluiu entre as funções institucionais do Ministério Público a de “zelar pelo
efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública
aos direitos assegurados” na Carta Magna, “promovendo as medidas
necessárias à sua garantia”.
É por isso que se conclui, no que diz respeito à
saúde pública, que a caracterização do tema dada à questão pela Carta
Magna de 1.988 no art. 197 – segundo o qual, “são de relevância pública as
ações e serviços de saúde” – , além de demonstrar que saúde pública
merece absoluta prioridade, teve como motivo principal possibilitar a atuação
do Ministério Público em face dos Poderes Públicos nesta área, em prol da
sociedade.
Objetivando
normatizar
a
defesa
judicial
de
interesses transindividuais, entre eles a saúde pública, não somente outros
dispositivos da Constituição Federal (arts. 127, caput e 129, inciso III), mas
também artigos da Constituição do Estado de São Paulo (art. 91), da Lei
Federal nº 8.625 de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público – art. 25, inciso IV, alínea “a”) e da Lei Complementar
Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério
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Público do Estado de São Paulo – art. 103, inciso VIII), cometem ao Ministério
Público legitimação para o ajuizamento de ação civil pública para a defesa, em
juízo, dos interesses difusos e coletivos indisponíveis.
No que se refere à legitimação do Ministério Público
para defender judicialmente interesses ligados à saúde pública, aliás, a
conclusão da Organização Pan-americana da Saúde e do Escritório Regional
da Organização Mundial da Saúde, enumerada na Série Direito e Saúde nº 1 Brasília, 1994, foi no sentido de que “o conceito de ações e serviços de
relevância pública, adotado pelo artigo 197 do atual texto constitucional, norma
preceptiva, deve ser entendido desde a verificação de que a Constituição de
1988 adotou como um dos fundamentos da República a dignidade da pessoa
humana. Aplicado às ações e aos serviços de saúde, o conceito implica o
poder de controle, pela sociedade e pelo Estado, visando zelar pela sua
efetiva prestação e por sua qualidade. Ao qualificar as ações e serviços de
saúde como de relevância pública, proclamou a Constituição Federal sua
essencialidade. Por ´relevância pública´ deve-se entender que o interesse
primário do Estado, nas ações e serviços de saúde, envolve sua
essencialidade para a coletividade, ou seja, sua relevância social. Ademais,
enquanto direito de todos e dever do Estado, as ações e serviços de saúde
devem ser por ele privilegiados. A correta interpretação do Artigo 196 do texto
constitucional implica o entendimento de ações e serviços de saúde como
conjunto de medidas dirigidas ao enfrentamento das doenças e suas seqüelas,
através da atenção médica preventiva e curativa, bem como de seus
determinantes e condicionantes de ordem econômica e social. Tem o
Ministério Público a função institucional de zelar pelos serviços de
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relevância pública, dentre os quais as ações e serviços de saúde,
adotando as medidas necessárias para sua efetiva prestação, inclusive
em face de omissão do Poder Público”.
Isto
tudo
permite
vislumbrar
uma
das mais
relevantes funções institucionais do Ministério Público, qual seja, o dever –
nunca a faculdade, já que os interesses públicos pertencem à coletividade –
irrenunciável e impostergável de defesa do povo, cabendo-lhe exigir dos
Poderes Públicos e dos que agem em atividades essenciais como aquelas
pertencentes à saúde pública o efetivo respeito aos direitos assegurados na
Constituição Federal e na legislação infraconstitucional, socorrendo-se
inclusive do Poder Judiciário quando necessário.
Conforme se verá, o Estado e o Município de São
Paulo, gestores do SUS (Sistema Único de Saúde) estruturado a partir da
Constituição Federal e cujas obrigações são impostas por lei, recusam-se a
prestar o adequado atendimento integral aos portadores de DPOC (Doença
Pulmonar
Obstrutiva
Crônica),
grave
doença
pulmonar
provocada
predominantemente pelo tabagismo que já constitui a quinta causa de morte
no país e exige específico tratamento (farmacológico, consistente no
fornecimento de remédios, e não farmacológico, consistente em reabilitação
pulmonar e oxigenoterapia), razão pela qual o Ministério Público está
legitimado para exigir judicialmente o cumprimento da obrigação legal, por
meio desta ação civil pública.
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II – DOS FATOS
O inquérito civil que instrui a presente inicial
(GAESP nº 427/2003 – I.C. nº 004/2003) foi instaurado de ofício por Promotor
de Justiça integrante do GAESP – Grupo de Atuação Especial da Saúde
Pública e da Saúde do Consumidor em razão de notícia veiculada pela
imprensa local, no Caderno Cotidiano – Saúde da Folha de São Paulo, do dia
23 de novembro de 2.003, domingo, na pág. C9, segundo a qual a Associação
Brasileira de Portadores de DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), por
meio de entrevista da diretora médica da entidade Drª Maria Christina
Lombardi Machado, estaria cobrando um programa público de assistência aos
portadores deste tipo de doença pulmonar, caracterizada por inflamação dos
brônquios (bronquite crônica) e por lesões nos alvéolos (enfisema pulmonar)
provocadas principalmente pelo tabagismo, que não estariam recebendo
remédios e os necessários tratamentos de reabilitação pulmonar e
oxigenoterapia por parte do SUS (Sistema Único de Saúde), a despeito da
patologia já constituir a quinta causa de morte no país (portaria de fls. 02/05 –
reportagem jornalística juntada a fl. 06).
A Drª Maria Christina Lombardi Machado, que é
médica pneumologista e Coordenadora dos Ambulatórios de Oxigenoterapia
Domiciliar da Disciplina de Pneumologia da UNIFESP (Universidade Federal
de São Paulo) e do Serviço de Doenças do Aparelho Respiratório do Hospital
do Servidor Público Estadual de São Paulo, juntamente com a Drª Maria Vera
Cruz de Oliveira, médica pneumologista vice-presidente da Sociedade Paulista
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de Pneumologia e Tsiologia e Coordenadora do Ambulatório de Reabilitação
Pulmonar do Serviço de Doenças do Aparelho Respiratório do Hospital do
Servidor Público Estadual de São Paulo, com o Dr. Carlos Alberto de Castro
Pereira, médico pneumologista presidente da Sociedade Brasileira de
Pneumologia e Tsiologia, Coordenador da Prova de Função Pulmonar do
Serviço de Doenças do Aparelho Respiratório do Hospital do Servidor Público
Estadual de São Paulo e Professor da Disciplina de Pneumologia da UNIFESP
(Universidade Federal de São Paulo), em documento assinado também pelo
presidente da Associação Brasileira de Portadores de DPOC (Doença
Pulmonar Obstrutiva Crônica), prestaram posteriormente informações mais
detalhadas ao Ministério Público, através das quais alertaram para a gravidade
do problema enfrentado pelos portadores deste tipo de doença pulmonar.
Segundo estes especialistas, portadores deste tipo
de doença pulmonar e médicos, todos voluntários, formaram o núcleo da
Associação Brasileira de Portadores de DPOC, inicialmente na cidade de São
Paulo no ano de 2.000, para alertar a população sobre os riscos da
enfermidade respiratória, que tem prevalência entre fumantes e somente no
Estado de São Paulo chega aproximadamente ao número de 700.000
(setecentos mil) doentes, bem como buscar um adequado atendimento pela
rede pública de saúde que, apesar dos alarmantes índices de morbidade e
mortalidade, não o está disponibilizando à população. O SUS (Sistema Único
de Saúde) em São Paulo não tem atendido os portadores de DPOC, razão
pela qual muitos procuram por isso mesmo o auxílio da referida associação (cf.
os docs. de fl. 13/15 e 248/250), para tentar obter um tratamento que exige,
além da cessação do tabagismo, reabilitação pulmonar, oxigenoterapia (por
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vezes domiciliar, com aparelho próprio) e o fornecimento de remédios,
agrupados entre os broncodilatadores inalatórios de longa ação (salmeterol,
formoterol, tiotrópio) e de ação rápida (salbutamol, fenoterol, terbutalina e
ipratrópio)
e
os
corticoteróides
inalatórios
(budesonida,
fluticasona,
beclometasona)., “nenhum desses medicamentos (...) fornecido regularmente
pelo SUS” (fls. 10/12).
A verdade é que, diante da costumeira inércia do
Poder Público, a sociedade civil mais uma vez está se organizando para
defender os direitos do cidadão, neste caso o fornecimento de tratamentos e
remédios aos portadores de DPOC (Doença Pulmonar Obstrutivo Crônica),
que não é asma e exige organização para uma dispensação contínua – no
caso dos medicamentos, por exemplo, devem sejam consagrados como
excepcionais ou de alto custo, já que precisam ser fornecidos regularmente
para cada doente, após um cadastro organizado, que não pode a todo
momento se dirigir a alguma unidade de saúde para verificar se, por sorte,
consegue algo do que lhe foi prescrito pelo médico – , chegando ao ponto da
Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tsiologia, instituição que reúne os
principais especialistas da área, organizar no ano de 2.004 uma campanha
nacional para divulgar a doença e realizar diagnósticos gratuitos, por meio de
um ônibus-consultório que percorreu várias cidades do país, ocasião em que
constatou a falta de informação da população e as deficiências em seu
atendimento (reportagem encartada a fls. 61/62, com o título de “DPOC é
doença que mata três brasileiros por hora”).
Diante da responsabilidade solidária dos gestores
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estadual e municipal da cidade de São Paulo do SUS (Sistema Único de
Saúde) sobre a matéria – cf., sobre isto, o item nº IV, “Do Direito”, infra – ,
buscou o Ministério Público informações do Sr. Secretário de Estado da Saúde
de São Paulo e do Sr. Secretário da Saúde do Município da época, através da
expedição de ofícios com a formulação de quesitos (fls. 25/27 e 29/31),
quando então constatou que realmente, apesar da determinação constitucional
e infraconstitucional de atendimento integral da população pelo SUS (Sistema
Único de Saúde), o Poder Público se recusa a atender adequadamente este
segmento de doentes crônicos, buscando eximir-se da responsabilização com
argumentações genéricas destituídas de embasamento probatório.
Como a maior parte dos medicamentos que devem
ser fornecidos aos portadores de DPOC também devem ser disponibilizados
para asmáticos graves, mas não todos – e ainda há que se mencionar os
tratamentos complementares de reabilitação pulmonar e oxigenoterapia,
inexistentes na rede pública de saúde de São Paulo e imprescindíveis para os
portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica – , os gestores estadual e
municipal de São Paulo alegaram que os estão fornecendo à população, não
agindo com a esperada boa-fé e inclusive sem qualquer comprovação
probatória – especialistas e doentes foram ouvidos a respeito, bem como
foram apensados ao inquérito civil autos com representações de doentes, e
suas palavras comprovaram a ausência da assistência terapêutica e
farmacêutica, apesar do que dizem as autoridades da saúde (cf, notadamente,
fls. 10/12, 79/84 ou 241/246, 115/118, o doc. de fls. 248/250, fls. 263/269 e os
autos em apenso) – , mas o protocolo clínico do Ministério da Saúde utilizado
por eles para a dispensação dos medicamentos exclui expressamente os
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portadores de DPOC.
A Secretaria de Estado de Saúde procurou
inicialmente eximir-se de sua responsabilidade em atendimento farmacêutico –
apesar da determinação expressa em sentido contrário da Constituição
Federal e de leis como a Lei da Política Estadual de Medicamentos, e a
despeito dos chamados medicamentos excepcionais ou de alto custo (aqueles
caros por unidade ou que assim se tornam porque precisam ser adquiridos em
grande quantidade para o fornecimento regular aos pacientes, exatamente
como deve ocorrer no caso em discussão) serem de sua alçada – com
argumentos de burocratas que revelam impressionante insensibilidade. Assim,
de início afirmou que a municipalização do SUS (Sistema Único de Saúde)
ensejou a responsabilidade exclusiva da Prefeitura pelo fornecimento dos
remédios e do atendimento domiciliar, mas a hipótese em tela evidentemente
não diz respeito apenas a “medicamentos básicos”, incluindo remédios
excepcionais que também são de sua responsabilidade. Depois, além de
traçar considerações sobre discutível programa destinado aos fumantes,
acabou se contradizendo ao afirmar que, além de alguns medicamentos
básicos, adquire remédios para os pacientes da doença pulmonar através do
Programa de Medicamentos de Alto Custo (ou Excepcionais) previsto na
Portaria MS/GM nº 1.318/2002 de 23 de julho de 2.002, obtendo-os com verba
federal “para uso em asma grave, uma das DPOC” (fls. 33/40).
Qualquer médico sabe perfeitamente, porém, que
DPOC não é asma grave, conforme será demonstrado oportunamente, e que
o Protocolo Clínico e as Diretrizes Terapêuticas de Asma Grave definidos pela
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Portaria SAS/MS nº 12, de 12 de novembro de 2.002 excluem expressamente
os portadores deste tipo de doença pulmonar que, assim, não têm como obtêlos na rede pública de saúde.
Ora, medicamentos excepcionais ou de alto custo
são aqueles de elevado valor unitário ou que, pela cronicidade do tratamento,
se tornam excessivamente caros para serem suportados pela população (por
exemplos, aqueles disponibilizados aos portadores de Doença de Alzheimer,
Doença de Parkinson, Esclerose Múltipla, Diabetes, Osteosporose, Hepatites,
Fibrose Cística e os Medicamentos Imunossupressores para Transplantados
Renais), hipótese que se enquadra perfeitamente no tratamento da patologia
ora discutida, e por causa desta especificidade o Ministério da Saúde instituiu
por meio da Portaria MS/GM nº 1.318/2002 de 23 de julho de 2.002 a regra de
que a sua dispensação deve respeitar Protocolos Clínicos e Diretrizes
Terapêuticas de caráter nacional estabelecidos pela Secretaria de Assistência
à Saúde em Brasília, repassando para os gestores do SUS (Sistema Único de
Saúde) para tanto recursos próprios e de forma antecipada (fls. 41/51).
Embora
aparentemente
este
sistema
possa
significar uma organização na aquisição dos medicamentos (padronização),
evitando inclusive eventual pressão indevida da indústria farmacêutica na
compra de remédios caros e que podem ser substituídos por outros, parece
óbvio que em nenhuma hipótese pode ser usado para violar a regra
constitucional e infraconstitucional de atendimento integral da população (cf.
infra). No caso em exame, é isto que pretende a Secretaria de Estado da
Saúde, porque a citada Portaria SAS/MS de nº 12, de 12 de novembro de
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2.002 identificou para aquisição alguns dos medicamentos prescritos no
pedido desta inicial apenas para portadores de asma grave, que não é
DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), aliás com a classificação
CID 10 utilizada pelos médicos diversa (Asma – J45; DPOC – J43),
deixando expressamente consignado que “serão excluídos os pacientes
com (...) predomínio de doença pulmonar obstrutiva crônica” (critérios de
exclusão, item 5 – fls. 53).
Ou seja: estes medicamentos são excepcionais
porque adquiridos para fornecimento contínuo a doentes crônicos, mas a
Secretaria de Estado da Saúde apenas os adquire para portadores de asma –
ainda assim aquela diagnosticada como “grave” ... – e não os disponibiliza
para portadores de DPOC; quando o cidadão comparece aos chamados pólos
de dispensação de medicamentos não consegue obtê-los, pois está com uma
prescrição médica para DPOC e o próprio protocolo clínico exclui a sua
hipótese expressamente.
Mais sucinta, a Secretaria Municipal de Saúde
limitou-se a ponderar que os portadores de DPOC estão sendo atendidos
regularmente em sua rede pública, mas apenas em casos de “agudização” da
doença com a internação em unidades de saúde ou ainda tratamento em
ambulatórios
de
especificamente
especialidade
destinados
ao
em
Pneumologia,
atendimento
de
“que
DPOC”;
não
quanto
são
aos
medicamentos, sem nada provar disse que alguns são fornecidos para casos
de doenças respiratórias, outros não porque não padronizados (fls. 67/68)
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Isto
quer
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dizer
que
não
está
fornecendo
regularmente os medicamentos e o tratamento conforme pedido desta inicial
(cf. infra), ou porque não haveria padronização (mas para a maioria deles há
padronização para asma grave!) ou porque o atendimento estaria ocorrendo
em algumas hipóteses: os elementos probatórios colhidos nos autos e as
próprias informações da autoridade municipal permitem concluir, porém, que
um cidadão que tenha algum distúrbio no campo respiratório pode
eventualmente conseguir a medicação, ainda assim apenas aquelas
padronizadas, mas um portador de DPOC, que precisa retirar regularmente os
remédios e de tratamentos complementares (reabilitação pulmonar e
oxigenoterapia), por meio de um cadastro inclusive para prever a quantidade
necessária mensalmente de medicamentos (daí o conceito de medicamentos
excepcionais), não consegue ser atendido, com a desculpa de que o protocolo
nacional de asma grave – o único utilizado para justificar o fornecimento deste
tipo de remédio para doença respiratória – expressamente exclui os
portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica.
Depois de ser novamente intimada pelo Ministério
Público, a Drª Maria Christina Lombardi Machado analisou as alegações da
Secretaria de Estado da Saúde e da Secretaria Municipal da Saúde, sem
esconder sua indignação. A respeito, a médica pneumologista ponderou o
seguinte, em síntese: a) que não existe na prática, apesar do discurso do
Poder Público, ações preventivas efetivas, diagnóstico ou tratamento
específico para os portadores de DPOC no SUS (Sistema Único de Saúde),
apesar da doença pulmonar obstrutiva crônica ser questão de saúde pública
que merece a atenção total dos governantes, na medida em que se estima que
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o número de portadores deste tipo de doença pulmonar seja cerca de 5 (cinco)
milhões em nosso país, patologia que já é vista como a quinta causa de morte
no Brasil e a quarta nos Estados Unidos; b) que os medicamentos básicos
mencionados – salbutamol e aminofilina – disponíveis no SUS (Sistema Único
de Saúde) não são preconizados para o tratamento de DPOC e não são
inalatórios, mas sim comprimidos ou xaropes para administração oral, com
efeitos colaterais indesejáveis e ineficientes; a medicação de alto custo
prevista pela Portaria MS/GM nº 1.318/2002, outrossim, é disponibilizada
apenas para uso em asma grave, sendo seu fornecimento expressamente
excluído para os portadores de DPOC pela próprio protocolo clínico. Sobre
isto, aliás, seria bom não se perder de vista que “a DPOC não é um tipo de
asma grave, mas sim outra doença totalmente diferente”, apesar de alguns
remédios comuns destinados ao tratamento; c) que o tratamento de
reabilitação pulmonar mencionado pela Secretaria de Estado da Saúde
constitui apenas fisioterapia respiratória para quem está internado, sendo
totalmente diferente o pretendido programa para reabilitação global do
paciente de DPOC que, segundo consensos anuais sobre a matéria, deve
incluir exercícios com membros inferiores e superiores, técnicas de
conservação de energia e relaxamento, educação sobre a doença e seu
tratamento, avaliação nutricional, fisioterápica, médica e psicológica, com
sessões 3 (três) vezes por semana e duração de 12 (doze) semanas, o que
não existe atualmente no SUS (Sistema Único de Saúde); d) que a
oxigenoterapia domiciliar por vezes é fornecida em São Paulo, mas apenas na
capital, e ainda assim sem o acompanhamento dos necessários programas de
reabilitação pulmonar e cessação de tabagismo (fls. 79/84 ou 241/246).
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O Dr. José Roberto de Brito Jardim, um dos
médicos pneumologistas mais conceituados em nosso país nesta área e que
há cerca de trinta anos se dedica ao estudo da DPOC (Doença Pulmonar
Obstrutiva Crônica), prestou declarações nos autos do inquérito civil, ocasião
em que reforçou mais uma vez a relevância em termos de saúde pública do
problema ora tratado, as diferenças entre DPOC e asma e a omissão do Poder
Público no atendimento integral aos portadores deste tipo de doença
pulmonar. Vale destacar que seus títulos incluem o de professor de
Pneumologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Coordenador
do Programa de Pós-graduação em Reabilitação da UNIFESP, Diretor do
Centro de Reabilitação Pulmonar da UNIFESP, Presidente da Comissão de
Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica da Sociedade Brasileira de Pneumologia
e Tisiologia, Coordenador Científico do Projeto GOLD Brasil (Global Initiative
for Chronic Obstructive Lung Disease, estudo que busca definir uma estratégia
global para o tratamento dos portadores de DPOC), revisor do Consenso de
Reabilitação Pulmonar da Sociedade Americana de Tórax e Sociedade
Européia Respiratória e ex-Presidente da Associação Latino-Americana de
Tórax, o que o qualifica como profissional de saúde com condições de fazer as
críticas que elaborou contra o Poder Público.
A sua experiência na área acadêmica e no
tratamento dos portadores de DPOC o permitiu afirmar que este tipo de
doença pulmonar atualmente deve ser visto como problema de saúde pública
em todo o planeta, onde é a quarta causa de morte e provavelmente nos
próximos anos será a terceira – daí o projeto mundial GOLD (Global Initiative
for Chronic Obstructive Lung Disease, cujo estudo em versão na língua
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portuguesa foi juntado a fls. 120/238 dos autos do inquérito civil) acolhido pela
Organização Mundial da Saúde, que preconiza padrões para a atuação dos
agentes de saúde pública em cada país, objetivando diminuir a morbidade e a
mortalidade causadas por esta grave patologia – , e no Brasil, onde já foi
detectada como a quinta causa de mortalidade da população, ficando atrás
apenas das doenças coronarianas, dos tumores, dos acidentes cérebrovasculares e das causas externas (acidentes e outros). Apesar do aumento
progressivo da incidência da DPOC na população e dos seus alarmantes
índices de morbidade e mortalidade, em nosso país as autoridades públicas
não se sensibilizaram para o problema, havendo apenas por parte do
Ministério da Saúde um protocolo clínico para asma grave e não para DPOC
que prevê praticamente os mesmos remédios necessários para o tratamento
da doença pulmonar em discussão.
Destacou o ilustre estudioso, ainda, que a DPOC
(Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica) é patologia que não se confunde com a
asma, tanto é verdade que a primeira tem como código internacional de
doença (CID) J43 e a asma J45, “o que na prática impede os portadores de
DPOC obter qualquer tipo de medicamento”, inclusive porque no formulário
entregue aos pacientes para buscar a medicação na rede pública do SUS
(Sistema Único de Saúde) o médico necessariamente deve registrar o nome
da doença e seu código internacional, e “o doente não consegue os
remédios nas farmácias da rede pública de saúde”. Embora a asma seja
também
uma
doença
inflamatória,
é
causada
por
um
mecanismo
completamente diferente, aparecendo em sua maioria já na infância dos
doentes, sem vinculação necessária com o tabagismo, com períodos de
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remissão. A DPOC, por sua vez, é caracterizada como doença inflamatória
progressiva, causada principalmente pelo cigarro – apenas cerca de 10% têm
origem em outros fatores, em razão da inalação de poeira e gazes tóxicos – ,
que leva a uma limitação física do doente. Ela produz bronquite crônica
(inflamação dos brônquios que levam o ar ao pulmão) e enfisema pulmonar
(quando há lesões ou rupturas das paredes dos alvéolos), podendo um
aspecto ou outro se destacar dependendo do estágio de desenvolvimento da
doença, não havendo cura.
Em relação ao tratamento dos portadores de
DPOC, que é específico e não fornecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde),
o pneumologista os dividiu em dois tipos: a) farmacológico, ou seja, o
fornecimento de remédios; e b) não farmacológico, consistente em
reabilitação pulmonar e oxigenoterapia. As suas explicações sobre os dois
tipos de tratamento merecem ser transcritas integralmente, por sua clareza e
completude: “A reabilitação pulmonar é um programa multiprofissional
(médicos, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos), que visa à melhora da
capacidade física e à otimização para independência social, na medida em
que o doente tem dificuldades de respiração e até mesmo de locomoção. A
oxigenoterapia, por sua vez, consiste na suplementação de oxigênio por meio
de fornecimento de oxigênio – por cilindros, concentradores de oxigênio ou
oxigênio líquido – e, às vezes, é fornecida pela prefeitura na cidade de São
Paulo, mas são freqüentes casos de regiões onde isso não ocorre, bem como
cidades do interior do Estado. Os
medicamentos se dividem em
antiinflamatórios e broncodilatadores. Os antiinflamatórios corticóides
são usados nas exacerbações por via oral por tempo curto, sendo prednisona
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e prednisolona os mais utilizados. Para os pacientes estáveis, desde que
graves
e
tenham
duas
exacerbações
anuais,
são
indicados
os
antiinflamatórios corticóides inalatórios, como budesonida, fluticasona,
beclometasona e triancinolona. Os broncodilatadores dividem-se em aqueles
com poucas horas de duração, para serem usados durante as crises da falta
de ar, e aqueles de longa duração, utilizados como manutenção, ou seja,
constantemente pelo doente. Os de ação curta são salbutamol, fenoterol,
terbutalino e ipratrópio. Os de longa duração são salmeterol, formoterol e
tiotrópio. Um último grupo de broncodilatadores são as metilxantinas, podendo
ser de curta como de longa duração, utilizados quando os outros não são
suficientes, que são as aminofilina, talofilina e bamifilina”. E concluiu: “com
exceção do tiotrópio, que é específico para DPOC, todas as classes de
medicamentos citadas acima já são disponibilizadas pela rede pública de
saúde para asma grave, não havendo razão alguma para não serem
fornecidas aos portadores de DPOC”.
Em duas ocasiões a Associação Brasileira de
Portadores de DPOC encaminhou ao Ministério Público uma relação de
doentes que não estão obtendo o adequado atendimento integral na rede
pública de saúde (fls. 13/15 e 249/250), na segunda delas destacando que “os
problemas com relação à obtenção de remédios e oxigênio para
tratamento dos portadores de DPOC no Estado de São Paulo
permanecem iguais, ou seja, atualmente ainda não existe o fornecimento
dos mesmos nos Postos de Saúde e hospitais do SUS no Estado de São
Paulo para estes pacientes”, um verdadeiro “quadro de descaso com os
pacientes” (fl. 248).
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Alguns destes portadores de DPOC foram ouvidos
nos autos do inquérito civil e confirmaram não estar obtendo remédios pelo
SUS (a rigor, três doentes e a mulher de outro que não pôde comparecer por
causa de seu estado de saúde – fls. 263/269); por outro lado, foram
apensados a eles autos iniciados com representação de outros doentes que
não estão conseguindo obter o adequado atendimento na rede pública de
saúde, alguns deles conseguindo-o apenas após decisão judicial e outro uma
única vez, certamente por causa de ofício do Ministério Público – cf. os autos
em apenso e em especial o doc. de fl. 14 do apenso GAESP nº 177/2005).
A conclusão a se extrair do exposto, portanto, é que
apesar da DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, patologia diversa da
“asma grave” e de outras doenças respiratórias) ter se tornado nos últimos
anos uma questão de saúde pública no mundo e em nosso país, identificada
pelas estatísticas como a quarta causa de morte no planeta – e provavelmente
nos próximos anos chegue a ser a terceira – e a quinta causa de mortalidade
da população do Brasil, no Estado de São Paulo o Governo e a Municipalidade
não estão disponibilizando a seus portadores o necessário tratamento
farmacológico (remédios) e não farmacológico (reabilitação pulmonar e
oxigenoterapia), razão pela qual o Ministério Público busca o Poder Judiciário
para que relevante direito fundamental do cidadão (saúde) seja resguardado.
III
–
DPOC:
DEFINIÇÃO,
CARACTERÍSTICAS
FARMACOLÓGICO E NÃO FARMACOLÓGICO
19
E
TRATAMENTOS
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Nos últimos anos, a DPOC (Doença Pulmonar
Obstrutiva Crônica) vem se destacando cada vez mais no meio médico e entre
os agentes de saúde pública como um grave problema a ser enfrentado, tendo
em vista notadamente a tomada de consciência de sua importância como fator
de morbidade e mortalidade da população; a prevenção insuficiente de suas
causas e o tratamento inadequado de seus portadores, aliás, já a elevou no
Brasil ao patamar de quinta causa de morte da população (cf. supra) e estimase que cerca de 290 (duzentos e noventa) mil pacientes são internados
anualmente na rede pública de saúde, muitas vezes em circunstâncias que
poderiam ter sido evitadas, trazendo gasto enorme e desnecessário ao SUS
(Sistema Único de Saúde).
A OMS (Organização Mundial de Saúde), em
colaboração com o Instituto Nacional Norte-Americano do Coração, Pulmão e
Sangue (NHLBI), considerando que a DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva
Crônica) se destaca como a quarta causa de morte nos Estados Unidos, a
previsão de que ela assuma a quinta posição em 2.020 como uma doença de
impacto global e a falta de atenção adequada que vem recebendo da
comunidade de saúde e dos governos, em 2.001 formou a já citada “Iniciativa
Global para a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica” (GOLD – em inglês,
Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease) e elaborou um relatório
de estratégica global, por meio dos maiores especialistas na área no mundo,
definindo a doença com a preocupação de a diferenciar de outras semelhantes
– como a asma – , os seus fatores e a forma de tratamento, que se coaduna
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com o pedido nesta ação civil pública (como já referido, o estudo completo
encontra-se encartado a fls. 120/238 dos autos do inquérito civil).
Em termos médicos, a DPOC (Doença Pulmonar
Obstrutiva Crônica) é uma enfermidade respiratória prevenível e tratável, que
se caracteriza pela presença de obstrução crônica do fluxo aéreo, que não é
totalmente reversível. A obstrução do fluxo aéreo é geralmente progressiva e
está associada a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões à inalação
de partículas, gases tóxicos ou poeira – como, por exemplo, aqueles causados
por exposição à fumaça de lenha, à poeira e à fumaça ocupacional do
trabalhador –, mas quase sempre é causada pelo tabagismo.
O processo inflamatório crônico e progressivo do
doente, geralmente um fumante que se aproxima dos 40 (quarenta) anos de
idade, produz dois tipos de obstrução que podem ser observadas em conjunto
ou não e variam de acordo com os sintomas apresentados por cada indivíduo:
a bronquite crônica e o enfisema pulmonar. No caso da bronquite crônica,
verifica-se uma inflamação dos brônquios que levam o ar até os pulmões (eles
“incham” por dentro, dificultando a passagem do ar), provocando catarro e
tosse constantes no doente. No caso do enfisema pulmonar, a fumaça do
cigarro – ou poeira ou gás tóxico – começa a destruir os alvéolos, onde ocorre
a troca do oxigênio pelo gás carbônico, provocando deficiências no pulmão
que levam principalmente à falta de ar.
Os principais sintomas que os pacientes deste tipo
de doença pulmonar apresentam são uma tosse diária ou intermitente,
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dispnéia ao esforço (dificuldade de respirar acompanhada de uma sensação
de opressão e incômodo, que se acentua notadamente quando o doente se
dispõe a fazer alguma atividade física) e sibilos constantes (sons típicos que
indicam dificuldade de respirar), que os médicos identificam inicialmente por
exames físicos (inspeção e ausculta) e depois ao submeter o paciente a
radiograma de tórax, a avaliação espirométrica (medição da capacidade
pulmonar vital por meio da obtenção das curvas fluxo-volume e volume-tempo,
antes e após o uso de broncodilatador) e à oximetria (método de medida da
saturação do oxigênio do sangue, por meio de exame do pulso ou o aparelho
conhecido por oxímetro), além de alguns outros testes de avaliação
respiratória, com o objetivo de estadiar a doença, ou seja, classificá-la de
acordo com sua gravidade (estadiamento) com a finalidade de propor
orientação terapêutica e definir o prognóstico.
Tudo isto permite aos médicos diferenciar com
precisão a DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica) da asma, doença
inflamatória das vias aéreas mais conhecida pela população que apresenta
alguns sintomas semelhantes e por vezes é tratada com alguns dos remédios
indicados também para a DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), mas
é causada por um mecanismo completamente diferente, aparecendo em sua
grande parte já na infância dos doentes, sem vinculação com o tabagismo,
com períodos de remissão. A ciência médica há tempos separa uma doença
da outra, diferenciando a asma da DPOC por suas próprias e específicas
características (início na infância ou adolescência, não associação com o
cigarro ou outro irritante inalatório e possibilidade de reversibilidade completa
da limitação do fluxo aéreo, características não presentes nos portadores de
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DPOC), a ponto de atualmente indicar para a DPOC (Doença Pulmonar
Obstrutiva Crônica) o código internacional de doença (CID) J43 e para a asma
o código J45.
O Dr. Peter Barnes, um dos maiores estudiosos da
matéria no mundo, Professor de Medicina Torácica e Chefe de Medicina
Respiratória no Instituto Nacional do Coração e Pulmão na Faculdade de
Medicina do Colégio Imperial de Londres, no Reino Unido, recentemente
escreveu um artigo em importante revista para diferenciar as duas patologias,
sob o sugestivo título de “DPOC e asma: doenças distintas da patologia ao
paciente”, cuja versão traduzida foi juntada a fls. 259/262 dos autos do
inquérito civil. Além de descrever alterações morfológicas e aspectos técnicos
que permitem um diagnóstico diferenciado pelos médicos, deixou assentado
que, “do ponto de vista clínico, a asma caracteriza-se por broncoconstrição
variável, geralmente com início na infância, e evolução variável, com
remissões, raramente progressiva. Na DPOC a dispnéia durante o exercício é
persistente, em geral começa após os 45 anos, é progressiva e está associada
ao tabagismo (ou algum outro irritante inalatório). A resposta aos
broncodilatadores e aos corticóides inalatórios é boa na asma e reduzida na
DPOC”. Mais adiante, complementou: “Na DPOC observa-se um declínio da
função pulmonar muito maior do que nos indivíduos normais, até que o
paciente vá a óbito por insuficiência respiratória. Na asma, por outro lado, a
função pulmonar varia com as exacerbações e remissões, mas o índice de
declínio ao longo dos anos em geral é semelhante ao dos indivíduos normais,
exceto em alguns pacientes com asma grave” (fl. 259).
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Impossível qualquer confusão diagnóstica, portanto,
entre a DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica) e a asma.
Em relação à DPOC (Doença Pulmonar Obstrutivo
Crônica), por outro lado, importa observar ainda que as duas espécies de
obstrução causadas pela fumaça do cigarro ou por outro irritante inalatório
(bronquite crônica e enfisema pulmonar), bem como os descritos sintomas de
tosse, dispnéia e sibilos, revelam que o tratamento da doença deve
necessariamente combater estes problemas, desobstruindo os brônquios e os
alvéolos dentro do possível – não há cura para a patologia que, repita-se, é
crônica e progressiva – e permitindo maior qualidade de vida para o paciente,
que precisa fazer uma reabilitação pulmonar e receber oxigênio nos casos
mais graves.
Daí
a
previsão
pelos
especialistas
de
dois
tratamentos específicos para os portadores de DPOC (Doença Pulmonar
Obstrutiva Crônica): a) o farmacológico, consistente na disponibilização de
medicamentos
broncodilatadores
e
antiinflamatórios;
e
b)
o
não
farmacológico, consistente na reabilitação pulmonar, um programa
multiprofissional (médicos, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos) que visa
melhorar a capacidade física e otimizar os atos do doente para que tenha uma
independência social (o portador da doença tem dificuldade para respirar, agir
e se locomover), e na oxigenoterapia, que consiste no fornecimento artificial
de oxigênio, em tratamento ambulatorial ou hospitalar, por meio de cilindros de
oxigênio, concentradores de oxigênio, oxigênio líquido ou oxigênio portátil.
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Os
_______
broncodilatadores,
medicamentos
que
provocam a dilação dos brônquios, são a base do tratamento sintomático das
doenças pulmonares obstrutivas, e são divididos em dois grandes grupos,
ambos necessários para o tratamento da DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva
Crônica). Os de poucas horas de duração, aqueles que são usados para
resolver crises da falta de ar, são o salbutamol, o fenoterol, o terbutalino e o
ipratrópio (ou brometo de ipatrópio). Os de longa duração, aqueles utilizados
constantemente pelo doente como forma de “manutenção”, são o salmeterol,
formoterol e tiotrópio (ou brometo de tiotrópio). A literatura médica também
apresenta um último grupo de broncodilatadores, menos comuns mas por
vezes necessários, conhecido por metilxantinas, podendo ser de curta como
de longa duração, utilizadas quando os outros não são suficientes, que são as
aminofilina, talofilina e bamifilina.
Os
antiinflamatórios,
antiinflamatórios
corticóides ou simplesmente corticóides, medicamentos que servem para
combater a inflamação causada pela fumaça, também são subdivididos em
dois grupos. Os antiinflamatórios corticóides são usados nas exacerbações
por via oral por tempo curto, sendo prednisona e prednisolona os mais
utilizados. Para os pacientes estáveis, desde que graves e tenham duas
exacerbações anuais, são indicados os antiinflamatórios corticóides
inalatórios, como budesonida, fluticasona, beclometasona e triancinolona.
Analisado o tratamento farmacológico, passemos à
reabilitação pulmonar e à oxigenoterapia, tratamentos não farmacológicos que
também devem ser disponibilizados aos portadores de DPOC (Doença
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Pulmonar Obstrutiva Crônica).
A reabilitação pulmonar, que não se confunde
com mera fisioterapia pulmonar para pacientes internados em hospital, é um
verdadeiro programa organizado dirigido por profissionais de várias áreas
(médicos, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos) que visa reabilitar
globalmente o doente, com exercícios físicos, técnicas de conservação de
energia e de relaxamento, educação sobre a doença e seu tratamento
(inclusive a necessidade de cessação do tabagismo), avaliação e orientação
nutricional, fisioterápica e psicológica. O doente precisa reaprender a respirar
e a praticar atos simples como o de caminhar e o de gastar esforço físico em
alguma atividade, muitas vezes com o suplemento de oxigênio artificial (cf.
infra), para que possa viver com mais qualidade de vida e para que possa
readquirir o mínimo de independência social. A reabilitação pulmonar pode ser
dividida, assim, nos seguintes tópicos: 1) diagnóstico preciso da doença
primária
e
co-morbidades;
2)
tratamentos
nutricional,
fisioterápico
e
psicológico; 3) recondicionamento físico; 4) apoio psico-social; e 5) educação
do doente, que deve se adaptar às suas necessidades individuais para
otimizar a autonomia, o desempenho físico e o social.
É
importante
destacar
que
o
programa
de
reabilitação pulmonar promove uma mudança de vida no portador de DPOC
(Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica) fundamental em termos de economia
para a rede pública de saúde, na medida em que, além do uso dos
medicamentos, o doente passa a receber educação com complementação
nutricional e psicológica (cessação do tabagismo, com uma adequada
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alimentação e orientação psíquica para a sua conscientização) e reorientação
que lhe permite independência social (com mobilidade e capacidade de
esforço físico), evitando assim fases de agudização da patologia que
acabariam por exigir internações cada vez mais constantes e por períodos de
tempo mais longo e fornecimento cada vez mais freqüente de medicamentos e
oxigênio.
A
oxigenoterapia,
por
último,
consiste
na
suplementação de oxigênio através de fornecimento por aparelhos, tratamento
considerado pela literatura médica como o principal para melhorar a sobrevida
de pacientes hipoxêmicos portadores de DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva
Crônica). A falta de ar por vezes exige que o doente procure uma unidade de
saúde para receber a oxigenoterapia (seja com internação, em hipótese
hospitalar, seja com tratamento ambulatorial) e, em outras hipóteses, ele
precisa de oxigenoterapia domiciliar. Nos casos mais graves, há necessidade
constante de recebimento artificial de oxigênio pois, sem ele, o doente não
consegue se locomover ou realizar atos que exijam o mínimo de esforço físico,
podendo a falta constante do tratamento levá-lo ao óbito.
Os
sistemas
de
oxigenoterapia
conhecidos
atualmente podem assim se resumidos: a) cilindros de oxigênio, consistentes
em cilindros que armazenam o gás sob pressão e devem ser transportados até
a residência do doente; b) concentradores de oxigênio, que são máquinas que
separam o oxigênio do nitrogênio do ar ambiente pela ação de uma
substância, concentrando o oxigênio e o fornecendo por fluxos, e possuem um
motor e bateria, e que são de fácil transporte porque têm rodas nas bases; c)
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oxigênio líquido, armazenado em casa numa unidade matriz e que se
transforma na forma gasosa para utilização; e d) oxigênio portátil, armazenado
na forma gasosa sob pressão ou líquida em um pequeno cilindro de alumínio,
que permite ao paciente se deslocar com ele fora do domicílio.
Todos
os
tratamentos
acima
analisados
(farmacológico e não farmacológico), apesar de indicados com embasamento
científico pelos estudos internacionais (como, v.g., o já citado GOLD – Global
Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease) e há tempos recomendados
pelos médicos pneumologistas do Brasil, inclusive em consensos elaborados
após detalhada discussão entre os especialistas, como aqueles propostos pela
Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (aos autos do inquérito civil
foram juntados o estudo de 30 de julho de 2.001 intitulado apenas de “Doença
Pulmonar Obstrutiva Crônica”, a fls. 17/24, e o “II Consenso Brasileiro sobre
Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica – DPOC – 2.004” de novembro de 2.004,
publicado no “Jornal Brasileiro de Pneumologia” nº 30, suplemento 5, edição
de novembro de 2.004, a fls. 119), não são fornecidos pela rede pública de
saúde do SUS (Sistema Único de Saúde) de São Paulo.
A obrigação do atendimento integral aos portadores
de DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), porém, é do Estado e da
Prefeitura de São Paulo que, apesar da gravidade do problema de saúde
pública, têm demonstrado impressionante insensibilidade.
IV – DO DIREITO À ASSISTÊNCIA TERAPÊUTICA INTEGRAL, INCLUSIVE
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A FARMACÊUTICA
O SUS (Sistema Único de Saúde) estruturado pela
Constituição Federal de 1.988, afastando-se do sistema constitucional anterior
– que permitia, por meio da legislação infraconstitucional, limitar a assistência
terapêutica aos segurados da Previdência Social (art. 165, inciso XV, da Carta
Magna de 1.967) – consagrou a saúde pública como direito social de todos os
brasileiros (art. 6º), definindo a saúde como “direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação” (art. 196, C.F.).
Por considerar que, prestados diretamente pelos
órgãos públicos ou por particulares que se sujeitam a um controle do Poder
Público, as ações e serviços de saúde são em quaisquer circunstâncias “de
relevância pública” (art. 196, C.F.), a Carta Magna de 1.988 consagrou as
diretrizes
deste
sistema
único
que
forma
uma
rede
regionalizada,
hierarquizada e organizada, dentre eles, o do “atendimento integral, com
prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços
assistenciais” (art. 198, inciso II, C.F.).
Está no próprio corpo do texto constitucional,
portanto, o princípio do atendimento integral, seja ele assistência médica,
terapêutica ou farmacêutica, certamente um grande avanço na conquista dos
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direitos sociais dos brasileiros, neste caso, segundo o ensinamento dos
professores ANTÔNIO G. MOREIRA MAUÉS e SANDRO ALEX DE SOUZA
SIMÕES, com a imposição de “articulação e continuidade do conjunto das
ações e serviços preventivos e assistenciais ou curativos, em todos os níveis
do sistema (art. 7º, II, da Lei Orgânica da Saúde), em uma visão do indivíduo
como um ser humano integral, devendo o SUS “garantir o acesso a ações de
promoção, que buscam eliminar ou controlar as causas das doenças e
agravos, envolvendo ações também em outras áreas, como habitação, meio
ambiente, educação etc.; proteção, que visam a prevenção de riscos e
exposições às doenças, para manter o estado de saúde, incluindo ações de
saneamento básico, imunizações, ações coletivas e preventivas, vigilância à
saúde e sanitária etc; recuperação, que são as ações que evitam a morte de
pessoas doentes, bem como as seqüelas, atuando sobre os danos
(atendimento médico, tratamento e reabilitação para os doentes)” (in DIREITO
PÚBLICO SANITÁRIO CONSTITUCIONAL, publicado no “Curso de Extensão
a distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da
Magistratura Federal” do Ministério da Saúde, ed. 2.002, pp. 46/47, citando
Canotilho e Alexy).
Ainda
deixou
consignado
o
atual
texto
constitucional, a respeito disso, que “cuidar da saúde e assistência pública”
é “competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios” (art. 23, inciso II, C.F.).
Ao regulamentar as ações de saúde no Brasil, a Lei
nº 8.080 de 19 de setembro de 1.990, conhecida como Lei Orgânica da
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Saúde, estabeleceu ademais que a assistência terapêutica integral,
inclusive farmacêutica, está incluída no campo de atuação do Sistema Único
de Saúde. (art. 6º, inciso I, alínea “d”), afirmando que dentre os princípios da
rede pública de saúde está a “integralidade de assistência, entendida
como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e
curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os
níveis de complexidade do sistema” (art. 7º, inciso II, L.O.S.).
E fixou que compete à direção estadual do SUS
(Sistema Único de Saúde) “prestar apoio técnico e financeiro aos Municípios e
executar supletivamente ações e serviços de saúde”, bem como “identificar
estabelecimentos hospitalares de referência e gerir sistemas públicos de alta
complexidade, de referência estadual e regional” (art. 17, incisos III e IX,
L.O.S.), enquanto à direção municipal do SUS (Sistema Único de Saúde)
“planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir
e executar os serviços públicos de saúde” (art. 18, inciso I, L.O.S.).
Em termos de Estado de São Paulo, é preciso
observar ainda que, complementando a garantia do atendimento integral, a
Constituição do Estado de São Paulo estabeleceu que “O Poder Público
Estadual e Municipal garantirão o direito à saúde mediante: 1 – políticas
sociais, econômicas e ambientais que visem ao bem-estar físico, mental e
social do indivíduo e da coletividade e à redução do risco de doenças e outros
agravos; 2 – acesso universal e igualitário às ações e ao serviço de saúde,
em todos os níveis” e ainda “4 – atendimento integral do indivíduo,
abrangendo a promoção, preservação e recuperação de sua saúde” (art.
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219, parágrafo único); sendo certa a “gratuidade dos serviços prestados”
(art. 222, inciso V), como não poderia deixar de ser diante da sistemática
constitucional, e a “assistência integral à saúde, respeitadas as
necessidades específicas de todos dos segmentos da população” (art.
223, inciso I).
O Código Sanitário do Estado de São Paulo (Lei nº
10.083 de 23 de setembro de 1.998) e o Código de Saúde do Estado de São
Paulo (Lei Complementar nº 791 de 09 de março de 1.995) também trazem
regras para a efetivação do atendimento integral da população.
A Lei Orgânica do Município de São Paulo, por
outro lado, determinou que “o Município, com participação da comunidade,
garantirá o direito à saúde mediante”, dentre outras coisas, o “atendimento
integral
do
indivíduo,
abrangendo
a
promoção,
preservação
e
recuperação da saúde” (art. 213, inciso III).
Por fim, deve-se registrar a Lei de Política Estadual
de Medicamentos (Lei nº 10.938 de 19 de outubro de 2.001) que, ao
regulamentar de forma mais específica a assistência farmacêutica – que
definiu como “o conjunto de atividades inter-relacionadas, técnica e
cientificamente fundamentadas com critérios de eqüidade, qualidade, custo e
efetividade, integrados às ações de saúde para a promoção, a proteção, a
recuperação e a reabilitação, centradas nos cuidados farmacêuticos ao
paciente e à coletividade” (art. 1º, inciso X) – que deve ser integralmente
disponibilizada no Estado de São Paulo, especificou em seu art. 1º que “a
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Política Estadual de Medicamentos terá como objetivo desenvolver a
integralidade das ações de saúde, com base nos princípios estabelecidos na Lei
Complementar n. 791, de 9 de março de 1995 - Código de Saúde do Estado, e na Lei
n. 10.083, de 23 de setembro de 1998 - Código Sanitário do Estado”. Há referência,
no mesmo diploma legal, sobre o estabelecimento de decisões e ações que
visem assegurar o acesso universal e igualitário a medicamentos, nos termos
do parágrafo 8o, do art. 24, da Lei complementar nº. 791/1.995 que preceitua:
“As unidades básicas de saúde e os prontos-socorros públicos manterão em
funcionamento,
em
caráter
permanente,
serviço
de
farmácia
para
o
fornecimento gratuito de medicamentos aos pacientes neles atendidos” (inciso
I do art. 1o).
Dentre
os
princípios
para
a
política
de
medicamentos do Estado de São Paulo, outrossim, a Lei nº 10.938/01 firmou
“a formulação e a efetivação de um programa de assistência farmacêutica nos
serviços públicos de saúde, em colaboração com os Municípios, com a
participação de entidades civis organizadas e mediante critérios de natureza
epidemiológica” (art. 2º, inc. I); “a garantia de acesso universal e igualitário dos
usuários do Sistema Único de Saúde - SUS aos medicamentos essenciais e aos
medicamentos especiais e de alto custo, bem como aos demais medicamentos
(...)“ (inc. VI); e “a garantia de acesso a medicações específicas e cuidados
especiais de assistência farmacêutica ao idoso, ao portador de deficiência e a
outros grupos sociais vulneráveis, nos termos do artigo 17, inciso II, ‘a’, da Lei
Complementar n. 791/95” (inciso VII).
Toda a legislação que trata da matéria em exame,
portanto, aponta para a obrigação legal do Estado e do Município de São
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Paulo em garantir, de forma complementar, o atendimento integral aos
usuários
do
SUS
(Sistema
Único
de
Saúde)
que
procuram
seus
estabelecimentos, que deve incluir a disponibilização de atenção terapêutica e
o fornecimento de remédios regularmente prescritos quando constatada uma
doença ou necessária a sua prevenção, neste caso a DPOC (Doença
Pulmonar Obstrutiva Crônica, nos termos do item III, supra) que, a despeito de
sua relevância social, vem sendo ignorada pelos órgãos públicos, razão pela
qual torna-se necessária a intervenção do Poder Judiciário para que a ordem
jurídica seja respeitada.
V – DO PEDIDO
Em face do exposto, o Ministério Público do Estado
de São Paulo requer a citação do ESTADO DE SÃO PAULO (FAZENDA
PÚBLICA ESTADUAL DE SÃO PAULO), na pessoa do Excelentíssimo Sr.
Procurador Geral do Estado, e do MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (FAZENDA
PÚBLICA MUNICIPAL DE SÃO PAULO), na pessoa do Excelentíssimo Sr.
Procurador Geral do Município, para, querendo, contestar no prazo legal a
presente ação, sob pena de suportar os efeitos da revelia (art. 319, C.P.C.), a
qual deverá, ao final, ser julgada inteiramente procedente, para condenar o
Estado e o Município de São Paulo
a) à obrigação de fazer, no prazo de 30 (trinta) dias, consistente na
disponibilização permanente, sem interrupção, para uso em nível ambulatorial
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e hospitalar, aos pacientes portadores de DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva
Crônica) atendidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde), dos seguintes
medicamentos, além de outros que a medicina reconheça e que o Ministério
da Saúde autorize o registro e o uso, na exata conformidade com a prescrição
médica de cada um desses doentes:
a.1) os broncodilatadores de poucas horas de duração – salbutamol,
fenoterol,
terbutalino
e
ipratrópio
(ou
brometo
de
ipatrópio),
e
os
broncodilatadores de longa duração – salmeterol, formoterol e tiotrópio (ou
brometo de tiotrópio);
a.2) as metilxantinas, sejam de curta ou de longa duração – aminofilina,
talofilina e bamifilina.
a.3) os antiinflamatórios corticóides não inalatórios – prednisona e
prednisolona; e os antiinflamatórios corticóides inalatórios – budesonida,
fluticasona, beclometasona e triancinolona.
b) à obrigação de fazer, no prazo de 30 (trinta) dias, consistente na
realização de um cadastro das pessoas portadores de DPOC (Doença
Pulmonar Obstrutiva Crônica), considerando que se trata de uma doença
crônica e que os medicamentos são de uso continuado, a fim de que o Poder
Público possa fazer um controle epidemiológico da patologia;
c) à obrigação de fazer, no prazo de 30 (trinta) dias, consistente na
indicação dos endereços de dispensação dos medicamentos, que devem ser
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suficientes para atender a todas as regiões do Estado e do Município, com a
respectiva divulgação pública para conhecimento amplo e geral da população
médica e usuária;
d) à obrigação de fazer, no prazo de 30 (trinta) dias, consistente na
disponibilização permanente, sem interrupção, para uso em nível ambulatorial
e hospitalar, dos tratamentos de reabilitação pulmonar e oxigenoterapia,
como descritos no item nº III acima, além de outros que a medicina reconheça
e que o Ministério da Saúde autorize, aos portadores de DPOC (Doença
Pulmonar Obstrutiva Crônica), na exata conformidade com a prescrição
médica de cada um desses doentes,
sob pena de, nos termos do art. 11 da Lei nº 7.347
de 24 de julho de 1.995, pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco
mil reais) por dia de atraso no cumprimento da ordem judicial em relação a
cada paciente, quantia que deverá ser revertida para o fundo de reconstituição
dos interesses metaindividuais lesados, criado pelo art. 13 daquela lei, sem
prejuízo de outras providências tendentes ao cumprimento da ordem judicial.
VI – DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
A assistência e o atendimento de saúde, porque
guardam estreita relação com a manutenção da vida humana, são sempre
relevantes e urgentes. A urgência reclamada no caso em exame –
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fornecimento de remédios e disponibilização de reabilitação pulmonar e
oxigenoterapia a portadores de DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica),
cuja ausência leva à piora na qualidade de vida dos doentes e muitas vezes à
morte, bem como a realização do cadastro dos doentes e a indicação dos
endereços de dispensação dos remédios –, exige então concessão liminar da
antecipação dos efeitos da tutela pretendida, que o autor requer com base
no disposto nos arts. 273, inciso I, e 461 do Código de Processo Civil e art. 84,
§ 3º, do Código de Defesa do Consumidor.
Impõe-se
com
urgência
o
deferimento
da
antecipação dos efeitos da tutela neste caso, na medida em que a
procedência da pretensão apenas no final, após o trânsito em julgado da
sentença, poderá ser inócua para prevenir danos à saúde dos doentes, ou
mesmo para evitar a morte de vários deles. Esses doentes, portadores de
grave e crônica doença pulmonar que há muito vêm suportando sofrimentos,
devido à omissão do Poder Público que lhes nega, sob argumentos ilegais, o
atendimento integral e prioritário a que fazem jus por força de lei, não podem
mais aguardar (e os autos do inquérito civil, como se demonstrou acima,
sobretudo no item nº II “Dos Fatos”, estão repletos de prova de ausência do
atendimento integral, como relataram médicos especialistas, doentes e a
Associação Brasileira de Portadores de DPOC). Não é possível aquilatar o
alcance dos danos à saúde da população, podendo ser afirmado, porém,
que eles são grandiosos, dramáticos, presentes e contínuos, os quais
devem ser rapidamente afastados pelo Poder Judiciário.
Relevante é o fundamento da lide, pois se
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pretende, em última análise, a manutenção da vida e da saúde de milhares de
pessoas neste Estado e no município de São Paulo, e presentes estão os
requisitos do fumus boni juris, consubstanciado nos autos do inquérito civil que
instrui esta inicial, e periculum in mora, evidenciado pelo perigo na demora em
disponibilizar remédios e tratamentos a portadores de grave doença pulmonar
crônica.
Aguarda-se, portanto, a antecipação dos efeitos da
tutela, para que o Poder Público Estadual e Municipal sejam compelidos a
atuar desde agora – embora com lapso temporal para as devidas adequações
– conforme determina a lei, disponibilizando os medicamentos e os
tratamentos de reabilitação pulmonar e oxigenoterapia aos portadores de
DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), evitando-se assim danos
irreparáveis à sua saúde e a morte de inúmeras pessoas (morbidade e
mortalidade).
Para
finalizar
e
considerando
a
legislação
processual em vigor, requer o autor ainda que as intimações do Ministério
Público sejam realizadas pessoalmente, na rua Riachuelo, nº 115, 3º andar,
sala 335, Centro, São Paulo.
Protesta pela produção de provas, por todos os
meios admitidos em direito, sobretudo pela juntada de novos documentos e
perícias, além de oitiva de testemunhas e peritos, caso se faça necessário.
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Em virtude de expressa previsão legal não há que
se falar em custas processuais, tanto para o demandante quanto para os
demandados, e considerando a vedação constitucional de recebimento de
honorários advocatícios por parte do Ministério Público, deixa o autor de
postular nesse sentido.
Dá à causa, para os devidos fins, o valor de R$
10.000,00 (dez mil reais).
São Paulo, 02 de setembro de 2.005
REYNALDO MAPELLI JÚNIOR
Promotor de Justiça
JOSÉ PAULO FRANÇA PIVA
Promotor de Justiça
ANNA TROTTA YARYD
Promotora de Justiça
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