Revisões de Literatura / Bibliography Review Autofagia e sua relação com carcinoma de células escamosas oral Autophagy and its relationship with oral squamous cell carcinoma Marayza Alves Clementino Doutoranda – Programa de Pós-Graduação em Odontologia – Universidade Estadual da Paraíba – UEPB – Campina Grande – PB Hellen Bandeira de Pontes Santos Mestranda – Programa de Pós-Graduação em Odontologia – Universidade Estadual da Paraíba – UEPB – Campina Grande – PB- Brasil Simone Alves de Sousa Professora Doutora - Departamento de Clínica e Odontologia Social Universidade Federal da Paraíba - UFPB - João Pessoa – PB- Brasil Pollianna Muniz Alves Gustavo Pina Godoy Cassiano Francisco Weege Nonaka Professores Doutores – Programa de Pós-Graduação em Odontologia – Universidade Estadual da Paraíba – UEPB – Campina Grande – PB – Brasil RESUMO Introdução: Estudos apontam para a importância da autofagia na regulação do desenvolvimento e progressão de diversas neoplasias malignas, incluindo o carcinoma de células escamosas oral (CCEO), e na determinação da resposta à terapia anticâncer. Objetivo: Realizar uma revisão de literatura sobre o processo de autofagia e sua relação com CCEO. Métodos: Foi realizada a busca eletrônica de publicações nas bases de dados Web of Science, PubMed e Scopus, utilizando as seguintes palavras-chave, obtidas de acordo com o Medical Subject Headings (MeSH): câncer, câncer bucal, autofagia, proteínas relacionadas à autofagia e carcinoma de células escamosas oral. Os estudos foram divulgados no período de janeiro de 2001 a fevereiro de 2015. Conclusão: A autofagia é um processo que pode estar envolvido no desenvolvimento e progressão do CCEO. Os resultados apresentados pelos trabalhos existentes na literatura sobre o assunto são divergentes, ora sugerindo uma função pró-tumoral ora uma atividade antitumoral para a autofagia nos CCEOs. Palavras-chave: autofagia; carcinoma de células escamosas; neoplasias bucais. ABSTRACT Introduction: Studies highlight the importance of autophagy in the regulation of the development and progression of several malignancies, including the oral squamous cell carcinoma (OSCC), and in the determination of the response to the anticancer therapy. Objective: to perform a literature review on the process of autophagy and its relationship with OSCC. Methods: An electronic search of publications was performed in Web of Science, PubMed, and Scopus databases using the following keywords, obtained according to the Medical Subject Headings (MeSH): cancer, oral cancer, autophagy, autophagy-related proteins, and oral squamous cell carcinoma. The studies were published between January 2001 and February 2015. Conclusion: Autophagy is a process that may be involved in the development and progression of OSCC. The results of the studies in the literature on the subject are divergent: some of them suggest a protumor function, others suggest an anti-tumor activity for autophagy in OSCC. Keywords: autophagy; squamous cell carcinoma; oral neoplasms. FOL • Faculdade de Odontologia de Lins/Unimep • 25(2) 31-40 • jul.-dez. 2015 ISSN Impresso: 0104-7582 • ISSN Eletrônico: 2238-1236 31 Marayza Alves Clementino et al. Introdução O carcinoma de células escamosas representa aproximadamente 90% de todas as malignidades que acometem a cavidade oral. Esta neoplasia maligna apresenta uma maior prevalência em homens e está associada a vícios, como uso do fumo e álcool, má higiene bucal, fatores dietéticos e mastigação de betel.1 O tratamento do carcinoma de células escamosas oral (CCEO) inclui cirurgia, radioterapia, quimioterapia ou a combinação destas. Apesar dos avanços no tratamento do CCEO, a taxa de sobrevivência de cinco anos para esta lesão é consideravelmente menor do que para outras neoplasias malignas, como os cânceres de colo do útero e de mama.2 Além disso, ainda há uma falta de marcadores biológicos para a detecção precoce do CCEO e, em muitos casos, esta lesão apresenta resistência às drogas disponíveis para quimioterapia. Neste sentido, pesquisas têm sugerido que a análise dos perfis de expressão de moléculas-chave envolvidas nas vias de sobrevivência das células tumorais pode ter uma grande importância para o entendimento do comportamento biológico da lesão e para a determinação do prognóstico destes pacientes.3-5 Estudos apontam para a importância da autofagia na regulação do desenvolvimento e progressão de diversas neoplasias malignas, incluindo o CCEO, e na determinação da resposta à terapia anticâncer.3,4 A autofagia é um sistema de degradação intracelular em massa que desempenha várias funções fisiológicas, tais como desenvolvimento, diferenciação e manutenção de homeostasia celular.6 A autofagia é multifacetada e nem sempre constitui um mecanismo de proteção. Em tumores estabelecidos, a autofagia pode atender à elevada demanda de nutrientes de células neoplásicas em proliferação e pode permitir a sobrevivência da célula maligna à radioterapia, quimioterapia e terapia hormonal.7 Por outro lado, em decorrência de sua regulação positiva durante a interação entre células dendríticas e células T CD4+, influenciando a ativação das células T, a autofagia pode 32 estimular a imunidade antitumoral. Sendo assim, compreender o papel da autofagia no desenvolvimento e progressão do câncer pode contribuir para a melhoria dos paradigmas atuais do tratamento antineoplásico.8 Dessa forma, este trabalho tem como objetivo realizar uma revisão de literatura sobre o processo de autofagia, suas características gerais, as vias seletivas, proteínas relacionadas e seu papel em relação ao CCEO. Método Foi realizada a busca eletrônica de publicações nas bases de dados Web of Science, PubMed e Scopus utilizando-se as seguintes palavras-chave, obtidas de acordo com o Medical Subject Headings (MeSH): câncer, câncer bucal, autofagia, proteínas relacionadas à autofagia e carcinoma de células escamosas oral, usando o operador booleano “AND”. Foram adotados como critérios de inclusão dos estudos: a) artigo sobre a autofagia e as proteínas relacionadas com este processo, que tratasse de aspectos conceituais e/ou relacionados com a participação da autofagia no desenvolvimento/progressão do câncer e do CCEO, b) artigo divulgado no período de janeiro de 2001 a fevereiro de 2015 e c) artigo publicado na língua inglesa. Segundo os critérios de inclusão e exclusão, realizou-se então a seleção de 50 trabalhos. Após sua análise, 20 foram excluídos e, ao final, 30 artigos foram selecionados para o presente estudo (Figura 1). Revisão de literatura Características gerais da autofagia A palavra autofagia, com origem nos termos gregos auto (próprio) e fagia (comer), corresponde a um mecanismo intracelular catabólico, no qual as células degradam seus próprios componentes citoplasmáticos dentro de seus lisossomos. Neste processo, elas regulam seu volume e utilizam os produtos derivados desta degradação para sua sobrevivência.6 Durante o processo de autofagia, surge uma estrutura de membrana única, denominada FOL • Faculdade de Odontologia de Lins/Unimep • 25(2) 31-40 • jul.-dez. 2015 ISSN Impresso: 0104-7582 • ISSN Eletrônico: 2238-1236 Autofagia e sua relação com carcinoma de células escamosas oral Figura 1: Fluxograma com a estratégia de busca da revisão de literatura membrana de isolamento, que envolve porções do citoplasma e organelas até que ocorra a fusão das pontas de isolamento. Neste momento ocorre a formação do autofagossomo, uma estrutura esférica, de dupla membrana, com cerca de 1 µm de diâmetro. O autofagossomo funde-se com os lisossomos para degradar os conteúdos sequestrados e a membrana interna por meio de hidrolases lisossômicas. O tempo de vida destas estruturas é curto (meia vida de aproximadamente 8 minutos), em contraste com outras organelas celulares.9 Existem pelo menos três tipos de autofagia em células eucarióticas – macroautofagia, microautofagia e autofagia mediada por chaperona (AMC), que diferem quanto ao modo de entrega do material a ser catabolizado pelo lisossomo.10 O termo “autofagia” geralmente indica macroautofagia, que é caracterizada pela imersão do citoplasma e organelas em estruturas de dupla membrana, denominadas autofagossomos. O autofagossomo entrega o material a ser catalisado para os lisossomos.10 Por outro lado, na microautofagia, os componentes FOL • Faculdade de Odontologia de Lins/Unimep • 25(2) 31-40 • jul.-dez. 2015 ISSN Impresso: 0104-7582 • ISSN Eletrônico: 2238-1236 33 Marayza Alves Clementino et al. citosólicos podem ser levados diretamente para o lisossomo por meio de invaginação da membrana citoplasmática. A AMC, descrita apenas em mamíferos, é caracterizada pela entrega das proteínas de substrato para o lisossomo, por meio da proteína Hsp70, membro da família das proteínas de choque térmico de 70 quilodaltons, presente no citosol.11 Os aminoácidos, produtos finais da degradação de componentes citosólicos, podem ser reutilizados pela célula e atuam como reguladores de retroalimentação negativa para o processo de autofagia. A proteína alvo da rapamicina em mamíferos (mTOR) é uma molécula-chave em vias de sinalização de detecção de nutrientes, que participa na regulação da autofagia. A inibição da mTOR por rapamicina induz a autofagia mesmo em células que foram cultivadas na presença de aminoácidos.12 Além dos nutrientes, alguns hormônios também desempenham um papel no controle da autofagia. A insulina inibe o processo, enquanto glucagons estão relacionados à estimulação.9 Embora os sinais hormonais possam ser integrados à via mTOR, existe também a via dependente de proteína Akt, que regula a autofagia e é dependente de insulina, mas independente da rapamicina. Tais achados sugerem a existência de múltiplas vias de sinalização na regulação da autofagia.9 Proteínas relacionadas à autofagia A autofagia é um processo evolutivamente conservado e é coordenada finamente por um grupo de genes, denominado família ATG. As proteínas codificadas a partir destes genes são necessárias para o correto funcionamento das atividades específicas durante as etapas do processo autofágico.7 O processo de iniciação da autofagia envolve diversos membros da família de proteínas Atg, dentre elas: Atg6 (Beclina-1), Atg5 e Atg12. A formação do autofagossomo envolve um sistema de conjugação no qual a Atg12 é covalentemente ligada à Atg5 e direcionada à membrana do autofagossomo. Tal conjugação é mediada pelas enzimas Atg7 e Atg10. Além disso, a proteína Atg8 sofre lipidação por Atg7 e, em consequência, acopla-se à membrana do autofagossomo em formação.13 É importante salientar que outras proteínas são importantes na sinalização da autofagia, modulando o processo autofágico positiva ou negativamente12 (Figura 2). Figura 2: Maquinaria molecular envolvida na formação do autofagolisossomo. A Beclina-1 faz parte de um complexo fosfatidilinositol 3-quinases (PI3K) tipo III que inicia o processo de formação do autofagossomo. Dois sistemas semelhantes à ubiquitina são necessários para a formação da membrana de isolamento: (I) acoplamento de LC3 à fosfatidiletanolamina (PE) e (II) conjugação de Atg12 a Atg5 e Atg16L1. Os cinco aminoácidos C-terminais de LC3 (LC3-I não conjugado) são clivados pela proteína Atg4, fase necessária para ligar a proteína à PE, após a ativação por Atg7 e ligação por Atg3, na membrana autofagossômica (LC3-II conjugado). De forma similar, as proteínas Atg7 e Atg10 promovem a união de Atg12 às proteínas Atg5 e Atg16L1. Em seguida, este complexo é direcionado à membrana externa do autofagossomo em formação. Por fim, os autofagossomos fundem-se com os lisossomos para a degradação de seu conteúdo Fonte: Adaptado de Netea-Maier et al.14 34 FOL • Faculdade de Odontologia de Lins/Unimep • 25(2) 31-40 • jul.-dez. 2015 ISSN Impresso: 0104-7582 • ISSN Eletrônico: 2238-1236 Autofagia e sua relação com carcinoma de células escamosas oral A proteína mTOR é uma serina-treonina cinase presente em dois complexos proteicos citoplasmáticos: complexo mTOR insensível à rapamicina (proteínas mTOR, GβL e Rictor) e complexo mTOR sensível à rapamicina (proteínas mTOR, GβL e Raptor). A principal função da mTOR é atuar como sensor dos níveis de ATP e aminoácidos, a fim de coordenar o balanço e a disponibilidade de nutrientes e o crescimento celular.12 Quando a autofagia e a síntese proteica são ativadas, Akt fosforila a proteína mTOR no sítio de ativação Ser2448 e, a partir desta primeira fosforilação, mTOR realiza autofosforilação da Ser2481. Uma vez ativada, mTOR inibe o processo autofágico e ativa a proteína p70S6, uma cinase ativada por sinalização mitogênica requerida para o crescimento celular e passagem pela fase G1 do ciclo celular.15 Além da mTOR, estudos citam a participação da proteína cinase ativada por AMP (AMPK), que é um complexo heterotrimérico composto de uma unidade catalítica α e subunidades regulatórias β e γ. A AMPK é ativada sob condições de estresse de energia, baixos níveis de ATP intracelular e/ou durante a hipóxia e a privação de nutrientes. Esta proteína responde ao estresse energético suprimindo o crescimento celular e processos biossintéticos por meio da inibição da via mTOR sensível à rapamicina. A AMPK atua na fosforilação dos produtos proteicos do gene supressor tumoral TSC2 que, por sua vez, atuam na supressão de mTOR, induzindo o processo autofágico.16 Outra proteína relacionada à autofagia é a p53, que possui papel de supressora tumoral, exercendo funções no reparo do DNA e na parada do ciclo celular, bem como na indução à apoptose e à senescência.17 O primeiro estudo a sugerir uma relação desta proteína com a modulação da autofagia foi realizado por Feng et al.17 Este trabalho demonstrou que a ativação da p53 desencadeia uma resposta semelhante à privação de nutrientes, como a ativação de AMPK e subsequente inativação dos genes TSC1, TSC2 e mTOR. Membros da família de proteínas BH3, que abrange componentes com atividades pró-apoptóticas e antiapoptóticas, têm sido sugeridos como importantes moléculas capazes de modular o processo de autofagia. Neste contexto, merece destaque a proteína Bcl-2. Pesquisas têm revelado que esta molécula antiapoptótica exerce um importante papel como inibidora da autofagia, ligandose diretamente à Beclina-1 e impedindo sua ação pró-autofágica. Isto poderá ocorrer quando a Bcl-2 estiver presente no retículo endoplasmático, pois sabe-se que esta organela é o maior reservatório de cálcio celular, responsável pela síntese de lipídios por modificações pós-transducionais e pelo enovelamento de proteínas e, por estes motivos, pode estar associado a uma maior ocorrência de estresse oxidativo.18 A cadeia leve 3 da proteína 1 associada a microtúbulos, conhecida como proteína LC3, está presente no meio celular em duas formas: LC3I (citosólica) e LC3II (ligada ao autofagossomo durante a autofagia).19 A expressão da LC3II como um potencial marcador de autofagia tem sido bastante investigada. No entanto, a expressão de LC3II não é aumentada significativamente em um fluxo equilibrado de autofagia.19 Autofagia e câncer Nos modelos experimentais de autofagia deficiente, os tumores crescem mais rapidamente, e este crescimento é ainda maior por defeitos na apoptose.6 Estas evidências sugerem que a autofagia é um mecanismo supressor de tumor e que, em contrapartida, a redução dos níveis autofágicos poderia promover a tumorigênese. Além disso, a autofagia é regulada negativamente pelas vias fosfatidilinositol 3-cinase (PI3K)/Akt/mTOR e o desenvolvimento neoplásico é frequentemente iniciado através de mutações que aumentam a sinalização por essas vias.6 Os mecanismos pelos quais a autofagia é capaz de inibir a tumorigênese envolvem a diminuição da capacidade de reduzir os danos celulares, a diminuição da instabilidade genômica e a diminuição do estresse FOL • Faculdade de Odontologia de Lins/Unimep • 25(2) 31-40 • jul.-dez. 2015 ISSN Impresso: 0104-7582 • ISSN Eletrônico: 2238-1236 35 Marayza Alves Clementino et al. oxidativo, bem como a eliminação de proteínas e organelas danificadas e a estimulação da senescência induzida pela oncogênese. Por outro lado, ao inibir o processo de apoptose induzido pela falta de interações corretas entre as células neoplásicas e a matriz extracelular, estudos sugerem que a autofagia pode contribuir para a tumorigênese e o desenvolvimento de metástases.7 A autofagia mantém a sobrevivência de células tumorais em resposta ao estresse metabólico, com exceção dos processos de necrose e inflamação, especialmente quando a apoptose está inibida. A autofagia diminui a massa mitocondrial por mitofagia (degradação mitocondrial por autofagia) e reduz a susceptibilidade das células à apoptose por estímulos mitocondriais.20 Assim, pode-se propor que as células tumorais induzem a autofagia para sobreviver ao estresse metabólico no microambiente tumoral e para evitar a apoptose induzida por terapia. Por outro lado, também foi sugerido que a autofagia poderia funcionar como um mecanismo de morte celular, especialmente em células com defeitos na apoptose. A autofagia pode apresentar efeitos diferenciados, dependendo do tipo de célula ou alteração genética associada, caracterizando-se como um processo multifacetado.21 Autofagia e carcinoma de células escamosas oral O CCEO constitui um problema crítico de saúde em todo o mundo.1 Naqueles casos em que não é possível a realização de ampla ressecção do tumor, a quimioterapia tradicional tem sido utilizada. Todavia, ela pode não atender às exigências em terapia clínica, uma vez que o CCEO pode não responder aos atuais agentes quimioterápicos em virtude da resistência a múltiplas drogas (RMD) das células tumorais.22 Neste sentido, a inibição da autofagia poderia constituir-se em uma nova estratégia potencial para reduzir a possibilidade de RMD em CCEOs. 36 Em geral, quando há baixa disponibilidade de fatores nutricionais e de crescimento, a autofagia é ativada e contribui para a manutenção da homeostase, por meio da degradação de macromoléculas e organelas danificadas ou desnecessárias, levando ao fornecimento de energia para as células neoplásicas malignas. A autofagia geralmente serve como um mecanismo de proteção para as células tumorais expostas aos fármacos antineoplásicos.23 Estudos mais recentes investigaram a expressão de proteínas da família Atg em CCEO. Kapoor et al.3 investigaram a correlação da expressão de Beclina-1, tanto no soro como no próprio tumor, com características clínico-patológicas de pacientes com CCEO. A expressão do RNAm da Beclina-1 foi avaliada em tumores e áreas normais de espécimes cirúrgicos de 10 pacientes com CCEO por reação em cadeia da polimerase (PCR) em tempo real. A expressão do RNAm da Beclina-1 foi aproximadamente oito vezes mais baixa nos tumores em comparação com o tecido normal (p < 0,001). Os níveis séricos de Beclina-1 foram avaliados por ELISA e ressonância de plasma de superfície (SPR). Os resultados demostraram que a baixa expressão da Beclina-1 pode desempenhar um papel importante no desenvolvimento e progressão do CCEO, possivelmente pela desregulação da autofagia nas células tumorais. A proteína LC3, essencial para a formação do autofagossomo e indicador de atividade autofágica, foi avaliada por imunohistoquímica em 90 casos de CCEO.24 Na análise univariada, os autores encontraram correlação significativamente positiva entre a alta expressão desta proteína (n = 57; 63,3%) e estádio clínico (p < 0,0001), tamanho do tumor (p < 0,0001), envolvimento linfonodal (p = 0,0003) e maior risco de morte (p < 0,0002). Além disso, após análise multivariada, a superexpressão da LC3 foi estatisticamente associada a menores taxas de sobrevida (p = 0,0043). Para os autores, a alta expressão de LC3 pode ser um indicador de mau prognóstico em CCEO. FOL • Faculdade de Odontologia de Lins/Unimep • 25(2) 31-40 • jul.-dez. 2015 ISSN Impresso: 0104-7582 • ISSN Eletrônico: 2238-1236 Autofagia e sua relação com carcinoma de células escamosas oral Tang et al.4 avaliaram a expressão da proteína relacionada à autofagia 16 do tipo 1 (ATG16L1) em casos de CCEO e verificaram sua associação com parâmetros clínicopatológicos. Por meio da imuno-histoquímica, foi observada associação da alta expressão desta proteína pelas células neoplásicas com o maior tamanho dos tumores (p = 0,031), metástase linfonodal regional (p = 0,004), estadiamento clínico avançado (p = 0,001) e grau histopatológico de malignidade (p = 0,038). Adicionalmente, por meio da análise de Kaplan Meier, verificou-se que a superexpressão de ATG16L1 afetou significativamente a sobrevida global (p = 0,020) e o tempo de recorrência (p = 0,031). Dessa forma, os autores sugeriram que a expressão de ATG16L1 pode ser utilizada como um biomarcador preditivo de fenótipo mais agressivo em CCEOs. Nomura et al.25 também investigaram a expressão da proteína ATG16L1 em mucosa oral normal, lesões potencialmente malignas e CCEOs. A mucosa oral normal exibiu baixos níveis de imunoexpressão de ATG16L1, ao passo que as lesões potencialmente malignas e os CCEOs apresentaram uma forte expressão desta proteína, tanto em células epiteliais como em células estromais. Além disso, foi observada uma associação significativa da alta expressão de ATG16L1 no estroma tumoral com a invasão linfovascular e a presença de metástase linfonodal. Para os autores, a desregulação da ATG16L1 é um evento frequente e precoce durante a carcinogênese oral e poderia afetar o comportamento biológico dos CCEOs. Weng et al.26 investigaram o papel da Beclina-1 na progressão do carcinoma de células escamosas de língua (CCEL). A expressão de Beclina-1 foi detectada com PCR quantitativo e Western Blot, por meio do estudo com linhagens celulares de CCEL. Os autores observaram que a expressão de Beclina-1 poderia aumentar os níveis de expressão de LC3II, Atg4 e Atg5. Além disso, esse estudo mostrou que a alta expressão de Beclina-1 inibiu a proliferação, migração e invasão das células malignas, enquanto que a baixa expressão promoveu efeitos contrários. Para os autores, a Beclina-1 pode contribuir para fenótipos malignos em linhagens celulares de CCEL, podendo ser um alvo potencial para a terapia gênica no câncer oral. Recentemente, por meio de imunohistoquímica, Sakakura et al.5 avaliaram a relação da expressão de proteínas relacionadas à autofagia (LC3, Beclina-1 e p62/ SQTM1) com a infiltração de células inflamatórias e com diversos parâmetros clínico-patológicos em 74 casos de CCEO. A expressão de LC3 e p62/ SQTM1 na região de front invasivo foi fortemente correlacionada com a infiltração de células T, enquanto que a expressão de p62/ SQTM1 e Beclina-1 foi correlacionada com moléculas MHC de classe I e de classe II, respectivamente. Adicionalmente, os autores observaram uma forte relação da expressão de LC3 pelas células tumorais na região mais invasiva do tumor com parâmetros clínicos desfavoráveis. Para os autores, a correlação observada entre a expressão de LC3 e p62/ SQTM1 e a infiltração de células T sugere que o processo de autofagia pode induzir a mobilização das células do sistema imune para o tumor. Discussão A desregulação da autofagia já foi identificada em diversas neoplasias malignas. No entanto, o papel deste mecanismo intracelular catabólico, que pode tanto promover a morte quanto a sobrevivência celular, ainda não é completamente compreendido nestas lesões.3,4,20,21,24 Apesar de promissor, o estudo da autofagia em CCEO aplicada à terapia desta neoplasia maligna permanece em seus estágios iniciais. Alguns estudos avaliaram a expressão imuno-histoquímica de proteínas relacionadas à autofagia em CCEO, tais como LC3, Beclina-1 e p62.3,5,24,26,27 No entanto, os resultados apresentados são controversos. Kapoor et al.,3 Tang et al.,4 Tang et al.,2 Weng et al.26 e Sakakura et al.5 mostraram que a alta expressão destas proteínas pelas células tumorais está FOL • Faculdade de Odontologia de Lins/Unimep • 25(2) 31-40 • jul.-dez. 2015 ISSN Impresso: 0104-7582 • ISSN Eletrônico: 2238-1236 37 Marayza Alves Clementino et al. correlacionada com parâmetros clínicos desfavoráveis, como menor tempo de sobrevida e recidiva do CCEO. Em contrapartida, Wang et al.27 encontraram associação estatisticamente significativa entre a baixa expressão de Beclina-1 e o maior tamanho dos tumores, estágios clínicos mais avançados e menor grau de diferenciação celular em CCEL. Em conjunto, tais achados sugerem que a desregulação da atividade autofágica pode desempenhar um papel importante no processo de progressão tumoral em CCEOs. Outros resultados conflitantes têm sido evidenciados em estudos realizados com o objetivo de analisar possíveis relações entre a expressão de Beclina-1, um importante mediador da autofagia, e o prognóstico em CCEO. Tang et al.28 encontraram associação estatisticamente significativa da expressão de Beclina-1 com o grau de malignidade do tumor e a metástase linfonodal regional em casos de CCEO. Em contrapartida, Kapoor et al.3 não encontraram correlações entre os níveis séricos de Beclina-1 e parâmetros clínicos, como estágio clínico, envolvimento linfonodal e tamanho do tumor. Todavia, os autores não descartam a possibilidade de a Beclina-1 estar envolvida no desenvolvimento e na progressão do CCEO. As divergências entre os resultados das pesquisas descritas anteriormente podem estar relacionadas a diferenças metodológicas, como a região tumoral avaliada. Os tumores malignos são caracterizados como lesões estruturalmente heterogêneas, especialmente quando comparadas às regiões do cório e do front invasivo. Sakakura et al.5 não observaram diferenças significativas na expressão de proteínas relacionadas à autofagia entre o centro e front invasivo em casos de CCEO. Por outro lado, relataram que os resultados mais importantes foram obtidos na região de front invasivo. Estes autores encontraram uma forte associação da expressão da proteína LC3 pelas células tumorais do front invasivo com a alta expressão de Ki-67, com fatores prognósticos desfavoráveis, como estágios clínicos mais avançados e maior tamanho dos 38 tumores, e com menores índices de sobrevida global. Outros autores sugerem que a ATG16L1, uma proteína essencial para a formação do autofagossomo, pode ser usada como um marcador preditivo do comportamento biológico mais agressivo em casos de CCEO.4,25 Tang et al.4 encontraram associação entre a alta expressão da ATG16L1 e estádios clínicos mais avançados, maior tamanho dos tumores, presença de metástase linfonodal regional, menor tempo de sobrevida e maiores taxas de recorrência. De forma similar, Nomura et al.25 encontraram associação estatisticamente significativa entre a alta expressão de ATG16L1 no estroma tumoral, a invasão linfovascular e a presença de metástase linfonodal em casos de CCEO. Avanços recentes sobre a compreensão dos processos moleculares que contribuem para a autofagia têm fornecido uma maior percepção sobre a relação deste processo com a apoptose. Evidências têm sugerido que a autofagia apresenta um papel citoprotetor em condições fisiologicamente relevantes.29 Tal condição é mediada, em muitas circunstâncias, pela modulação negativa da apoptose. A despeito desses achados, Jiang et al.29 estimularam a autofagia por meio do esgotamento de nutrientes em linhagens celulares de CCEO e mensuraram este processo por meio da avaliação dos níveis de Beclina-1, LC3, p62 e GFP-LC3. Após ensaio de viabilidade celular, citometria de fluxo e Western Blot, os autores encontraram uma correlação negativa entre a autofagia e a apoptose, ou seja, quando os índices autofágicos diminuíam, os valores referentes à apoptose e à morte celular aumentavam. Para os autores, os inibidores de autofagia devem ser investigados como um novo agente terapêutico para o tratamento adjuvante do CCEO. Contudo, com base nos estudos existentes, ainda não é possível afirmar que o esgotamento de nutrientes a fim de estimular a autofagia será uma estratégia antineoplásica útil para o CCEO. Em carcinomas metastáticos de pele, verificou-se que tal estratégia depende FOL • Faculdade de Odontologia de Lins/Unimep • 25(2) 31-40 • jul.-dez. 2015 ISSN Impresso: 0104-7582 • ISSN Eletrônico: 2238-1236 Autofagia e sua relação com carcinoma de células escamosas oral primeiramente da existência de um limiar entre a morte celular e a autofagia. Além disso, o sucesso da erradicação das células neoplásicas malignas pela estimulação da autofagia exigirá que o limiar da morte celular/ autofagia seja ultrapassado. Uma estratégia de quimioterapia que estimule a autofagia pode ser mais adequada para os tumores com um limiar baixo de morte celular/autofagia.30 Em contrapartida, a inibição da autofagia tem sido apresentada como um caminho promissor para a erradicação das células neoplásicas malignas. Aumentos dos níveis de autofagia são quase sempre observados como consequência do tratamento anticâncer e são estudados por serem associados com resistência às drogas antineoplásicas.23 Devese reconhecer, no entanto, que a supressão crônica de autofagia pode estimular a tumorigênese por promover o acúmulo de danos induzidos por espécies reativas de oxigênio e a instabilidade genômica.7 Conclusão A autofagia é um processo que pode estar envolvido no desenvolvimento e progressão do CCEO. Os resultados apresentados pelos trabalhos existentes na literatura sobre o assunto são divergentes, ora sugerindo uma função prótumoral ora uma atividade antitumoral para a autofagia nos CCEOs. Dessa forma, pesquisas ainda são necessárias para esclarecer o papel da autofagia nos CCEOs e verificar se a modulação deste processo intracelular catabólico pode constituir uma estratégia terapêutica alternativa para estas lesões. Referências 1. Shukla D, Dinesh Kale A, Hallikerimath S, Vivekanandhan S, Venkatakanthaiah Y. Genetic polymorphism of drug metabolizing enzymes (GSTM1 and CYP1A1) as risk factors for oral premalignant lesions and oral cancer. Biomed Pap Med Fac Univ Palacky Olomouc Czech Repub. 2012; 156(3): 253-9. 2. Yu FS, Yu CS, Chen JC, Yang JL, Lu HF, Chang SJ, et al. Tetrandrine induces apoptosis via caspase-8, -9, and -3 and poly (ADP ribose) polymerase dependent pathways and autophagy through beclin-1/ LC3-I, II signaling pathways in human oral cancer HSC-3 cells. Environ Toxicol. 2014. doi: 10.1002/tox.22053 [Epub ahead of print] 3. Kapoor V, Paliwal D, Baskar Singh S, Mohanti BK, Das SN. 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