Filosofia Geral - Prof. Fábio Shecaira

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Filosofia Geral
Prof. Fábio Shecaira
fabioshecaira.wikispaces.com
Introdução
Etimologicamente, “filosofia” significa
amor pelo saber.
Nesse sentido (amplo) todo intelectual é
um filósofo.
“Ph.D.”
“D. Phil.”
Introdução
Sentido mais estreito e atual de “filosofia”:
Atividade intelectual que reflete sobre
aquilo que outras atividades intelectuais
tomam como pressuposto.
Introdução
Juristas estudam o conteúdo do direito e
discutem como aplicá-lo a casos concretos.
O que diz o CP acerca do aborto?
Como se aplica o CP ao caso do anencéfalo?
O que diz o CC sobre biografias não
autorizadas?
Introdução
Filósofos do direito dão um passo atrás e
perguntam:
O que é o direito?
Por que é que os Códigos fazem parte dele?
Temos a obrigação de obedecer os Códigos
em todos os casos?
Introdução
A: A interrupção da gravidez é permitida
em caso de anencefalia
B: Como você sabe disso?
A: Há uma resolução do CFM que assim
determina.
B: Quem deu esse tipo de autoridade ao
CFM?
Introdução
A: Há legislação federal que o autoriza para
regular assuntos relativos à ética médica.
B: Mas a interrupção da gravidez não é
regulada por lei específica?
A: Sim, mas a lei não proíbe a interrupção
desse tipo de gravidez.
B: O CP não proíbe o aborto?
Introdução
A: Sim, mas o STF determinou que não é
aborto a interrupção da gestação do
anencéfalo.
B: Quem deu essa autoridade ao STF?
A: A Constituição! Ela admite o controle
de constitucionalidade pelo judiciário.
B: E de onde vem a autoridade da CF?
Introdução
Por que questionar pressupostos?
Por que fazer filosofia?
Qual é a utilidade da filosofia?
Introdução
Três respostas:
1. Faz-se filosofia por prazer, ou para satisfazer a curiosidade intelectual
(arte, música, literatura, matemática pura ou física
teórica)
2. A filosofia inspira humildade intelectual
Introdução
3. A filosofia tem implicações práticas que
nem sempre são facilmente percebidas
De onde vem a autoridade da CF?
Introdução
Método em filosofia?
A filosofia emprega um método científico ou um método matemático?
Introdução
Ciências naturais e sociais são disciplinas
“empíricas”.
Isto é, baseadas na experiência, na
observação de fenômenos naturais e
sociais.
Predomina o raciocínio indutivo.
Introdução
Ciências matemáticas empregam métodos
formais (simbólicos) de prova.
Predomina o raciocínio dedutivo.
Introdução
E a filosofia?
Não faz experimentos. Não analisa dados
estatísticos.
Mas também não ignora as descobertas
científicas.
Introdução
Não usa símbolos. Não apresenta “provas”
no sentido estrito da palavra.
(À exceção da lógica formal.)
Mas usa, na medida do possível, o
raciocínio dedutivo.
Introdução
Sto. Anselmo:
1. Deus é o ser mais perfeito que há. Ele tem
todos os atributos positivos que se pode ter.
2. A existência é um atributo positivo, isto é, um
ser que não existe é inferior a um ser que existe.
Logo,
3. Deus existe.
Introdução
Tomás de Aquino:
1. O universo exibe ordem e harmonia.
2. A ordem e a harmonia são produtos de
alguma mente inteligente.
Logo,
3. O universo é produto de uma mente
inteligente.
Introdução
Principais ramos da filosofia.
Filosofia prática: trata de como devemos agir, de
como devemos tratar os outros.
Filosofia teórica: trata de questões que não têm
consequências diretas para a nossa ação, questões
mais contemplativas.
Introdução
E a filosofia do direito?
Filosofia “analítica” do direito & filosofia prática do
direito.
Exemplos:
O que é um sistema jurídico?
Como deve agir o juiz que se depara com normas
injustas no seu sistema jurídico?
Próxima aula: Lógica (ou teoria da argumentação)
Texto: pdf no site.
Questões:
- O que é argumentar?
- Como se padroniza um argumento?
- Qual é a diferença entre um argumento dedutivo e
um argumento indutivo?
- O que é uma falácia?
Aula 1 – Revisão
- O que é a filosofia?
Disciplina que reflete sobre os pressupostos de
outras disciplinas
- Qual é o método da filosofia?
Não é experimental (mas está atenta a descobertas
científicas); exibe uma certa preferência por
argumentos dedutivos
- Qual é a utilidade da filosofia?
- Quais são os ramos da filosofia?
Lógica
Lógica formal (simbólica, matemática)
vs
Lógica informal
Lógica
Argumentar é oferecer razões em defesa de uma
conclusão...
... normalmente com o objetivo de convencer um
interlocutor.
Lógica
Lógica
A distinção é feita em função do tipo de conclusão
defendida.
Lógica
Argumentação teórica: feita em defesa de
conclusões teóricas.
Também ditas descritivas ou fáticas.
Ex: chove lá fora; morreram 6 milhões no
Holocausto; o universo está em expansão.
Lógica
Argumentação prática: feita em defesa de
conclusões práticas.
Também chamadas prescritivas, normativas.
Ex: é melhor levar um guarda-chuva; devemos
reduzir as emissões de CO2; o racismo é deplorável; o controle de constitucionalidade é antidemocrático.
Lógica
Nem toda afirmação é facilmente classificada fora
de contexto:
Houve em 1964 um golpe de estado; Madre Teresa
foi uma mulher de muita fé.
Lógica
Argumentos nem sempre são claros.
“Padronização” de argumentos.
Lógica
Numa de suas aventuras, Sherlock Holmes encontra
um velho chapéu de feltro. Embora não conheça o
proprietário, Holmes conta a Watson muita coisa a
seu respeito – afirmando, por exemplo, que se trata
de um intelectual. O Dr. Watson, como de hábito,
pede que Holmes o esclareça.
Lógica
À guisa de resposta, Holmes coloca o chapéu sobre
a cabeça. O chapéu resvala pela sua testa até
apoiar-se no seu nariz. “É uma questão de volume”,
diz Holmes. “Um homem com uma cabeça tão
grande deve ter algo dentro dela”.
Lógica
Padronização do argumento :
1. Há um chapéu grande que tem algum dono
2. Donos de grandes chapéus são cabeçudos
3. Pessoas cabeçudas têm cérebros grandes
4. Pessoas com cérebros grandes são
intelectuais
Logo,
5. O proprietário do chapéu é um intelectual
Lógica
1 a 4 são “premissas” (apresentam razões em
defesa da conclusão)
5 é a conclusão
Lógica
O que fizemos com o argumento original de
Holmes?
(a) Invertemos a ordem “conclusão-premissa”
(b) Explicitamos premissas que Holmes não
formulou
(c) Reformulamos algumas premissas para
esclarecê-las
Lógica
... (d) cuidamos para não distorcer as ideias do
próprio Holmes; não tentamos tornar o argumento
nem mais forte nem mais fraco.
Lógica
Diz um cientista : “Realizei um experimento rigoroso
com ratos no nosso laboratório para determinar os
efeitos de uma nova substância que promete
combater a queda de cabelos. Verifiquei que a
substância provoca nos ratos alguns efeitos
indesejáveis, como a significativa perda de peso.
Lógica
Homens e mulheres ainda não foram tratados com
essa subtância, mas temo que também sofram
perda de peso. Afinal, o organismo humano
costuma reagir a substâncias dessa natureza da
mesma maneira que o organismo dos ratos. Os
ratos não são mais sensíveis do que nós a essas
drogas. Sua aparente fragilidade é enganosa.”
Lógica
Padronização:
1. Ratos perdem peso quando tratados com a
substância X, contra a queda de cabelos.
2. Humanos têm reações fisiológicas similares às
dos ratos quando usam substâncias desse tipo.
Logo,
3. Há risco de que humanos percam peso se
tratados com X.
Lógica
O que fizemos com o argumento original?
(a) Reorganizmos a ordem das premissas e da
conclusão
(b) Eliminamos informações supérfluas
Lógica
... (c) cuidamos para não distorcer as ideias do
cientista; não tentamos tornar o argumento nem
mais forte nem mais fraco.
Lógica
Argumento simples: conjunto de afirmações
composto por uma ou mais premissas e uma
conclusão.
Argumento complexo: conjunto de argumen-tos
simples relacionados.
Lógica
Argumento complexo convergente.
Razões independentes são oferecidas em defesa da
mesma conclusão.
Lógica
“Há pelo menos duas razões para crer que estudar
direito é uma boa ideia: o bacharel em direito tem
muitas oportunidades de emprego e o bacharel em
direito goza de prestígio social.”
Lógica
1. O bacharel em direito tem muitas
oportunidades de emprego
2. O bacharel em direito goza de prestígio social
Logo,
3. Estudar direito é uma boa ideia
Lógica
Lógica
Argumento complexo encadeado.
A conclusão de um argumento simples funciona
como premissa de um argumento simples
subsequente.
Lógica
“Comidas gordurosas fazem mal à saúde e,
portanto, devem ser evitadas. Feijoada é gordurosa;
logo, devemos evitá-la.”
Lógica
1. Comidas gordurosas fazem mal à saude
Logo,
2. Devemos evitar comidas gordurosas
3. Feijoada é uma comida gordurosa
Logo,
4. Devemos evitar feijoada.
1. Bruxas pegam fogo
2. Madeira pega fogo
3. Bruxas são feitas de madeira
4. Madeira flutua na água
5. Patos flutuam na água
6. Se uma pessoa tiver o peso de um pato, ela é feita de
madeira
7. Se a mulher diante de nós tiver o peso de um pato, ela é
feita de madeira (deriva de 6)
8. Se ela é feita de madeira, então ela é uma bruxa (deriva de 3)
9. Ela pesa o mesmo que um pato
10. Ela é uma bruxa
Lógica
Argumentos dedutivos
vs
Argumentos indutivos
Lógica
Argumentos dedutivos – argumentos que
pretendem ser dedutivamente válidos.
É dedutivamente válido o argumento que satifaz
esta condição:
Se as premissas forem verdadeiras então a
conclusão necessariamente será verdadeira.
Lógica
Todo homem é mortal
Sócrates é homem
Socrátes é mortal
Quem mata deve ser preso
João matou
João deve ser preso
Lógica
Todo homem é mortal
César é mortal
César é homem
Lógica
Do geral para o particular?
Se Holmes mora em Londres, então Holmes mora na
Inglaterra
Holmes mora em Londres
Holmes mora na Inglaterra
Ou é quarta ou é terça
Não é terça
É quarta
Lógica
As premissas precisam ser verdadeiras para que
um argumento seja dedutivamente válido?
Todo homem é cego
Sócrates é homem
Socrátes é cego
Lógica
Argumentos indutivos – argumentos que
pretendem ser indutivamente válidos (ou fortes).
É indutivamente válido (ou forte) o argumento que
satifaz essa condição:
Se as premissas forem verdadeiras então a
conclusão provavelmente será verdadeira.
Lógica
Todos os cisnes observados até hoje são brancos
Todos os cisnes são brancos
Ratos de laborário não reagem bem a X
Humanos são fisiologicamente parecidos com ratos
de laboratório_____
Humanos não reagirão bem a X
Lógica
Do particular para o geral?
Galos têm cantado todos os dias
Amanhã o meu galo cantará
Lógica
Premissas verdadeiras?
Galos têm cantado o hino todos os dias
Amanhã o meu galo cantará o hino nacional
Lógica
Falácias: argumentos (dedutivos ou induti-vos)
inválidos que tendem a convencer as pessoas.
Lógica
Argumento ad hominem
Critica-se o autor da afirmação, não a afirma-ção
em si ou as evidências apresentadas.
Lógica
Não confio nas políticas econômicas do François
Hollande. Afinal, ele é mulherengo.
Não confio no testumunho do José. Afinal, ele é um
bêbado.
Lógica
Apelo à autoridade
Acredita-se em uma afirmação por causa da
reputação do seu autor, não pela força do seu
argumento.
Lógica
Você corre o risco de morrer cedo se continuar
fumando. Os médicos dizem isso.
A desigualdade social deve ser combatida por meio
de programas de redistribuição de renda. É assim
que pensa meu professor de Filosofia Geral.
Lógica
Falácia post hoc ergo propter hoc
Diz-se que X é causa de Y só porque X antecede Y.
Lógica
Há mais celulares hoje do que há 20 anos. Também
há mais pessoas morrendo de câncer agora do que
há 20 anos. Usar celulares causa câncer.
Lógica
Há mais pessoas dirigindo carros hoje do que há 20
anos, mas também há mais pessoas morrendo de
câncer agora do que há 20 anos. Dirigir carros causa
câncer.
Lógica
Falácia da generalização apressada.
Conclui-se algo a respeito de toda uma classe com
base na observação de um número muito limitado
de membros da classe.
Lógica
Falácia da ambiguidade
A aparente validade do argumento depende da
mudança de sentido de algum termo que nele
figura.
Lógica
O fim de uma coisa é sua perfeição.
A morte é o fim da vida.
Portanto,
A morte é a perfeição da vida.
Aula 2 – Revisão
- Argumentação – ato de oferecer razões em defesa de
uma tese (teórica ou prática)
- Padronização de argumentos
- Argumentos simples e complexos (convergentes e
encadeados)
- Validade dedutiva vs. Validade indutiva
- Falácias
Lógica
Falácia naturalista
Argumento que viola a “Lei de Hume” – a lei que diz
não se pode derivar um “dever-ser” de um “ser”
Ou seja, uma argumento com conclusão prática
(normativa, prescritiva) requer pelo menos uma
premissa prática
Lógica
Meu pai prometeu que me levaria ao cinema
Logo,
Meu pai tem a obrigação de me levar ao cinema
Póxima aula: Conhecimento e ceticismo.
Texto: Nagel, Caps 2 e 3.
Questões:
- Quando é possível dizer que se tem conhecimento de
algo, ou que se sabe alguma coisa?
- O que é ceticismo?
- Temos conhecimento da existência de um mundo físico
exterior?
- Temos conhecimento da existência de outras mentes
além da nossa?
Conhecimento
Conhecimento & ceticismo
Definição tradicional:
Crença verdadeira e justificada
Conhecimento & ceticismo
Crença (vs. desejo, gosto, preferência)
Verdadeira = correspondente aos fatos
Justificada = não arbitrária = baseada em um bom
argumento
Conhecimento & ceticismo
Observações:
1. Uma crença injustificada pode ser verdadeira;
2. Uma crença justificada pode ser falsa.
Conhecimento & ceticismo
Ex: O júri só sabe (só tem conhecimento de) que o
réu cometeu homicídio se:
(i) o júri acredita que o reú cometeu homicídio;
(ii) o réu cometeu homicídio;
(iii) o júri formou essa crença depois de analisar
cuidadosamente as provas.
Conhecimento & ceticismo
Objeções?
Edmund Gettier (1963).
Conhecimento & ceticismo
Ceticismo = afirmação de que não se tem
conhecimento acerca de um dado assunto.
Falta conhecimento quando falta pelo menos um
dos três elementos: crença ou verdade ou
justificação.
Conhecimento & ceticismo
Quando é possível dizer que uma crença está
justificada?
A resposta varia de acordo com a disciplina.
As ciências exigem bons argumentos indu-tivos. A
matemática, bons argumentos dedutivos.
Conhecimento & ceticismo
E a filosofia?
Como justificamos crenças fundamentais como, por
exemplo, a de que existe um mundo exterior?
Conhecimento & ceticismo
Nagel: “Se você pensar bem, verá que o interior da
sua mente é a única coisa da qual pode ter certeza”.
Temos pensamentos, crenças, impressões,
sensações, mas não temos certeza de que
correspondem a fatos no mundo.
Conhecimento & ceticismo
R. Descartes
(1596 - 1650)
Conhecimento & ceticismo
“Quantas vezes sonhei que estava neste lugar,
vestido, diante da lareira, embora estivesse nu no
meu leito? [...] Lembro-me de ter sido muitas vezes
enganado, quando dormia, por semelhan-tes
ilusões. E, detendo-me nesse pensamento, vejo que
não há quaisquer indícios concluden-tes, nem
marcas certas por onde se possa dis-tinguir a vigília
do sono [...]”
Conhecimento & ceticismo
Que dado ou experimento poderia afastar a dúvida
cartesiana?
Que prova dedutiva?
(Descartes tentou...)
Conhecimento & ceticismo
Essas reflexões podem levar ao solipsismo:
1. A única coisa que existe é a sua própria mente.
2. A mente cria pensamentos, sentimentos,
impressões, sensações etc.
Conhecimento & ceticismo
Outra possibilidade: a mente está sendo
manipulada por algum agente externo.
Conhecimento & ceticismo
Descartes: “Há muito que tenho no meu espírito a
opinião de que há um Deus que tudo pode e por
quem fui criado e produzido. Ora, quem me poderá
assegurar que esse Deus não tenha feito com que
não haja nenhuma terra, nenhum céu, nenhum
corpo extenso, nenhuma figura [...] e que, não
obstante, eu tenha os sentimentos de todas essas
coisas?”
Conhecimento & ceticismo
Mesmo que o mundo (físico) exista, algumas
perguntas persistem.
Observo outros seres parecidos comigo, mas não
tenho acesso direto ao que pensam e sentem.
Conhecimento & ceticismo
Nagel: “Quando você e um amigo estão tomando
sorvete de chocolate, como saber se o sorvete tem
para ele o mesmo sabor que para você?”
“Não seria [...] coerente imaginar que o chocolate
tem para o seu amigo o mesmo sabor que a
baunilha tem para você?”
Conhecimento & ceticismo
Levada ao extremo, a dúvida gera ceticismo até
mesmo sobre se outras pessoas têm atividade
mental.
Quem garante que não são máquinas complexas,
que reagem a estímulos da mesma forma que nós?
Conhecimento & ceticismo
Uma nota otimista.
Começamos pelos pressupostos mais difíceis.
A filosofia teve mais sucesso em relação a outros
pressupostos.
Revisão – Aula 3
Conhecimento = crença verdadeira e justificada
Ceticismo = nega a existência de conhecimento acerca
de um dado assunto
Ceticismo sobre o mundo externo
Ceticismo sobre outras mentes
--Ética sociológica vs. Ética filosófica
Próxima aula: Ética I - Introdução.
Leitura obrigatória: Nagel, cap. 7.
Perguntas:
1. Padrões morais são objetivos?
2. Como se faz para convencer um egoísta de que ele
tem obrigações morais?
3. Padrões morais são universais?
Ética I: introdução
Ética sociológica
(disciplina que estuda as opiniões dos diversos
grupos sociais sobre o certo e o errado)
Ética filosófica, ou filosofia moral
(disciplina que estuda o que é certo e errado)
Ética I: introdução
A distinção perde importância para quem acredita
no “relativismo ético”
Relativismo: o que é certo ou errado depende das
convenções do grupo social em questão.
Ética I: introdução
Problemas que afetam o relativismo:
1. Qual grupo é relevante?
2. O grupo não pode errar?
3. Viola a lei de Hume.
O grupo X pensa que o aborto é errado
Logo
No grupo X, o aborto é errado
Ética I: introdução
Outra pedra no sapato do filósofo moral: o egoísmo.
Tipos de egoísmo:
“Toda ação humana se baseia no auto-interesse”
(egoísmo psicológico)
“Meu único dever moral é buscar meus próprios
interesses” (egoísmo ético)
“Não sabemos se há deveres morais, então eu posso
fazer o que eu quiser” (egoísmo cético)
Ética I: introdução
Não há pessoas altruístas? As pessoas dizem ser!
Argumento do egoísta psicológico: todo mundo
sempre faz aquilo que deseja.
Resposta: ser altruísta (para filósofos morais) é
justamente desejar o bem alheio.
Ética I: introdução
Dois tipos de argumento contra o egoísmo moral:
1. Aquele que age mal prejudica a si mesmo. (Deus
o castigará, ou as pessoas o farão.)
Ética I: introdução
Problemas:
(i) o argumento retira das normas morais sua força
objetiva.
(ii) o que dizer para egoístas que têm certeza da
impunidade? [Mito de Giges]
“Giges era um pastor a serviço do rei que reinava
então na Lídia. Em conseqüência de um terremoto, o
solo se abriu e uma medonha abertura formou-se no
lugar onde apascentava seu rebanho. Admirado,
desceu pela abertura, e conta-se que, entre outras
maravilhas, viu um homem morto cuja estatura
ultrapassava a estatura humana. Esse homem estava
nu; tinha apenas um anel de ouro na mão. Giges
tomou o anel. Reunindo-se aos pastores como de
costume para fazer ao rei o seu relatório mensal sobre
o estado dos rebanhos, Giges veio à assembléia,
trazendo o anel.
Tomando o lugar entre os pastores, Giges girou por
acaso o anel, e imediatamente se tornou invisível para
os seus vizinhos. Girando de novo o seu anel, tornou a
ficar visível. Atônito com o efeito, ele repetiu a
experiência para ver se o anel realmente tinha esse
poder, e constatou que, virando a pedra para dentro,
tornava-se invisível; para fora, visível. Com essa
certeza, juntou-se aos pastores que seriam enviados
até o rei como representantes. Foi ao palácio,
sequestrou a rainha, atacou e matou o rei; em
seguida, apoderou-se do trono.”
Ética I: introdução
(Continuação: argumentos contra o egoísta)
2. Pergunta-se: “O que você diria se fizessem o
mesmo com você?”
(um apelo à coerência)
Ética I: introdução
A resposta pode ser:
“Eu não gostaria, mas também não acharia errado”.
Ética I: introdução
E o egoísmo cético?
Ética I: introdução
Pessoas próximas merecem tratamento especial?
Devemos renunciar ao luxo para fazer caridade?
Podemos mentir para não ofender?
Devemos explorar os animais? A natureza merece
proteção?
O patriotismo é uma virtude?
O aborto é permissível? E a barriga de aluguel?
É imoral o uso de drogas ilícitas?
Devo votar em um partido de esquerda ou direita?
Ética I: introdução
Diante disso, o cético diz que simplesmente não é
possível saber o que é certo ou errado.
(Ceticismo = negação de que se tem conhecimento
sobre certo assunto.)
Ética I: introdução
Tipos de ceticismo ético (usando a definição clássica
de “conhecimento”):
- Não temos crenças morais; temos preferências
morais subjetivas.
- Talvez tenhamos crenças morais, mas elas nunca
são verdadeiras.
- Talvez tenhamos crenças morais verdadeiras; mas
não conseguimos justificá-las.
Ética I: introdução
Uma resposta ao terceiro tipo de ceticismo:
Em caso de desacordo, indivíduos podem testar a
coerência mútua de suas posições...
... tentando fazer com que suas crenças morais mais
gerais sejam compatíveis com suas crenças mais
específicas.
Ética I: introdução
G: Não se pode matar inocentes.
E: A eutanásia é permitida.
G: Não se pode matar inocentes sem o seu
consentimento.
E: Não é permitido matar uma pessoa deprimida
que pensa em cometer suicídio.
G: Não se pode matar inocentes sem o seu lúcido
consentimento.
Ética I: introdução
João: Abortos são imorais, a menos que a gestante
corra risco imediato de vida.
Maria: O aborto é imoral mesmo quando a gravidez
resulta de ato violento, como estupro?
João: Ainda que o estupro seja condenável, o direito
do feto à vida é mais importante do que o fato de
que a vida do feto tem origem em um ato violento.
Ética I: introdução
Maria: Bom, imagine que você tenha sido
sequestrado e sedado, e que tenha acordado ao
lado de um famoso violinista. Seus rins estão
filtrando o sangue dele. Você pode separar-se, mas
isso o mataria. Para salvá-lo precisa manter-se
conectado até que um doador apareça, o que pode
levar meses. Acha que pode abandonar o violinista?
Ética I: introdução
João: Acho que sim.
Maria: Então, sendo coerente, você deveria admitir
que o aborto é permitido em caso de estupro.
Ética I
Revisão – Aula 4
- Ética sociológica vs. Ética filosófica
- É comum na filosofia moral tomar normas morais
como universais e objetivas
- Contra a ideia de que são universais e objetivas:
relativismo e egoísmo
- Egoísmo cético
Próxima aula: Ética II – utilitarismo
Leitura obrigatória: Rachels, Caps 7 e 8.
Pergunta:
1. Quais são as virtudes e os vícios do utilitarismo?
James Rachels
(1941-2003)
J. Bentham
(1748-1832)
J. S. Mill
(1806-1873)
Ética II: utilitarismo
Toda teoria ética se pronuncia sobre duas coisas:
1. O que é bom, o que tem valor.
(liberdade, igualdade, felicidade, família, amizade,
conhecimento, religião etc.)
2. Como se deve lidar com o que é bom.
Ética II: utilitarismo
Em relação a 1:
Teorias monistas vs. teorias pluralistas.
Teorias pluralistas podem estabelecer “rankings”.
Ética II: utilitarismo
Em relação a 2:
Teorias consequencialistas vs. teorias nãoconsequencialistas (deontológicas)
Ética II: utilitarismo
Teorias consequencialistas: deve-se maximizar o
que é bom.
Ética II: utilitarismo
Teorias não-consequencialistas: deve-se honrar o
que é bom.
(O que nem sempre significa maximizá-lo.)
Ética II: utilitarismo
Exemplo: Pode-se matar uma pessoa para salvar
mais vidas?
(Caso do médico.)
Ética II: utilitarismo
Utilitarismo: teoria consequencialista que defende a
maximização da felicidade geral.
(felicidade = prazer?)
Obs: Não confundir com o “utilitarismo egoísta”.
Ética II: utilitarismo
Bentham: “Por princípio da utilidade entende-se o
princípio que aprova ou reprova qualquer ação de
acordo com sua aparente tendência para aumentar
ou diminuir a felicidade das pessoas cujo interesse
está em jogo.”
Ética II: utilitarismo
Virtudes do utilitarismo:
1. Propõe um cálculo relativamente objetivo para
determinar como se deve agir.
Obs: utilidade estimada
Ética II: utilitarismo
2. É imparcial: a felicidade de cada pessoa tem o
mesmo valor.
3. É altruista: exige sacrifício de interesses pessoais.
Ética II: utilitarismo
Críticas ao utilitarismo:
1. Não dá a devida importância a direitos
individuais.
2. Não dá a devida importância às relações
pessoais.
3. Promove também preferências caras e ofensivas.
Ética II: utilitarismo
Resposta:
Utilitarismo de regras - o cálculo de consequências
não deve ser usado antes de cada ação.
Às vezes seguir regras é a melhor maneira de
promover o bem geral.
[Caso do médico, novamente.]
Ética II: utilitarismo
Mill: “Não quero dizer que a promoção da felicidade
é o objetivo de toda ação. Há muitas ações
virtuosas em que se sacrifica a felicidade no caso
particular. Mas as ações desse tipo ainda estão
justificadas porque é possível mostrar que, de modo
geral, mais felicidade existirá no mundo se forem
cultivados sentimentos que tornarão as pessoas, em
certas circunstâncias, insensíveis à questão da
felicidade.”
Ética II: utilitarismo
Uma dúvida persiste:
Quem age com base na regra mais útil age pela
razão certa?
Aula 5 – Revisão
- Utilitarismo: teoria monista e consequencialista que
defende a maximização da felicidade geral
- Virtudes: objetividade, imparcialidade, altruísmo
- Defeitos: menosprezo de direito e relações pessoais,
inclusão de preferência caras e ofensivas
Próxima aula: Ética III – Kant.
Leitura: Rachels, Cap. 10.
Perguntas:
1. Por que é deontológica a ética kantiana?
2. São diferentes as duas versões do imperativo
categórico?
3. Qual é a função do sistema penal para Kant?
Immanuel Kant
1724-1804
Ética III - Kant
Teoria deontológica que afirma um princípio básico:
O “imperativo categórico”
(≠Imperativo hipotético: “Para obter X, você deve
fazer Y”.)
Ética III - Kant
Primeira versão:
Aja somente conforme aquela máxima que você
pode desejar que se torne uma lei universal.
(= Aja de acordo com uma regra que você deseja
que seja respeitada por todos em todos os
momentos.)
Ética III - Kant
Segunda versão:
Aja de uma maneira que trate a humanidade, seja
em seu nome, seja no nome de outra pessoa,
sempre como um fim, nunca como um meio.
(= Trate a si mesmo e aos demais como agentes
autônomos e racionais e não como instrumentos
para a realização dos seus desejos.)
Ética III - Kant
São duas versões do mesmo imperativo, ou dois
imperativos diferentes?
Eles geram alguns dos mesmos resultados.
Exs: não se deve mentir; não se deve descumprir
promessas.
Ética III - Kant
Obs: O que fazer quando regras derivadas dos
imperativos entram em conflito?
Obs2: O que dizer dos animais?
Ética III - Kant
Como justificar o sistema penal?
Visão tradicional (pré-utilitarista): a pena serve para
castigar o criminoso.
Quem lesa o próximo merece punição.
Ética III - Kant
Visão utilitarista: a pena só está justificada se servir
para gerar felicidade geral.
A população em geral ficará mais segura.
O próprio criminoso será beneficiado (se receber
tratamento!).
Ética III - Kant
Kant (retorno à visão tradicional):
A visão utilitarista viola a 2ª versão do imperativo.
Punir pela segurança é tratar o criminoso como
meio, não como fim.
Ética III - Kant
Segundo Kant, punir para regenerar também é
tratar o criminoso como meio!
“Mesmo que a sociedade civil decida se dissolver
como o consentimento de todos... o último
assassino na prisão deve ser executado antes que a
resolução seja cumprida.” (p. 139)
Ética III - Kant
Crítica: regenerar é desrespeitar a autonomia do
criminoso, mas castigá-lo não é?
Ética III - Kant
Réplica kantiana: respeitar a autonomia tratar a
pessoa como responsável pelas suas escolhas.
Não punimos animais e doentes mentais porque
não são racionais.
Tréplica utilitarista: não punimos animais e doentes
mentais porque é inútil.
Revisão – Aula 6
- Kant: ética deontológica
- Imperativo categórico: duas versões (universalização
da nossa maneira de agir; autonomia de seres
racionais)
- Kant vs. Utilitaristas quanto ao sistema penal
Próxima aula: Ética IV - O contrato social
Leitura: Rachels, cap. 11.
Perguntas:
1. Para Hobbes os homens são maus no estado de
natureza?
2. Como é que a ética do contrato social justifica a
desobediência civil?
Thomas Hobbes
1588-1679
Ética IV – O Contrato Social
O estado da natureza é a situação em que todos
fazem o que desejam, sem regras e sem governo.
“Constante temor e risco de morte violenta, e a vida
do homem é solitária, pobre, sórdida, brutal e
curta.”
Ética IV – O Contrato Social
Por quê?
Não é que os homens sejam maus. Mas:
(a) seu altruísmo é limitado;
(b) têm as mesmas necessidades básicas;
(c) recursos são relativamente escassos;
(d) têm mais ou menos o mesmo poder.
Ética IV – O Contrato Social
Solução de Hobbes:
Acordo com regras básicas que limitem a violência e
tornem contratos e promessas obrigatórios.
O governo também é necessário para coibir
eventuais violações.
Ética IV – O Contrato Social
Outra maneira de defender a ideia do contrato
social Teoria dos jogos ou teoria das decisões interativas
Rachels: “Dilema do prisioneiro”
Você confessa
Você não confessa
João confessa
5 anos cada
João 1 ano; você 10
anos
João não
confessa
Você 1 ano; João
10 anos
Ambos livres
Ética IV – O Contrato Social
O dilema é um modelo para toda situação em que:
(i) nossos interesses são afetados pelas escolhas
alheias
(ii) o bem-estar de todos depende de cooperação.
Ética IV – O Contrato Social
Desobediência civil
Está justificado a violar as leis aquele a quem são
negados os benefícios do contrato social.
Por outro lado:
O indivíduo que viola as leis sem justificativa quebra
o contrato e se torna punível.
Ética IV – O Contrato Social
Problemas para o adepto da teoria do contrato
social.
1. O contrato nunca foi firmado.
(Nem tacitamente?)
2. Animais e pessoas irracionais não podem fazer
parte, logo... não merecem proteção?
Próxima aula: Filosofia política I (introdução).
Leitura: Nagel, Cap. 8.
Perguntas:
1. A desigualdade social é sempre injusta?
2. Quando é que o governo deve retificá-la?
3. Justiça e democracia podem entrar em conflito?
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