Problemas relacionados a medicamentos em pacientes com doença de Chagas durante tratamento com benzonidazol em Fortaleza – CE* Drug-related problems in patients with Chagas disease under treatment with benzonidazole in Fortaleza – CE Alcidésio Sales de Souza Júnior1, Helena Lutéscia Luna Coelho2, Marta Maria de França Fonteles3, Maria de Fátima Oliveira4 Resumo A Doença de Chagas não tem uma terapia medicamentosa satisfatória. A toxicidade dos tratamentos existentes limita a tolerabilidade e a adesão, configurando situaçõesproblema que podem inviabilizar a cura dos pacientes. Analisar os PRM durante o tratamento em pacientes com Doença de Chagas tratados com benzonidazol (BNZ) em Fortaleza – CE. Estudo descritivo observacional de seguimento, acompanhando-se 19 pacientes em uso de BNZ atendidos pelo ambulatório no Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), durante o período de novembro de 2006 a outubro de 2007. Utilizou-se o método Dáder de Seguimento Farmacoterapêutico para acompanhar o tratamento dos pacientes. Os PRM foram classificados de acordo com o II Consenso de Granada (2002). Observou-se que os pacientes apresentaram um total de 148 PRM, somando-se as três avaliações. Destes 41,9% (62) estavam relacionados à necessidade, 33,1% (49) à efetividade e 25% (37) à segurança. Constatou-se que os PRM estavam significantemente correlacionados com o número de medicamentos (Teste de Kendall: Coeficiente de Correlação = 0,438; p-valor bicaudal = 0,018). Problemas relacionados à necessidade de uso de medicamento e de segurança, expressos pela ocorrência de reações adversas, comprometeram a adesão ao tratamento e a qualidade de vida dos pacientes usuários de BNZ. Palavras-chave Doença de Chagas, uso de medicamentos, reações adversas Abstract There is no satisfactory drug treatment for Chagas disease. The high toxicity of the existent drugs for specific treatment decreases the tolerability and adherence, a problem that can impair the curing of patients. The aim of this study is to assess the occurrence of drug-related problems (DRP) during treatment with benzonidazole (BNZ) in Chagas disease patients (CDP) in Fortaleza – CE. It is a descriptive observational follow-up, * Projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Mestre em Ciências farmacêuticas. Farmacêutico do Hospital Regional da Asa Sul – DF End: QE 12, Bloco H, ap 308, Guará I – Brasília, DF - CEP: 71030-380. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Farmacologia. Professora do Programa de Pós-graduação em Ciências farmacêuticas da Universidade Federal do Ceará. Centro de Estudos em Atenção Farmacêutica (CEATENF/UFC. Grupo de Pesquisa em Atenção Farmacêutica. 3 Pós-doutora em Farmácia Clínica. Programa de Pós-graduação em Ciências farmacêuticas da Universidade Federal do Ceará. Centro de Estudos em Atenção Farmacêutica (CEATENF/UFC. Grupo de Pesquisa em Atenção Farmacêutica. 4 Pós-doutora em Ciências Biológicas. Programa de Pós-graduação em Ciências farmacêuticas da Universidade Federal do Ceará 1 Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (4): 893- 909, 2009 – 893 Alcidésio Sales Fonteles, Maria de de S o u z a J ú n i o r , H e l e n a L u t é sc i a L u n a C o e l h o , M a r t a M a r i a Fátima Oliveira de França monitoring 19 patients in use of BNZ under clinical treatment at Walter Cantídio University hospital (HUWC) from November 2006 to October 2007. The Dader method was used to follow the patients up. DRPs were classified according to the Second Granada Consensus (2002). During three evaluations, it was identified a total of 148 DRPs, being 41,9% (62) related to the need, 33.1% (49) to the effectiveness, and 25% (37) to the safety. The DRPs were significantly correlated with the number of drugs (Kendall Test: Correlation coefficient = 0.438; bi-tail p-value = 0.018). Problems related to the need to use drugs and safety, expressed by the occurrence of adverse reactions, compromised the adherence to treatment and life quality of patients under use of BNZ. Key words Chagas´ disease, drug utilization, adverse effects 1. Introdução Os Problemas Relacionados a Medicamentos (PRM), caracterizados como “problemas de saúde, vinculados à farmacoterapia e que interferem ou podem interferir nos resultados esperados do paciente” (Panel de Consenso, 2002), são causa de morbidade e mortalidade em todo mundo, podendo alterar os resultados clínicos esperados, bem como a qualidade de vida do indivíduo. Estima-se que o custo relacionado à morbidade e mortalidade associado aos custos de PRM ocorre por volta de U$ 76,6 bilhões por ano para pacientes ambulatoriais (Johnson & Bootman, 1995) e U$ 4 bilhões em atendimentos de enfermagem domiciliares (Bootman et al., 1997). Vários fatores podem contribuir para o surgimento de PRM, como a não-adesão ao tratamento medicamentoso, uso de polifarmácia, reações adversas a medicamentos (RAM), tratamento farmacológico inefetivo, superdosagem, não-acesso ao tratamento medicamentoso necessário, entre outros problemas (Strand et al., 2000). Em decorrência de tal problemática, Hepler e Stand (1990) criaram uma prática profissional, Atenção Farmacêutica, que tem como foco o paciente, objetivando-se detectar, prevenir e resolver os PRM. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde, aproximadamente 13 milhões de pessoas encontram-se infectadas pelo Trypanosoma cruzi na América Latina, e mais de 40 milhões estão expostas ao risco de contrair a doença, o que caracteriza um problema de saúde pública (WHO, 2002). Estima-se que no Brasil haja cerca de 2 a 3 milhões de pessoas infectadas. Associado a esse fator, trata-se de uma doença negligenciada, visto que, há um século da descoberta, ainda não foram identificados vacinas ou tratamentos mais eficazes (Dias, 2001; Dias et al., 2008; Silveira et al., 2000). O estado do Ceará é considerado uma região endêmica para a doença de Chagas. No Inquérito Sorológico Nacional de 1975-1980, foi constatada uma prevalência de 894 – Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (4): 893 - 909, 2009 Problemas relacionados a medicamentos em pacientes com doença de t r ata m e n to c o m b e n z o n i d a z o l e m Chagas durante F o r ta l e z a – C E apenas 0,84% de infectados pelo parasito (Camargo et al., 1984). Embora não haja estudos mais recentes que mensurem a soroprevalência no Estado, algumas pesquisas realizadas em alguns municípios, como Acopiara (Pereira, 2006) e Jaguaruana (BorgesPereira et al., 2008), detectaram uma soroprevalência de 5,8% (de uma amostra de 342 pessoas) e 3,1% (amostra composta por 541 pessoas), respectivamente. Ainda, destacam-se os estudos realizados em bancos de sangue (BS), em que pessoas descobrem ser acometidas pela doença de Chagas após doarem sangue, como mostrado por Silva et al. (1998), que realizaram estudo em BS do Estado do Ceará no período de 1996/1997, onde foram atendidos 34.943 doadores, dos quais 377 (1,1%) apresentaram sorologia positiva para anticorpos anti-Trypanosoma cruzi. Neste mesmo período, Sobreira et al. (2001) realizaram um estudo no Hemocentro de Iguatu do Estado do Ceará onde foram atendidos 3.232 doadores, dos quais 61(1,9%) apresentaram sorologia positiva para a infecção chagásica. Os pacientes acometidos pelo Trypanosoma cruzi não dispõem de muitas alternativas eficazes no tratamento da enfermidade. Até o presente momento, existem dois medicamentos, nifurtimox (NF) e benzonidazol (BNZ). Tais medicamentos atuam produzindo radicais livres que lisam o T. cruzi. O NF foi retirado do mercado brasileiro em 1980 em decorrência das graves reações adversas que causava, mas na América Central é utilizado como alternativa ao BNZ em casos de intolerância ao BNZ. Apesar da ausência de interesse dos grandes laboratórios farmacêuticos em desenvolver novos medicamentos, buscam-se novas drogas com alta atividade antiparasitária e melhor perfil de segurança no tratamento dos portadores da infecção chagásica, como o posaconazol, mencionado por Ferraz et al. (2007), e TAK-187, por Urbina et al. (2003). O tratamento com BNZ apresenta atividade clínica reconhecida para a fase aguda e estágios iniciais da doença, próximos de 76% de cura em 04 semanas de tratamento (Reyes & Vallejo, 2006). Ainda que não haja consenso entre autores na efetividade do BNZ em outras formas da doença, de acordo com o Consenso Brasileiro de Doença de Chagas, é recomendado tratar o paciente levando-se em conta a fase da doença, idade do paciente e condições associadas. Ainda que o BNZ seja indicado para a forma crônica (forma crônica indeterminada e nas formas cardíaca leve e digestiva), o Consenso, referido anteriormente, admite que o tratamento específico não deve ser utilizado em larga escala em adultos na fase crônica (Brasil, 2005; OPAS, 2009). Autores afirmam que a utilização de benzonidazol durante 60 dias pode levar à cura, reduzir os níveis parasitológicos e evitar a progressão da doença (De Andrade et al., 1996; Cançado, 2002; Moretti et al., 1998; Segura et al., 1994). Além da eficácia parcial, outro inconveniente é a ocorrência de reações adversas classificadas em três grupos, de acordo com Coura e Castro (2002): a) sintomas Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (4): 893 - 909, 2009 – 895 Alcidésio Sales Fonteles, Maria de de S o u z a J ú n i o r , H e l e n a L u t é sc i a L u n a C o e l h o , M a r t a M a r i a Fátima Oliveira de França de hipersensibilidade, dermatite com erupção cutânea (entre o 7º e 10º dia), febre generalizada com edema, linfoadenopatia, dores musculares e articulares; b) depressão da medula óssea, púrpura trombocitopênica e agranulocitose, a mais severa manifestação; c) polineuropatia, parestesia e polineurite dos nervos periféricos. O Hospital Universitário Walter Cantídio, em Fortaleza – CE, conta com um atendimento aos pacientes portadores da doença de Chagas. Tal serviço foi instituído há mais de 10 anos, pelo departamento de Parasitologia da Faculdade de Medicina da UFC, inicialmente com fins de pesquisa, que já atendeu cerca de 1.000 pacientes de diversos municípios do Ceará desde sua criação. As consultas médicas são realizadas em um dia da semana no ambulatório de cardiologia, que atende pacientes, em diferentes fases e formas da doença, vindos do Sistema Único de Saúde (SUS) de cidades do interior do Ceará. Não há registros de estatísticas quanto à prescrição de BNZ a pessoas na fase crônica da doença na Secretaria de Saúde do Ceará. Desde o ano de 2005, o nosso grupo de pesquisa tem avaliado o efeito do uso de BNZ em pacientes na fase crônica da doença atendidos pelo ambulatório de cardiologia do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) na Universidade Federal do Ceará (UFC) e, até 2009, já acompanhou 150 pacientes. A escassez de estudos que discutam a problemática de PRM no tratamento etiológico da doença de Chagas motivou-nos a ampliar nosso conhecimento sobre tal tema. Para tanto, o objetivo deste trabalho foi analisar os PRM apresentados durante o tratamento em pacientes tratados com BNZ atendidos pelo ambulatório de cardiologia no HUWC/UFC em Fortaleza – CE. 2. Materiais Tipo e métodos de estudo Trata-se de um estudo descritivo, observacional, de seguimento, no qual cada paciente foi seu próprio controle. Os efeitos do BNZ foram avaliados em relação aos índices de PRM durante o tratamento no período de novembro de 2006 a outubro de 2007. O recrutamento de pacientes ocorreu nos meses de novembro de 2006 a abril de 2007 a partir de um ambulatório especializado em atender pacientes com doença de Chagas do HUWC em Fortaleza – CE. O seguimento de 6 meses ocorreu no departamento de Análises Clínicas da Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem da Universidade Federal do Ceará (DACT/FFOE/UFC), onde havia dispensação de BNZ desde o início de 2005. A pesquisa foi iniciada após consentimento do Comitê de Ética em Pesquisas do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) (Protocolo n° 053.06.02 de 23 de outubro de 2006) e dos pacientes que participaram do estudo, após terem sido informados sobre os objetivos e terem assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. 896 – Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (4): 893 - 909, 2009 Problemas relacionados a medicamentos em pacientes com doença de t r ata m e n to c o m b e n z o n i d a z o l e m Chagas durante F o r ta l e z a – C E Amostra Desde o início de 2005, o medicamento BNZ foi disponibilizado pela Secretaria do Estado de Saúde do Ceará a fim de ser dispensado pelos farmacêuticos de um projeto de pesquisa, que monitorou as reações adversas do BNZ. Desde o início desse estudo até outubro de 2006, cerca de 80 pacientes receberam BNZ. Devido à baixa frequência e não-uniformidade de pacientes com prescrição de BNZ, optou-se por fazer uma amostra não probabilística convencional, recrutando-se 20 pacientes com doença de Chagas e prescrição para BNZ, entre novembro de 2006 a outubro de 2007. Um paciente foi excluído por ter faltado às reuniões de acompanhamento. Coleta de dados Os pacientes foram acompanhados durante 6 meses por um farmacêutico e estagiários treinados. Os dados foram coletados a partir de um questionário ad hoc contendo informações sociodemográficas, história pessoal e familiar, hábitos de vida, entre outros tópicos importantes para o estudo. Para diagnóstico e exames laboratoriais, foram consultados os prontuários médicos dos pacientes no Setor de Arquivo Médico (SAME) do HUWC. Instrumentos utilizados Utilizou-se o método Dáder de Seguimento Farmacoterapêutico, para acompanhar os pacientes em uso de BNZ (Machuca et al., 2003), compreendendo as seguintes etapas: primeira entrevista e análise de situação. A adesão ao BNZ foi analisada a partir de questionário adaptado de Moreira (2005), que consta de perguntas relacionadas ao comportamento do paciente frente à prescrição médica (quantidade de comprimidos ingeridos, não ingeridos e motivo da não-aderência). Além disso, solicitou-se ao paciente trazer o frasco que continha os comprimidos de BNZ a fim de se contar a quantidade existente. De acordo com o obtido nos dois métodos, os pacientes foram classificados como aderentes e não aderentes. Os medicamentos foram codificados de acordo com o primeiro nível da classificação ATC da Organização Mundial da Saúde (WHO, 2000). Para auxiliar na detecção de reações indesejáveis ao BNZ, o paciente ambulatorial preencheu um diário contendo informações relativas ao tratamento em linguagem acessível ao nível do paciente. Para os pacientes analfabetos, entrevistou-se o paciente a fim de verificar a ocorrência de reações indesejáveis. Identificação de Problemas Relacionados a Medicamentos (PRM) Para este estudo PRM foi definido como “problema de saúde, relacionado ou suspeito Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (4): 893 - 909, 2009 – 897 Alcidésio Sales Fonteles, Maria de de S o u z a J ú n i o r , H e l e n a L u t é sc i a L u n a C o e l h o , M a r t a M a r i a Fátima Oliveira de França de estar relacionado à farmacoterapia, que interfere ou pode interferir nos resultados terapêuticos e na qualidade de vida do usuário” (OPAS, 2002). Classificaram-se os PRM de acordo com o II Consenso de Granada (2002) em três grupos: necessidade (PRM 1 e 2), efetividade (PRM 3 e 4) e segurança (PRM 5 e 6). De acordo com o Segundo Consenso de Granada (Panel de Consenso, 2002), os PRM são classificados em três categorias relacionadas à necessidade do medicamento (PRM 1 – paciente não usa medicamento necessário para tratar um problema de saúde; PRM 2 – paciente usa um medicamento não necessário), efetividade (PRM 3 – paciente apresenta problema de saúde em decorrência da inefetividade não quantitativa do medicamento; PRM 4 – paciente apresenta problema de saúde em decorrência da inefetividade quantitativa do medicamento) e segurança (PRM 5 – problema de saúde em decorrência da insegurança não quantitativa do medicamento; PRM 6 – problema de saúde em decorrência da insegurança quantitativa do medicamento). Os PRM foram classificados e certificados pelo método de avaliação de juízes. Em caso de discordância entre os avaliadores, outro avaliador foi consultado. Análise de dados Os dados coletados foram armazenados em forma de tabela no programa Microsoft Office Excel 2003 (Microsoft Corporation) e processados pelo Statistical Package for the Social Sciences (SPSS Inc., Chicago, U.S.A.) versão 15.0. Foi feita uma análise descritiva dos dados nos quais foram realizadas tabulações que resultaram em tabelas, gráficos e medidas de posição e dispersão apresentadas ao longo do presente trabalho. Tendo em vista que o instrumento de coleta utilizado na pesquisa foi construído utilizando, na sua maioria, variáveis do tipo nominal e ordinal e que o experimento adotou um procedimento de mensuração dessas variáveis na forma “antes e depois”, a análise inferencial adotou as provas de Mcnemar e Wilcoxon. Também foram utilizadas medidas de associação, juntamente com as provas de Mcnemar e Wilcoxon, com o objetivo de auxiliar na comprovação das hipóteses desse trabalho. Essas medidas, também do tipo não-paramétricas, foram o Coeficiente de Contingência C e os Coeficientes de Correlação por Postos de Spearman e Kendall, respectivamente. As referidas estatísticas de associação calculam a correlação entre as variáveis observadas, na forma bivariada, mensurando o quanto, em cada par, as variáveis são dependentes e, em caso positivo, qual o sentido dessa dependência (direta ou indiretamente proporcional). Por fim, é importante mencionar que se utilizou o nível de 5% de significância para todos os testes. 898 – Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (4): 893 - 909, 2009 Problemas relacionados a medicamentos em pacientes com doença de t r ata m e n to c o m b e n z o n i d a z o l e m Chagas durante F o r ta l e z a – C E 3. Resultados Características sociodemográficas, estado de saúde e farmacoterapia Fizeram parte do estudo, 19 pacientes, dos quais a maioria era do sexo masculino, com idade média de 40,4 anos, massa corpórea média de 73 Kg, altura média de 1,66 m e 5 pessoas em cada família. Além disso, referiam-se como brancos, possuíam escolaridade até o ensino fundamental, tinham união estável, com ocupação variada, procedentes de zona rural, com renda de até 2 salários mínimos (SM), que equivalia a R$ 350,00 reais. Quando perguntados sobre como descobriram que tinham a doença, 13 afirmaram que foi através de doação de sangue, 2 através de solicitação de exames sorológicos para infecção chagásica, 2 por exames de rotina e 1 por alteração no eletrocardiograma (ECG). A maioria dos participantes apresentava-se na forma indeterminada da doença, tinha associadas alguma co-morbidade, com resultado do xenodiagnóstico negativo, reação positiva para hemaglutinação indireta (HI) (Tabela 1). Tabela 1 Características clínicas* dos pacientes tratados com benzonidazol - HUWC/Fortaleza (CE) - novembro/2006 a abril/2007 Categorias Forma da doença de Chagas Cardíaca Indeterminada Digestiva Cardíaca e Digestiva n % 2 14 2 1 10,5 73,7 10,5 5,3 Presença de co-morbidade Não Sim 9 10 47,4 52,6 Xenodiagnóstico Negativo Positivo Resultado ausente 16 0 3 84,2 0 15,8 4 1 4 3 2 5 21,1 5,3 21,1 15,8 10,5 26,3 4 1 21,1 5,3 1 13 5,3 68,4 Hemaglutinação Indireta Reag (1:160) Reag (1:320) Reag (1: 640) Reag (1: 128) Reag (1:32) Resultado ausente Esofagograma Normal Gastrite antral crônica ativa e moderada sem indícios p/ DCD** Disfagia/ Constipação Resultado ausente Total 19 100,0 *Resultados obtidos a partir dos prontuários médicos dos pacientes no SAME/HUWC. **DCD- Doença de Chagas na forma digestiva Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (4): 893 - 909, 2009 – 899 Alcidésio Sales Fonteles, Maria de de S o u z a J ú n i o r , H e l e n a L u t é sc i a L u n a C o e l h o , M a r t a M a r i a Fátima Oliveira de França Foram calculadas ainda medidas estatísticas descritivas para as variáveis: número de comorbidade, tempo de descoberta da doença de Chagas e quantidade de queixas iniciais. Em média tivemos os seguintes resultados para as variáveis mencionadas: cerca de uma comorbidade, 47 meses e 9 queixas, respectivamente. No início do estudo foi detectada a presença de alguma comorbidade em 10 pacientes, de acordo com relato dos pacientes (hipertensão arterial sistêmica – HAS, artrite, gastrite, entre outros). Dos pacientes participantes do estudo, 10 afirmaram ter usado algum medicamento 30 dias antes do início do estudo. Cerca de três pacientes relataram ter tido alguma reação indesejável ao medicamento usado anteriormente ao tratamento com BNZ. As reações relatadas decorreram desde uma hipersensibilidade generalizada com edema de glote, devido ao uso de penicilina benzatina, a sintomas gastrointestinais relacionados ao uso de ácido acetilsalicílico. Ao iniciar o tratamento com BNZ, constatou-se que 11 pacientes usavam algum medicamento em associação com BNZ. De acordo com o primeiro nível do Código ATC, os medicamentos foram classificados em: nível C (hidroclorotiazida, captopril, metildopa), nível A (omeprazol, tiamina), nível H (dexametasona, prednisona), nível N (hidroxizina, diazepam, paracetamol, Engov®), nível J (sulfametoxazol + trimeroprima, ciprofloxacino), nível G (estrogênios conjugados), nível R (Benegripe®, Coristina D®, Fluviral®). Além desses medicamentos, os pacientes relataram ter usado fitoterápicos. Em relação à adesão ao tratamento com BNZ, 10 pacientes foram classificados como não aderentes à terapia. Dentre esses, 7 suspenderam o BNZ, sendo que apenas um o fez na segunda etapa (de 30 a 60 dias). Problemas relacionados a medicamentos A análise de PRM foi mensurada em três momentos: antes do tratamento; 30 e 60 dias após o tratamento. O número de PRM pode variar, visto que cada paciente pode apresentar mais de um PRM. Observou-se que, antes do tratamento, os pacientes apresentaram uma frequência maior dos tipos PRM 4 e 1. Após 30 e 60 dias de tratamento, houve alteração no perfil de PRM apresentados, sobressaindo-se o tipo PRM 1 (paciente não usa medicamento necessário para sua condição clínica) e PRM 5 (paciente apresenta reação adversa a medicamento) (Tabela 2). 900 – Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (4): 893 - 909, 2009 Problemas relacionados a medicamentos em pacientes com doença de t r ata m e n to c o m b e n z o n i d a z o l e m Chagas durante F o r ta l e z a – C E Tabela 2 Problemas relacionados aos medicamentos apresentados pelos pacientes tratados com benzonidazol - HUWC/ Fortaleza (CE) – novembro/2006 a abril/2007. Problemas relacionados Número de a medicamentos PRM (antes) PRM 1* 13 PRM 2* 3 PRM 3** 1 PRM 4** 17 PRM 5*** 4 PRM 6*** 0 Total 38 % 34,22 7,90 2,63 44,73 10,52 0 100,0 Número de PRM Número de PRM % (30 dias depois) (60 dias depois) 18 29,50 16 7 11,47 5 1 1,64 2 16 26,25 12 19 31,14 14 0 0 0 61 100,00 49 % 31,65 10,20 4,10 24,48 28,57 0 100,00 *PRM relacionado à necessidade; **PRM relacionado à efetividade; ***PRM relacionado à segurança Em relação ao número de PRM antes do tratamento, 30 e 60 dias após o tratamento, os resultados mostraram que, em média, o quantitativo foi da ordem de 4,1, 10,6 e 6,5 PRM, respectivamente. Análise da associação de fatores predisponentes aos PRM Algumas características podem favorecer o surgimento de PRM, como o uso de mais de um medicamento, sexo, grau de instrução sobre medicamento e doença, entre outros fatores. Tais fatores foram testados utilizando-se estatísticas de correlações por postos de Kendall e Spearman para verificar a correlação entre PRM e estes fatores. Tais testes mostraram-se significantes apenas para as associações entre PRM e número de medicamentos utilizados (T. Kendall: CC = 0,438, p-valor bicaudal = 0,018; Spearman: CC = 0,560, p-valor bicaudal = 0,013). Neste caso, como as correlações foram positivas, significa dizer que os referidos PRM serão maiores à medida que se aumenta a quantidade de medicamentos diferentes. É importante lembrar que os PRM apresentados nos 30 e 60 dias foram agregados e categorizados utilizando-se o seguinte critério: Pequeno/Moderado (até 10 problemas) e Alto (11 problemas ou mais) (Tabela 3). Em contrapartida, os PRM não foram afetados pelas variáveis: adesão ao BNZ (Coeficiente de Correlação = 0,088; p-valor bicaudal = 0,701), nível de conhecimento sobre doença de Chagas (Coeficiente de Correlação = 0,088; p-valor bicaudal = 0,701), conhecimento sobre BNZ (Coeficiente de Correlação = 0,149; p-valor bicaudal = 0,510), sexo (Coeficiente de Correlação = 0,025; p-valor bicaudal = 0,912), faixa etária (Coeficiente de Correlação = 0,183; p-valor bicaudal = 0,418), anos de estudo (Coeficiente de Correlação = 0,039; p-valor Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (4): 893 - 909, 2009 – 901 Alcidésio Sales Fonteles, Maria de de S o u z a J ú n i o r , H e l e n a L u t é sc i a L u n a C o e l h o , M a r t a M a r i a Fátima Oliveira de França bicaudal = 0,865), antecedente de hipersensibilidade (Coeficiente de Correlação = 0,251; p-valor bicaudal = 0,259) e presença de mais de uma comorbidade (Coeficiente de Correlação = 0,015; p-valor bicaudal = 0,946). Tais dados foram demonstrados nas tabelas adiante (Tabela 4). Tabela 3 Problemas relacionados a medicamentos X Quantidade de medicamentos usados com benzonidazol - HUWC/ Fortaleza (CE) – novembro/2006 a abril/2007. Quantidade de medicamentos usados com benzonidazol Nenhum medicamento Um medicamento Dois medicamentos Três medicamentos Quatro medicamentos Total Pequeno / Moderado Número de Pacientes 3 0 2 0 0 5 Alto Número de Pacientes 5 2 2 4 1 14 % 60,0 0,0 40,0 0,0 0,0 100,0 Total % 35,7 14,3 14,3 28,6 7,1 100,00 Número de Pacientes 8 2 4 4 1 19 % 42,1 10,5 21,1 21,1 5,3 100,00 Tabela 4 Problemas relacionados a medicamentos (Alto e Pequeno/Moderado) x variáveis (sexo, faixa etária, anos de estudo, frequência de co-morbidade, adesão, conhecimento sobre doença de Chagas, antecedente de hipersensibilidade) HUWC/ Fortaleza (CE) – novembro/2006 a abril/2007. Variáveis Sexo Masculino Feminino Faixa etária 20 a 49 anos 50 anos ou mais Anos de estudo 0 a 3 anos 4 ou mais Frequência de co-morbidade 0 ou 1 co-morbidade 2 ou mais co-morbidades Adesão Não aderente Aderente Conhecimento sobre DC* Ausente/ Insuficiente Bom / Regular Antecedente de hipersensibilidade Não Sim Pequeno / Moderado n – Cad. Saúde Colet., Rio de Total n 3 2 8 6 11 8 3 2 11 3 14 5 3 2 5 9 8 11 4 1 11 3 15 4 3 2 7 7 10 9 3 2 7 7 10 9 5 0 11 3 16 3 *DC – doença de Chagas 902 Alto n Janeiro, 17 (4): 893 - 909, 2009 Problemas relacionados a medicamentos em pacientes com doença de t r ata m e n to c o m b e n z o n i d a z o l e m Chagas durante F o r ta l e z a – C E Em continuidade à análise inferencial dos PRM, por meio do teste nãoparamétrico de Wilcoxon, foi realizada uma comparação entre os referidos problemas antes (PRM A) e depois (PRM D – 30 e 60 dias) na tentativa de encontrar diferenças significantes entre os mesmos antes e após o tratamento com BNZ. A hipótese estatística de nulidade é que não houve alteração entre os problemas mencionados em relação aos momentos antes e após o tratamento com BNZ. Porém, foi evidenciado um significante aumento no número de PRM (p < 0,05) ao se comparar os PRM identificados antes do tratamento com os observados após 60 dias de tratamento com BNZ (Média de PRM Antes do Tratamento = 4,1; Média de PRM Depois = 17,1; Teste de Wilcoxon: Z= -3,275; p-bicaudal = 0,000). 4. Discussão Somando-se o total de PRM apresentado nas três etapas de avaliação, observou-se que o perfil de PRM estava relacionado, principalmente, à categoria necessidade, com 41,9% (n = 62), seguido daqueles envolvendo efetividade e segurança. Nota-se que, antes da utilização do BNZ, houve predominância do PRM 4 (inefetividade não quantitativa do medicamento) seguido pelo PRM 1 (paciente apresenta um problema de saúde por não utilizar um medicamento que necessita) havendo alteração desse quadro no decorrer do estudo. Grande parte desses PRM esteve relacionada à não-adesão, tanto ao BNZ como a outros medicamentos (por exemplo: hidroclorotiazida). Esse valor também demonstra que muitos pacientes possuíam algum problema de saúde não tratado, como HAS descontrolada. Além disso, reforça-se o fato de que, como a grande maioria apresenta baixas condições de vida e são procedentes de zona rural, os pacientes podem não ter acesso aos serviços básicos de saúde se comparados àqueles que residem em zonas metropolitanas (Storino et al., 1998). Para a OMS (WHO, 2003), a não-adesão é uma das principais razões para que os objetivos do tratamento não sejam alcançados. Além disso, causa complicações psicológicas e médicas, reduz a qualidade de vida e ocasiona desperdício dos gastos assistenciais à saúde. Os casos referentes ao PRM 4 devem-se, principalmente, ao fato de grande parte dos usuários de BNZ ter usado o medicamento em doses prescritas abaixo do recomendado pelo Consenso Brasileiro de Doença de Chagas, que é de 5mg/kg (Brasil, 2005). Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (4): 893 - 909, 2009 – 903 Alcidésio Sales Fonteles, Maria de de S o u z a J ú n i o r , H e l e n a L u t é sc i a L u n a C o e l h o , M a r t a M a r i a Fátima Oliveira de França Partindo-se do pressuposto do conceito de adesão da OMS (2003) em que um tratamento atinge suas metas clínicas desejadas (cura, controle de uma enfermidade, entre outras) quando 80% desse é cumprido, a maioria foi considerada não aderente, resultando num tratamento não efetivo. Contudo, não era objetivo do trabalho mensurar efetividade do tratamento, o que exigiria mais tempo de estudo para se verificar a soroconversão, como relatado por Cançado (2002) e pelo Consenso Brasileiro de Doença de Chagas (Brasil, 2005). Vale ressaltar, ainda, que a apresentação farmacêutica do BNZ encontrada no Brasil é comprimido com 100mg, o que limita as possibilidades do médico em prescrever a dose individualizada do medicamento, visto que no local de dispensação não há infraestrutura adequada para fracionamento. Os PRM 5 foram mais frequentes durante o tratamento, principalmente nos primeiros 30 dias. Além do BNZ, outros medicamentos, usados simultaneamente no período de estudo, causaram este tipo de PRM. Dentre eles, os mais frequentes foram omeprazol, hidroclorotiazida, estrogênios conjugados e o captopril. As RAM relacionadas a esses medicamentos foram tontura, dor abdominal, enjoo, prurido, respectivamente. De acordo com o Consenso Brasileiro de Doença de Chagas (Brasil, 2005), cerca de 30% dos usuários de BNZ apresentam RAM. Esse fato é demonstrado pela capacidade de o BNZ provocar toxicidade, dada à sua estreita janela terapêutica. As reações de hipersensibilidade ocorrem nos primeiros 9 dias; polineuropatia periférica e depressão da medula óssea podem surgir a partir do 20º dia de tratamento. Destas RAM, apenas as últimas são preveníveis. Com a finalização da análise de PRM, observou-se que o número de PRM aumentou em relação ao primeiro momento em que os pacientes não haviam sido tratados. Este fato era esperado devido à capacidade do BNZ provocar RAM, como relatado anteriormente. Outro aspecto que cabe destacar é que, devido à ocorrência dessas RAM, os pacientes tiveram que usar medicamentos sintomatológicos (anti-histamínicos e corticosteroides). Alguns pacientes apresentavam condições que necessitavam ser tratadas e outros usaram medicamentos não necessários, geralmente por automedicação, como o sulfametoxazol+trimetoprima para tratar sintomas da gripe. Há várias publicações relacionadas à incidência de PRM em diferentes populações, como pacientes hospitalizados, hipertensos e diabéticos. Entretanto, há ausência de literatura específica relacionada aos pacientes com doença de Chagas em uso de BNZ, o que torna difícil comparar nossos achados com outros autores. 904 – Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (4): 893 - 909, 2009 Problemas relacionados a medicamentos em pacientes com doença de t r ata m e n to c o m b e n z o n i d a z o l e m Chagas durante F o r ta l e z a – C E Voltando-se à análise do serviço prestado pelo ambulatório de cardiologia, apenas um médico consulta pacientes com doença de Chagas, o que às vezes pode não atender à demanda regional, suscitando a necessidade da formação de profissionais médicos especializados nesse contexto e de distribuição apropriada desses profissionais na nossa regional. Associado a isso, há falta de infraestrutura adequada à realização de exames laboratoriais e diagnósticos a fim de acompanhar os pacientes, o que nem sempre é possível nos municípios em que moram. Características que podem ser estendidas a outras realidades do SUS em muitos municípios e regiões do Brasil. No nosso estudo foi possível perceber que há necessidade da inserção do farmacêutico junto ao médico no cuidado do paciente com doença de Chagas e em uso de medicamento, sob o ponto de vista de orientar os pacientes quanto ao uso correto desses medicamentos, bem como na capacidade de detectar reações adversas (questões de farmacovigilância) e na prevenção de danos à saúde do usuário do medicamento. De fato, foram detectados vários problemas relacionados à segurança do medicamento em uso, particularmente relacionado às reações adversas provocadas pelo BNZ. É importante salientar que, dada à incipiência de publicações envolvendo essa temática, os autores encontraram dificuldades em disponibilizar uma pronta discussão dos resultados e de promover comparações e análises mais aprofundadas, o que contribui de certa forma, positivamente, no sentido de fortalecer a importância do nosso estudo e contribuição de nossos dados para o conhecimento do uso de medicamentos na doença de Chagas no Brasil. Além disso, pode-se ressaltar que nosso trabalho apresentou algumas limitações para o seu desenvolvimento, como por exemplo o fato de grande parte da população estudada ter sido proveniente do interior do Estado (Limoeiro do Norte, Afogado, Russas, Quixeramobim, Ipu, Itapajé, Canindé, Morada Nova, Crateús, Jaguaruana, Quixadá, Tauá, São João do Jaguaribe e Pitombeira), sendo necessário o deslocamento dos pacientes para a capital, dificultando, dessa forma, o acompanhamento farmacoterapêutico. Ainda, as condições financeiras, o baixo grau de instrução, bem como aspectos relacionados à cognição e memória, dificultando o nível de entendimento da maioria dos pacientes, podem ter dificultado o preenchimento de instrumentos utilizados durante o acompanhamento de forma precisa e clara, provavelmente sendo capaz de interferir nos nossos achados em geral. Contudo, salienta-se que treinamentos foram feitos para minimizar tais possibilidades. Outro fator limitador foi o não-preenchimento adequado dos prontuários dos pacientes, onde se observou a falta de informações importantes como o registro de exames laboratoriais. Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (4): 893 - 909, 2009 – 905 Alcidésio Sales Fonteles, Maria de de S o u z a J ú n i o r , H e l e n a L u t é sc i a L u n a C o e l h o , M a r t a M a r i a Fátima Oliveira de França Ressalta-se, também, o tamanho limitado da amostra, o que pode não ter realçado ou mensurado de forma expressiva as variáveis estudadas. Além disso, o estudo objetivou acompanhar apenas pacientes atendidos pelo ambulatório de cardiologia do HUWC, não se pautando em bases populacionais, possibilitando, talvez, a dificuldade de mensuração de algumas variáveis, apresentando mais validade interna do que externa. Mesmo assim, acredita-se que não haveria diferenças nos resultados, visto que o tratamento de pacientes na forma crônica, no restante do Estado do Ceará, pode não ocorrer como pressupõe o Consenso Brasileiro de Doença de Chagas (Brasil, 2005). Apesar de todos os fatos apresentados, à escassez de publicações sobre PRM em pacientes usuários de BNZ é preponderante o que nos leva a acreditar que o presente estudo tem caráter inovador e relevante, além de trazer um novo olhar sobre a possibilidade de inserir outros profissionais na assistência integral ao paciente com doença de Chagas. 5. Conclusão A maior frequência de PRM em pacientes usuários de BNZ esteve relacionada à categoria necessidade de uso de medicamento. Observou-se que esse quadro teve variações no decorrer do estudo. Também se verificou que a frequência de PRM estava fortemente relacionada ao número de medicamentos usados concomitantemente com BNZ. Tais resultados demonstram a necessidade de se implementar ações de atenção integral ao paciente com doença de Chagas no âmbito do SUS, além de promover a inserção do profissional farmacêutico ativamente na equipe multiprofissional através da prática da Atenção Farmacêutica. O farmacêutico realizaria o acompanhamento farmacoterapêutico desses pacientes/usuários, a fim de viabilizar o uso racional e seguro de medicamentos nessa população, de forma individualizada, atentando-se para as características biopsicossociais desses pacientes e de resultados terapêuticos definidos. Ainda, nossos achados propiciam informações nesse contexto, promovendo o incremento de publicações e novos estudos na área das doenças negligenciadas. *Agradecimentos: Aos pacientes que concordaram em participar deste estudo. Ao corpo clínico do ambulatório de doença de Chagas do HUWC/CE. À Secretaria Estadual de Saúde do Ceará, que cedeu o BNZ. Aos colegas Alex Ferreira Oliveira e Elton Chávez, pela análise de PRM. Aos estagiários Milena Mascarenhas dos Santos Ximenes, Joel Bezerra Vieira, Laíse dos Santos Pereira e Samara Dantas Pinheiro, pelo auxílio na coleta de dados. 906 – Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (4): 893 - 909, 2009 Problemas relacionados a medicamentos em pacientes com doença de t r ata m e n to c o m b e n z o n i d a z o l e m Chagas durante F o r ta l e z a – C E Referências Andrade, A. L. et al. Randomised trial of efficacy of benznidazole in treatment of early Trypanosoma cruzi infection. Lancet, v. 348, n. 9039, p. 1407-1413, 1996. Bootman, J. 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