Figura 74 – Maquete da reforma do Portal de Branderburgo, Berlim, 1938, arqto. Albert Speer. (SPEER, 1941) Figura 75 – Perspectiva dos edifícios do Alto Comando do Exército e do Pavilhão do Soldado, a direita, arqto. Wilhelm Kreis, 1938, eixo monumental de Berlim. (SPEER, 1941) 196 ] Figura 76 – Vista da Avenida Unter den Linden,com adaptações para o eixo monumental, Berlim, 1938, arqto. Albert Speer. (SPEER, 1941) 197 Figura 77 – Estádio Olímpico de Berlim, 1936, arqto. Werner March. (SPEER, 1941) Figura 78 – Maquete do Aeroporto de Berlim, 1936, arqto. Ernest Sagebiel. (SPEER, 1941) 198 Figuras 79 e 80 – Praça Adolf Hitler em Weimar e Dresden, 1938, arqtos. Herman Giesler e Wilhelm Kreis, respectivamente. (SPEER, 1941) 199 CAPÍTULO 4: ARQUITETURA E PODER NO PERÍODO GETULISTA (1930/1945) No Rio de Janeiro, depois de construído o marco principal do movimento moderno, o edifício do Ministério da Educação e Saúde (1936-43), fez-se o do Ministério da Fazenda (1939-43), com o pórtico de estilo neogrego. [...] Eram dois mundos que se digladiavam com a agravante de que os edifícios estavam dispostos juntos um do outro e eram de igual importância, ambos de grande monumentalidade (SANTOS apud CAVALCANTI, 2006, p.7) 4.1. O Contexto histórico. O advento da República no Brasil não ocasionou mudanças na estética arquitetônica. O estilo que continuou a predominar nas cidades foi o Ecletismo. O Ecletismo foi um estilo arquitetônico que surgiu na Europa a partir do primeiro quartel do século XIX, aproximadamente, e foi utilizado até por volta da década de 1890. No Brasil, este tipo de arquitetura foi usado até aproximadamente a década de 194059. O Ecletismo era a mistura de estilos arquitetônicos do passado na mesma edificação, dividindo-se em ecletismo com predominância de um estilo sobre o outro e sem predominância. Quando da predominância, a classificação estilística da edificação priorizava o estilo mais evidente na composição desta e quando não havia predominância a classificação restringia-se apenas ao termo Eclético (PATETTA apud FABRIS, 1987, pp.10-23). 59 Apesar de ter sido explicitamente ignorado pela historiografia artística brasileira até por volta do início da década de 1980, o Ecletismo foi junto com o Neoclássico, o tema do II Congresso Nacional de História da Arte, em 1984, no Rio de Janeiro. 200 Não era objetivo dos arquitetos, quando da composição estética da edificação, uma elaboração que, de tão complexa em seus elementos, prejudicasse a identificação. Ao contrário, pois se houvesse a opção pela predominância, nada mais lógico que esta fosse facilmente identificável. Além desta almejada facilidade na identificação do estilo, havia recomendações no tocante ao predomínio, que acabaram de certa forma padronizando esta utilização, tanto na Europa como no Brasil, por exemplo: - Para catedrais e igrejas matrizes, padronizou-se o Neo-gótico como o estilo que deveria ser evidenciado, pois as maiores edificações já construídas pela cristandade foram as catedrais medievais, cujo estilo foi o Gótico. - Para pequenas igrejas, de âmbito paroquial, o estilo a ser evidenciado deveria ser o estilo Neo-românico, pois este remontava aos primórdios da Igreja Católica, também na Idade Média. - Em hospitais ligados a instituições religiosas a recomendação era novamente o predomínio do estilo Neogótico, pois elementos góticos remetiam com mais facilidade à identificação das instituições responsáveis por eles. - Em hospitais mantidos por instituições burguesas, o estilo recomendado para a priorização estilística era o Neo-renascimento, devido o estilo Renascentista ter sido apoiado e representado a burguesia na sua origem (PATETTA apud FABRIS, 1987, pp.10-23). 201 Cabe salientar que o Ecletismo valeu-se dos estilos de um momento anterior60, início do século XIX, cuja característica foi a revivescência de praticamente todos os estilos arquitetônicos da história, acrescidos do prefixo neo para informar o caráter de temporalidade da edificação. Em suma, segundo o arquiteto e historiador italiano Luciano Patetta: A cultura arquitetônica deleitou-se, por mais de cem anos, com o fato de ter acolhido os mais variados elementos lexicais, extraindo-os de todas as épocas e regiões, recompondo-os de diferentes maneiras, de acordo com princípios ideológicos, nos quais podem ser distinguidos, pelo menos, três correntes principais: a da composição estilística; [...] a do historicismo tipológico; [...] e a dos pastiches compositivos [...] (apud FABRIS, 1987, p.14-5). A inauguração deste momento em que a história foi a principal lente da humanidade; a citar a própria criação da Arqueologia e da tipologia museu neste período, foi o estilo Neoclássico, que trouxe para a arquitetura da segunda metade do século XIX, a imagem de racionalidade desejada pelos ideais iluministas franceses, localizada na antiguidade clássica greco-romana e representada na arquitetura pelo seu símbolo maior, o templo. É óbvio que este resgate restringiu-se ao caráter estético destas edificações, pois nem o exíguo programa e o sistema construtivos destes eram adequados aos usos propostos no século XIX, como edifícios administrativos, museus, escolas e bibliotecas, por exemplo. 60 Este momento anterior é de forma geral denominado de Historicismo, devido ao resgate de todos os estilos arquitetônicos já criados pelos arquitetos, e foi inaugurado pelo Neogótico, a partir das primeiras décadas do século XIX, na Europa. 202 Se houve um predomínio da utilização do estilo Neoclássico por parte do Estado 61, o Ecletismo foi o espelho na arquitetura da vontade de diversificação da burguesia. Uma burguesia que, ao mesmo tempo em que criava modismos estéticos que selecionavam a inserção de indivíduos neste grupo social, procurava também elementos estéticos de diferenciação dentro deste segmento. Além desta questão da diferenciação estética como fator de hierarquização social, houve também a diversificação tipológica urbana. As transformações socioeconômicas advindas da Revolução Industrial no início do século XIX se refletiram principalmente no cenário urbano. Apesar de o êxodo rural ter ocasionado sérias e irreversíveis conseqüências para o campo, estas mudanças eram na sua origem urbanas, afinal de contas, tanto os segmentos sociais que as promoveram, quanto às atividades produtivas deste processo foram essencialmente urbanos. Com a Revolução industrial houve um crescimento populacional nas cidades nunca antes conhecido pelo homem. Houve a necessidade de se oferecer novas tipologias arquitetônicas devido a esta grande demanda populacional, como grandes hospitais, conjuntos habitacionais, grandes silos e depósitos para armazenamento de alimentos, grandes mercados para distribuição, galpões industriais, estações ferroviárias e todo um parque ferroviário para manobras e manutenção das composições, galerias comerciais e lojas de departamentos, teatros de ópera, escolas, penitenciárias e etc., além de adequações e implantação da malha viária e da infraestrutura hidrosanitária. Como podemos depreender perante o exposto acima, o equacionamento das inúmeras variantes da urbanidade do século XIX, foi o grande desafio de todos os segmentos técnicos e políticos da sociedade de então. Aos arquitetos coube 61 A afirmação do estilo Neoclássico como o mais adequado para edificações estatais remonta à adoção deste pelos arquitetos da República Francesa advinda da Revolução Francesa de 1789, devido, segundo estes, à sintonia entre a imagem e ideologia, ou seja; o equilíbrio, a harmonia e a austeridade refletidas pela fachada de um templo grego, com a racionalidade iluminista embasadora do movimento revolucionário. 203 fornecer respostas no tocante às diversidades tipológicas e estéticas, justificando assim a criação e utilização do Ecletismo, em uma escala internacional. No Brasil a implantação do ecletismo teve motivação e clientela semelhantes. Tanto a arquitetura Neoclássica como a Eclética tiveram a sua introdução direta ou indiretamente ligada à vinda da família real portuguesa para o Brasil 62. O primeiro através da contratação direta de edificações neste estilo, pela contratação da Missão Artística Francesa de 1816 e pelo apoio à fundação da Academia Imperial de Belas Artes e o segundo pela abertura dos portos às “nações amigas”, subentendendo-se aqui, Inglaterra. A abertura dos portos propiciou o intercâmbio mais intenso com a Inglaterra, fazendo com que, além de produtos, técnicas construtivas e estilos diferentes dos tradicionais no Brasil fossem assimilados. Assim sendo, o Ecletismo esteve ligado desde a sua implantação no Brasil ao desejo de diferenciação de uma burguesia emergente, frente às inúmeras possibilidades de negócios que se descortinavam. Tanto os edifícios utilizados pelo Estado no Primeiro Império quanto no Segundo Império foram construídos predominantemente no estilo Neoclássico ou Eclético com predominância neoclássica. Mas de forma geral o que observamos foi o gradual crescimento na utilização do ecletismo em qualquer tipologia arquitetônica denotando a importância da burguesia em todas as instâncias. Inclusive entre um dos significativos segmentos da jovem nobreza brasileira que tinha seus títulos nobiliários originados das benesses reais, em conseqüência de seu poder econômico ligado à atividade comercial. 62 Segundo a historiadora de arte italiana, Giovanna Rosso Del Brenna, o primeiro episódio de arquitetura eclética no Brasil teria sido as intervenções do inglês John Johnston na edificação do comerciante Elias Antonio Lopes, tranformando-a na residência de Dom João VI, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, por volta de 1816 ( FABRIS, 1989, pp. 30-1) 204 Inicialmente, as transformações urbanas pelas quais passou a cidade do Rio de Janeiro estavam ligadas a tentativa de equiparação desta cidade colonial de imagem barroca, com o equivalente ao que se esperava da recém capital do Império, com a vinda da corte portuguesa. No entanto, essas ações foram tímidas se levadas em consideração as ambições da corte, embora significativas tendo-se em conta a realidade da cidade. Posteriormente, as mudanças estavam quase que exclusivamente mais ligadas a uma noção de embelezamento da cidade dentro de padrões burgueses, de enaltecimento destes como sinônimo de civilidade, do que como demarcação da presença do Estado. A centralização do poder político no período do Segundo Império não teve espelhamento nem na arquitetura e nem no cenário urbano. Os palacetes residenciais, os teatros, as lojas, os gabinetes de leitura, os cafés, as estações ferroviárias e os bulevares, por exemplo, eram antes o cenário de uma burguesia, da dinâmica das cidades pós Revolução Industrial, do que da opulência imperial. O Ecletismo de boa qualidade, ou seja, de composições harmoniosas e edifícios bem construídos esteve ligado diretamente à presença de ciclos econômicos pontuais, na maioria dos casos e a questões políticas em um segundo plano. Na região norte do país, tivemos a construção de boas edificações ecléticas devido ao ciclo econômico da borracha no início do século XX, principalmente nas cidades de Belém e Manaus63. Na cidade do Recife, grande parte dos edifícios ecléticos estava ligada ao ciclo do algodão entre as décadas de 1860 e 1870, no vácuo deixado pela ruína dos 63 Período compreendido entre 1870 e 1912, onde destacamos o Palacete Bolonha, do engenheiro Francisco Bolonha, de 1907, em Belém. 205 produtores norte-americanos, devido à Guerra da Secessão (1860-5), ocorrida justamente nos estados do sul dos Estados Unidos, onde estes viviam64. A nova capital do estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, fundada em 1898, teve seus edifícios construídos com o estilo da época, o Ecletismo65. Capital do Império, e depois da República, a cidade do Rio de Janeiro, sofreu inúmeras intervenções de cunho estético, visando sua adequação ao estilo arquitetônico em voga na Europa, o Ecletismo, pois como capital deveria dar o exemplo para outras cidades brasileiras66. Em São Paulo, os recursos advindos da cafeicultura, transformaram radicalmente a cidade, fazendo com que, em um curto espaço de aproximadamente quarenta anos (1870 a 1910), a antiga cidade de feições coloniais e construída com taipa desaparecesse, dando lugar a uma nova São Paulo, eclética e construída com tijolos67. No sul do país, principalmente nas cidades de Pelotas e Porto Alegre, a deflagração da Guerra do Paraguai (1865-70), fez aumentar a produção de charque para o abastecimento das tropas do Exército brasileiro, aquarteladas nesta região e com destino ao Paraguai. Foi um período de grandes lucros para os estancieiros gaúchos, fortalecendo e formando fortunas. As cidades citadas foram as maiores 64 Destacou-se na cidade do Recife a predominância do Neogótico pela significativa presença inglesa na região. 65 “A construção de Belo Horizonte significa, assim, a ruptura definitiva com a tradição colonial: a adoção dos novos estilemas, propostos pela era industrial, inscreve-se na recusa ao passado e na aspiração à modernidade” (SALGUEIRO apud FABRIS, 1987, p.107). 66 A abertura da Avenida Central, inaugurada em 15 de novembro de 1905, além de espelhar todas as possibilidades do ecletismo arquitetônico, através das fachadas de suas edificações, representou a ligação mais efetiva da cidade com uma nova área portuária. 67 Ver Benedito Lima de Toledo, São Paulo: três cidades em um século (São Paulo: Duas Cidades, 1983). 206 beneficiárias e como conseqüência passaram por uma reformulação estética de suas edificações, com a prevalência do Ecletismo68. A proclamação da República em 1889 e as conseqüentes mudanças político administrativas só reforçaram a opção estética pelo Ecletismo, tanto nas edificações oficiais como nas demais. Na verdade, os novos quadros administrativos que chegavam ao poder pertenciam, em sua maioria, aos mesmos segmentos sociais das elites do período imperial. Portanto, os gostos relacionados à estética arquitetônica eram muito semelhantes, destacando assim como diferencial republicano, as obras de infraestrutura urbana. As obras realizadas pelo prefeito Pereira Passos na cidade do Rio de Janeiro, a partir de 1902, foram emblemáticas dentro do espírito higienista e embelezador predominante no urbanismo vigente na Europa da época. Os edifícios necessários aos novos quadros administrativos da emergente República foram resultado de adaptações em edificações existentes, inclusive que haviam servido de residência para membros da nobreza brasileira, adquiridos para este fim. Poucas edificações foram construídas para o uso do Estado Republicano e as que o foram, em quase nada se diferenciavam dos modelos arquitetônicos anteriores (ROSSO DEL BRENNA apud FABRIS, 1987, pp. 53-61). A Primeira República foi marcada por um fortalecimento do poder político regional em detrimento do central; conseqüentemente, as edificações construídas na capital da República, para uso e representação do Estado possuíam a mesma escala de outras edificações relevantes no tecido urbano, como teatros, galerias comerciais e escolas, por exemplo. 68 As principais cidades beneficiárias deste período no Rio Grande do Sul foram Pelotas, Rio Pardo, São Pedro, São Leopoldo e principalmente, Porto Alegre. 207 Mesmo a recomendação da predominância do estilo Neoclássico dentro do ecletismo para as edificações governamentais deixou de ser uma exclusividade destes, pois museus, bibliotecas e escolas passaram também a apresentar esta característica em suas fachadas. Tanto os materiais quanto as técnicas construtivas eram as mesmas e sua utilização estava ligada antes à disponibilidade financeira do que a alguma prerrogativa tipológica. A escala utilizada nos edifícios do Estado era próxima da de outros edifícios públicos e também privados, independentemente da tipologia arquitetônica e utilizavam-se nestes, os mesmos elementos de atribuição de monumentalidade, como escadas monumentais, pórticos, pés direitos duplos ou triplos e materiais nobres nos revestimentos, como mármores e granitos. Portanto, a diferenciação era predominantemente estilística69. Conseqüentemente, não se pode falar em uma linguagem arquitetônica associada à República e nem em um estilo arquitetônico identificado com este novo regime político, que o representaria com clareza. O Ecletismo foi um estilo arquitetônico globalizante que não contemplava características estéticas locais, fazendo com que as grandes cidades ficassem com feições semelhantes, situando-as dentro de um padrão cultural. Manifestações com características muito regionais não eram vistas com bons olhos e consideradas inapropriadas dentro de um contexto cultural adequado. 69 A citar, por exemplo; de um dos escritórios mais importantes e atuantes nas primeiras décadas do século XX, o de Heitor de Mello, Francisque Cuchet e Arquimedes Memória; os edifícios do Jockey e do Derby Clube, do Catete, os palácios da Assembléia Legislativa e da Câmara dos Deputados e os quartéis da polícia. 208 O caráter dialético atribuído a evolução histórica a partir do Renascimento, fundando a ditadura do novo, onde se difundiu que o presente seria necessariamente uma evolução e o futuro, um objetivo certamente mais qualificado, embasou este período denominado Belle Époque, caracterizado por uma grande euforia frente às novas possibilidades. Este entusiasmo só foi dirimido com as atrocidades e carnificina da Primeira Guerra Mundial e a constatação de que o mesmo gênio criador era muito mais eficiente para destruir, colocando o homem em sua verdadeira condição. No campo artístico, havia uma incongruência bastante evidente. Uma sociedade que priorizava a ciência e conseqüentemente o futuro continuava a se expressar com uma linguagem alusiva ao passado. Fazíamos o futuro em edificações do passado, a ciência era envolta por uma roupagem estilística incompatível com sua essência. A expressão artística vigente não se constituía no que se esperava da arte, a manifestação sincera da essência humana de um determinado contexto, impelindo os artistas à procura de uma nova identidade. Em um primeiro momento, para fugir do referencial historicista do ecletismo, associado à incoerência citada, foi se buscar na natureza elementos para o desenvolvimento de uma nova linguagem, dando origem, nos anos 1890, à Arte Nova, com suas diversas expressões regionais, como o Art Nouveau francês e belga, o Jugendstil alemão e a Secessão austríaca (ARGAN, 1992, pp.199-208). No entanto, as mudanças propostas por estes, restringiram-se apenas ao repertório estético das fachadas e decoração dos interiores, permanecendo a postura projetual e a organização dos espaços semelhante à do ecletismo. Um passo já havia sido dado, no sentido da construção de uma nova linguagem arquitetônica. Mas, somente nas duas primeiras décadas do século XX surgiram os movimentos artísticos de vanguarda que promoveram a transformação radical necessária á adequação da expressão com os novos tempos. O objeto arquitetônico seria abstraído de todos os elementos que o identificariam com o universo 209 arquitetônico conhecido desde então, reduzindo a arquitetura à sua essência: formas geométricas puras (ARGAN, 1992, pp.324-68) Raramente na história da arquitetura houve uma busca de ruptura tão profunda entre as linguagens anterior e subseqüente e apesar de tal estética já ter sido proposta na segunda metade do século XVIII pelos revolucionários Boullée e Ledoux70, não houve a efetivação da construção de nenhuma edificação e uma rejeição a de tal estética por todos os segmentos da sociedade de maneira geral. O primeiro estilo a expressar a modernidade foi o Art Déco. Este fugia da estética historicista sem, no entanto abdicar totalmente da imagem vigente de o que seria arquitetura e até incorporando, em alguns casos, certa carga ornamental. Rompia-se, em alguns casos e pela primeira vez, com a tradicional composição arquitetônica de corpo, base e coroamento, salientando-se a verticalidade e o geometrismo das edificações, atribuindo uma dinâmica à composição, bastante adequada assim aos estes novos tempos, que tinham como premissas a velocidade e a mecanização. O Art Déco surgiu por volta de 1925, quando da Feira de Artes Decorativas de Paris, tendo como maior expoente o arquiteto Auguste Perret e sua exploração das possibilidades técnicas e estéticas do concreto armado. Este estilo se estendeu por toda a Europa, porém de forma tímida, alcançando mais aceitação nos Estados Unidos, onde através dos arranha-céus representou a pujança desta jovem nação. A base do estilo manteve-se, porém houve uma ramificação regional, fazendo com que 70 Os arquitetos franceses Étienne-Louis Boullée (1728-1799) e Claude-Nicolas Ledoux (1736-1806) que foram chamados de “arquitetos da Revolução” ou “visionários” ou “puristas”, começaram fazendo o Neoclássico na busca por uma arquitetura que expressasse os ideais racionalistas da Revolução Francesa e evoluíram para uma abstração que reduzia a arquitetura apena à composições com formas geométricas puras, antevendo para alguns modernistas, como Le Corbusier, o movimento moderno. 210 o Art Déco dos arranha-céus nova-iorquinos com suas características linhas escalonadas fizessem parte do imagético americano tanto quanto os tons cítricos e chamativos das edificações Déco de Miami, bem apropriados para uma cidade que pela sua localização geográfica sempre representou para os norte-americanos o lado paradisíaco e permissivo da urbanização regida pelo sol. No Brasil, antes do Art Déco e do Modernismo emergentes na década de 1920, desenvolveu-se uma variante tipicamente americana na disputa pela representação da modernidade arquitetônica deste período, em oposição ao tradicionalismo acadêmico, que foi o estilo Neocolonial. Apesar do caráter ainda historicista deste, ele inaugurou o debate sobre modernidade e nacionalismo na arquitetura 71, com posições defendidas com intensidade nunca antes vista no Brasil, chegando em alguns casos à esfera pessoal. Este estilo foi comum a todos os países americanos e sua variação residiu no referencial utilizado, mas obviamente, sempre no período colonial destes países, onde se formaram as primeiras matrizes arquitetônicas pela adaptação do Barroco Ibérico, com exceção do norte-americano, baseado no Neoclássico (AMARAL, 1994, pp.11-6). O estilo Neocolonial no Brasil originou-se em São Paulo através das obras dos arquitetos Ricardo Severo (1869-1940) e Victor Dubugras (1868-1933). O primeiro, de origem portuguesa, encantou as elites paulistanas em 1914, as famílias ditas “quatrocentonas” , com sua conferência intitulada “A Arte tradicional no Brasil: a 72 71 O caráter nacionalista desejado para a arte brasileira se apresentou primeiramente na literatura. Segundo Hugo Segawa, “O ufanismo de Affonso Celso inaugurava o patriotismo oficial; escritores como Euclides da Cunha (1866-1909) e Lima Barreto (1881-1922) teciam abordagens distintas daquelas prescritas na literatura do Velho Mundo. Não há registros escritos de debates dessa natureza no âmbito da arquitetura na primeira década do século 20. Todavia, a questão era latente, e, ao menos isoladamente, arquitetos manifestavam-se a respeito na esteira da discussão mais ampla” (SEGAWA, 1997, p.32). 72 O termo “quatrocentonas” é uma alusão à origem de algumas famílias paulistas; a citar, os Prado, os Souza Queirós, os Álvares Penteado e os Pacheco Chaves, por exemplo; localizada no século XVI, à época do IV Centenário da cidade de São Paulo, em 1954. 211 casa e o templo” onde enfatizava a necessidade de se desprender dos estilos historicistas do Ecletismo, por estes não possuírem nenhuma ligação com a história de nosso país. Ele apregoava que a construção de uma identidade brasileira nas artes passava necessariamente por uma revisão da arte portuguesa aqui implantada, gênese de nossa cultura. Tendo inicialmente se exilado em 1891, devido a questões políticas e radicando-se em definitivo no Brasil, em 1909, associou-se ao Escritório Técnico Ramos de Azevedo, onde obteve o respaldo prático para sua teorização. O segundo, de nacionalidade francesa, chegou a São Paulo em 1891, foi também colaborador do escritório de Ramos de Azevedo, projetando edifícios no estilo Art Nouveau e professor da Escola Politécnica. Projetou em 1919 a primeira realização do Neocolonial no Brasil, as escadarias do Largo da Memória, na cidade de São Paulo e em 1922 o conjunto de edificações na estrada velha para Santos em comemoração aos cem anos da independência brasileira. No entanto, foi na cidade do Rio de Janeiro que este estilo alcançou a dimensão de parâmetro a ser seguido por todos os arquitetos saídos da Escola Nacional de Belas Artes. Seu diretor, o médico e historiador de arte, José Mariano Filho (1881-1946), mesmo não sendo arquiteto nem artista plástico, foi o maior defensor e propagador desta estética, através de discursos e teorias de legitimação do caráter nacionalista do Neocolonial, a citar os Dez Mandamentos do Estilo Neocolonial, de sua autoria, onde de forma pragmática, especificava-se o que era e como deveria ser utilizado o Neocolonial. Foi o criador da própria denominação do movimento e foi decisivo na escolha do governo pelo estilo Neocolonial para os pavilhões brasileiros nas Exposições Internacionais da Filadélfia (1925) e de Sevilha (1928). O Neocolonial foi usado em qualquer tipologia arquitetônica, de pequenas residências a grandes edifícios públicos, atingindo o seu ápice na década de 1920. Sua maior demonstração de prestígio ocorreu em 1922, dentro das efemérides comemorativas do centenário da independência brasileira, através de sua utilização 212 na construção de inúmeros pavilhões na Exposição Internacional comemorativa deste fato: o das Pequenas Indústrias, de Nestor Figueiredo e C. San Juan, que tinha como referência o Convento de São Francisco da Ordem Primeira, em Salvador; o da Caça e Pesca, de Armando de Oliveira, com referências da arquitetura rural nordestina e o das Grandes Indústrias, de Arquimedes Memória e Francisque Cuchet. Outro aspecto relevante da arquitetura Neocolonial era o enaltecimento do caráter de verdade construtiva das edificações do período colonial brasileiro, resvalando assim em um caráter de vernacularidade que estas possuiriam, atribuindo esta característica às justificativas da modernidade do Neocolonial. Mas com a banalização deste repertório, ou seja, a utilização destes elementos arquitetônicos fora da sua contextualidade levou ao “pastiche” cenográfico . O último exemplar 73 importante da arquitetura Neocolonial foi o edifício da Faculdade de Direito de São Paulo, de 1939, do arquiteto Ricardo Severo e o maior conjunto urbano Neocolonial construído foi justamente na cidade de Ouro Preto, reconstruindo o cenário “colonial” após a década de 1920. O Art Déco também teve muita aceitação no Brasil, fazendo-se presente nas edificações das principais cidades brasileiras concomitantemente com o Ecletismo, o Neocolonial e o próprio Modernismo emergente, como já citado anteriormente. A primeira edificação moderna construída no Brasil - um edifício de apartamentos na Avenida Angélica, nº 172, São Paulo – Capital, de 1927, do arquiteto Júlio de Abreu Júnior, foi uma exceção no conjunto de sua obra, mais voltada a soluções tradicionais e ao Art Déco (XAVIER, 1983, p.1). 73 Uma das principais críticas de Lúcio Costa ao Neocolonial, que ele aprendeu na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, durante o seu curso de arquitetura, e executou depois de formado, era justamente sobre este caráter cenográfico que o estilo possuía e que ele havia comprovado quando de sua viagem para a cidade histórica de Diamantina, em 1922. Lá ele pôde comprovar a distância entre o discurso acadêmico da “verdade da arquitetura colonial” e a verdade construtiva propriamente dita daquela arquitetura, segundo conclusão dele mesmo (COSTA, 1995, p.27). 213 A partir da década de 1930, durante o novo governo instituído, o Déco foi uma das vertentes arquitetônicas mais freqüentes no cenário das cidades brasileiras, principalmente no Rio de Janeiro, utilizado inclusive como representante da modernidade apregoada durante o processo revolucionário de implantação de uma nova estrutura de Estado. São exemplos importantes deste estilo no Rio de Janeiro, então Capital Federal: a Estação D. Pedro II - Central do Brasil, de 1937, projeto do arquiteto Roberto Magno de Carvalho e Escritório Robert R. Prentice (Geza Heller e Adalberto Szilard); o Palácio Duque de Caxias - Ministério da Guerra, de 1935, projeto do arquiteto Christiano Stockler das Neves; o edifício A Noite, de 1929, dos arquitetos Joseph Gire e Elisiário da Cunha Bahiana; o Edifício Unidos, de 1937, do arquiteto Luiz Fossati; o Palácio do Comércio, de 1937, dos arquitetos Henri Paul Pierre Sajous e Auguste Rendu; o edifício Guinle, de 1928, do escritório Gusmão, Dourado & Baldassini Ltda; o Tribunal Regional do Trabalho – Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, de 1936, do arquiteto Mario Santos Maia; além do símbolo da cidade, o Monumento ao Cristo Redentor, 1926/1931, do arquiteto Heitor da Silva Costa. Todavia, apesar da existência de algumas diferenciações regionais, estas não se constituíram em uma identidade arquitetônica específica o bastante para que pudessem construir uma linguagem local, e muito menos nacional. A arquitetura Art Déco no Brasil até representava a modernidade vigente, porém sua capacidade de expressar um caráter nacionalista era frágil ou inexistente, constituindo-se assim no oposto do Neocolonial. Mas apesar da arquitetura Art Déco não ter este caráter nacionalista desejado, ela tinha uma escala de monumentalidade e onipresença imprescindíveis a imagem de modernidade desejada para a construção de edifícios para o novo Estado. Portanto, a arquitetura Neocolonial só atendia aos anseios do Estado no quesito que justamente faltava à arquitetura Art Déco, a nacionalidade. No que concenia à modernidade e monumentalidade, ela não atendia, tanto que não foi utilizada para a 214 construção de edifícios estatais, à exceção da Escola Normal do Distrito Federal, conhecida como Instituto de Educação74. No Brasil, a dinâmica da transformação da estética arquitetônica teve um componente diferente do europeu. Enquanto na Europa o Modernismo teve como inimigo a História, no Brasil o modernismo teve como uma das principais bases, a construção do caráter nacional pautado na herança de um determinado segmento da história do país. Desde o início da construção de uma linguagem artística genuinamente brasileira no século XX, procurou-se elaborar o imbricamento entre a contemporaneidade dos movimentos da vanguarda artística internacional e uma originalidade advinda de especificidades e particularidades. O próprio Oswald de Andrade, ao tomar contato com o Futurismo italiano em 1913, em uma de suas viagens, de imediato associou as premissas deste movimento à sua São Paulo, palco de frenéticas transformações urbanas desde a virada do século XIX para o XX. A história que Tomaso Marinetti e seus companheiros propunham eliminar era a mesma que mal acabava de ser implantada na cidade de São Paulo, através da arquitetura Eclética. No entanto Oswald de Andrade havia se encantando com a verve revolucionária da oratória futurista e retornando a São Paulo propalaria as benesses de tal movimento para as artes de então. Apesar de à época nenhuma proposta do arquiteto do grupo futurista, Antonio Sant‟Elia, ter sido construída, como também não o foi posteriormente, a escala das edificações impressionou Oswald de Andrade, que viu naqueles croquis de edifícios e de cenários urbanos, uma noção de progresso materializada. 74 Projeto dos arquitetos Ângelo Brunhs e José Cortez, 1928-1930, na Tijuca, cidade do Rio de Janeiro. 215 Em fins de 1917, Anita Malfatti promoveu uma exposição de sua produção atual que, se não era completamente inserida nas estéticas das vanguardas modernas, já procurava alguma noção de identidade nacional, pelo uso incomum e surpreendente de cores vivas. Estas obras foram duramente criticadas por Monteiro Lobato, um dos críticos mais prestigiados de então, mas foi a crítica à modernidade destas pinturas que aglutinou a formação do futuro grupo modernista em sua defesa. Quanto à arquitetura, continuávamos presos ao Ecletismo e ao Neocolonial, sinônimo de modernidade até então. Durante A Semana de Arte Moderna de 1922, ocorrida em São Paulo, a arquitetura participou com alguns croquis dos arquitetos Antonio Garcia Moya e Georg Przyrembel que não representavam nenhuma das vanguardas modernas internacionais, mas eram apenas estranhas aos cânones Beaux-arts, sendo que o primeiro apresentou edificações de referencial maia e asteca e o segundo uma leitura particular do neocolonial. Arquitetura Moderna propriamente dita iniciou-se só a partir da já citada edificação na Avenida Angélica, em São Paulo do arquiteto Julio de Abreu Junior e, principalmente pelo intermitente trabalho teórico e construtivo no sentido de implantar esta nova linguagem, do arquiteto ucraniano Gregori Warchavchik (18961972).75 Tendo como ponto de partida sua própria residência, na Rua Santa Cruz, também na cidade de São Paulo, este arquiteto publicou em alguns periódicos de então, artigos com a finalidade de explicar aos leigos em arquitetura a proposta daquela nova linguagem, além de construir assiduamente inúmeras edificações modernas.76 75 Cabe lembrar que Gregori Warchavchik foi discípulo do arquiteto Marcelo Piacentini, criador do Tardoclassicismo quando estudou no Instituto Superior de Belas Artes, em Roma, e depois de formado foi seu assistente de1920 a 1922. 76 “Futurismo”, no jornal Il Picolo, de São Paulo e “Acerca da arquitetura moderna”, no jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, ambos em 1925. 216 Composições de cubos brancos embasados no solo, clara influência do arquiteto Walter Gropius, com raras concessões aos pilotis de Le Corbusier, desprovidas de qualquer ornamentação, com uma estética funcionalista e desvinculada de propósitos ligados à expressão de identidades regionais e/ou nacionais. A exceção ficou por conta do paisagismo em que utilizou espécimes nativos, o que não era um padrão projetual do paisagismo da época. A escala humana e a simplicidade destas edificações, apesar de edificadas, em sua maioria, para membros da elite paulistana, pessoas de hábitos sofisticados e seguidores de códigos tradicionalistas de etiqueta, demonstram a vontade de se inserir em um novo conceito do que vinha a ser modernidade, pautada pela praticidade e velocidade das primeiras décadas do século XX. Esta arquitetura restringiu-se ao âmbito habitacional, não se constituindo em referência para edificações de grande porte fossem de uso comercial, residencial ou estatal, até por volta da década de 1930, quando arquitetos adeptos desta nova linguagem empreenderam esforços projetuais e construtivos na busca do partido moderno vertical, voltado aos diversos usos. São exemplos desta busca neste período: o Albergue da Boa Vontade, na cidade do Rio de Janeiro, de 1931, de Affonso Eduardo Reidy e Gerson Pompeu Pinheiro; o edifício residencial Columbus, na cidade de São Paulo, de 1932, de Rino Levi; o edifício-sede do Instituto de Pensão e Aposentadoria dos Servidores do Estado, na cidade do Rio de Janeiro, de 1933, de Paulo Antunes Ribeiro; o edifício multifuncional Esther, na cidade de São Paulo, de 1935, de Álvaro Vital Brazil e Adhemar Marinho; o edifício residencial Jarau, na cidade do Rio de Janeiro, de 1935, de Firmino Saldanha; o Asilo São Luís, na cidade do Rio de Janeiro, de 1935, de Paulo Camargo e Almeida; o edifício do Ministério da Educação e Saúde, na cidade do Rio de Janeiro, de 1936, de Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Carlos Leão, Jorge Machado Moreira, Affonso Eduardo Reidy e Ernani Vasconcelos; o edifíciosede da Associação Brasileira de Imprensa, na cidade do Rio de Janeiro, de 1936, de Marcelo e Milton Roberto; os edifícios do Hangar e do Aeroporto Santos Dumont, na cidade do Rio de Janeiro, de 1937, de Marcelo e Milton Roberto; o edifício da 217 Estação de Hidroaviões, na cidade do Rio de Janeiro, de 1937, de Attílio Correa Lima e o edifício-sede da Liga Brasileira contra Tuberculose, na cidade do Rio de Janeiro, de 1937, de Marcelo, Milton e Maurício Roberto. Como se pode facilmente observar pela relação acima, o único edifício destinado a abrigar um órgão governamental, e conseqüentemente também com a função de contribuir para a construção do imagético desejado por este novo Estado, foi o do MES, que mesmo assim só foi concluído em 1943, já no final do governo de Getúlio Vargas. E esta observação poderia indicar que o modernismo, provavelmente, não poderia fornecer os elementos arquitetônicos necessários para a construção da imagem de um Estado forte e, onipresente, apesar de que especificamente este edifício os apresenta, como iremos abordar mais adiante. Em São Paulo, paralelamente à atuação de Warchavchik e dentro da vertente modernista, ainda que de forma tímida inicialmente, tivemos o arquiteto Rino Levi (1901-65), que cursou a Escola de Belas Artes de Milão e a Real Escola Superior de Arquitetura de Roma, em 1920; o engenheiro-arquiteto Oswaldo Arthur Bratke (19071997), que se graduou na Escola de Engenharia do Mackenzie, em São Paulo, em 1931; e o engenheiro Flávio de Carvalho (1899-1973), formado em engenharia na Inglaterra em 1922. Em 1925, Rino Levi enviou para São Paulo um artigo intitulado “A Arquitetura e a Estética das Cidades”, publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 15 de outubro. No artigo ele exaltava os progressos técnicos ocorridos na área da construção civil, bem como apontava para a incompatibilidade destes com a estética arquitetônica vigente. Após constituir escritório, destacou-se pela abordagem abrangente das possibilidades de atuação de um arquiteto, projetando qualquer tipologia arquitetônica, desde residências até planos urbanos. Discerniu as particularidades e especificidades das áreas de projeto e construção, projetando e não construindo, em alguns casos e valorizando o trabalho em equipe, inclusive multidisciplinares. 218 Devido a esta abrangência, desenvolveu novas soluções para programas complexos, de acordo com o avanço tecnológico das áreas específicas e da própria construção civil, como no caso dos projetos para cinemas, cinemas com hotéis e fábricas. No entanto, quando da necessidade de atribuir à edificação atributos como nobreza, imponência e monumentalidade, recorreu a soluções tradicionais, como a utilização de pórtico frontal com altura diferenciada, recaindo na típica divisão base, corpo e coroamento, mesmo que estereotipados, além da presença de materiais nobres, como mármores e granitos. A linguagem moderna ainda não tinha a solução para a construção de “palácios”, nesta experimental década de 1930. Oswaldo Bratke destacou-se pela constante experimentação na busca da coerência entre materiais e linguagem arquitetônica, aliando aos seus ateliers de projeto, canteiros para desenvolvimento de novos materiais e técnicas. Seus espaços eram racionais e fluidos, tendo também projetado inúmeras tipologias arquitetônicas, destacando-se residências e edifícios comerciais. Da mesma forma que Rino Levi e Eduardo Knese Mello, também optou, a partir do início da década de 1940 por apenas projetar e não necessariamente construir. Flávio de Carvalho destacou-se neste cenário muito mais como provocador e contestador profissional, do que como construtor, envolvendo-se em polêmicas em todos os concursos arquitetônicos dos quais participou, remetendo-as às questões basilares da modernidade77. Apesar da importante contribuição destes arquitetos para a afirmação da arquitetura modernista entre nós, através de bons projetos e do desenvolvimento de materiais e técnicas emergentes, não se pode falar em uma escola paulista de arquitetura moderna. Mesmo com as semelhanças existentes entre os trabalhos dos arquitetos citados, não havia uma preocupação em se compor um corpo teórico único que 77 A única obra urbana de Flávio de Carvalho foi um conjunto de 17 casas entre as alamedas Lorena e Ministro Rocha Azevedo, na cidade de São Paulo, em 1933, no estilo modernista, e que hoje se encontram, na sua maioria, bem descaracterizadas. 219 justifica-se tal denominação (BRUAND, 1981, pp. 269-281). Eram escritórios independentes com visões específicas, como eram também neste período os escritórios de Carlos da Silva Prado e Jayme da Silva Telles, que tiveram pouca produção (SEGAWA, 1997, pp. 51-2). Foi somente a partir da Revolução de 1930, com a reestruturação do Estado, que o tema Palácio governamental e de outros edifícios de uso público se constituíram em novo desafio. Havia o desafio de ligar as novas necessidades do novo Estado com uma imagem de modernidade a ser impressa nas novas edificações. Nem no exterior havia exemplos desta temática, criada na década de 1930. Tanto na Itália, quanto na Alemanha, que também estavam reestruturando o aparelho estatal devido à implantação de regimes totalitários, a linguagem dos edifícios governamentais eleita havia sido prioritariamente o Tardo- classicismo e não o Modernismo. Na cidade do Rio de Janeiro, esta questão tornou-se premente, pelo fato desta ser a capital e, portanto, concentrar a administração federal, além da estadual e do Distrito Federal. Boa parte da estrutura pré existente continuou a existir, com poucas alterações, apenas substituindo-se nomes. No entanto, novas autarquias foram criadas e algumas ampliadas, requerendo a adaptação de espaços existentes e a criação de novos. São exemplos deste período os edifícios dos Ministérios do Trabalho, Comércio e Indústria (1936-8); Educação e Saúde (1936-43), Fazenda (1938-43); Marinha (1934-8); Guerra (1938-42) e da Central do Brasil (1936-40). Pode-se considerar como marco iniciador do modernismo no Rio de Janeiro a implantação do curso de arquitetura moderna na Escola Nacional de Belas Artes por Lúcio Costa quando de sua curta permanência na diretoria desta escola, de outubro de 1930 até setembro de 1931. O convite para a direção partiu de Rodrigo Mello Franco de Andrade, então chefe de gabinete do Ministério de Educação e Saúde, ligado aos escritores modernos, como Carlos Drummond de Andrade, que inclusive o substituiu na chefia do gabinete, quando Rodrigo assumiu o SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). 220 Lúcio Costa havia se formado em 1924 dentro dos moldes do Neocolonial vigente na escola, sob direção de José Mariano Filho, tendo sido um dos melhores alunos desta instituição. Tornou-se um dos maiores conhecedores da arte e arquitetura do período colonial e suas primeiras realizações arquitetônicas foram fieis representantes das premissas neocoloniais. No entanto, segundo palavras do próprio Lúcio Costa, a constatação do caráter cenográfico da arquitetura Neocolonial após uma viagem de estudos às Cidades Históricas de Minas Gerais, somada à pertinência do discurso de Le Corbusier , em 1929, no auditório da escola Nacional de Belas Artes, no que concernia à necessidade das edificações expressarem sua verdade construtiva, sem embustes de qualquer espécie, influenciou-o profundamente, a ponto de convencê-lo do novo caminho a ser adotado pela escola (COSTA, 1995, pp.108-16). Assim, quando da oportunidade da mudança, ela foi aplicada nas artes e na arquitetura, através de um novo projeto pedagógico e do convite a artistas e profissionais de vanguarda para lecionar. Na arquitetura, o convite recaiu sobre os nomes do russo Gregori Warchavchik, do belga Alexander Buddeus e do francobrasileiro Affonso Eduardo Reidy: A reforma visará aparelhar a escola de um ensino técnico-científico tanto quanto possível perfeito, e orientar o ensino artístico no sentido de uma perfeita harmonia com a construção. Os clássicos serão estudados como disciplina; os estilos históricos como orientação crítica e não para aplicação direta (COSTA, 1995, p.68). Apesar da curta sobrevivência deste curso, parcela significativa dos estudantes já havia sido influenciada por essa nova arquitetura. Porém não se deve desconsiderar que, incluídos conceitualmente, neste e grupo, que também optaram por estavam esta alunos linguagem descompromissados pela facilidade de representação gráfica. Foi o grupo consciente da mudança, que compôs a chamada primeira geração do modernismo na arquitetura brasileira, que foi chamada de 221 Escola Carioca de Arquitetura Moderna por Mário de Andrade pela primeira vez 78. Fizeram parte do grupo nomes como Álvaro Vital Brazil (1909-97), Carlos Leão (1906-83), Ernani Vasconcelos (1909-88), Jorge Machado Moreira (1904-92), Luís Nunes (1908-37), Marcelo Roberto (1908-64), Milton Roberto (1914-53) e Oscar Niemeyer (1907). O diferencial residiu principalmente na preocupação de se atribuir à arquitetura moderna internacional uma roupagem nacionalista. Este processo se deu pela interferência direta de Lúcio Costa, através da utilização de elementos arquitetônicos tipicamente brasileiros, ligados à proteção da insolação, sistemas construtivos e equacionamento de programas de necessidades. Neste aspecto, a sociedade com Warchavchik (1931-4) serviu de escola prática sobre as premissas desta nova arquitetura e o período de ostracismo vivido após a demissão da Escola Nacional de Belas Artes até o início do projeto do Ministério da Educação e Saúde Pública (1935), deu-lhe o tempo para estudar e conhecer mais profundamente as teorias que embasavam esta arquitetura. A diversidade de formas e materiais, o uso de brises soleil (quebra-sol), cobogós (elementos vazados), pérgulas e marquises, aliada a jardins internos e externos tornaram-se gradativamente uma marca desta arquitetura, acompanhada pelo aperfeiçoamento no uso do concreto armado e a conseqüente exploração de suas possibilidades estruturais e plásticas. Este período de transição e criação de uma nova linguagem na arquitetura brasileira é o mote da obra Razões da Nova Arquitetura, de Lúcio Costa, escrita entre 1934 e 1935, que também previu, de maneira geral, a afirmação desta linguagem como hegemônica, num curto espaço de tempo79. No que tange à divulgação desta 78 “A primeira escola, o que se pode chamar legitimamente de ‘escola’ de arquitetura moderna no Brasil, foi a do Rio, com Lucio Costa à frente, e ainda inigualada até hoje.”(ANDRADE apud CAVALCANTI, 2006, p. 7) 79 “Na evolução da arquitetura, ou seja, nas transformações sucessivas por que tem passado a sociedade, os períodos de transição se têm feito notar pela incapacidade dos contemporâneos no julgar do vulto e alcance da 222 arquitetura, o primeiro e principal veículo foi a Revista da Diretoria de Engenharia, periódico da repartição oficial da Prefeitura do Distrito Federal, conhecida posteriormente como PDF (Prefeitura do Distrito Federal), iniciada em 1932, tendo como co-fundadora e secretária, depois diretora, a engenheira Carmen Portinho. Esta revista só publicava obras e projetos modernos, artigos técnicos ligados principalmente ao desenvolvimento da engenharia do concreto armado e do conforto térmico no Brasil, além de matérias internacionais ligadas ao Modernismo, tendo contemplado as primeiras obras de Warchavchik e Lúcio Costa, dos arquitetos acima citados e do departamento de arquitetura da Prefeitura do Distrito Federal, que tinha como funcionário Affonso Eduardo Reidy. Foi pela a presença deste arquiteto, Reidy, na estrutura do Estado, que favoreceu a implantação da arquitetura moderna, fazendo com que, gradualmente, vários equipamentos urbanos da cidade do Rio de Janeiro adquirissem esta feição, a partir de 1932, atingindo a maior escala quando do convite de Lúcio Costa para participar do primeiro edifício público modernista, o do MES. Cabe salientar também a atuação do arquiteto Luís Nunes e equipe, na cidade do Recife, no recém criado Departamento de Arquitetura e Construção (DAC), em 19345 e Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU), em 1936-7, com propostas pautadas na racionalidade tanto das formas como dos sistemas construtivos e na otimização dos recursos disponíveis, com requalificação profissional, pesquisa para o desenvolvimento de novos materiais e métodos de trabalho com seriação de etapas. Os programas a serem formulados e equacionados estavam relacionados à implantação de serviços públicos novos, oriundos dos avanços científicos que nova realidade cuja marcha pretendem sistematicamente deter. A cena é, então, invariavelmente a mesma: gastas as energias que mantinham o equilíbrio anterior, rompida a unidade, uma fase imprecisa e mais ou menos longa sucede, até que, sob atuação de forças convergentes, a perdida coesão se restitui e novo equilíbrio se estabelece. (COSTA apud XAVIER, 2003, pp. 39-40) 223 deveriam ser colocados ao dispor da população, segundo a plataforma política do interventor no Estado de Pernambuco, Carlos de Lima Cavalcanti (1892-1967). São obras deste período em Recife: o Hospital da Brigada Militar, a Escola Rural Alberto Torres, a Usina Higienizadora de Leite, o Leprosário de Mirueira , o Pavilhão de Verificação de Óbitos da Faculdade de Medicina e o Reservatório de Água de Olinda. Os trabalhos foram interrompidos em 1937 com o golpe do Estado Novo e a morte de Luís Nunes. Seus principais colaboradores, os arquitetos Fernando Saturnino de Brito e Roberto Burle Marx e o engenheiro Joaquim Cardozo se transferiram para o Rio de Janeiro e passaram a trabalharam continuamente com o grupo carioca. Na Capital Federal a presença dos arquitetos da Escola Carioca de Arquitetura Moderna foi se tornando gradativamente mais freqüente, como por exemplo, com a vitória dos Irmãos Roberto nos concursos da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em 1936 e para o Aeroporto Santos Dumont em 1937, em que foram apresentadas propostas em conformidade com os cânones Corbusianos dos Cinco Pontos da Arquitetura Moderna, as ressalvas oriundas do entorno e priorizando as questões relacionadas à insolação. Em 1938 foram concluídas as obras da Estação de Hidroaviões, projeto dos arquitetos Attilio Correia Lima, Jorge Ferreira, Renato Mesquita dos Santos, Renato Soeiro e Thomas Estrela. Cabe salientar que a opção pela estética modernista da maioria dos edifícios aeroportuários construídos no período compreendido entre as décadas de 1930 e 1940, residiu muito mais nas questões de caráter funcionalista/operacional dos programas de necessidades predominante nestas tipologias, do que em uma concordância estilística por parte do Estado. 224 Outro fato muito importante neste processo de adoção desta nova linguagem arquitetônica para a construção de edifícios estatais ou representativos do Estado foi a escolha do projeto do arquiteto Lúcio Costa para o Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York, em 1939-40. A escolha por um projeto modernista era uma premissa, visto que somente arquitetos adeptos desta linguagem haviam sido convidados, uma vez que os próprios organizadores norte americanos já haviam estipulado esta condição, excluindo qualquer estilo historicista para pavilhões estrangeiros, restringindo seu uso aos regionais norte americanos. Esta imposição levou o governo brasileiro a suspender um decreto presidencial de 1922 que obrigava o uso do estilo Neocolonial para qualquer edificação que fosse representar o país no exterior. Apesar de sua vitória, o arquiteto Lúcio Costa convidou o arquiteto Oscar Niemeyer para juntos executarem um novo projeto, por ter reconhecido no projeto deste, qualidades relacionadas ao arrojo plástico necessário para evidenciar o pavilhão brasileiro. Era uma edificação de três pavimentos, com estrutura mista de aço e concreto, formado por dois grandes volumes prismáticos em “L” gerando um pátio interno que continha um espelho d‟água com espécimes tropicais, projetado por Burle Marx. As faces de um dos volumes eram curvas e integravam-se com a rampa de acesso. Os cobogós da fachada de acesso também eram elementos que se destacavam no conjunto geral. Essa arquitetura antecipava as futuras experimentações plásticas de Niemeyer, nos edifícios do conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte, em 1942-3 e já insinuava o início do capítulo brasileiro na história da arquitetura moderna mundial. A sinuosidade e a leveza do concreto desta edificação chamaram a atenção dos críticos, nas só pelas questões de ordem técnica, como pela abertura de novas 225 possibilidades estéticas dentro do ideário modernista (CAVALCANTI, 2006, pp.1845). A segunda metade da década de 1930 foi marcada por concursos de anteprojetos para os efifícios-sede dos novos ministérios e de novas edificações para ministérios já existentes, bem como a construção direta para outros. Em 1935 foi aberto o concurso para a nova sede do Ministério da Educação e Saúde e em 1936 para o Ministério da Fazenda. Os edifícios para o Ministério da Marinha (1934-8); para o Ministério do Trabalho, Comércio e Indústria (1936-8) e para o Ministério da Guerra (1938-42), foram construídos sem concurso. A área escolhida para a implantação destas novas edificações foi a esplanada do Castelo, obtida com o arrasamento do tradicional morro do mesmo nome, seguindo o Plano Agache, no processo de ocupação de áreas necessárias devido ao crescimento urbano. Foram construídos fora da esplanada, o edifício do Ministério da Guerra, na Praça Duque de Caxias, no eixo da nova Avenida Presidente Vargas e o do Ministério da Marinha, próximo à Praça XV. O concurso para o MES foi vencido pelos arquitetos Archimedes Memória e Francisque Cuchet, uma proposta com destaque para a ornamentação marajoara. Estes arquitetos formavam o mais prestigiado escritório de arquitetura da cidade do Rio de Janeiro e Archimedes Memória era o diretor da ENBA desde a demissão de Lúcio Costa deste cargo. Considerando-se que o corpo de jurados era formado em parte por membros de tal escola, não foi surpresa a não seleção de todas as propostas que haviam utilizado o repertório modernista, mesmo que não integralmente. 226 Apesar da dimensão dos ganhadores no cenário arquitetônico e cultural do Rio de Janeiro, o ministro Gustavo Capanema, não satisfeito com o resultado, pagou o prêmio aos ganhadores, mas não adotou o projeto para a construção do edifício do Ministério. Não que o ministro fosse adepto do modernismo, pois na verdade não havia ainda clareza em como este estilo racionalista, sem roupagem e escala monumentalista, iria aglutinar os anseios de caráter simbólico ao extenso programa de necessidades. Mas de uma coisa o ministro tinha certeza, independentemente da influência de seus subordinados modernistas, como Rodrigo Mello Franco de Andrade e Carlos Drummond de Andrade: não era aquela a imagem de modernidade almejada pelo seu ministério e nem a visão governista neste aspecto (CAVALCANTI, 2006, p.39). Qual seria esta imagem? Esta questão no momento não tinha uma resposta única e definitiva. O próprio Lúcio Costa quando convidado a desenvolver o novo projeto, chamou os demais participantes do concurso com propostas modernas para integrarem uma equipe que se incumbiria da difícil empreitada. Afinal de contas, aquele seria o primeiro “palácio” governamental a ser construído no mundo e nem mesmo Le Corbusier já havia trabalhado naquela escala e com objetivos a serem cumpridos que pareciam ambíguos: austeridade e imponência, modernidade e tradição e todos rumo a um caráter de brasilidade. 227 4.2. Inventário da arquitetura estatal na cidade do Rio de Janeiro, de 1930 a 1945. 4.2.1. Urbanismo Figura 81 – O Prefeito Henrique Dodsworth apresenta a maquete do “Plano da Cidade do Rio de Janeiro” a Getúlio Vargas, em 1939. (CAVALCANTI, 2006) Durante a gestão do prefeito Henrique Dodsworth (1937-45) foi restabelecida a Comissão do Plano da Cidade, constituída por engenheiros e arquitetos lotados nos quadros funcionais da cidade do Rio de Janeiro e do Serviço Técnico do Plano da Cidade, órgão criado no período compreendido entre 1926 a 1930 na conjuntura do Plano Agache80, na gestão do prefeito Prado Júnior. Tal comissão havia sido 80 Alfred Hubert Donat Agache (1875-1959): arquiteto e urbanista francês responsável na Europa, a partir de 1919, pelos Planos de Urbanização de Paris, de Dunquerque, de Poitiers, de Dieppe, de Orleans e de Lisboa. 228 dissolvida na gestão de Pedro Ernesto (1931-6) sem a implantação de nenhuma das propostas de Agache, e agora, com o advento do Estado Novo, e a conseqüente maior autonomia do Executivo, novas perspectivas se delineavam. Retomou-se o Plano Agache, readequando-se suas propostas às novas condições da cidade do Rio de Janeiro, levando-se em conta as obras do Aeroporto Santos Dumont e a eletrificação da Estrada de Ferro Central do Brasil nos subúrbios, constituindo assim, no setor viário, o Plano de Extensão e Transformação da Cidade, cuja implantação foi delegada à liderança do engenheiro Edison Junqueira Passos, diretor da Secretaria de Viação e Obras do Distrito Federal. Faziam parte do escopo deste plano: “a Avenida Presidente Vargas, a remodelação das quadras do centro, a Avenida Brasil, a Avenida Tijuca, o Corte do Cantagalo, a urbanização do Botafogo, a remodelação da Floresta da Tijuca e a duplicação do túnel do Leme” (SILVA LEME, 1999, p.365). Desde 1857 havia a intenção de se ligar a Avenida do Mangue até o mar, visto tratativas entre o poder público e o Barão de Mauá81, neste sentido. O Plano Agache, corroborou a visão do barão, recomendando a abertura de tal avenida, que em 1938 foi incluída no escopo das intervenções a serem implantadas pelo Serviço Técnico do Plano da Cidade. Em 1927 vem ao Brasil para a elaboração do Plano do Distrito Federal, a cidade do Rio de Janeiro, permanecendo por aqui por três anos para a finalização dos trabalhos. Ver Cidade do Rio de Janeiro, extensão, remodelação e embelezamento. Paris: Foyer Bresilien, 1930. 81 O Barão de Mauá, Irineu Evangelista de Souza, esteve envolvido em propostas de melhoramentos da cidade do Rio de Janeiro durante todo o Segundo Império, a começar pela implantação das ferrovias de Porto da Pedra e para a cidade de Petrópolis. 229 As desapropriações necessárias para a abertura da Avenida Presidente Vargas foram efetivadas a partir de 194082, com um total de 600 edificações demolidas (SILVA LEME, 1999, p.365). Em 07 de setembro de 1944, a avenida foi inaugurada pelo próprio presidente Getúlio Vargas e todo seu ministério, com desfile de escolares, trabalhadores e militares, com toda a pompa que marcou todas as manifestações do Estado Novo83 e segundo a arquiteta e urbanista Maria Cristina da Silva Leme, “Sua abertura contribuiu para o processo de expulsão das populações pobres da área central da cidade” (SILVA LEME, 1999, p.367). Participaram como autores do projeto, através da Comissão do Plano da Cidade, os engenheiros e arquitetos: José de Oliveira Reis, Nelson Muniz Nevares, Hermínio de Andrade e Silva, Armando Stamile, Edwaldo Vasconcelos, Aldo Botelho, Hélio Mamede, Domingos de Paula Aguiar, João Moysés, Hélio Alves de Brito e Affonso Eduardo Reidy (SILVA LEME, 1999, p.367). Outro projeto de relevância no escopo das incumbências da Comissão do Plano da Cidade foi o de remodelação das quadras do centro, a partir de 1938, que normatizou os novos limites de dimensão de quadras e ocupação de lotes, visando atribuir à região maior permeabilidade e menor adensamento, coerente com as características do tecido urbano das principais cidades no mundo. Neste caso, acrescenta-se apenas o nome do engenheiro Tobias Visconti à relação de profissionais da Comissão. A urbanização do bairro do Botafogo, atendendo as diretrizes do Plano Agache no tocante à integração da Cidade Universitária, na praia Vermelha, ao novo traçado do bairro, se deu a partir de 1944. Os jardins da orla da enseada do Botafogo foram feitos posteriormente pelo arquiteto e paisagista, Roberto Burle Marx, entre 1951 e 82 Decreto presidencial nº6747, de 23 de abril de 1940. 83 Na cidade de São Paulo, o local preferido para os eventos do Estado Getulista era o Estádio Municipal do Pacaembu. 230 1952. Juntou-se à Comissão para a execução destes trabalhos o engenheiro- arquiteto João Gualberto Marques Porto. Por fim, muito importante foi a construção da Avenida Brasil. Esta foi construída sobre um aterro, realizado pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento, que era o responsável pelos trabalhos de saneamento na orla da baía, e teve como objetivos deslocar a parte inicial das rodovias Rio - Petrópolis e Rio - São Paulo para áreas mais distantes do tecido urbano, bem como valorizar estas extensões periféricas da cidade. A Avenida Brasil foi inaugurada em 1946. Figura 82 – Vista aérea da área a ser ocupada pela Avenida Presidente Vargas, Rio de Janeiro, e o projeto modular para a Avenida. (CAVALCANTI, 2006) 231 Figura 83 – Demolição das edificações existentes para a implantação da Avenida Presidente Vargas, Rio de Janeiro, 1941. (CAVALCANTI, 2006) Figura 84 – Avenida Presidente Vargas após a demolição das edificações do local, Rio de Janeiro, 1946. (CAVALCANTI, 2006) 232 Figura 85 – A Avenida Presidente Vargas em seu esplendor, Rio de Janeiro, 1947. (KOSMOS, 1948) Figura 86 – Projeto para a Praça do Castelo, na Esplanada do Castelo, Rio de Janeiro, 1940. (CAVALCANTI, 2006) 233 Figura 87 – Vista aérea da Esplanada do Castelo ainda sem a urbanização, Rio de Janeiro, 1931. (CAVALCANTI, 2006) 234 4.2.2. Edificações e monumentos Relacionamos abaixo as edificações construídas pelo Estado Getulista no período de 1930 a 1945, na cidade do Rio de Janeiro, para uso do seu quadro funcional, visto a reestruturação administrativa pela qual passou o Estado a partir da ascensão de Getúlio Vargas ao poder com a Revolução de 1930 e posteriormente com a implantação do Estado Novo. Incluímos também nesta relação, edificações de instituições ligadas ao governo e que tiveram apoio financeiro deste para a sua construção, como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o Instituto de Pensões e Aposentadorias dos Industriários (IAPI), o Instituto de Pensões e Aposentadorias dos Comerciários (IAPC), a Associação Comercial do Rio de Janeiro, o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) e a Liga Brasileira Contra a Tuberculose. A cronologia utilizada considerou as datas de projeto e construção, respectivamente e a classificação estilística considerou a predominância dos elementos arquitetônicos presentes na edificação. Incluímos as denominações atuais no intuito de facilitar a identificação, bem como uma provável visitação as edificações. 235 Figura 88 - 1926-31 – Monumento ao Cristo Redentor Morro do Corcovado – Cosme Velho Projeto: Heitor da Silva Costa, Paul Landowski – escultor (cabeça e mãos) e Lélio Landucci – assistente Construção: Heitor da Silva Costa e Pedro Fernandes Vianna da Silva – engenheiros Colaboração: Heitor Levy. Estilo: Art Déco 236 Figura 89 - 1933-40 (reforma) – Edifício do Instituto Nacional de Serviço Social Rua Pedro Lessa, 36 / Avenida Graça Aranha, 35 – Centro Projeto: Paulo Antunes Ribeiro Reforma: Stelio Alves de Souza Construção: Brandão, Magalhães & Cia. Ltda. Estilos: Moderno inicialmente, Art Déco após a reforma. 237 Figura 90 - 1934 – Edifício do Instituto Nacional de Previdência Social Avenida Graça Aranha, 169 / Rua México, 128 – Centro. Projeto: não identificado Construção: não identificado Estilo: Art Déco 238 Figura 91 - 1934 / 1938 – Edifício do Ministério da Marinha Rua D. Manuel, 15 - Centro Projeto: Departamento de Obras do Ministério da Marinha Construção: Departamento de Obras do Ministério da Marinha Estilo: Tardo- classicista 239 Figura 92 - 1935 – Edifício da Polícia Federal Avenida Rodrigues Alves, 1 – Centro. Projeto: não identificado Construção: não identificado Estilo: Art Déco. 240 Figura 93 - 1935 – Escola Municipal República Argentina Boulevard Vinte e oito de Setembro, 125 – Vila Isabel. Projeto: Eneas Silva Construção: não identificado Estilo: Art Déco 241 Figura 94 - 1936 – Castelo D‟água do Maracanã Praça Maracanã – Maracanã Projeto: Inspetoria de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro Construção: J. Baerlein & Cia Estilo: Art Déco 242 Figura 95 - 1936 / 1938 – Edifício Sede da Associação Brasileira de Imprensa – ABI Rua Araújo Porto Alegre, 71 – Centro Projeto: Marcelo e Milton Roberto Terraço-Jardim: Roberto Burle Marx Construção: Duarte e Cia Estilo: Moderno 243 Figura 96 - 1936-38 – Tribunal Regional do Trabalho (antigo edifício do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio) Avenida Presidente Antonio Carlos, 105 – Centro Projeto: Mário Santos Maia Equipe de desenvolvimento e fiscalização: Dulphe Pinheiro Machado, Edgar de Mello, Mário Santos Maia, Plínio R. Catanhede, Affonso Eduardo Reidy e Antonio de Almeida Construção: Construtora Raja Gabaglia Estilo: Art Déco 244 Figura 97 - 1936 -40 – Estação D. Pedro II, sede da Flumitrens, Central do Brasil Praça Cristiano Otoni, s/n° - Centro Projeto: Roberto Magno de carvalho e escritório Robert R. Prentice (Geza Heller e Adalberto Szilard) Construção: José Maurício da Justa (responsável), Cumplido Santiago & Cia (alvenaria e acabamentos) Estilo: Art Déco 245 Figura 98 - 1936-43 – Palácio Gustavo Capanema (antigo edifício do Ministério da Educação e Saúde) Rua da Imprensa, 16 – Centro Projeto: Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Carlos Leão, Jorge Machado Moreira, Affonso Eduardo Reidy e Ernani Vasconcelos. Consultoria: Le Corbusier Colaboradores: Roberto Burle Marx (jardins) e Emílio Baumgart (cálculo estrutural) Principais obras de arte: Cândido Portinari (pintura e azulejaria), Bruno Giorgi e Celso Antônio Menezes (esculturas) Construção: Serviço de Obras do Ministério da Educação e Saúde Pública Estilo: Moderno 246 Figura 99 - 1937 – Palácios do Comércio (antigo edifício da Associação Comercial do Rio de Janeiro) Rua da Candelária, 9 – Centro Projeto: Henri Paul Pierre Sajours & Auguste Rendu Construção: Dourado S.A Estilo: Art Déco 247 Figura 100 - 1937-8 – Estação de Hidroaviões Praça Marechal Âncora, s/n° - Centro Projeto: Attílio Corrêa Lima Colaboradores: Jorge Ferreira, Thomaz Estrella, Renato Mesquita dos Santos e Renato Soeiro Construção: Departamento de Aviação Civil (Paulo Osório Jordão de Brito – responsável técnico) Estilo: Moderno 248 Figura 101 - 1937- 44 – Aeroporto Santos Dumont Praça Salgado Filho, s/nº - Centro Projeto: Marcelo e Milton Roberto Construção: Departamento de Aviação Civil (César Grilo – responsável técnico) Jardins: Roberto Burle Marx Estilo: Moderno 249 Figura 102 - 1938-40 – Edifício Plínio Catanhede (antigo edifício do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários – IAPI) Avenida Almirante Barroso, 78 - Centro Projeto: Marcelo e Milton Roberto Construção: Divisão de Engenharia do IAPI Estilo: Moderno 250 Figura 103 - 1938-42 – Palácio Duque de Caxias (antigo edifício do Ministério da Guerra) Praça Duque de Caxias, s/nº - Centro Projeto: Christiano Stockler das Neves Construção: não identificado Estilo: Art Déco 251 Figura 104 - 1938-43 – Ministério da Fazenda Avenida Presidente Antonio Carlos, 375 – Centro Projeto: Luiz de Moura Construção: Cavalcanti Junqueira S.A Estilo: Tardo classicista 252 Figura 105 - 1939-40 - Pavilhão do Brasil Na Feira Internacional de Nova York* Flushing Meadows – Queens – Nova York – EUA Projeto: Lúcio Costa e Oscar Niemeyer Construção: Comissão da Feira Estilo: Moderno 253 Figura 106 - 1941-2 – Edifício João Carlos Vital (antigo edifício do Instituto de Resseguros do Brasil – IRB) Avenida Marechal Câmara, 171 – Centro Projeto: Marcelo, Milton e Maurício Roberto Jardins e terraços: Roberto Burle Marx Obras de arte: Paulo Werneck (mural em mosaico) Construção: Instituto de Resseguros do Brasil (Rui Moreira – engenheiro responsável) Estilo: Moderno 254 Figura 107 - 1941-4 – Edifício Valparaíso (antigo edifício da Liga Brasileira Contra a Tuberculose) Avenida Almirante Barroso, 54 – Centro Projeto: Marcelo e Milton Roberto Construção: Divisão de Engenharia do IAPI Estilo: Moderno *Obs.: Incluímos o edifício em questão, mesmo não tendo sido construído na cidade do Rio de Janeiro, foco de nosso trabalho, por ser uma das edificações relevantes, no processo de construção de uma imagem de modernidade, almejada para o Brasil do Estado Getulista. 255 4.3. Os Palácios do Poder: os edifícios dos ministérios getulistas Figura 108 – Vista aérea da Esplanada do Castelo com os edifícios dos Ministérios, Rio de Janeiro, 1947. (KOSMOS, 1948) Desde os discursos da Aliança Liberal na época da eleição para a presidência da República de 1929, termos como moderno, modernização, modernidade, nacionalismo e Estado mais atuante, foram se tornando cada vez mais freqüentes. Após a Revolução de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas ao posto de mandatário máximo do país, a concretização de uma plataforma política que 256 contemplasse estas questões, significava o diferencial alardeado pelos revolucionários. A modernização do país implicava na implantação das premissas da modernidade, como o liberalismo econômico; a priorização da industrialização na composição da economia, o trabalho assalariado e a garantia dos direitos mínimos desta classe, e a não intervenção do Estado no sistema; e o liberalismo político com a manutenção das instituições democráticas. Moderno seria manter-se atual, sintonizado com as tendências internacionais. Ao mesmo tempo, e justamente para não ser engolido por economias mais estruturadas, via-se a necessidade de se ater a princípios que garantissem uma autonomia perante estas, negociando condições favoráveis dentro de um sistema que já indicava certa globalização (CAVALCANTI, 2006, pp. 225-32). Assim sendo, a construção da imagem do Brasil que emergiu da Revolução de 1930, se delineou pelo Governo Provisório e Constitucional de Getúlio Vargas e atingiu sua configuração definitiva com o advento do Estado Novo, apesar de não apresentar as premissas citadas em sua integralidade, desenvolvendo uma “modernidade à brasileira”, como já exposto anteriormente neste trabalho, tinha que se valer de instrumentos que lhe aferissem um caráter de modernidade e nacionalismo, ou seja, ao mesmo tempo, tínhamos que parecer modernos e originais. Das vinte obras relacionadas no inventário deste trabalho, parte tinha como objetivo atender à questão da modernização da infraestrutura para um melhor funcionamento da cidade. Exemplificamos este aspecto, com o reservatório denominado Castelo D‟Água do Maracanã, construído para suprir uma antiga deficiência no abastecimento de água potável para a cidade do Rio de Janeiro, que foi ressaltada pelo crescimento da urbanização; a nova Estação Ferroviária Pedro II, maior e com equipamentos mais modernos; a Estação de Hidroaviões, como conseqüência de uma tendência da aviação nacional perante a predominância das capitais próximas ao mar e de rios; e o Aeroporto Santos Dumont, já projetado para as modernas aeronaves. 257 Não que estas obras também não pudessem representar o caráter ostentatório de poder do Estado Getulista que as construiu, mas estavam muito mais ligadas à demonstração da modernidade deste, pela presunção de aspectos técnicos e científicos necessários ao cumprimento específico de suas funções. Cabe ratificar, neste aspecto, a informação também já apresentada anteriormente neste trabalho, da grande presença de técnicos nos quadros funcionais do Estado Getulista, criando até a imagem que se manteve por um bom tempo, da priorização destes em postos que exigiriam conhecimentos específicos em detrimento do aspecto político nesta escolha. Nesta linha de raciocínio, podem-se inserir os esforços para a criação da Universidade do Brasil, a partir de 1933, como medida para sanar uma real deficiência na quantidade de profissionais habilitados para o exercício não só das tarefas tradicionais do funcionalismo público, agora incrementadas por novos processos de administração, como das ocupações oriundas dos ministérios criados por Getúlio Vargas, além do intuito de abastecer com profissionais específicos e competentes o programa desenvolvimentista proposto por este Estado. A maioria das edificações relacionadas no inventário das realizações do Estado Getulista foi destinada à administração pública direta e indireta, como no caso dos Institutos de Aposentadoria e Pensões das categorias profissionais (IAP‟s), que tinham a anuência do Estado. Mas sem dúvida, as edificações que melhor representaram o Estado de Getúlio Vargas no tocante à imagem de poder almejada por este, embasada pela tentativa de concretização da onipresença do Estado na vida dos cidadãos em todos os seus aspectos, na solidez de sua estrutura, na perenidade de sua constituição, na segurança e confiança perante os compromissos firmados, na grandeza de suas pretensões para o país e seu povo, na ratificação do conceito de nação pelas suas tradições e ao mesmo tempo de modernidade, foram as dos ministérios. 258 Foram construídas as sedes dos ministérios da Marinha (1934-8), do Trabalho, Indústria e Comércio (1936-8), da Educação e Saúde (1936-43), da Guerra (193842) e o da Fazenda (1938-43), que atenderam, algumas mais que outras, todas, ou algumas, as qualidades desejadas, citadas acima. Interessante ressaltar que apesar de grande parte das construções ter ocorrido durante a rígida ditadura do Estado Novo, houve flexibilidade na escolha dos estilos para estas edificações, ficando excluído apenas o Neocolonial. Para a presente análise foram selecionadas as edificações dos ministérios civis, quais sejam; do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, a do Ministério da Educação e Saúde Pública e do Ministério da Fazenda as edificações dos militares tiveram sua imagem ligada antes à especificidade, ao imagético relacionado às forças armadas do que ao do governo instituído. 259