FILOSOFIA: DELIMITANDO SUA NOÇÃO 1. RELEMBRANDO: Conceituando Filosofia Filosofia: “amor à sabedoria” e a busca do saber Filosofia: consciência crítica Filosofia: vertente negativa = não aceitar o senso comum; vertente positiva = interrogação constante Filosofia: preocupação pelas questões humanas mais fundamentais Filosofia: busca dos sentidos e valores Filosofia: o mundo precisa dela? Filosofia da experiência vital (senso comum) e Filosofia como ciência 2. FILOSOFIA: ESCLARECENDO A ETIMOLOGIA 2.1.1 Filosofia: “amor pela sabedoria” O nome de sábio, Fedro, me parece demasiado grande e só aplicável à divindade. Mais adequado seria a de “amigo da sabedoria”. (Sócrates) A palavra “filosofia” procede do grego: o verbo “philein” significa “amar”; “sophia” designa antes de tudo qualquer tipo de capacidade ou habilidade, porém passa logo a especificar o saber, o conhecimento e de modo muito particular aquele saber superior que compreende a virtude e a arte de viver. Um “sophos” é, antes de tudo, aquele que é hábil em sua profissão e em sua vida, porém muito especificamente o “sábio”. Por tudo isto, é sólido traduzir-se como “amor à sabedoria” (ANZENBACHER, 1984, p. 16) 2.1.2 Sabedoria nas antigas culturas orientais Nas culturas orientais e, portanto, anteriores à grega, sabedoria podia designar: Arte de viver: conjunto de regras morais e sociais, com função didático-pedagógica. Sábio: mestre educador das cortes. Gênero sapiencial: sentenças, provérbios, máximas, comparações. Sabedoria: uma “filosofia” popular, de conotação religiosa. 2.1.3 Sabedoria na cultura grega Para os gregos, a ciência é a explicação de todas as coisas pelas suas causas. O mundo real é um “cosmos”, um todo ordenado; esta ordem é racional e pode ser compreendida pela inteligência humana; é uma ordem de causalidade, tão ajustada que a explicação de todo o acontecimento se encontra nas suas causas. Estes três princípios regem a ciência grega (RAEYMAEKER, 1973, p. 20) Do outro lado do Mediterrâneo, na Grécia, surgia de um pequeno agrupamento humano uma outra importante cultura e que também elaborara todo um sistema teórico de interpretação do real e da existência do homem... O universo se explicava por um princípio puramente racional, por um “logos”; os homens, naquilo que lhes é específico, são assim por “participarem desse logos”. Cada homem responde individualmente por seu destino e por seu agir nesta terra, devendo, pois, adequarse o mais possível às exigências do “logos”; agindo assim sempre racionalmente. (SEVERINO, 1992, p. 48) A ânsia de entender racionalmente as coisas criou a um só tempo a Filosofia e a Ciência. “É necessário”, dizia Platão, “ir até onde nos leva a razão e o espírito” (A República, Livro III, 394). A razão levou os gregos a ver uma ordem, uma unidade, uma harmonia por detrás da multiplicidade caótica das coisas e dos acontecimentos. A realidade não era o que estava à nossa frente, mas, sim, o que a razão iria encontrar a dizer. Daí a busca das causas e dos princípios. Há uma citação de Eurípides, repetida por Vergílio, que reflete esta motivação intelectual dos helênicos: “feliz aquele que aprendeu a pesquisar as coisas”. (XAVIER TELES, 1985, p. 22) Aqui, então, diferenciamos, segundo os gregos, os seguintes termos: Ciência: racionalidade; é compreender o mundo pela razão, pela inteligência (e isso em oposição à explicação mitológica da realidade) Logos do mundo: o mundo possui uma “razão” dentro de si; as causas das coisas estão nas próprias coisas e não no determinismo que os mitos e a religião grega apresentavam. Logos do homem: é o instrumento para captar e compreender o “logos do mundo”. Dessa maneira, ressaltamos que os gregos desenvolveram uma ciência (no sentido mais etimológico da palavra: conhecimento) dos fatos (medicina, astronomia, matemática, etc.), mas, sobretudo, uma ciência da profundidade e da análise da realidade (filosofia). 2.2 FILOSOFIA: FIXANDO SUA NOÇÃO 2.2.1 Filosofia é ciência Afirma-se que Filosofia é ciência (mais uma vez devemos entender o conceito no seu sentido etimológico e não no sentido positivista) porque apresenta três características: racionalidade e criticidade, procedimentos metódicos, sistematicidade. Podemos afirmar que a Filosofia é uma ciência especial, com características muito próprias, cujo caráter eminentemente especulativo, dá a ela um sentido de ver diferente das demais ciências, mas profundamente ligada a todas elas. (RHEIN SHIRATO, 1987, p. 31-32) A Filosofia, então, não é poesia nem uma simples meditação e muito menos um livre discurso. Trata-se de um saber rigoroso, fundamentado, organizado, ou seja, é ciência. 2.2.1.1 Filosofia é ciência pela sua racionalidade e criticidade A filosofia tem a pretensão de que todas as suas afirmações são racionais e que, por isso mesmo, podem entendê-las qualquer ser racional (qualquer homem) e ver o como e o porquê da lógica contundente que pretendem tais afirmações. (ANZENBACHER, 1984, p. 39) O conhecimento filosófico é um trabalho intelectual. É sistemático porque não se contenta em obter respostas para as questões colocadas, mas exige que as próprias questões sejam válidas e, em segundo lugar, que as respostas sejam verdadeiras, estejam relacionadas entre si, esclareçam umas às outras, formem conjuntos coerentes de idéias e significações, sejam provadas e demonstradas racionalmente. (CHAUÍ, 1995, p. 15) Assim, instrumento a Filosofia de procedimentos utiliza-se compreensão racionais da da razão realidade) (raciocínio (como e de lógico, argumentação, demonstração, etc.). Ela prescinde da emoção e da fé para a leitura do real e, por isso, distingue-se da Arte e da Religião. 2.2.1.2 Filosofia é ciência pelos seus procedimentos metódicos A Filosofia possui método próprio (pesquisar os métodos filosóficos) e os conhecimentos são adquiridos segundo um plano consciente, seguem um “caminho previsto” (método). 2.2.1.3 A Filosofia é ciência pela sua sistematicidade As indagações filosóficas se realizam de modo sistemático. Que significa isso? Significa que a Filosofia trabalha com enunciados precisos e rigorosos, busca encadeamentos lógicos entre enunciados, opera com conceitos ou idéias obtidos por procedimentos de demonstração e prova, exige a fundamentação racional do que é enunciado e pensado. Somente assim a reflexão filosófica pode fazer com que nossa experiência cotidiana, nossas crenças e opiniões alcancem uma visão crítica de si mesmas. (CHAUÍ, 1995, p. 15) Ciência é, então, simplesmente um conjunto de conhecimentos que estão em relação mútua. Esse conjunto se apresenta como um todo, como um sistema. Assim, pois, na filosofia se trata de uma união sistemática de conhecimentos ou afirmações. (ANZENBACHER, 1984, p. 38) Disso, concluímos que a Filosofia tende ao sistema (por sistema devemos entender a ramificação interrelacionada e interdependente de conhecimentos e verdades), pois os conhecimentos são organizados num conjunto unitário. 2.2.2 Filosofia é uma ciência da fundamentação Como já foi afirmado, a Filosofia não é ciência no sentido positivista do termo, não é uma ciência dos fatos (o que pertence às ciências experimentais), mas ciência dos fundamentos e da fundamentação. Ela é ciência dos fundamentos porque busca a razão última, os primeiros princípios das coisas; porque tem por temática as questões fundamentais da humanidade, e porque se situa além das ciências experimentais. 2.2.2.1 Filosofia é ciência da fundamentação porque busca a razão última, os primeiros princípios das coisas O objetivo da filosofia consiste em alcançar uma explicação fundamental da realidade, explicação que, então, será realmente fundamental, quando logra pôr em descoberto as motivações, razões ou causas últimas do real. Vista assim, a filosofia se manifesta como a “ciência dos fundamentos” (MANDRIONI, 1964, p. 225) A filosofia é uma ciência fundamental porque investiga os fundamentos últimos, os fundamentos não empíricos...a ocupação filosófica do Ocidente começou com a questão da “arché” (palavra grega que significa “fundamento, princípio”). De modo definitivo, a filosofia sempre girou em torno desta questão. A filosofia é a ciência dos últimos fundamentos, condições e supostos. (ANZENBACHER, 1984, p. 38-39) A Filosofia, com efeito, procura sempre resposta a perguntas sucessivas; objetivando atingir, por vias diversas, certas verdades que põem a necessidade de outras: daí o impulso inelutável e nunca plenamente satisfeito de penetrar, de camada em camada, na órbita da realidade, numa busca incessante de totalidade de sentido, na qual se situam o homem e o cosmos. Ora, quando atingimos uma verdade que os dá a razão de ser de todo um sistema particular de conhecimento e verificamos a impossibilidade de reduzir tal verdade a outras verdades mais simples e subordinantes, segundo certa perspectiva, dizemos que atingimos um princípio ou um pressuposto. (REALE, 1989, p. 4) Assim, a Filosofia não para enquanto é possível ainda colocar questões e ela somente se contenta com a evidência, isto é, com a última clareza racional. 2.2.2.2 Filosofia é ciência da fundamentação porque tem por temática as questões fundamentais da humanidade Os assuntos da Filosofia são as questões “de fundo” do homem e da humanidade; problemas “existenciais” que tocam o sentido da vida e de toda a realidade. 2.2.2.3 Filosofia é ciência da fundamentação porque se situa além das ciências experimentais-positivas A Filosofia é aquele conhecimento especulativo ou analítico sobre a realidade como um todo ou a respeito de certos problemas que não caem sob a alçada das ciências, principalmente os do conhecimento e da ação. (XAVIER TELES, 1985, p. 53) Se todos os problemas científicos estivessem resolvidos, as questões realmente humanas não seriam sequer tocadas. (Ludwig Wittgenstein) O objeto das ciências experimentais são os fatos e os fenômenos; elas buscam descobrir as relações constantes entre os fenômenos (leis) e têm por objetivo a aplicação (ciência = técnica). Já a Filosofia trata de questões que não são tratadas pelas ciências, porque ultrapassam os fatos e a experimentabilidade; ela busca o sentido total e último das coisas. 2.2.3 A Filosofia é uma ciência da universalidade A Filosofia é a ciência da universalidade porque é um conhecimento totalizante, globalizante; busca a totalidade e a unidade do saber; busca uma síntese intelectual. Ela é totalizante porque seu campo é universal e porque busca a integração e a unidade dos conhecimentos. 2.2.3.1 Filosofia é ciência da universalidade porque seu campo é universal A Filosofia pode se voltar para qualquer objeto. Pode pensar a ciência, seus valores, seus métodos, seus mitos; pode pensar a religião; pode pensar a arte; pode pensar o próprio homem em sua vida cotidiana. Uma história em quadrinhos ou uma canção popular podem ser objeto da reflexão filosófica. A Filosofia incomoda porque questiona o modo de ser das pessoas, do mundo. Questiona as práticas política, científica, técnica, ética, econômica, cultural, artística. Nada há onde ela não se meta, não indague, não perturbe. (ARRUDA ARANHA & PIRES MARTINS, 1985, p. 69) A filosofia é uma crítica universal que submete todas as opiniões, todas as imagens do mundo e qualquer exigência de sentido ao seu juízo como ciência racional. É uma crítica das ideologias, da religião, da ciência, da tecnologia e da sociedade. Combate todo dogmatismo acrítico, com o que adota uma função clarificadora na sociedade. (ANZENBACHER, 1984, p. 40) As ciências experimentais têm uma limitação de campo e de objeto; já a Filosofia, possui um campo ilimitado e pode tratar de qualquer assunto que envolva um questionamento racional. 2.2.3.2 Filosofia é ciência da universalidade porque busca a integração e a unidade dos conhecimentos A Filosofia busca formar uma visão total, coerente e ordenada do homem, do mundo e de toda realidade. Já as ciências experimentais são uma visão dos fatos num campo limitado. A Filosofia busca uma “cosmovisão” e uma “globalização” das ciências. Quando se afirma que a Filosofia é a ciência dos primeiros princípios, o que se quer dizer é que a Filosofia pretende elaborar uma redução conceitual progressiva, até atingir juízos com os quais se possa legitimar uma série de outros juízos integrados em um sistema de compreensão total. Assim, o sentido de universalidade revela-se inseparável da Filosofia. (REALE, 1989, p. 4)