REVISTA ÂMBITO JURÍDICO ® Entomologia forense – insetos

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Entomologia forense – insetos aliados da lei
1. Introdução
Atualmente a tecnologia encontra-se a disposição da justiça como ferramenta de auxílio à investigação de crimes através da mão de obra técnica
especializada e de equipamentos científicos de precisão. Desta forma, a ciência passou a ser capaz de fornecer dados suficientes para indicar
vestígios de um crime e supostos criminosos. Entre as diversas áreas de pesquisa forense, a entomologia vem nas últimas duas décadas
despertando o interesse de peritos e pessoas ligadas a instituições judiciais devido ao fato de existir uma relação íntima entre esse estudo e as
técnicas de investigação em diferentes casos de morte.
A Entomologia Forense é considerada a ciência aplicada ao estudo dos insetos, ácaros e outros artrópodes em procedimentos legais. A primeira
aplicação da entomologia forense citada em manuais de medicina legal refere-se como ocorrida em 1235, na China, baseado em um manual chinês
da autoria de Sung Tzu, intitulado “The washing away of wrongs”, onde ele citou um caso de homicídio perpetrado com uso de instrumento de ação
corto-contundente, no qual os investigadores, à procura de vestígios na redondeza encontraram uma foice com moscas sobrevoando ao seu redor,
provavelmente pela atração dos odores exalados de substâncias orgânicas aderidas a lâmina, imperceptíveis a olho nu. Tal fato desencadeou um
interrogatório realizado pela polícia ao proprietário da foice, levando-o posteriormente a confessar a autoria do crime (Oliveira-Costa 2003).
Contudo, essa ciência tornou-se mundialmente conhecida somente após 1894, com a publicação na França do livro “La faune des cadavres” de
Mégnin. Os estudos que resultaram neste livro ainda hoje são utilizados como padrão para os achados de insetos cadavéricos que se sucedem de
modo previsível no processo de decomposição. Contudo, esses dados não podem ser aplicados ao Brasil, visto que o clima tropical conduz a um
processo de decomposição mais acelerado em relação ao clima europeu, além das diversas espécies de insetos que existem no velho mundo (África,
Ásia, Europa e Oceania) não ocorrem no continente americano e vice-versa. Esses fatos, portanto se analisados geograficamente, limitam o estudo
correlativo da entomologia forense, embora não queiram dizer que as metodologias utilizadas devam ser diferentes, ao contrário, diversas técnicas
específicas e padronizadas internacionalmente estão envolvidas para que se possa obter sucesso nos resultados para fins forenses, principalmente
no que se refere ao quadro policial, na cena do crime. A equipe envolvida nas investigações bem como a conduta adequada do entomologista são
fatores precursores de uma metodologia eficiente (Oliveira-Costa e Lopes 2000, Nortueva 1977).
A fauna entomológica cadavérica no Brasil apresenta uma ampla diversidade de espécies que se sucedem na carcaça, pois o processo de
decomposição oferece condições ideais ao desenvolvimento (Hobson 1932, Keh 1985). Os estudos em entomologia forense no Brasil indicam as
moscas como os insetos de maior interesse na área, provavelmente pela diversidade deste grupo em regiões tropicais e sobre tudo pela grande
atratividade que a matéria orgânica em decomposição exerce sobre esses insetos adultos ou larvas, influenciando no comportamento e dinâmica
populacional das várias espécies em nichos ecológicamente distintos. Os besouros, grupo de insetos pertencentes à ordem Coleoptera, são o
segundo grupo de insetos de maior interesse forense no Brasil, sendo encontrados nas carcaças tanto em sua fase adulta de desenvolvimento,
quanto na fase imatura (larvas) (Carvalho et al 2000, Barbosa et al 2006). Os insetos associados a cadáveres estão ainda classificados segundo Keh
(1985) da seguinte maneira:
Necrófagos: São determinados insetos imaturos e/ou adultos na sua grande maioria moscas e besouros (Dípteros Muscóides e Colópteros) que se
alimentam de tecido em decomposição;
Ominívoros: Insetos com uma dieta alimentar ampla, tanto dos corpos quanto da fauna associada. Formigas e vespas (Himenópteros) e alguns
besouros;
Parasitas e Predadores: Os parasitas neste contexto utilizam a entomofauna cadavérica a qual retira os meios para o seu próprio desenvolvimento
e os predadores são os indivíduos que se alimentam das formas adultas ou imaturas dos insetos cadavéricos. Nessas duas classificações podemos
encontrar Himenópteros (parasitando ou predando), Coleópteros, Dípteros Muscóides e Dermápteros (vulgo tesourinha);
Acidentais: São insetos que se encontram ao acaso no cadáver, explicado muitas vezes pela freqüência como ocorrem naturalmente em
determinadas áreas ecológicas. Aranhas, centopéias, ácaros e outros artrópodes são exemplos de animais pertencentes a esta classificação.
2. Aplicações Legais da Entomologia Forense
A entomologia é utilizada em investigação de tráfico de entorpecentes, maus tratos, danos em bens imóveis, contaminação de materiais e produtos
estocados ou morte violenta, entre inúmeros outros casos que se apresentam no âmbito judicial. Países desenvolvidos que possuem centros de
investigação reconhecidos internacionalmente, como exemplo o Federal Bureal of Investigation (FBI) nos Estados Unidos da América, já possuem
uma linha de pesquisa em perícia entomológica, seja realizado em parceria com pesquisadores de universidades ou laboratórios especializados.
Os conhecimentos entomológicos podem servir de auxílio para revelar o modo e a localização da morte do indivíduo, além de estimar o tempo de
morte ou intervalo pós-mortem (IPM). O conhecimento da fauna de insetos, biologia e comportamento também podem determinar o local onde a
morte ocorreu. Por exemplo, algumas espécies de moscas são encontradas em centros urbanos e diante deste fato, a associação dessas espécies
em corpos, encontrados nas áreas rurais, sugerem que a execução do crime não tenha ocorrido no local onde o corpo foi achado (Wade e Trozzi
2003).
2.1- Aplicações nos casos de morte natural, acidental ou criminal.
Oliveira-Costa (2003) cita que a diagnose diferencial da causa jurídica da morte não é uma tarefa fácil, portanto, somente com conhecimentos
entomológicos, difilcilmente conseguiremos conclui-la. Entretanto certas considerações auxiliam o rumo correto a ser seguido. Drogas presentes no
cadáver podem indicar uma dose por ingestão letal dessas substâncias (“over dose”), uma vez que as mesmas interferem no processo de
desenvolvimento dos insetos necrófagos. Cocaína, heroína, “metanfetamina”, “amitriptilina” e outros narcóticos têm mostrado efeitos adversos que
interferem na velocidade de crescimento das formas imaturas de alguns insetos e também de maneira intrínseca no processo de decomposição
cadavérica. A presença de certas substâncias no corpo, tais como organofosforados, carbamatos sistêmicos, arseniato de chumbo e piretroides
impedem a colonização de determinados de insetos necrófagos (Leclerq & Vaillant 1992, Oliveira-Costa e Lopes 2000).
2.2- Aplicações nos casos de entorpecentes.
As drogas não sintéticas, comercializadas ilgalmente através da manipulação dos produtos naturais cultivados ou pertencentes a áreas de
extrativismo são acompanhadas de sua fauna entomológica associada. Como exemplo a identificação de origem da Cannabis sativa (maconha), com
base nos insetos encontrados, que no momento da prensagem do vegetal, ficaram retidos, traçando a rota do tráfico através da sua distribuição
geográfica (Crosby et al., 1985).
2.3- Aplicação nos casos de contaminação de materiais e produtos estocáveis.
A presença de insetos em produtos industrializados pode indicar falha no processo de fabricação ou erros no armazenamento da matéria prima. Esta
negligência pode levar determinados produtos a um nível de infestação consideravelmente perigoso à saúde humana ou animal, devido ao fato dos
insetos carrearem em suas patas, aparelho bucal, e nos seus excrementos agentes patogênicos de grande importância em saúde pública como
bactérias, fungos e virus (Gredilha et al., 2007; Mello et al 2004; Prado et al; Oliveira et al 2002).
Gredilha et al., 2005 citam que alguns dos insetos encontrados em rações industriais vendidas em lojas especializadas na cidade do Rio de Janeiro
alimentam-se das proteínas contidas nas rações peletilizadas, causando esfarelamento das mesmas diminuindo assim, os componentes nutricionais
indicados nas embalagens. Os alimentos comercializados em feiras livres e estabelecimentos comerciais podem ser facilmente alvos de insetos, haja
vista o fato da exposição desses produtos, do mau acondicionamento, higiene inadequada dos manipuladores e principalmente da ineficiência no
sistema de fiscalização e vigilância sanitária, acarretando em possíveis casos de toxiinfecções alimentares que em determinados indivíduos o
agravamento dos sintomas aliados a não realização do atendimento emergencial levam ao óbito (Guimarães-Neto et al. 2005; Greenberg 1973;
Norberg 1999 Tan et al. 1997).
3. O DNA e a Entomologia Forense
Ainda são recentes as aplicações das metodologias existentes no campo da biologia molecular quanto aos estudos dos insetos, as técnicas
moleculares mais difundidas são utilizadas principalmente na área de sistemática, taxonomia, filogenia e estudos populacionais de insetos. Na
entomologia forense os avanços de técnicas moleculares estão concentrados na utilização da PCR, com a vantagem de recuperar a identidade do
inseto através de qualquer vestígio morfológico de suas fases do ciclo de vida, seja o ovo, a larva a pupa ou partes fragmentadas de um adulto.
Os métodos que combinam outras técnicas, como PCR-RFLP (reação em cadeia de polimerase-polimorfismo por comprimento do fragmento de
restrição), cromatografia para análise de substâncias tóxicas nos insetos têm sido amplamente utilizado para a identificação de espécies de
importância forense (Sperling et al., 1994).
Adicionalmente, alguns estudos demostraram ser possível retirar e identifica DNA humano a partir de extratos do trato digestivo de larvas
decompositoras (Zehner et al., 2004). Tal aplicação mostrou-se útil na resolução de casos envolvendo a identificação de cadáveres em estado de
decomposição.
4. Considerações Finais
O estudo da fauna de cadáver constitui, portanto a aplicação forense mais importante da Entomologia na Medicina Legal. A divulgação dessa ciência
no âmbito policial nacional é quase inexistente. As pesquisas em entomologia no Brasil por sua vez, devido a impedimentos jurídicos e éticos, são
desenvolvidas em carcaças de animais visando obter parâmetros correlacionais com cadáveres humanos, fazendo-se necessário uma pesquisa mais
abrangente no meio pericial. Gannon (1977) propôs a criação de áreas destinadas a instituições científicas para os estudos de corpos humanos em
decomposição, semelhante à área já existente na Universidade do Tennesee, USA.
No Brasil a escassez de entomólogos forenses é apenas mais uma das diversas razões para os poucos estudos realizados na área. Embora área da
entomologia atualmente no Brasil seja reconhecida inclusive internacionalmente, há, entretanto várias subáreas da entomologia que são mal
aproveitadas, devido à imposição dos financiamentos em projetos científicos e do fomento a pesquisa básica que acabam determinando uma maior
atenção aos grupos de insetos com importância econômica agrícola, médico ou veterinária não havendo assim, projetos que visem financiar áreas da
entomologia que vão agregar um conhecimento uniforme a longo prazo, conforme os estudos da entomologia forense que exigem habilidades em
taxonomia e sistemática de insetos, conhecimento de entomolologia geral, ecologia e biologia de insetos, além de noções em perícia criminal e as
mais diversas áreas das ciências forense.
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